domingo, 28 de novembro de 2021

Horrores Marinhos - O Culto das Profundezas devotado a Dagon e Hidra


É inegável que os mares oferecem infinitos enigmas, muitos deles, assustadores.

Além das ondas que arrebentam na praia e nos abismos insondáveis preenchidos por silêncio e escuridão, repousam coisas que a humanidade não está preparada para conhecer. A mera sugestão de sua existência seria suficiente para nos mover em um êxodo consciente para as regiões internas dos continentes, colocando uma distância considerável das costas recortadas e litorais orlados, onde estamos ao alcance dessas coisas.

Os oceanos possuem uma íntima relação com o Mythos de Cthulhu.

Nessa série de artigos, vamos investigar horrores submarinos de toda ordem e sua relação tempestuosa com o mundo da superfície. Hoje falamos do Culto das Profundezas Oceânicas devotado às divindades conhecidas como Dagon e Hidra

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Os mares talvez tenham sido um dos primeiros obstáculos para os homens do passado. Quando os povos primitivos se deparavam com porções de água, ali estacavam, receosos em tentar atravessar. As águas traiçoeiras ofereciam perigos inenarráveis e propunham uma questão central à respeito do que haveria além da linha da superfície. O que haveria lá embaixo? Da mesma forma, quando se afastavam da costa, perguntavam-se, o que poderia existir além do horizonte? E que seres bizarros, limosos e escamosos podiam reclamar aqueles reinos aquosos como seus domínios?

Dentro da Mitologia Cthulhiana, os Abissais são uma raça de homens-peixe consideravelmente mais antiga que a humanidade. Eles já construíam magníficas cidades submersas de madrepérola e coral quando estávamos descendo das árvores em busca de cavernas para nos refugiar. Os Abissais são criaturas complexas e sofisticadas, perfeitamente adaptadas à vida nas profundezas. Embora possuam características anfíbias, é inegável que se sentem muito mais à vontade na água do que em terra. Eles edificaram uma sociedade inteira sob as ondas, e esta manifestou pouco interesse em alterar seus modos ao longo das eras, sobretudo pelo fato de serem virtualmente imortais.


A maioria dos povos antigos temiam os Abissais e os evitavam à todo custo, sobretudo por conta das suas incursões em terra. Havia enorme temor e este era perfeitamente justificado pois quando vinham, levavam consigo escravos e mulheres humanas com quem pudessem procriar. No entanto, algumas civilizações acabaram se aproximando dos Abissais e com eles firmaram um acordo. Em troca dos prisioneiros que tanto desejavam, os abissais instruiriam os humanos a respeito dos segredos dos oceanos. Ensinaram como pescar, como entender o curso das marés, como se guiar pelas estrelas e conhecer os animais que habitavam os mares. Também forneceram um vislumbre de terras distantes e mapas para chegar até elas em segurança. Num primeiro momento  estes homens construíram embarcações simples, mas com o tempo elas foram sendo aprimoradas, permitindo jornadas mais longas.

Os povos da ancestral Mu, da remota Lemúria e do lendário continente da Atlântida estabeleceram boas relações com os Abissais e através deles conseguiram empreender suas primeiras jornadas além-mar. Contudo, quando essas civilizações experimentaram sua decadência através de catástrofes naturais, os acordos que tinham com os abissais foram esquecidos. A maioria dos herdeiros dessas orgulhosas civilizações preservaram seu saber à respeito do mar e os compartilharam com os que os sucederam. Os gregos no período clássico, em especial os minoanos e cretenses, sabiam como construir embarcações que os levavam além de suas ilhas. Nestas explorações entraram em contato com outros povos e firmaram laços de comércio que definiram as relações no mundo antigo. Também é de se supor que estes tiveram contato com os Abissais, mas ao contrário de seus antepassados, os gregos ficaram chocados com a existência do povo das profundezas e os trataram como monstros e seus filhos híbridos, como abominações. 

Esse ponto de vista, entretanto, não foi partilhado por outras civilizações que se formaram na Idade Antiga do homem. Os habitantes da Terra de Canãa, que construíram a orgulhosa Civilização Fenícia, forjaram a primeira Talassocracia do mundo, uma sociedade inteira baseada na cultura e progresso comercial marítimo.

O Povo Fenício desde os seus primórdios teve uma relação amistosa com os Abissais que habitavam o Mar Mediterrâneo. É possível que os nobres da mais alta estipe que comandavam as Cidades Estado de Sídon, Tiro e Biblos, tivessem sangue Abissal correndo em suas veias. Essa característica não era vista como uma desvantagem, pelo contrário, o sangue abissal permitia a eles uma familiaridade com o mar. Isso talvez possa explicar porque a Civilização Fenícia se tornou em poucas décadas uma potência naval, dominando os mares e singrando de leste a oeste do Mediterrâneo por rotas até então ignoradas. Seus navegadores conheciam técnicas náuticas que permitiam impulsionar suas galés muito mais longe e em segurança, colocando-os em contato com povos distantes, com quem celebraram comércio.


Foi na antiga Fenícia que se formou o mais antigo Culto organizado, devotado ao Deus das Profundezas. A divindade central da sociedade abissal sempre foi o Grande Cthulhu, tido como o patrono alienígena de toda espécie, o Deus que os gerou nas profundezas. Num primeiro momento a Cidade-Estado de Tiro se converteu no reduto do Culto de Cthulhu, responsável por difundir os rituais blasfemos através dos portos, criando baluartes da seita nos portos de Luxor, Chipre, Atenas e Gadir.

Contudo, apesar da inquestionável importância de Cthulhu, haviam outros deuses que também eram venerados pelos Abissais e se mostravam bem mais acessíveis que o Sonhador de R'Lyeh. Desde o início dos tempos, os Abissais rendiam homenagem a dois dos seus, um macho e uma fêmea, alçados ao posto de Deidades e tratados com total reverência pelos títulos de Dagon e Hidra.

