sábado, 29 de outubro de 2022

Explorando os Mythos mais obscuros - Shudde M'ell, aquele que faz o chão tremer


Os Ctônicos são uma raça de escavadores subterrâneos que habita as profundezas de nosso planeta. Eles raramente vem à superfície, preferindo vagar pelos estratos inferiores muitos quilômetros abaixo de nossas cidades insuspeitas. Contudo pode ocorrer destas criaturas irromperem para a superfície, e quando o fazem, isso envolve algum objetivo obscuro.

Sabe-se que a cidade abandonada de G'Harne no Norte da África é um dos poucos lugares onde estes seres se reúnem convergindo em grande número. Pouco mais do que ruínas fustigadas pelo sol, G'Harne inegavelmente desempenha papel preponderante nos mitos dessa raça ancestral. Uma das teorias mais controversas à respeito dessas reuniões envolve o enigmático Shudde M'ell, a grandiosa divindade venerada pelos Ctônicos, uma entidade misteriosa e amplamente temida. Para alguns, G'Harne é o covil do Deus e seria para louvá-lo que os Ctônicos empreendem as longas peregrinações que os conduzem até as ruínas imemoriais. Muito se fala sobre o canto de Shudde M'ell, um tipo de convocação psiquica que compele seus seguidores a realizar a jornada até ele.

A congregação de Ctônicos ocorre a cada ciclo de 23 anos, e ela possivelmente tem motivação religiosa. Diferentes tribos enviam seus representantes e estes são abençoados pela presença do seu Deus. Os Ctônicos não veneram outras entidades do Mythos considerando o conceito de servir outras deidades diferentes deles, algo, imponderável. 

Shudde M'ell é um Deus de grande poder e crueldade - sua ira é legendária. Os ditames dele devem ser obedecidos à risca e suas ordens incidem sobre cada aspecto da existência dos ctônicos, desde as migrações, passando por onde ataques devem ser realizados, a criação de terremotos e até mesmo os períodos de reprodução. Cada ordem é tratada como dogma e não há espaço para livre interpretação. Quando insatisfeito, Ele pune os dissidentes de seu povo extirpando-os de Seu círculo e decretando caçadas de sangue contra os que ousam contestá-Lo. No passado mais de uma tribo sofreu com essa cólera divina e as lendas mencionam os terríveis cismas que alijaram tribos um dia importantes. O controle de Shudde M'ell é tão grande que ele não distribui sua autoridade a nenhum sacerdote. Suas ordens são transmitidas através de seu canto que ecoa pelo solo e reverbera nas profundezas insondáveis, sendo captado por todos os membros da espécie. Uma vez transmitidas as ordens, elas são cumpridas com os Ctônicos realizando a vontade tão logo ela é comunicada.


Acredita-se que Shudde M'ell habite uma série de túneis e recessos subterrâneos exatamente abaixo de G'Harne e que ele tenha sido aprisionado nesse local pelo mesmo encantamento que previne o Grande Cthulhu de deixar a cidadela cadavérica de R'Lyeh. Uma vez que Shudde M'ell também é um dos Grandes Antigos, essa hipótese é bastante razoável. Sendo verdade, o Deus está compelido a ficar em uma área delimitada, possivelmente hibernando em alguma câmara que lhe serve de covil. O alinhamento correto de estrelas, predestinado como "o dia do despertar dos Antigois" permitirá ao Deus Ctônico obter sua liberdade. Assim como Cthulhu, ele é capaz de ecoar suas emanações psíquicas e contatar os Ctônicos onde bem entender. Não parece haver um limite para o alcance dessas ondas mentais.

Os Fragmentos de G'Harne contém a maioria das informações disponíveis sobre o culto de Shudde M'ell e a relação com seu povo. Elas instituem que o Deus dos Ctônicos é o maior e mais poderoso de todos os escavadores abaixo do solo, que sua autoridade é inquestionável e que ao romper seu confinamento o mundo inteiro irá tremer com a sua passagem. Várias profecias feitas por povos primitivos que preveem o fim do mundo através de terremotos, maremotos e outras hecatombes decorrentes de tremores sísmicos parecem se encaixar nos mitos de Shudde M'ell. Povos no Oriente Médio, nas Américas e no grande platô asiático compartilham de agouros similares e suas crenças podem ser traçadas até uma origem comum - o Mito "daquele que faz o chão tremer".

Entre os humanos, Shudde M'ell foi reverenciado em poucas ocasiões. Nos tempos hiborianos alguns sacerdotes do sinistro Reino da Estigia o louvavam sob o nome de Shuddam-El. Os rituais blasfemos desse culto incluía trancafiar vítimas de sacrifício em caixas e joga-los em fendas ou ainda abandoná-los no interior de cavernas naturais. Acredita-se que a seita tenha sobrevivido até chegar ao Egito antigo onde ela inspirou os mitos da Serpente Apophis. Além destes, os construtores megalíticos na Inglaterra e alguns místicos no Oriente Médio também o conheciam e a ele serviam.   


Apesar de muito temido, Shudde M'ell jamais contou com um culto organizado em larga escala, limitando-se a alguns poucos excêntricos que declaravam servi-lo em troca de algum benefício próprio. O Deus não atende a nenhuma convocação, ignorando qualquer tentativa de seres inferiores em parlamentar com Ele. Isso nunca impediu que Shudde M'ell recebesse sacrifícios e oferendas de seres humanos nas raríssimas instâncias em que eles puderam contemplar sua grandiosidade. Tribos primitivas se reuniam para oferecer ao Deus algum tributo pago com sangue afim de aplacar sua fúria e evitar que o Deus devastasse suas casas e vilarejos. Nas planícies do Mali e em algumas partes dos Andes peruanos até poucos séculos atrás, alguns rituais eram praticados com o intuito de acalmar o Grande Deus das Profundezas e evitar os tão temidos terremotos por ele causados. É discutível se o Deus atende as preces daqueles que lhe oferecem tributo, sendo mais provável, que não. Hoje em dia apenas os Jidhauas da Mongólia e possivelmente alguns povos que vivem próximo de G'Harne preservam essas tradições milenares.

Um dos principais temores concernentes a Shudde M'ell envolve sua capacidade de promover terremotos verdadeiramente catastróficos. Embora o Deus prefira transferir aos ctônicos a atribuição de devastar a superfície através de terremotos, é sabido que ele próprio pode causar os mais devastadores tremores de terras. Quando motivado a fazê-lo, geralmente por vingança, o Deus Escavador rasteja abaixo de placas tectônicas instáveis. Isso causa vibrações e deslizamentos que reverberam até a superfície. Com efeito, tremores maciços de magnitude espantosa podem ser alcançados. Em uma escala de intensidade, Shudde M'ell pode causar um terremoto de pelo menos oito pontos na escala Richter, ainda que teoricamente este possa ser ainda maior, com um abalo grande o suficiente para arrasar uma cidade por inteiro.

Existem conjecturas de que Shudde M'ell tenha sido responsável por pelo menos uma dúzia de grandes terremotos no passado. Alguns destes teriam devastado civilizações e causado milhares de mortes. Dois tremores especialmente devastadores na China e no Irã parecem ter sido causados por ele nos últimos séculos. Também há teorias de que um dos terremotos avassaladores que devastaram a Era Hiboriana possa ser obra desta entidade. Aqueles que defendem essa hipótese sugerem que o cismo tenha separado os continentes até então aglomerados num padrão mais próximo da configuração contemporânea. Os Fragmentos de G'Harne citam esse acontecimento chamando-o de Grande Cataclismo, embora outras fontes, como os Manuscritos Pnakóticos, não esteja tão certo quanto a essa hipótese. De toda forma, o Deus é apontado como um dos possíveis responsáveis pelo ocaso da mítica Era Hiboriana.


Em tempos mais recentes, Shudde M'ell parece ter se tornado menos ativo, contudo, alguns teóricos supõem que esse período de recolhimento, possivelmente de hibernação, esteja prestes a terminar. Seu despertar marcaria a tão alardeada data prevista pelos estudiosos do Mythos como a data em que "as estrelas estarão certas". Se este for realmente o caso, podemos esperar uma severa perturbação sismológica.

O Deus dos Escavadores faz jus ao seu título e a tanto outros, como "Gigante das Profundezas". De um modo geral, sua anatomia se assemelha à dos Ctônicos, fazendo com que se imagine que ele nada mais é do que um indivíduo maior e mais forte dessa raça. Alguns teóricos conjecturam que Shudde M'ell seria um título atribuído ao membro mais poderoso da espécie. No entanto, os Fragmentos de G'Harne sugerem o contrário, afirmando que sempre houve apenas um Shudde M'ell e que ele é o Deus eterno dos Ctônicos. A verdade é difícil de saber.

Seja como for, Shudde M'ell possui dimensões titânicas quando comparado aos Ctônicos que o servem. Enquanto um escavador alcança em média 8 metros de comprimento, o Grande Antigo atinge mais de 36 metros de comprimento, com uma força proporcional às suas dimensões avantajadas. Semelhante aos  Ctônicos, ele possui uma infinidade de tentáculos bucais. Estes cumprem função de sondagem, manipulação e proteção. Os tentáculos se estendem a um alcance de mais de 20 metros e são usados como apêndices. Os maiores e mais fortes são resistentes como cabos de aço e podem puxar ou pressionar dezenas de toneladas.

Os tentáculos também são usados para verificar os arredores, sendo especialmente sensíveis a variações de temperatura e capazes de captar súbitos movimentos. Os Ctônicos não possuem olhos e toda leitura sensorial dos seus arredores é feita através de sensores refinados que captam o movimento no solo.


A couraça exterior de Shudde M'ell é rígida e dificilmente pode ser rompida, exceto por explosivos de alto impacto como Semtex (com base de RDX ou PETN) usado normalmente em demolições. Projéteis de armas de fogo, mesmo as mais potentes simplesmente ricocheteiam nessa carapaça. Ela age como uma manta que o torna imune também às elevadíssimas temperaturas próximas do centro do planeta, onde ele habita.

O Grande Shudde M'ell viaja através das camadas mais profundas da terra, escavando túneis com velocidade assombrosa. Substâncias corrosivas únicas, produzidas por ele, amolecem o solo e permitem que ele navegue pelos extratos subterrâneos com desenvoltura. Se ele se mantém imóvel, isso se dá apenas por conta dos efeitos restritivos que impedem os Grandes Antigos de agir livremente.

É possível ainda que ele domine métodos de teleporte que lhe garantem acesso a portais conectando pontos distantes não apenas em nossa esfera, mas em outros planetas.

Assim como os Ctônicos que o servem, Shudde M'ell exerce pleno controle sobre atividade sísmica, sendo capaz de provocar tremores de terra avassaladores. As reverberações de seus movimentos nas profundezas podem resultar em um tremor imponderável. Tudo aquilo colhido na área dos tremores acaba sendo afetado de construções isoladas a metrópoles, de planícies a cadeias montanhosas. Um cismo dessa magnitude pode alterar a configuração e geografia de uma vasta área. 


Não existe um consenso sobre o alcance máximo do poder destrutivo que pode ser invocado por Shudde M'ell, mas os teóricos do Mythos sugerem que testado até seus limites, ele causaria destruição sem precedentes na história humana. Considerando que os tremores tem potencial de ocasionar erupções vulcânicas, maremotos e tsunamis, é razoável supor que essa entidade poderia varrer todas formas de vida da superfície terrestre se assim desejasse.

De fato, um dos cenários mais dramáticos para a raça humana envolveria o despertar de Shudde M'ell e um ataque direto dele visando a superfície. Nesse panorama, seríamos confrontados com algo que não podemos lidar e diante do qual somos virtualmente impotentes.

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

A Verdadeira história do lendário Clube do Inferno


Na Europa do século XVIII houve um período em que clubes de cavalheiros e grupos sociais privados abundavam. Em uma época anterior aos mais modernos tipos de entretenimento, do cinema e da televisão, muitas pessoas passavam seus momentos de lazer em tavernas ou pubs na companhia de diletos confrades.

Para a classe alta da sociedade britânica, havia um desejo cada vez mais esnobe de estabelecer associações de caráter fraterno onde os indivíduos pudessem socializar uns com os outros  membros exclusivos. Ou seja, com a plebe afastada eles podiam se divertir na companhia dos seus pares.

Naturalmente o mais famoso clube do século XVIII foi o dos maçons, que, segundo inúmeras teorias da conspiração, seriam aqueles que puxam as cordas do mundo econômico e político até os dias atuais. Mas além dos maçons, havia uma outra sociedade fraterna igualmente controversa estabelecida na Grã-Bretanha durante o século XVIII, o Hellfire Club (Clube do Inferno ou ainda, Clube do Fogo Infernal).

Há alguma disputa à respeito de onde surgiu o primeiro Hellfire Club, com diferentes interpretações sugerindo sua origem, algumas vezes na Inglaterra e em outras, na Irlanda. Uma das sugestões errôneas mais frequentes é que ele teria sido fundado por Sir Francis Dashwood, um notório libertino inglês. Membro proeminente de uma família rica, ele se tornou Chanceler do Tesouro britânico mais tarde em sua vida, contudo até os 30 anos ele era mais famoso por seu envolvimento em todo tipo de escândalos.


Dashwood de fato criou o que chamou (para citar) "uma organização de interesse cultural" privada. O Clube era uma desculpa perfeita para beber, usar todo tipo de drogas, fornicar loucamente e cometer todos os excessos possíveis e imagináveis.

Os Clubes eram um pouco parecidos com as fraternidades modernas, comuns em algumas universidades, onde há uma forte ênfase na cultura de beber pesado e festejar como se não houvesse amanhã. Entretanto, apesar de sua importância para a sociedade, Dashwood não estabeleceu o primeiro Hellfire Club. Em vez disso, a organização por ele fundada era um grupo estreitamente alinhado com o Clube do Inferno, a Sociedade Dilettanti.

Embora Dashwood tenha sido erroneamente creditado como o criador do Hellfire Club, há um consenso entre historiadores que o primeiro clube foi estabelecido por Philip, o primeiro duque de Wharton na Inglaterra, em 1719.


Assim como Dashwood, ele também era um personagem altamente controverso, um libertino dado ao consumo excessivo de álcool e à rejeição dos costumes sociais típicos. Wharton atraiu outros membros da nobreza britânica para seu estilo de vida rebelde prometendo excessos e depravação sem pudores. Ao que parece, ele cumpriu sua promessa já que em 1721, apenas dois anos após seu estabelecimento inicial na Inglaterra, o Hellfire Club foi proibido por ordem do rei George I horrorizado com os rumores sobre o que acontecia nas reuniões. Circulavam histórias de libertinagem extrema na sede social, com a presença de prostitutas de luxo, artistas boêmios e personalidades polêmicas da sociedade. Em tempos moralistas, o Clube era uma ilha de excessos bizarros: haviam disputas pelo título de maior libertino, com um comportamento que não apenas estimulava, mas incentivava a promiscuidade entre os membros. Existiam alcovas com janelas secretas para observação dos casais. Os bailes de máscaras eram especialmente decadentes, com cavalheiros trajando vestidos e maquiagem, já os banquetes eram famosos pelos animais raros (avestruz, tubarao e até leões) servidos nas mesas aos convivas. Vários tabus eram quebrados pelos membros, ou assim diziam o disse me disse na cidade.