Dagon é o consorte de Hidra, a grande genitora, por isso, também eram chamados de Pai Dagon e Mãe Hidra, o que reforça o papel deles como Patriarca e Matriarca de todos Abissais. Os dois são venerados como representantes da espécie e invocados durante rituais importantes. Eles respondem prontamente quando surge a necessidade. Dagon geralmente é convocado para abençoar os guerreiros a caminho da guerra, para validar rituais de passagem ou aceitar sacrifícios na forma de alimento. Já Hidra tem papel sacramentando uniões, abençoando as fêmeas com fertilidade e recebendo sacrifícios humanos. Há rituais específicos em que ambos podem ser convocados, mas estes são consideravelmente mais raros. 

O Culto de Dagon e Hidra existe há milênios entre os Abissais, tendo surgido nas suas cidades submarinas. Ele foi introduzido de maneira organizada entre os homens primeiro entre os Fenícios. Os sacerdotes que lideravam o culto, à princípio, aceitavam apenas híbridos entre os devotos, contudo, a religião aos poucos foi encontrando espaço e se encaixando em outras camadas da sociedade. De fato, o Culto de Dagon (ou Dagan) se tornou muito difundido entre sumérios, acadianos, cananitas e filisteus que incorporaram elementos próprios aos rituais. Dagon passou a ser visto não apenas como uma divindade marinha, mas como Deus da fertilidade, abundância e do grão. Os sacerdotes vestiam uma indumentária própria com um manto simulando escamas e uma mitra que representava a cabeça de um peixe.


À certa altura, Dagon tornou-se a principal divindade do Panteão Semítico, sendo citado na Bíblia em pelo menos dois momentos cruciais: quando seu Templo é destruído pelo herói Sansão (Juízes 16:23) e quando a Arca da Aliança é removida de um dos seus templos e a estátua do Deus acaba sendo mutilada (1 Samuel 5:2). É provável que a essa altura, a religião já tivesse sofrido mudanças tão significativas que guardava pouca ou nenhuma conexão com os ritos originais. Esse desvirtuamento das cerimônias de Dagon marcou também o declínio da Civilização Fenícia que em meados de 540 a.C entrou em decadência. Quando Ciro, o Grande, Rei dos Persas conquistou a Fenícia, esta foi dividida em quatro reinos, o que pulverizou de uma vez por todas seu governo e decretou seu colapso.

Muitos fenícios em fuga se estabeleceram na Colônia de Cartago, no Norte da África onde o Culto de Dagon experimentou um renascimento por um curto período de tempo retomando suas doutrinas originais. Muitos híbridos humanos devolveram ao Culto o caráter marinho dos ritos, contudo, o Império Cartaginense acabou sendo devastado pelos romanos nas Guerras Púnicas.

O Culto de Dagon, no entanto, foi carregado pelos sobreviventes, estabelecendo pequenos templos em cidades portuárias no sul da Europa. Os principais centros de adoração a Dagon no continente incluíam Cádiz e Sevilha, na Espanha, Porto e Lisboa em Portugal, Marselha na França, Nápoles e Salerno, na Itália, além da Ilha de Sardenha. Nesses locais a seita se desenvolveu em segredo entre pescadores e marinheiros, sendo praticada em absoluto sigilo. Contudo, sendo um culto que praticava sacrifícios e prezava pelo segredo em seus rituais, era difícil não atrair a atenção. A ferrenha perseguição da Igreja Católica obrigou os cultistas a mergulhar ainda mais na clandestinidade. Muitos membros híbridos da seita foram perseguidos pela sua aparência hedionda, sendo aniquilados no correr da Idade Média. Os únicos centros de adoração que restaram foram aqueles estabelecidos em Marselha e na Sardenha. Não por acaso, eram portos de grande movimento comercial que favoreciam as atividades do culto. Marselha aliás se converteu num dos maiores centros de adoração de Dagon e Hidra com templos operando nos porões da lendária Casbah do Mediterrâneo.

A seita se beneficiou da Expansão Ultramarina e encontrou no Novo Mundo locais onde poderia se fixar sem chamar a atenção. Longe dos olhos vigilantes de instituições dedicadas a destruí-los, o culto firmou contato amistoso com abissais que viviam no vasto litoral das Américas. No Caribe, o Culto de Dagon prosperou nas Bahamas, Costa Rica e nas Bermudas. Já na América do Sul, ramificações da seita dominaram vilarejos pesqueiros no nordeste do Brasil, e também nas cidades portuárias do Rio de Janeiro e Santos. No outro lado do mundo, o Culto de Dagon estabeleceu bases em Madagascar, nas Filipinas, Singapura, em Ilhas da Polinésia e no sul do subcontinente indiano. As Ilhas Andaman sempre tiveram importância como centro de adoração.


Dentre os ramos mais bem organizadas da Seita, é preciso mencionar a lendária Ordem Esotérica de Dagon, estabelecida na cidade costeira de Innsmouth na Nova Inglaterra. A cidade hospedou por décadas um dos mais poderosos grupos de sectários dedicados ao Culto. De fato, a Ordem fundada em 1840 só foi desmantelada em 1927, após uma série de desaparecimentos que alertaram o Governo Federal das ações temerárias da Seita. Uma operação militar coordenada pela Marinha dos Estados Unidos colocou fim à ameaça. No processo de invasão e tomada de Innmouth, vários Abissais e híbridos foram mortos ou capturados pelo governo norte-americano.

A operação abriu os olhos do governo para a existência de grandes conspirações sobrenaturais ocorrendo sem que ninguém tivesse conhecimento de suas ações. Mais do que revelar tal coisa, o Incidente de Insmouth demonstrou como o Governo estava despreparado para lidar com tais ameaças. Após a operação julgou-se necessário criar um Departamento especializado, incumbido de localizar, avaliar e neutralizar tais ameaças em solo americano. Os membros da recém formada Divisão P (de Paranormal), interrogaram os prisioneiros de Innsmouth que revelaram a dimensão da conspiração.