Consequentemente, os rumores sobre o Hellfire Club criaram um inconveniente que forçou os membros a transferir suas atividades para outras paragens, no caso, a Irlanda. Como tal, as origens do Hellfire Club, que sobreviveu a proibição real, estão associadas a Ilha Esmeralda.

A Irlanda há muito era a parte mais recalcitrante do Império Britânico. A colonização inglesa da ilha vizinha teve início no final do século XII e continuou irregularmente por mais de quatro séculos,  antes que o país fosse totalmente conquistado no início do século XVII. No século seguinte, uma classe governante de protestantes etnicamente ingleses, e de ascendência protestante, passou a dominar a ilha estabelecendo um Apartheid cultural, econômico e social.

Esses governantes eram muito ricos e tinham muito tempo livre. Nesse contexto, uma filial do Hellfire Club surgiu perto da capital Dublin cerca de vinte anos após Wharton ter sido obrigado a fechar as portas do Hellfire Club de Londres.


Os membros da Sede irlandesa eram tão transgressores e depravados quanto os de sua contraparte londrina. Atrás dos muros altos, erguidos ao redor da Mansão que sediava os encontros do grupo ocorriam festas e celebrações regadas a muita bebida e drogas que frequentemente terminavam em lendários bacanais.  

Contudo, o Clube adicionou um novo e sinistro elemento ao seu repertório obsceno, um pelo qual se tornaria infame e que casaria perfeitamente com o nome escolhido pela sociedade. No início havia apenas rumores, mas estes foram se tornando cada vez mais graves. Os boatos davam conta de atividade diabólica nos porões da sede, rituais satânicos da pior natureza com direito a adoração do diabo, missas negras e até sacrifícios.

Segundo relatos de criados e empregados da casa, havia um porão secreto cujo acesso era obtido mediante senhas comunicadas apenas aos membros de alto escalão. Estes recebiam uma iniciação no estilo maçônico em que juraram lealdade e fidelidade a Seita. A quebra desse juramento ensejava, entre outras coisas, no direito dos demais buscarem vingança, arruinando o transgressor física, econômica e espiritualmente. Para tanto, um dos ritos de iniciação consistia em obter gotas de sangue de cada membro e guardá-lo para usar em feitiços e maldições.

Os Rituais no Clube eram realizados com os membros severamente intoxicados com uma bebida conhecida como scaltheen, uma mistura de uísque quente e manteiga derretida que potencializada o teor alcoólico. Misturado com corante vermelho, a bebida tinha cor e consistência de sangue.


No salão principal de reunião havia uma magnífica cadeira de espaldar alto que era deixado vazia para simbolicamente representar o assento do Diabo. Ocasionalmente, as reuniões eram realizadas em Dublin, na Eagle Tavern em Cork Hill, à sombra do Castelo de Dublin, a sede do governo britânico na Irlanda. Curiosamente, a Eagle Tavern também serviu como ponto de encontro para os maçons e outras sociedades secretas da época, como o dileto Hanover Club.

Eventualmente, o Hellfire Club fez sua base de operações em um chalé isolado no topo das Montanhas Wicklow, uma cadeia de montanhas significativa ao sul da cidade de Dublin. Chamado de Montpelier Hill, a cabana foi adquirida no início da década de 1730 para um dos chefes da filial irlandesa do Clube, William Connolly, por Lord Wharton, o fundador da Sede inglesa. A cabana devidamente renovada tornou-se um dos pontos de encontro dos membros.

No entanto, talvez o Hellfire Club mais notório a surgir no século XVIII tenha sido fundado por uma figura já mencionada. Em 1755, Sir Francis Dashwood, que havia fundado a Dilettanti Society muitos anos antes, decidiu estabelecer uma nova filial do Hellfire Club nas ruínas de um antigo mosteiro cisterciense nos arredores de Londres, às margens do rio Tâmisa. Sabendo que um novo clube atrairia olhares de reprovação, Dashwood tratou de disfarçar as atividades e oferecer apoio filantrópico a instituições de caridade como orfanatos e hospitais.

Dashwood era um homem curioso, envolvido em várias atividades sociais e acadêmicas. Dizem que ele também era um iniciado nas sociedades secretas que exploravam o oculto, com ênfase na astrologia, na divinação e finalmente na feitiçaria. Dashwood e seus associados continuaram a tradição de beber pesado e debochar da sociedade restritiva que dominava a Inglaterra. Eles se tornaram bem conhecidos entre a classe alta britânica por sua embriaguez e comportamento lascivo. Como foi o caso do grupo de Wharton e da filial irlandesa vinte anos antes, seus detratores insinuavam que a libertinagem atingia um nível extremo de sordidez e imoralidade. 
O lema do clube "Fais ce que tu voudras", algo como "Faça o que desejar", foi uma filosofia adotada mais tarde pela Ordem de Thelema de Aleister Crowley.


Mas é claro, os principais rumores sobre o Clube envolviam os alegados rituais satânicos.

Desde o início, circulava uma lenda antiga de que o mosteiro escolhido por Dashwood, em Wycombe Hill,, havia sido palco de um horrível episódio no século XIV, envolvendo monges que cometeram raptos, estupros e assassinatos. A ordem teria sido expulsa  deixando uma mácula no local. Talvez essa história de sedição tenha sido especialmente interessante para Dashwood que incorporou aos rituais secretos do Clube o uso da indumentária dos monges, mantos compridos de cor marrom e capuzes que cobriam a cabeça. 

O Clube também passou a utilizar as catacumbas que ficavam abaixo do antigo mosteiro. Em um verdadeiro labirinto de corredores e câmaras abarrotadas de ossos amarelados, o bando se reunia para suas festividades, bebedeiras e orgias. Os ritos eram inspirados por celebrações de natureza pagã, honrando Vênus e Baco. Os rumores sobre rituais profanos sempre acompanhou a mítica sobre o clube e pode decorrer do caráter pagão das festas. 

É certo que a tradição de se manter a "Cadeira do Diabo" continuou sendo observada, mas no que diz respeito a outras celebrações, não há como saber ao certo. Algumas testemunhas afirmavam que era comum haver missas negras em uma das câmaras subterrâneas, nela uma mulher nua servia de altar para uma caricatura de celebração cristã. O bando se reunia para invocar o nome de demônios e realizar o sacrifício de cordeiros cujo sangue era misturado a álcool e consumido. Os mais crédulo afirmavam que o próprio Satã respondia a essas missas blasfemas para desfrutar das prostitutas de luxo chamadas de "freiras da ordem", além da bebida e das drogas.


Em dado momento as autoridades religiosas tentaram instar a realeza a censurar as atividades do Clube, mas nada foi feito nesse sentido. Supostamente a maioria das pessoas não levavam a sério os rumores sobre os escândalos no velho mosteiro. Alguns creditam isso ao fato de vários nobres influentes serem membros da sociedade secreta, e que eles teriam impedido investigações mais profundas. Não há contudo, como saber ao certo...

É possível que Dashwood e seus colegas se divertiam criando rumores sobre o que acontecia nas criptas. Existe a possibilidade de rituais terem sido conduzidos, mas a maioria das testemunhas que estiveram presentes a festas organizadas pelo Clube alegavam que a maioria desses ditos rituais eram teatro para impressionar os membros mais novos e demais convidados.

Seja como for, o Clube foi uma fonte se escândalos ao longo de toda sua existência.

O Hellfire Club sobreviveu muito além das primeiras encarnações estabelecidas por Wharton na década de 1710, Connolly e outros na Irlanda na década de 1720, e Dashwood perto de Londres na década de 1750. Em 1781, o sobrinho de Dashwood, Joseph Anderson, fundou a Phoenix Society em Oxford, que era efetivamente uma nova versão do Hellfire Club com um nome diferente.


Ele continuaria a fazer parte da vida universitária em Oxford mais de 240 anos depois. Da mesma forma, o Hellfire Club ainda existe na Irlanda e tem associações íntimas com o Trinity College e o University College, em Dublin. Foram essas sociedades que deram origem às fraternidades colegiais que ocupam um lugar importante nos campus universitários, sobretudo nos Estados Unidos.

De sua origem libidinosa, passando pelos boatos de cerimônias satânicas, o Hellfire estabeleceu seu nome entre os clubes de cavalheiros mais notórios da história.

domingo, 23 de outubro de 2022

Cercado por Canibais - Os perigos mortais da Ilha de Fiji


Existem inúmeras narrativas de exploração em fronteiras selvagens ao longo da história. Todos adoramos essas histórias trazidas por almas intrépidas corajosas o suficiente para viajar por esse horizonte e encontrar novas pessoas e terras com as quais a maioria de nós nunca sequer sonhou. Um conto especialmente sombrio de aventura, exploração e terror tem como pano de fundo as Ilhas de Fiji. Foi lá que, no século XIX, um missionário incrivelmente corajoso escreveu seu nome na história ao se tornar o único explorador europeu conhecido na sua época a ser capturado, morto e devorado por uma tribo de selvagens canibais.

Nascido em Playden, Sussex, em 6 de fevereiro de 1832, Thomas Baker tornou-se um missionário metodista que ansiava por levar sua fé para os rincões mais distantes do mundo. Ele chegou ao que era então a distante e exótica Ilha de Fiji em 1859, sendo nomeado "Missionário do Interior". Este título envolvia realizar trabalho missionário em aldeias nas remotas regiões montanhosas da ilha de Viti Levu, um território inexplorado e extremamente perigoso. Lá os nativos não apenas não haviam tido contato com o cristianismo, mas muitas vezes sequer sabiam da existência de homens brancos. 

Na época, as terras que compunham o arquipélago de Fiji ainda eram consideradas um lugar indomável e inexplorado, cheio de nativos primitivos e aterrorizantes histórias de canibalismo. De fato, as ilhas eram genericamente conhecidas pelos marinheiros como "Ilhas de Canibais". Explorar tais lugares era extremamente arriscado, quanto mais para um missionário que atuava desarmado confiando apenas na sua fé e na boa vontade dos povos. 

A tarefa de Baker se tornava ainda mais perigosa porque não só as tribos eram cautelosas com estranhos e resistentes aos ensinamentos cristãos, mas por conta de um senhor da guerra da ilha vizinha de Bau, chamado Cakobau. Este havia se convertido ao cristianismo e imediatamente se autoproclamado Rei de Fiji. Tal coisa era veementemente contestada pelas demais tribos, incluindo o povo que habitava Viti Levu, que se tornaram hostis aos forasteiros e suas doutrinas. Desde que Cakobau se tornou um aliado próximo dos missionários ocidentais na região, o trabalho destes começou a ser visto como uma espécie de campanha de propaganda para colocar as outras ilhas sob seu domínio. Dessa forma, os missionários estrangeiros passaram a ser rotulados de espiões. À medida que a guerra se intensificava entre diferentes facções, as tribos que se opunham ao autoproclamado Chefe Cakobau, recorriam cada vez mais a brutalidade. Atos de violência extrema envolviam mutilações, decapitação e é claro, canibalismo. Os guerreiros não poderiam esperar tratamento decente, por isso muitos deles carregavam pequenas doses de veneno que poderiam matá-los em caso de captura e tornar sua carne intragável.  


Foi em grande parte por esta razão que quando o Rev. Baker organizou uma excursão ao interior da ilha em julho de 1867, muitos de seus colegas o desaconselharam fortemente. Era muito perigoso, eles avisaram, e além disso, Baker estava prestes a tirar um ano de folga do trabalho missionário para passar mais tempo com sua esposa e suas três filhas. Parecia imprudente arriscar uma jornada para aquele interior inexplorado e inóspito com seu terreno traiçoeiro e lutas tribais acontecendo. Contudo, Baker insistiu em fazer a viagem para estabelecer contato com aldeias isoladas do outro lado da ilha, uma área inexplorada até então. Ele sentiu um chamado para fazê-lo, relatou, e não pôde ser persuadido a desistir de sua cruzada pelo interior da ilha. 

Quando partiu à caminho daquela selva densa rumo ao desconhecido, ele o fez com um grupo de sete seguidores fijianos, um ministro fijiano chamado Setareki Seileka, e muito pouco para se proteger se enfrentassem perigo. Baker sempre confiou em Deus para liderar o caminho, adotava o pacifismo e, portanto, seu grupo nem estava armado. 

O pastor não achava no uso de armas:

"Sinto confiança em andar entre os pagãos, mas sempre me esforço para manter meus olhos e ouvidos abertos, e considero cada evento que encontro único em suas possibilidades... e confio em Deus para defesa. Acredito que estarei seguro se andar nas graças dele."


Mas é claro, o progresso pela selva não foi fácil. A mata era a mais densa e brutal que Baker já encontrara e as aldeias pelas quais passavam não se mostraram nada acolhedoras, francamente, bem o inverso, sendo ameaçadoras na maioria das vezes. Sempre havia a ameaça de canibalismo, que é claro todos os presentes sabiam ser um risco real. Em uma ocasião, em uma vila chamada Vunibua, Baker foi pego pela chuva e precisou trocar de roupa, e ao fazer isso, comentou em seu diário como os moradores olhavam para ele com intenção malévola, possivelmente canibal. Ele escreveu nas suas anotações pessoais:

"Eu tive que mudar para a minha pele diante de um bando de pagãos que se banqueteavam comigo com os olhos para meu desconforto. Senti-me realmente temoroso naquele momento, achando que uma lança mortal me atingiria à qualquer momento." 

Felizmente, o grupo pode descontrair um pouco quando chegou à aldeia de Nabutatau, nas Terras Altas de Navosa, no oeste de Viti Levu. O lugar já havia sido visitado pelo cônsul britânico, que havia falado ter sido calorosamente recebido pelo povo de lá. O grupo levou presentes e esperava o mesmo tratamento dos nativos. No entanto, quando alcançaram o lugar a esperada acolhida foi tudo menos amistosa. A guerra tribal havia engolido a ilha e os missionários eram vistos como aliados do inimigo. O chefe da aldeia, que outrora recebera o cônsul britânico de braços abertos e até o acompanhava em parte de sua viagem, não queria mais estranhos ali, principalmente missionários. Embora a expedição não tenha enfrentado violência no início, eles não receberam comida e nenhum abrigo. Embora Baker tenha conseguido convencê-los a deixá-los ficar, as coisas estavam tensas e, sem o conhecimento do grupo, um chefe hostil de uma região vizinha que desconfiava profundamente de estrangeiros enviou uma ordem às aldeias para matar os missionários se eles avançassem território adentro. 