Na década de 1930, uma segunda operação militar destruiu um foco de atividade de abissais e híbridos em Porto Rico. A operação foi um sucesso e serviu para provar que a Ordem de Dagon ainda estava ativa e constituía uma ameaça considerável. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Divisão P, renomeada com o nome código Delta Green atuou nos bastidores do conflito frustrando uma possível aliança entre os Nazistas, coordenada por membros da Thule Gesselshaft e Abissais. No período do pós-guerra, boatos à respeito de Cultos devotos de Deuses Marinhos abundam em várias regiões costeiras do mundo e é provável que estes continuem atuando secretamente.   

Os cultos de Dagon e Hidra possuem diferenças consideráveis no que diz respeito a doutrina, mas em essência são seitas que favorecem sacrifício e idolatria. Há muitos elementos cerimoniais tomados emprestados de crenças locais em um grosseiro sincretismo místico religioso. Uma seita pode recorrer a lendas nativas, costuradas com as Sagradas Escrituras e doutrinas chapinhadas de seitas da fertilidade do Oriente-Médio. O resultado é uma mistura de diferentes elementos pseudo teológicos um tanto incompreensivos.


Em comum, o fato de que praticamente todos cultos buscam primordialmente estabelecer a cooperação e interação entre híbridos e abissais. 

Um dos rituais consagrados, presente na maioria dos cultos prevê a conjunção carnal entre abissais machos e fêmeas humanas, tanto híbridas quanto humanas puras capturadas para esse fim. No passado, os Cultos mantinham relações estreitas com negociantes de escravos que lhes garantiam vítimas para abastecer esses rituais, mas recentemente, eles passaram a recorrer a sindicatos criminosos. O objetivo desses rituais era fecundar as fêmeas e garantir o surgimento de novos híbridos. Uma vez que a cerimônia constituía uma traumática violação física e emocional, em muitos casos as vítimas eram drogadas para não guardar memórias do incidente. Uma vez inseminadas, eram libertadas, ainda que permanecessem marcadas pelo Culto que acompanhava de perto o nascimento e criação das crianças.

As congregações geralmente buscam se estabelecer nos portos; em porões e docas subterrâneas, de preferência onde existem túneis inundados com conexão para o mar. Isso permite o acesso mais fácil de abissais ao local, sem chamar a atenção de curiosos. Estes ditos Templos possuem evidentes características religiosas, que incluem estatuas das deidades, sacrário para guardar regalias e um altar mor de onde o sacerdote conduz o serviço. Sendo um tabernáculo marinho, é indispensável haver uma ou mais piscinas com água salgada. As paredes desses templos são cobertas de inscrições nos Caracteres de R'Lyeh, a linguagem sagrada dos Abissais, usada em suas cerimônias. Outros ornamentos típicos incluem decoração com estrelas do mar, ouriços, coral, pérolas, cascos de tartaruga e restos de peixes pendurados nas paredes. O Chaat Aquadingen, é o tomo mais importante para o Culto, pois contém os ensinamentos e parábolas das profundezas. 

Os alto sacerdotes sempre são híbridos, geralmente em um estágio avançado de sua transformação que os torna mais abissais que humanos. Eles vestem uma indumentária característica, com um doumã vermelho e dourado, joias a lhes adornar os braços e um tipo de coroa de madrepérola na cabeça simbolizando seu status. Na cintura trazem um par de facas de aspecto grosseiro penduradas em cintos de couro: uma delas é recurva e afiada,  usada mormente nos sacrifícios, a outra é serrilhada para demais ritos. A autoridade do Sacerdote é completa e em seu Templo, sua palavra é final. Eles são geralmente assistidos por quatro a oito sacerdotes menores, responsáveis por tarefas ordinárias.


As piscinas são usadas nos ritos de sacrifício, no qual vítimas podem vir a ser afogadas, degoladas ou então torturadas lentamente pelos sacerdotes e seus assistentes. Para alguns cultos, o sangue tem um papel central nos sacrifícios, com os Abissais respondendo a invocação mediante o tributo pago dispersado na água. Outros respondem ao sacrifício quando a vítima é afogada. Geralmente os corpos são levados para as profundezas pelos abissais no final da cerimônia, desse modo os cultos descartam suas vítimas com facilidade.

Alguns rituais sagrados do Culto de Dagon e Hidra podem ocorrer ao ar livre, geralmente em praias isoladas sempre à noite, quando a maré está alta. Os lugares escolhidos são marcados com obeliscos de pedra negra ou esverdeada que reluzem na luz da lua. Essas cerimônias são menos frequentes e geralmente demandam a participação de vários abissais. Os sacrifícios são abundantes, havendo canto e danças frenéticas, culminando  num ritual orgiástico que visam a concepção de novos híbridos.

Os Cultos recebem como recompensa pela sua devoção pesca abundante, presentes das profundezas e a proteção dos abissais. Um dos objetivos das seitas é acompanhar e preparar o caminho para o tão aguardado despertar de Cthulhu. Durante o serviço religioso, o sacerdote relata a história de Cthulhu e cultiva nos membros da congregação um fanatismo duradouro. Os intérpretes da doutrina acreditam que quando as estrelas estiverem certas, o Grande Antigo deixará R'Lyeh para visitar a terra e declarar o início de seu domínio sobre o mundo. E quando tal coisa ocorrer, os membros do Culto estarão presentes para pavimentar seu caminho com sangue e fervor.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Máscaras de Nyarlathotep - A Campanha definitiva de Chamado de Cthulhu em Financiamento Coletivo

 

As Máscaras de Nyarlathotep é considerada por muitos como a maior campanha de todos os tempos. Não estou falando apenas de Chamado de Cthulhu, estou me referindo a todos os RPG lançados até hoje.

Sério mesmo!

Máscaras é um ícone na história das campanhas prontas e talvez realmente mereça os elogios feitos por gerações de jogadores que participaram dela e guardam ótimas lembranças dessa experiência. Eu sei bem como é, joguei Máscaras e depois narrei e a considero uma das minhas melhores experiências de jogos até hoje.