A ordem foi passada adiante com a promessa de uma recompensa para quem a executasse, de preferência com uma demonstração de que os missionários não eram bem vindos. Mesmo recebendo informes sobre a situação, Baker decidiu continuar em sua jornada, acreditando que conseguiria passar pelos percalços graças à sua convicção divina. Ele descobriria estar errado.


Adolf Brewester, um administrador britânico de Fiji e comissário do governador para as províncias de Colo, escreveria sobre o que aconteceu:

"Quando o Sr. Baker chegou a Nabutatau, os nativos ainda não tinham a intenção de matá-lo. Ele selou seu próprio destino, no entanto, com o que seu anfitrião considerou uma violação grosseira de boas maneiras. O jovem chefe da tribo educado na Escola Provincial de Nandarivatu, deu sua versão do caso. Ele disse que, quando o Sr. Baker chegou à aldeia foi recebido com hospitalidade e passou a noite lá. De manhã, ele pegou um pente e o usou no banheiro, depois o colocou sobre os tapetes. Seu anfitrião, o chefe principal, pegou-o e prendeu-o em seus próprios cachos felpudos. Ele o fez de maneira bastante inocente, pois a propriedade era de uso comunal, e as classes altas certamente podiam tomar qualquer coisa que quisessem. Os pentes também eram usados ​​presos no cabelo de seus donos sendo constantemente requisitados para coçar. O conhecimento disso provavelmente ofendeu o senso de limpeza e decência do Sr. Baker e ele o arrancou da cabeça do chefe. Ele não poderia ter cometido um crime mais mortal."

A cabeça é a parte mais sagrada do corpo para os fijianos, nela reside todo o mana ou poder misterioso de um homem. Mais especialmente no caso de um grande chefe. A cabeça é o santuário do deus ancestral e, como tal divina, tão reverenciada que ninguém, exceto os sacerdotes hereditários, pode tocá-la. Isso explica porque a decapitação era tão importante para esses povos: separar a cabeça do corpo era o supremo ato de humilhação.

Foi considerado portanto uma ofensa imperdoável o que ele fez, e que isso tenha levado ao fim da expedição. Quando o grupo de Baker deixou a aldeia, eles foram seguidos por alguns dos nativos, e em um local designado esses homens atacaram matando Baker e cinco de seus carregadores com pedras e um machado. Dois outros conseguiram escapar fugindo para a selva. Os corpos de Baker e dos outros mortos da expedição foram levados até a vila e mostrados ao Chefe que pessoalmente cortou a cabeça de cada um deles e as colocou sobre uma mesa para que cerimonialmente pudessem assistir o que viria em seguida. O que se seguiu foi um macabro espetáculo de canibalismo: os cadáveres foram desmembrados, cortados em uma grande pedra, cozidos em caldeirões e devorados pela tribo. O que restou foi jogado a 150 metros abaixo de uma ravina no rio Sigatoka sem um enterro adequado. 


Quando os dois sobreviventes conseguiram chegar à civilização e se espalhou a notícia de que o missionário havia sido morto por canibais no interior da ilha, houve indignação entre os britânicos, que exigiram que os fijianos levassem os assassinos à justiça. 

Infelizmente, isso levaria a ainda mais derramamento de sangue, e Brewester escreveria:

"O Chefe Cakobau, que naquela época era o Rei titular de Fiji, foi induzido a enviar expedições armadas para se vingar dos assassinatos. Seus agentes partiram de várias tribos, mas atuavam independentemente uns dos outros, sem disciplina ou coesão, e como resultado acabaram mortos antes de chegar perto do objetivo.  Como todas essas expedições punitivas falharam, nenhuma vingança imediata caiu sobre o povo de Vatusila. Isso encorajou a tribo a atacar outros homens brancos, os plantadores de algodão no Mba e alguns poucos colonos estabelecidos na costa norte de Viti Levu. Foram dias sangrentos e assustadores para quem vivia naquela região".

Eventualmente uma milícia armada se formou para proteger os assentamentos e fazendas. Num ataque, o chefe de Nabutautau acabou sendo capturado, mas os outros responsáveis ​​pelos assassinatos nunca foram presos. Estes continuariam a liderar uma resistência feroz e sangrenta contra as forças coloniais britânicas mesmo depois que a maioria dos outros chefes cedeu Fiji à Grã-Bretanha em 1874. Sempre desafiadores, a tribo Nabutautau só foi forçada a rendição em 1876 por força de uma tropa de 500 soldados que chegaram a Fiji para "impor a ordem". 

Nos anos seguintes, espalhou-se o boato de que o massacre do grupo de Baker trouxe uma maldição sobre a aldeia, pois suas colheitas falharam e outras calamidades os atingiram, fazendo com que muitos abandonassem o lugar para sempre. Foi essa crença em uma maldição que levou os aldeões a erguer um memorial em memória da morte de Baker em 1905. Muitas cerimônias foram realizadas diante dele. Mais recentemente, em 2003, os descendentes dos aldeões que mataram Baker finalmente ofereceram um pedido formal de desculpas pelos assassinatos em uma tradicional cerimônia de reconciliação chamada matanigasau.


Hoje, a aldeia ainda está de pé, e lá se encontra o memorial em homenagem aos mortos no massacre. A mesma pedra usada para cortar Baker e seus homens foi colocada ali como marco. Ao longo dos anos, houve algum debate sobre por que exatamente Baker teria sido morto. Alguns historiadores acreditam que a história do pente provavelmente foi exagerada ou fabricada, pois Baker morava em Fiji há oito anos, tempo suficiente para estar ciente dos costumes e tabus tribais. Talvez seja mais provável que ele estivesse no lugar errado na hora errada e tenha sido morto e comido simplesmente porque era um missionário. Lance Martin, arquivista da Escola de Estudos Orientais e Africanos de Londres, disse sobre isso:

"A história sobre o pente parece ser um mito. O mais provável é que Baker tenha sido pego em algum tipo de disputa intertribal relacionada ao seu direito de viajar pela ilha. Eles foram emboscados quando estavam saindo de uma aldeia de manhã. Ele foi cortado em uma rocha plana na base de uma ravina. Seu corpo foi ungido e depois comido."

Considerando que apenas o chefe da aldeia contou a história sobre o pente e ninguém mais havia testemunhado isso, pode ter sido uma espécie de desculpa usada para esconder o verdadeiro motivo pelo qual foram mortos. Provavelmente nunca saberemos com certeza. O que sabemos é que Baker foi o primeiro e único missionário europeu conhecido a ser morto e comido por canibais em Fiji, marcando-o como um caso único numa terra exótica e perigosa.

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

A Configuração dos Lamentos - A misteriosa Caixa Lemarchand

"Tratava-se tão somente de um objeto brilhante em forma de cubo, mas que de alguma maneira a fascinava e atraia seu olhar.

Julia esticou a mão tencionando se aproximar, mas Frank foi mais rápido: "Não toque" ele a conteve apertando sua mão com força e tirando o cubo de seu alcance.

"O que ele faz?" perguntou Julia ainda fascinada pelo brilho do objeto, seus detalhes e floreios intrincados a atraíam de tal forma que ela não conseguia tirar os olhos dele.

"Ela abre portas... para outros lugares, outras experiências." foi tudo o que ele conseguiu dizer, tão simples e tão verdadeiras eram suas palavras.

The Hellbound Heart - 
Clive Barker

História


A Configuração dos Lamentos foi supostamente construída pelo artesão e arquiteto francês Phillip August Lemarchand em meados de 1749. Também conhecida como Configuração de Lemarchand, Caixa Miraculosa, Caixa de Pandora e Artefato Lemarchand, o objeto é bastante conhecido em círculos de estudo oculto. De fato, alguns a tratam como um dos mais raros e desejados tesouros do ocultismo, uma espécie de Graal Sagrado misticismo.

Ela consiste de cinco peças distintas, que se encaixam perfeitamente através de engrenagens internas e de um complexo mecanismo semelhante a um relógio de precisão. Cada peça é construída individualmente em bronze e recoberta de laca preta, sua superfície interna é polida como um espelho. Em seguida foram adicionados detalhes em latão dourado nas extremidades externas com floreios e arabescos entalhados à mão. O cuidado com o qual a caixa foi construída reflete a genialidade e dedicação de seu artesão.

O cubo é na verdade um quebra-cabeça incrivelmente intrincado. Suas extremidades podem ser deslizadas suavemente transformando os desenhos na superfície em centenas de configurações diferentes. Cada movimento altera o formato e os desenhos externos gerando uma infinidade de padrões. 

A mais impressionante característica do cubo é que ele pode ser usado para abrir portais para outras realidades. No caso da Configuração dos Lamentos ela abre uma passagem para uma realidade que muitos consideram como sendo o próprio Inferno. Existe a crença que ela também pode abrir uma passagem para o paraíso, mas que em conformidade com a passagem bíblica "há 999 portas para o inferno e apenas uma que conduz ao reino dos céus".


Uma teoria que parece mãos correta, sugere que a caixa e uma espécie de chave que modifica o tecido da realidade e permite a abertura de portais dimensionais identificados pelas diferentes configurações obtidas pela manipulação do artefato. Sabendo-se que boa parte das pessoas que manipularam a Configuração acabaram abrindo a passagem para a mesma dimensão, e provável que ela seja uma espécie de armadilha conduzindo invariavelmente para o mesmo ponto.

Manipular a caixa exige um conhecimento extremo de enigmas e do funcionamento de quebra-cabeças tácteis. Compreender o funcionamento do mecanismo interno requer concentração extrema e muitos ocultistas dedicam anos pesquisando antigos tomos em busca da maneira correta de manipular o cubo. Certos livros, como o extremamente raro "Caenobium" trazem detalhes sobre esses pormenores, mas se ele é preciso, ninguém sabe ao certo. Por via das dúvidas, os mais cautelosos, evitam até mesmo tocar o cubo. O cuidado é justificável pois cada movimento das extremidades pode alterar os desenhos na face do artefato e causar uma reação indesejada.

A Configuração está intimamente ligada a criaturas conhecidas como Cenobitas, servidores demoníacos de Leviatan o Senhor do Labirinto. Estas entidades obscuras habitam outra realidade e se alimentam de sensações, sobretudo dor e sofrimento, impingidas em outras pessoas. Eles próprios não conhecem emoções ou sensações a não ser o êxtase experimentado pela flagelação dos corpos. Para muitos, a dimensão dos cenobitas é o Inferno e qualquer um aprisionado nela experimenta as agruras do próprio.


Cenobitas se manifestam em nossa realidade através de portais dimensionais. Seu propósito é escoltar o indivíduo até sua dimensão e apresentá-lo às brutais ferramentas de tortura que eles manejam habilidosamente. A dimensão em si é descrita como um labirinto de corredores escuros, passagens estreitas e aposentos onde os instrumentos de suplício estão colocados. Em algum lugar do centro desse labirinto existe uma grande área aberta no qual se encontra uma espécie de mirante. neste à distância, flutua no ar a firma de Leviata, uma forma de losango que remete a uma configuração da caixa. Ele costuma se aproximar daqueles que suplicamos uma audiência ao se colocar no mirante.  

Uma vez que poucos são os que conseguem navegar pelo labirinto incólumes, a audiência com o Deus do Labirinto tende a ser algo extremamente raro.

O mais provável é que aqueles que abriram o portal serão encontrados primeiro pelos cenobitas. O horrível ritual dessas criaturas tenciona submeter a pessoa a um suplício extremo que transcende a definição de dor, penetrando no êxtase. Qual o propósito desse martírio não se sabe, mas alguns conjecturam que o sofrimento físico nutre o Leviatã.


Sobre Phillip Lemarchand

Phillip Lemarchand viveu na França pré-revolucionária. Ele foi um arquiteto, artesão e designer postumamente apontado como um dos mais prolíficos, embora não confirmados, assassinos de sua época.

Lemarchand primeiro ficou conhecido pela construção de intrincadas caixas de música que rapidamente se tornaram uma febre na França. As caixas, conhecidas como Peças Lemarchand eram verdadeiras obras de arte com características, melodias e desenhos únicos. Algumas delas ainda podem ser encontradas em museus e coleções particulares em toda Europa. Posteriormente em 1749, o artesão começou a desenhar novas peças em forma de cubo. Ele os chamava de Configurações e eram artefatos delicados, criados com extremo talento e dedicação. As peças encontraram um público seleto formado por nobres e burgueses ávidos por novidades.


No ápice de sua carreira, Lemarchand foi um dos artesãos mais prestigiados da França, contratado para construir peças que lhe trouxeram fama e fortuna. Dizem que ele teria trabalhado até para os Reis de França na criação de jóias exclusivas. Por volta de 1755, Paris foi assolada por escandalosos e inexplicáveis desaparecimentos, quase sempre envolvendo indivíduos ilustres, muitos dos quais, clientes de Lemarchand que haviam adquirido suas peças exclusivas.

Suspeitas recaíram sobre o artista, especialmente depois do misterioso desaparecimento de seu aprendiz, o filho de um conceituado ourives. Lemarchand foi indiciado e aprisionado pelas autoridades que o interrogaram. Os detalhes do inquérito movido contra Lemarchand desapareceram durante o caos que se seguiu à Revolução, mas sabe-se que ele chegou a ser julgado.

A despeito de uma suposta condenação, Lemarchand conseguiu escapar e segundo rumores se estabeleceu por volta de 1782 na Espanha. Em 1797, ele atravessou o canal da Mancha se refugiando em Londres. Em 1811 finalmente retornou à Paris, onde desapareceu assim como muitas de suas alegadas vítimas.

A Lenda

O nome Lemarchand é associado a morte e mistério. As atrocidades atribuídas a Lemarchand fazem dele uma dos mais infames figuras da história da França, rivalizado apenas por Giles de Rais, este sim um genocida comprovado. Curiosamente nunca foram apresentadas provas contundentes que o ligassem a qualquer desaparecimento ou assassinato. O vínculo que ele tinha com uma grande quantidade de indivíduos que simplemente sumiram sem deixar vestígios o coloca na posição de suspeito principal.


As lendas mencionam que o artesão dissolvia os corpos de suas vítimas em tinas de ácido no seu ateliê ou que as queimava em uma enorme lareira. Para ajudá-lo nessa sórdida tarefa ele contaria com o auxílio de comparsas, criados, ghouls e até diabretes que o serviam fielmente. As conjecturas variavam enormemente na época que Lemarchand foi acusado.