Eu tenho noção que dizer que uma campanha é a melhor de todas constitui uma declaração no mínimo polêmica, mas Máscaras merece seu lugar de destaque. Ela é épica, transcendental, aterrorizante, cheia de reviravoltas e lances do destino. O foco da campanha é global, transcorrendo em sete localidades, de Nova York a Shanghai, passando por Londres, Cairo, Quênia e Austrália. Os vilões são igualmente interessantes, consistindo de múltiplos cultos dedicados a vários avatares, ou Máscaras do Caos Rastejante em pessoa, ou Nyarlathotep. O roteiro é absolutamente bem amarrado e com uma escala crescente de incidentes e acontecimentos.


Da mesma maneira, os jogadores - ou Investigadores, serão confrontados por um número enorme de oponentes e terão de analisar centenas de pistas que lhes permitirão deduzir a real natureza de seus inimigos e o que eles planejam nesta terrível conspiração. É claro, os cultos unidos em torno de um mesmo plano anseiam como sempre pelo retorno dos Mythos de Cthulhu. Máscaras de Nyarlathotep é um verdadeiro desafio para os jogadores. Muitos a consideravam uma das campanhas mais intrincadas e difíceis, beirando a impossibilidade. Não há apenas cultos numerosos e inimigos poderosos no caminho do grupo, mas horrores indescritíveis, aberrações famintas, situações limítrofes e uma fartura de desafios ao mesmo tempo naturais e sobrenaturais.

Além disso, chama a atenção dos jogadores as dimensões desse jogo. Em uma palavra é possível definir a campanha como GIGANTESCA! Aqueles que embarcam em Máscaras de Nyarlathotep podem esperar meses ou mesmo anos de aventuras até o complô ser revelado por inteiro. Ela é nada menos do que colossal em extensão e detalhamento. Para se ter uma ideia, a lista de NPCs é tão grande que se sugere ao mestre que tome notas de todas as personalidades encontradas após cada porção da história. Também é interessante que os jogadores mantenham algum tipo de diário para poder acompanhar todos os acontecimentos, uma vez que é fácil se perder dentre a infinidade de pistas e indícios recolhidos.


Curiosamente, Máscaras não foi a primeira campanha lançada pela Chaosium. No distante ano de 1982, coube a Shadows of Yog-Sothoth dar o início a era das Grandes Campanhas de volta ao mundo (conhecidas como Globetrotters). Shadows foi o planejamento para o que estava por vir e em 1984, Máscaras foi lançada com pompa e circunstância, estabelecendo o padrão no qual todas as demais campanhas de volta ao mundo buscariam se espelhar.

Sem dar grandes spoilers a campanha em si envolve o trágico destino da Expedição Carlyle. Em 1919, o notório playboy internacional Roger Carlyle deixa Nova York com uma expedição arqueológica ao Egito, passando pela Inglaterra onde os membros conduzem estranhas pesquisas. Os componentes da expedição são pessoas importantes, a nata da sociedade e figurões de grande poder e influência. Entre eles estão Hypatia Masters, uma rica socialite e herdeira, o Dr. Robert Huston, psiquiatra dos ricos e famosos e o aventureiro Jack Brady, espécie de mercenário e guarda costas da expedição. Em Londres, junta-se à esse seleto grupo o famoso arqueólogo britânico Sir Aubrey Penhew. Juntos eles partem para o Egito, onde pretendem realizar o que os jornais da época chamam de "a maior descoberta de todos os tempos".


Após alguns meses, sendo acompanhados por leitores ávidos mundo à fora, a Expedição Carlyle chega a um campo isolado na Colônia britânica do Quênia. Lá eles esperam descansar um pouco, longe dos olhos da imprensa. Infelizmente, uma tragédia os aguarda. A expedição inteira que participava de um safari na selva é massacrada por tribos locais. Nenhum deles sobrevive e o mundo lamenta o ocorrido.

Passam então cinco anos e entra em cena mais um personagem fundamental nessa trama, o autor Jackson Elias. Em Janeiro de 1925, ele contata um grupo de indivíduos de sua confiança - os investigadores - e pede a eles que o encontrem em Nova York. Ele adianta apenas que possui informações estarrecedoras a respeito do destino da Expedição Carlyle. Jackson alerta o grupo ainda da existência de um perigoso culto em atividade em Nova York. Esse é o ponto de partida para uma longa e perigosa investigação que revelará não apenas o destino dos membros da Expedição Carlyle, mas uma conspiração de enormes proporções. Os investigadores terão várias perguntas a responder: No que os membros da Expedição estavam envolvidos? O que Jackson Elias descobriu em suas pesquisas? Quem está arquitetando a sombria conspiração? E quais podem ser os resultados dela para a humanidade se os envolvidos tiverem sucesso?

Aos poucos, os investigadores revelam uma teia de conexões e uma trilha de eventos que os força a viajar pelo mundo, seguindo os passos de cada um dos membros e descobrindo assim as muitas ramificações da campanha. Ao longo do ano de 1925, os investigadores irão atravessar mares e desertos, realizar pesquisas em lugares inesperados, revelar tramas sinistras e enfrentar perigos grandes e pequenos, sofrendo enormes perdas, em matéria de sanidade, bem estar e aliados. Se eles tiverem êxito - e conseguirem sobreviver! - talvez eles consigam frustrar os planos de um Deus Obscuro e de seus seguidores, e salvar o mundo!


Embora Máscaras de Nyarlathotep mereça todos os elogios que a cercam, a campanha estava longe de ser perfeita. Primeiro e mais importante, tratava-se de uma campanha demasiadamente grande e complexa, com tantos detalhes, pistas e sub-tramas que por vezes ela parecia impossível de ser narrada. Segundo, os jogadores precisavam comprar a ideia e fazer a sua parte. Essa era uma campanha que demandava seguir as pistas e entender os acontecimentos. Eles não podiam simplesmente esperar que o Guardião entregasse tudo de mão beijada. Terceiro, a campanha apresentava um NPC - Jackson Elias, um amigo dos investigadores que lançava as bases para a campanha. Embora ele seja tratado como um companheiro de longa data e alguém em quem o grupo confia, faltavam elementos que ligassem o NPC aos PCs. Pedir que eles enfrentassem todas essas agruras por alguém que eles conheciam apenas brevemente não parecia crível. Além disso, a campanha jamais aprofundou a relação de Elias com os personagens, Quarto, a campanha jamais mencionou como os investigadores deveriam viajar ao redor do mundo e com quais recursos. Quinto, os cultistas na maioria das vezes eram tratados basicamente como estereótipos raciais. Muito disso se devendo ao fato de que é uma história que seguia o gênero Pulp, na qual aventura e empolgação são os requisitos básicos para que ela siga adiante.

Ainda assim, a campanha permanece como uma grande experiência de jogo, ainda que muitos Guardiões trabalhassem esses problemas por iniciativa própria. Faz alguns anos um enorme suplemento chamado "Masks of Nyarlathotep Companion" foi lançado com o objetivo de sanar os problemas e realizar ajustes para tornar a experiência mais proveitosa. Mais do que isso, o tal Companion trazia dicas de como narrar a campanha e como lidar com questões essenciais - como por exemplo: "O que fazer se todo o grupo for aniquilado durante a investigação"? Não por acaso, o Companion de Masks era um verdadeiro calhamaço, com mais de 700 páginas.


Com o lançamento da Sétima edição de Call of Cthulhu, a Chaosium Inc decidiu encarar uma ambiciosa tarefa, adaptar Masks of Nyarlathotep e torná-la mais acessível aos novos Guardiões.

Foi assim que surgiu Masks of Nyarlathotep: Dark Schemes Herald the End of the World (Máscaras de Nyarlathotep: Esquemas Obscuros antecipam o Fim do Mundo), a quinta e supostamente definitiva edição da campanha, que foi completamente redesenhada para ser usado com as regras de Chamadod e Cthulhu, Sétima Edição.

A mudança mais evidente para quem conheceu as edições anteriores é o tamanho. A quarta edição, lançada em 2010 contava com 244 páginas, já essa nova edição possui impressionantes 666 páginas. Quase três vezes mais páginas. De fato, ela é tão grande que o material foi dividido em dois grandes livros, cada um com quase o tamanho do Livro Básico de Chamado de Cthulhu. O primeiro volume cobre o prelúdio da campanha até o Egito, o segundo o restante da Campanha. Os dois volumes massivos são acondicionados em uma belíssima slip case de papelão que acompanha a edição especial.





A segunda mudança óbvia é que conforme a nova filosofia da Chaosium, o material é totalmente colorido, incluindo layout e ilustrações. Isso permitiu que os artistas fizessem um novo approach da campanha com novas e belas ilustrações, inclusive dos membros da Expedição Carlyle, da infame cena do hotel com Jackson Elias, do voo dos Shantaks, das pinturas de Miles Shipley e do próprio Faraó Negro com toda sua magnífica aura de ameaça. O resultado é impressionante, com dois enormes tomos contendo uma fartura jamais vista de ilustrações, mapas e diagramas. Mas a mudança, não é apenas cosmética: Máscaras de Nyarlathotep possui mudanças significativas.

Essencialmente, a campanha é uma enorme aventura Sandbox composta por diversas outras aventuras menores que também são sandboxes. Nesses capítulos, cada qual se passando em uma localidade - América, Inglaterra, Egito, Quênia, Australia, e China, os investigadores são livres para seguir as pistas e linhas de investigação da maneira que quiserem, embora é claro, algumas pistas se mostrarão essenciais para resolver aquela porção do mistério. Isso permite que os jogadores sigam para onde bem entenderem e façam o que acharem importante. O ponto de partida, é sempre Nova York, mas as pistas coletadas nesse primeiro episódio permitem que os investigadores sigam para onde acharem mais conveniente e cubram as diferentes localidades na ordem que bem entenderem.

Nas edições anteriores da campanha, os eventos começavam sempre com os investigadores chegando ao local do encontro com Jackson Elias. Isso ainda acontece na campanha, entretanto, a nova edição introduz um prólogo no qual os investigadores podem conhecer uns aos outros e criar um vínculo entre si e com o próprio Jackson Elias antes dele envolvê-los com a Expedição Carlyle. A aventura que serve como introdução se passa no Peru em 1921. Nela, cada investigador, aceita trabalhar para um arqueólogo chamado Augustus Larkin que está em busca de uma pirâmide inca. Larkin é um sujeito estranho, cheio de entusiasmo, enquanto seu assistente Luis Mendoza, é taciturno. O terceiro membro dessa expedição é ninguém menos do que Jackson Elias, um sujeito amigável e curioso. Cabe a Elias apontar uma série de estranhezas na expedição e o fato de que alguém parece sabotar os esforços dos arqueólogos. Lendas locais e superstições vão sendo reveladas, a medida que perigos se colocam diante do grupo.


O capítulo do Peru é um tipo de ensaio para o que está por vir nos sete capítulos seguintes que integram a campanha principal. Ele também envolve uma "máscara" de Nyarlathotep, mas uma comparativamente menos conhecida e menos importante quando comparada ao Língua Sangrenta (Bloody Tongue), o Faraó Negro (Black Pharaoh), o Morcego Chifrudo (Horned Bat) e a Mulher Inchada (Bloated Woman). A trama é menos impactante que as demais da campanha, tratando-se de um caso regional. Ainda assim ela é um adendo muitíssimo bem vindo para forjar uma amizade e cumplicidade entre Jackson Elias e os investigadores. O cenário em si é uma bela introdução com o tradicional monstro dos Mythos e possui excelentes ilustrações. Ele também oferece um background para Elias e se esforça em torná-lo acessível para os demais investigadores.