O julgamento foi um acontecimento, mas a despeito de sua notoriedade, pouco se sabe de concreto sobre o homem. Quase todas as informações existentes se baseiam em rumores e especulações. A maior parte de suas construções arquitetônicas (supõe-se que eram pelo menos 15 em Paris) foram destruídas durante o período de reurbanização da cidade ou posteriormente na Segunda Guerra Mundial. Existem poucos registros documentando eventos de sua vida privada, sequer se sabe ao certo se ele foi casado e se teve herdeiros. Mesmo mençoes às suas obras de arte mais famosas, as Configurações são raras e concedem poucas informações.

Sabe-se que ele nasceu em meados de 1717, foi educado na Academie Royale de Pinture et Sculpture em Paris nas primeiras décadas do século XVIII, que era um maçom, e que ele se mudou para a Espanha e depois para a Inglaterra a fim de se livrar do estigma pela associação de suas obras com misteriosos desaparecimentos. Sabe-se que ele tinha interesse em assuntos esotéricos e que era um entusiasta de ocultismo. Os rumores na época do julgamento insinuavam que ele tinha um pacto com o demônio e que Lúcifer em pessoa havia lhe concedido um talento singular.


Seria esta última informação a respeito de Phillip Lemarchand a razão de sua infâmia. Teria sido o interesse dele por temas controversos o que lhe valeu sua fama como homem dado a comportamento bizarro e possível homicida? Fato é que as poucas notas de rodapé sobre Lemarchand sempre vem acompanhadas de comentários desabonadores. Ele teria matado um criado que falhou em uma tarefa, teria castigado uma jovem que não cedeu seus encantos, teria assassinado comerciantes que se negaram a negociar com ele...

Mas nenhuma dessas façanhas jamais foi comprovada. A maioria dos dados a respeito do artista se perderam, quando ele fugiu da França após seu julgamento. Sua casa e posses haviam sido destruídas e saqueadas pela população parisiense. A maior parte dos registros sobre sua vida também acabaram destruídos por ordem de nobres que temiam ter seus nomes associados a um possível assassino.

O nome de Lemarchand acabou passando para a história pela infâmia de seus supostos atos, contudo, após a Revolução francesa e os anos do Terror, o impacto desses boatos empalideceram diante de atrocidades cotidianas bem reais.


O Legado de Lemarchand

Acredita-se que o artesão construiu mais de 270 cubos antes de desaparecer. Estas peças mudavam de mãos rapidamente, ainda que colecionadores as buscassem avidamente.


Lemarchand tinha a venerável idade de 94 anos quando retornou a Paris e se hospedou no L'Hotel D'Arnais no Quartier Latin, um prédio cuja planta ele próprio desenhou. Ele jamais saiu de seu quarto, recebia a comida na porta e não se ausentou do cômodo nos três meses que ficou hospedado. Quando o gerente do hotel finalmente entrou no aposento após dias sem notícia dele, encontrou apenas a mobília, e uma das Configurações depositada sobre uma poça de sangue. Talvez tenha sido um fim adequado, juntar-se ao mistério daqueles que desapareceram.

O nome de Lemarchand ainda é citado pelos entusiastas de seu brilhante trabalho como artesão e arquiteto. Alguns prédios projetados por ele ainda estão de pé na parte antiga da cidade e uma luta para reconhecer o valor histórico arquitetônico de suas obras está em curso.

Lemarchand contudo será lembrado pelas suas Configurações. Ocultistas de renome como Austin Osman SpareEliaphas LeviA.E Waite e Aleister Crowley mencionaram em algum momento de suas obras os cubos criados por Lemarchand. Invariavelmente, eles são tratados como poderosos artefatos dotados de poder oculto.


Muitas figuras na história teriam tido contato com Configurações. Voltaire foi presenteado com uma das peças, assim como Benjamin Franklin que em sua visita a Paris recebeu um cubo que tratou de levar para a América. Francis Dashwood, o fundador do célebre Clube do Inferno teria adquirido um cubo que foi usado em rituais nas catacumbas de Edimburgo. O Conde de St. Germain por um curto período de tempo teve uma configuração presenteada a Catarina da Rússia pouco antes dela assumir o poder. O Czar Nicolau II teria adquirido essa mesma peça pouco antes da Revolução Bolchevique, e Stalin foi seu último dono. O cineasta Cecil B. Demille se orgulhava de ter um cubo em sua coleção, assim como o dono da Standart Oil, Nelson Rockfeller que doou a sua peça para o Museu Smithsonian. O arquiteto do nazismo Albert Speer vasculhou Paris em busca de peças Lemarchand e após a Segunda Guerra rumores a respeito de peças surgindo e desaparecendo circularam sem parar.

O interesse de colecionadores em todo o mundo ainda é grande no que se refere às peças exclusivas de Lemarchand. Talvez o interesse despertado por elas esteja abaixo apenas das peças do designer Fabergé

Para se ter uma idéia uma configuração construída em 1764 foi vendida na Tailândia em um leilão fechado em 1998. O objeto foi arrematado por um colecionador cuja identidade não foi revelada pela quantia de dois milhões e meio de dólares.

domingo, 16 de outubro de 2022

Deus dos Sacrifícios - O aterrorizante Culto de Moloch dedicado a morte pelo fogo


Todos sabemos que no passado haviam cultos e crenças que, para nossos padrões de civilização parecem simplesmente absurdos e incompreensíveis.

Infelizmente, não era rara a existência de grupos e pessoas que se reuniam para reverenciar forças da natureza ou divindades primitivas que conforme suas crenças precisavam ser aplacadas ou agradadas. A forma mais corriqueira de agradar aos Deuses no passado era oferecer a eles sacrifícios e a forma mais medonha de sacrifício era o humano. Em templos escuros, diante de imagens ou símbolos sagrados, sacerdotes especialmente ungidos erguiam lâminas e vertiam o sangue dos sacrifícios. Este escorria pelo chão, sobre os altares de pedra ou era coletado pelos discípulos para que nenhuma gota se perdesse. 

Se há uma verdade na história humana é que ela marcada por morte, violência e sacrifício. 

Talvez nenhum Deus tenha recebido tanto destaque quanto Moloch, uma divindade que supostamente recebia o sacrifício de inocentes como parte de seus ritos profanos. É possível que o infame Culto de Moloch, devotado ao mais poderoso Deus dos Cananitas, tenha sido a mais terrível e cruel religião do passado? 


Diz-se que os fanáticos seguidores de Moloch, ou Molech,  eram particularmente dedicados a oferecer sacrifícios ao seu Deus. Historiadores relatam que mulheres eram cobertas com betume ou óleo cru e depois incendiadas como tochas vivas. Prisioneiros e inimigos da fé, eram decapitados e suas cabeças atiradas aos pés das imagens. Mãos, dedos e olhos eram extirpados como punição para transgressões menores. Mas o pior de tudo, era o rumor de que crianças seriam trancadas em pequenas câmaras dentro de uma enorme estátua de bronze representando o deus, para que em seguida uma fogueira fosse acesa abaixo dela. O calor insuportável as assava lentamente causando uma morte dolorosa.

As oferendas, de acordo com os cronistas que escreveram sobre esse Culto deveriam ser colhidas através do fogo ou da guerra. E era assim que acontecia nos templos dedicados a Moloch, onde as congregações se encontravam para celebrar com terror e sofrimento a crença em seu Deus sanguinário.