Pela primeira vez, sabemos mais a respeito de Jackson Elias e sua vida. A alteração mais notável a respeito do personagem é a opção de torná-lo negro nessa edição. Nas edições anteriores, Elias era tratado como um homem branco caucasiano, uma espécie de Percy Fawcett, que se dedicava a explorar os últimos lugares inóspitos do globo. A ideia é interessante e explica como Jackson Elias é capaz de se misturar às populações coloniais e ganhar a confiança dessas pessoas para depois escrever a respeito delas. Com a aventura nas selvas peruanas ajudando a forjar as bases de amizade e confiança entre Elias e os investigadores, tudo se encaixa de uma maneira mais conveniente e orgânica. Além disso, a descoberta de um considerável tesouro nessa primeira história também permitirá que os investigadores patrocinem suas aventuras ao redor do globo. Esse é apenas o primeiro cenário da campanha e seu início é nada menos do que promissor.


Há um esforço bastante grande dos autores em remodelar os cultos e fazer com que eles sejam mais do que grupos estereotipados de "selvagens perigosos". Também são feitas mudanças em pelo menos dois NPCs importantes. No Capítulo da Inglaterra Tewfik al-Sayed, o proprietário de uma Casa de Temperos no Soho, passa a ser uma perigosa mulher chamada Zahra Shafik, dona de uma companhia importadora. No capítulo do Quênia, Tandoor Singh, o dono de um empório de chá, passa a ser Taan Kaur, novamente, uma mulher a serviço de poderosos inimigos dos investigadores. Essas mudanças, mais do que afastar os estereótipos permitem reexaminar as motivações dos NPCs e torná-los mais interessantes para a trama central.

Para ajudar o Guardião a narrar Máscaras de Nyarlathotep, conselhos e dicas são fornecidas ao longo das páginas. Essas dicas começam com a preparação e cobre temas como letalidade, como lidar com a história e ambientação, como criar e substituir investigadores, etc. Dentro de cada capítulo são estabelecidas conexões com a Campanha central, diagramas das pistas coletadas em cada localidade, as pistas que são essenciais e assim por diante. Tudo isso auxilia o Guardião a manter a campanha rolando mais tranquilamente. Similarmente, todos os NPC's que aparecem em cada capitulo são listados no início deles acompanhados de estatísticas, informações e uma imagem com uma moldura que o identifica como aliado, inimigo ou neutro. Quatro apêndices cobrem as informações pertinentes a respeito de viagem no período, artefatos que são encontrados, magias e tomos. Não resta dúvida de que o Guardião precisa gerenciar muitos elementos para conduzir a campanha, mas o esforço em relacionar todas essas informações de uma forma intuitiva é louvável. Máscaras continua sendo uma campanha desafiadora para o Guardião, mas essa edição torna a tarefa consideravelmente mais tranquila. Uma outra informação útil é que no início de cada capítulo o livro fornece dicas de livros, séries de televisão e filmes que servem de inspiração para a aventura.


Outro aspecto muito importante para a campanha é discutir o estilo do jogo a ser adotado - Pulp ou convencional? Até esta edição, adotar um estilo para os cenários da campanha poderia ser complicado, mas com a publicação do muito aguardado Pulp Cthulhu (que nós já resenhamos aqui no Mundo Tentacular - LINK AQUI) esta questão pode ser respondida com maior facilidade. Existem várias sugestões para narrar o jogo usando as regras opcionais do suplemento pulp, que se encaixam muito bem no clima da campanha. Há dicas valiosas de como adaptar os personagens e antecipar os desafios impostos, criando um clima permanente de aventura e excitação.

A Campanha em si se encerra com o capítulo "Grand Conclusion" (A Grande Conclusão), uma análise dos acontecimentos e do clímax de Máscaras de Nyarlathotep. Ele também fornece "The Ultimate Outcome" (O Resultado Final), uma forma de acompanhar o progresso dos investigadores e como as suas ações influem no resultado final. Essa é uma ferramenta para medir como as ações do grupo resultam na conclusão da campanha.


Apesar de todas as dicas que auxiliam o narrador, Máscaras de Nyarlathhotep continua sendo uma campanha de proporções épicas.

Dito tudo isso, o que podemos dizer a respeito das mudanças realizadas das prévias edições para a atual? Obviamente, o novo cenário detalhando o primeiro encontro dos personagens com Jackson Elias no Peru é a maior novidade, mas também há interessantes adições em cada um dos cenários clássicos. As aventuras ainda são as mesmas, mas com detalhes muito bem vindos que ajudam na sua compreensão e clarificação. Além disso, há excelentes apêndices com informações adicionais: sobre magias (9 páginas), tomos (10 páginas), artefatos (6 páginas) e um índice bastante completo (9 páginas). Ao longo do livro temos ainda impressionantes 45 páginas de recursos, 38 páginas de mapas, 13 páginas de retratos de personagens e 85 páginas de NPC. Com esses números é possível ter uma ideia do tamanho da Campanha.



No que diz respeito a Valores de Produção, Masks of Nyarlathotep: Dark Schemes Herald the End of the World nunca pareceu tão bonito. Como em todos os novos títulos da Chaosium, o cuidado com o visual é enorme. O livro é colorido, as páginas brilham com novas e empolgantes ilustrações, fotografias de época e mapas. Tudo é muito bem feito e com um capricho notável. A cartografia em geral é muito boa, os mapas são bonitos e detalhados, especialmente aqueles dedicados aos países e regiões exploradas pelos jogadores. De fato, alguns mapas são tão bacanas que penso já em fazer uma ampliação colorida de alguns e mandar enquadrar. O mapa mundi com os detalhes e trajeto da Expedição Carlyle é o que mais chama a atenção no pacote, mas há vários outros igualmente bonitos.

A edição especial dentro de um Slip Case conta com um pacote especial, o Kit do Guardião no qual TODOS os Handouts são reproduzidos em papel especial colorido para serem cortados e usados diretamente na mesa de jogo. Material de primeira, tudo pronto e muito bem feito. O kit trás ainda fichas de personagens prontos, um Escudo do Mestre exclusivo da campanha e outros detalhes importantes para a trama.



Essa edição de Masks of Nyarlathotep opera as maiores mudanças na campanha nos últimos 20 anos, após a adição do cenário "City Beneath The Sands" que foi pinçada do suplemento Terror Australis e incluído nas duas edições anteriores. De um modo geral, a campanha foi muito bem trabalhada para as regras da sétima edição e o acréscimo de detalhes concede um nível extra de profundidade.

No coração de todas essas mudanças, a campanha continua sendo o que sempre foi: Monumental, colossal e intrincada. Muitos a tratam como "A" GRANDE CAMPANHA de Call of Cthulhu, e estes não estão errados em colocá-la no topo, ou ao menos entre as três mais populares campanhas de todos os tempos. As mudanças e novidades realizadas em Masks of Nyarlathotep: Dark Schemes Herald the End of the World, não apenas confirmam seu status e longevidade, mas a tornam mais acessível e fácil de narrar.

Bom, tudo isso é ótimo, mas há um elemento a mais.

Máscaras de Nyarlathotep está pronto para chegar ao Brasil através de um Financiamento Coletivo da Editora New Order. O Projeto aliás já está em curso e andando bem demais!

Para quem tiver interesse em jogar ou narrar um pedaço da história do RPG, em nosso idioma, eu aconselho dar uma olhada no Financiamento e se inteirar de todos os elementos. Vale a pena!

Mas não deixe para a última hora, os primeiros dias tem um desconto especial!

No Link abaixo você encontra os detalhes:



domingo, 21 de novembro de 2021

O Interruptor Universal - O Bizarro experimento nazista em busca da Imortalidade


Não é segredo para ninguém que os Nazistas conduziam horríveis experimentos usando seres humanos de todas as idades, incluindo mulheres e crianças como cobaias. Essas experiências pseudo-científicas ocorreram antes e ao longo de toda guerra, incluindo testes com armas biológicas e químicas, testes de vários venenos, estudos sobre os extremos que o corpo humano poderia suportar, com água gelada e fervente, efeitos de armas no corpo, experimentos em gêmeos, efeitos de diferentes doenças no corpo humano e incontáveis ​​experiências médicas de todos os tipos. 

A maioria desses projetos teve resultados mistos e objetivos questionáveis, mas todos eles foram verdadeiramente implacáveis ​​e demonstraram uma profunda e perturbadora falta de respeito pela vida humana, algo apropriado na concepção nazista, já que eles não consideravam seus prisioneiros como pessoas. Esses experimentos geralmente deixavam as vítimas feridas, deformadas, incapacitadas ou mortas, mas um experimento secreto tinha o objetivo oposto: encontrar uma maneira da pessoa alcançar a imortalidade.

Mesmo antes desses supostos experimentos visando a imortalidade, é importante lembrar que os nazistas fizeram muitos experimentos para tornar o corpo humano mais resistente e assim construir super soldados. O programa desenvolvido com o objetivo de criar super soldados com capacidades físicas aprimoradas, sem medo ou limitações envolvia o uso de uma droga experimental chamada D-IX, que consistia em um coquetel selvagem de cocaína, um estimulante conhecido como pervitina, e um poderoso analgésico chamado eucodal. Basicamente, era uma super dose de metanfetamina misturada com analgésicos potentes. Acreditava-se que o D-IX aumentaria significativamente o foco, concentração, coragem, heroísmo e autoconfiança, bem como a resistência e a força, diminuiria a dor na mesma proporção que reduziria a fome, a sede e a necessidade de dormir. 

O D-IX foi testado pela primeira vez em prisioneiros do Campo de Concentração de Sachsenhausen e mostrou resultados tão promissores que logo foi administrado em voluntários militares. Os soldados receberam as cápsulas e, em seguida, foram forçados a fazer longas caminhadas por terrenos acidentados com mochilas totalmente carregadas. De fato, D-IX mostrou um aumento dramático na resistência e atenção nas cobaias, permitindo-lhes marchar sem parar por até 129 quilômetros antes de se esgotarem. O "único" problema é que a droga os tornavam irremediavelmente dependentes dela. 


Apesar disso, o programa que administrou o D-IX considerou os testes um sucesso retumbante. O comando nazista entretanto não teve a chance de usar a droga em larga escala. Oficialmente ela foi empregada em campo num grau limitado a partir de 16 de março de 1944. A vitória dos Aliados impediu do componente ser produzido e distribuído em massa. Se ela tivesse sido utilizada em larga escala, quem sabe o que poderia acontecer.

Mas não era apenas esse experimento para capacitar super soldados que estava sendo realizado nos bastidores da Segunda Guerra Mundial. Entre os cientistas, um objetivo maior, perseguido incansavelmente, visava garantir que os soldados simplesmente não morressem. E é aqui que as coisas ficam realmente estranhas. 

Em 1999, algumas caixas contendo antigos documentos nazistas foram supostamente encontradas em um depósito nos arredores de Hamburgo. Elas continham documentos descrevendo experimentos bastante estranhos que são uma espécie de mistura bizarra entre ciência e ocultismo. Todo o conceito repousa sobre a ideia de que os corpos só morrem porque nossos cérebros dizem a ele tal coisa. O cérebro, segundo essa teoria, portanto, teria pleno controle sobre todos os processos biológicos, incluindo a morte. É essa prerrogativa que criaria uma espécie de cronômetro, uma contagem regressiva se assim preferirem, para a morte. A ideia dos teóricos era que, se fosse possível desativar esse temporizador, o corpo continuaria a funcionar indefinidamente. Até mesmo o envelhecimento poderia ser interrompido e nenhum ferimento causaria a morte. 

O projeto supunha a existência de tal mecanismo chamado "Interruptor Universal" (Universal Switch), uma porção do cérebro que causava a degeneração do corpo e eventualmente levava à morte. O objetivo do projeto nazista era encontrar esse "Interruptor" e desligá-lo de uma vez por todas. Se tal coisa fosse feita, a teoria é que o envelhecimento e a degeneração dos processos biológicos naturais parariam e, efetivamente, a pessoa se tornaria imortal.