Mas seria Moloch e seus seguidores realmente merecedores dessa má fama? Teriam eles realmente praticados os atos medonhos que lhes foram imputados? O que diz a história?

Para começar, vejamos quem foi Moloch e quem eram os seus cultistas.

Moloch era considerado um dos grandes deuses dos Babilônicos e sua influência se espalhou para outras terras sendo louvado pelos Fenícios e Cartagineses. Ele também era conhecido e temido na Mesopotânia, onde seu culto se confundia com o de Nergal. Moloch era tido como um deus dos subterrâneos, das profundezas e dos recessos mais fundos. Os judeus se referiam a ele como o Senhor do Sheol, o reino infernal abaixo da terra. Seus domínios consistiam de câmaras tão profunda quanto inacessíveis, conectadas por cavernas escuras que jamais foram iluminadas. A sala do trono do Deus era tão vasta que comportava rios de fogo e enxofre. De seu imenso trono de ouro ele governava como um Rei e de fato, a palavra "mlk" que é parte de seu nome, se traduz como "Monarca" ou "Governante".


O Senhor das Profundezas é citado na Bíblia no Leviticus

Na passagem 18:21, é dito que: "Nenhuma criança deve ser oferecida em sacrifício a Moloch".

Passagens em Reis, Isaías e Jeremias também se referem a um tophet, que foi definido como um local na antiga Jerusalém, onde no passado foi erguida uma majestosa estátua de bronze com a forma de Moloch. Ele teria a aparência de um homem com cabeça de touro, vestindo trajes suntuosos de seda e joias. A estátua do tophet é que teria dado origem às histórias sobre os sacrifícios de crianças. Ela teria mais de 5 metros de altura, estaria com os braços estendidos e teria compartimentos como nichos onde as crianças podiam ser colocadas. Aos pés da estátua uma enorme pira era acesa fazendo o metal se aquecer até se tornar um forno.

O rabino medieval Schlomo Yitzchaki, escreveu um extenso comentário sobre essas passagens bíblicas no século XII. 

Ele dizia:  

"A estátua de Moloch, era feita de bronze; e eles (os fiéis) a aqueciam de suas partes inferiores; e punham crianças em seu interior para queimá-las vivas. Quando os pobres sacrificados gritavam com veemência os sacerdotes batiam tambores, para que os pais não ouvissem os apelos dos filhos, e seu coração não se comovesse".


Estudiosos compararam essas referências bíblicas a relatos feitos por historiadores gregos e latinos posteriores que também falavam de sacrifícios de crianças centrados no fogo. A cidade cartaginesa de Púnica era o centro do culto e local onde se encontrava o maior templo dedicado à divindade. Plutarco, escreveu que os cultistas de Moloch queimavam crianças como forma de agradar ao deus. Ele também dizia que o ritual se assemelhava ao realizado em homenagem à Ba'al Hammon, deus responsável pelo clima e pela agricultura entre os amonitas.

Enquanto os estudiosos ainda debatem se a prática cartaginesa de sacrifício de crianças diferia ou não do culto de Moloch, geralmente acredita-se que Cartago sacrificava crianças quando era absolutamente necessário como durante um ano de colheita especialmente ruim ou diante de uma catástrofe, como um terremoto, por exemplo. Já o culto de Moloch oficializava sacrifícios mais regularmente já que seu deus demandava uma espécie de taxa a ser paga pelos seus seguidores. Os sacrifícios oferecidos geralmente eram de escravos e inimigos capturados em tempos de guerra, mas na falta destes, os próprios fiéis indicavam seus filhos, esposas ou parentes. Cada sacrifício serviria para aplacar a fúria do Deus que do contrário poderia causar uma tragédia, devastar os campos ou promover um desastre.

Especialistas tem razões para acreditar que muitas das descrições dos rituais sanguinários de Moloch foram exageradas pelos romanos para fazer os cartagineses parecerem mais cruéis e primitivos do que de fato eram. Uma vez que Roma havia declarado guerra contra Cártago, e os povos se tornaram rivais, é possível que o caráter maligno do Culto tenha sido realçado pelos romanos. Essas descrições teriam chegado aos dias atuais.

À despeito disso, escavações arqueológicas realizadas na década de 1920 no Iraque descobriram evidências factuais de que sacrifícios eram realizados nos templos dedicados a Moloch. De fato, entre os ossos encontrados estavam inclusive os de crianças. Além disso, muitos dos instrumentos utilizados pelos sacerdotes continham o símbolo que os identificava como ferramentas sagradas cuja finalidade era realizar sacrifícios.


Com isso, a antiga prática de sacrifício de crianças encontrou um fundamento renovado que acompanhava a interpretação medieval. Para os filósofos medievais, o Culto de Moloch era imensamente maligno e devotado a práticas tidas como blasfemas. Mais do que isso, teólogos medievais elevaram Moloch ao posto de um dos Senhores do Inferno, um dos aliados mais poderosos de Satã

O poeta inglês John Milton escreveu em sua obra-prima de 1667, Paraíso Perdido que Moloch era um dos principais guerreiros à serviço de Satanás e um dos piores anjos caídos que o Diabo tinha como comandante em sua luta contra o Céu. 

Em um trecho da obra, Moloch faz um discurso no parlamento do Inferno, onde defende a guerra imediata contra Deus e é então reverenciado na Terra como um deus pagão contrário ao cristianismo.

"MOLOCH, rei horrível manchado de sangue
De sacrifício humano, e lágrimas de pais,
O barulho de tambores e o rufar alto,
Abafava os gritos dos inocentes que passaram pelo fogo."

No romance de 1862 de Gustave Flaubert sobre Cartago, Salambô, os sacrifícios em homenagem a Moloch também eram retratados em detalhes poéticos:

"As vítimas, lançadas na abertura, desapareciam como uma gota de água em um prato incandescente, e uma fumaça branca subia em meio à grande cor escarlate. No entanto, o apetite do deus jamais era aplacado. Ele sempre desejava mais! A fim de fornecer-lhe um suprimento maior, as vítimas eram  empilhadas em suas mãos com uma grande corrente acima delas, que as mantinha em seu lugar”.


Mais recentemente, alguns pesquisadores propuseram que Moloch não seria exatamente um deus, mas uma espécie de ritual de sacrifício. Esse ritual envolvendo elementos de fogo consistia em queimar as vítimas, mas apenas umas poucas seriam mortas dessa forma. O sacrifício poderia também se referir aos cultistas que permitiam ser marcados com ferros ou se sujeitavam a andar sobre brasas incandescentes para provar sua devoção e coragem. Também haveria um rito de passagem no qual, o cultista segurava pedras em brasa ou placas de bronze aquecidas.

Nos círculos de ocultismo, Moloch se tornou uma figura associada a Goetia e ao diabolismo. Ele seria uma entidade de destruição e avareza, de ruína e das pragas, posicionado como o mais poderoso dos demônios na Árvore da Vida. Moloch também era chamado de "Príncipe do Vale das Lágrimas", em referência ao histórico envolvendo sacrifícios de crianças. 

Os hebreus o tratavam como "a Abominação dos Amonitas" e esse título o acompanhou pelos séculos seguintes. Fica claro que, quando os amonitas se tornaram inimigos dos hebreus, seus costumes se tornaram motivo de repúdio dos inimigos. Inegável que houve exagero na demonização da cultura desses povos e a transformação de seus costumes em barbárie. Contudo é inegável que os seguidores de Moloch praticavam rituais que chocavam os outros povos.