Segundo os rumores, em 1942 cientistas alemães começaram a pesquisar esse projeto seriamente, escolhendo um local fora da Alemanha para conduzir experimentos cirúrgicos em cobaias humanas. Esse local acabou sendo o Japão, aliado do Eixo durante o conflito. Uma equipe de pesquisa médica recebeu a permissão para se estabelecer em um orfanato nos arredores da cidade de Hiroshima. Lá deveria realizar seus experimentos, o que não era algo particularmente novo para os nazistas pois crianças eram o foco de vários de seus experimentos imorais. A razão para escolher o Japão, segundo consta é que a equipe trabalharia com especialistas japoneses, supostamente membros da infame Unidade 731. Numa parceria medonha, eles iriam compartilhar resultados e coletar informações para as forças armadas dos dois países.

Para os responsáveis pelo projeto, crianças eram consideradas as cobaias perfeitas, pois se pensava que o "Interruptor Universal" na infância ainda não havia sido ativado e o mecanismo poderia ser melhor estudado. O estudo teve início com a dissecação de cérebros de adultos e crianças a fim de compará-los e tentar encontrar o elusivo Interruptor que eles tanto procuravam. Eventualmente os neurocirurgiões alemães e japoneses alegaram ter localizado uma área promissora localizada no cerebelo, a parte que controlava as atividades subconscientes na mente. 

Em seguida, os cientistas deram início a uma sequência de cirurgias tencionando remover a parte que eles acreditavam conter o "Interruptor Universal". Contudo, essas tentativas apenas resultaram na morte de várias cobaias. Os corpos eram despejados sem cerimônia em covas rasas na floresta perto do orfanato. Uma vez que eram órfãos, ninguém sentiria falta deles e eles permaneceriam como vítimas sem nome. Mas, as coisas ficam ainda mais bizarras, se é que tal coisa é possível.

Em dado momento das pesquisas, os cientistas supostamente tiveram sucesso em extrair a porção do cérebro desejada. A cobaia em questão entrou em coma, mas despertou milagrosamente alguns dias depois. Exames preliminares revelaram como únicos efeitos colaterais um distanciamento emocional crônico e uma mudança na fala. A criança também experimentava frequentes episódios de coma, com suas funções corporais cessando e o coração parando, apenas para voltar à vida pela manhã. Era algo perturbador, mas administrável, com o procedimento sendo considerado um sucesso. Documentos secretos contendo os resultados eram enviados para a Europa que monitorava os avanços. Teriam sido justamente estes papéis que foram encontrados em Hamburgo.


Os memorandos mencionam que a equipe de pesquisa, motivada pelo seu aparente sucesso, seguiu realizando os experimentos, encontrando resultados curiosos em cobaias subsequentes, ainda que tivessem um número elevado de fracassos. Diante da quantidade de crianças lobotomizadas, feridas ou mortas durante os procedimentos, o programa começou a "importar" cobaias de áreas ocupadas pelos japoneses, especialmente da Península da Coréia

Nesse ínterim, os nazistas experimentaram uma nova abordagem para desligar o "Interruptor Universal". A ideia era utilizar um composto químico que poderia ser ministrado diretamente no cérebro para obter resultados. Ao menos meia dúzia de cobaias sobreviveram com poucos efeitos colaterais sendo verificados. 

Enquanto tudo isso acontecia, a equipe percebeu que as crianças que haviam sobrevivido ao procedimento usando o composto começaram a apresentar um comportamento peculiar. A anotação de um dos cientistas num dos memorandos encontrados, dizia o seguinte:

"As cobaias sobreviventes parecem normais no início, e assim que se recuperam da cirurgia, são devolvidas ao orfanato. Lá elas agem como qualquer uma das outras crianças: brincam, estudam, aprendem normalmente, mas quando separadas das demais, elas parecem... desligadas. Caminham descuidadamente pelos corredores, com um sorriso vazio no rosto e olhos perdidos. Ao serem abordadas, elas ficam paradas, incapazes de responder. Se forçadas a reagir ou colocadas sob pressão, elas assumem um comportamento violento. Foram registrados ao menos três episódios de surto psicótico. E tal coisa ocorre espontaneamente, sem aviso, com a cobaia indo de um espectro emocional nulo para outro, extremo. O surto se instala por alguns minutos e então se encerra tão repentinamente quanto se iniciou. E passado o incidente, a cobaia não apresenta qualquer lembrança do ocorrido".  


Apesar desse efeito, os resultados pareciam próximos do que se almejava. Outro médico pertencente à equipe escreveu a seguinte avaliação:

"Os testes demonstram que as cobaias desenvolveram grande resistência física e tolerância à dor. Assisti alguns experimentos sendo realizados e é notável como elas reagem às condições severas que são submetidas. Um elemento recebeu choques elétricos diretos e não demonstrou qualquer desconforto perceptível. Outro foi exposto a temperatura congelante e também não manifestou qualquer reação adversa, como seria de se esperar. Um deles foi mantido acordado por 72 horas, registrando relativamente pouco desgaste físico e mental. É preciso salientar que ainda não atingimos o objetivo principal do experimento, mas que tudo indica, estamos no caminho certo".     

Mas antes de "atingir os resultados esperados", o experimento acabou sendo interrompido abruptamente por um acontecimento já esperado. A Alemanha foi derrotada na Europa e o comando nazista acabou desarticulado. Com efeito, os japoneses assumiram imediatamente o controle do projeto e decidiram fechar o orfanato em Hiroshima. O projeto supostamente continuaria em novas instalações nas cercanias de Tóquio onde estariam melhor protegidos dos bombardeios cada vez mais frequentes.

O orfanato foi esvaziado e ordens expressas foram emitidas para que as cobaias fossem eliminadas. Contudo, os registros atestam que várias crianças teriam sido simplesmente abandonadas nas ruas para viver por conta própria, ao menos até 6 de agosto de 1945, quando a cidade de Hiroshima foi varrida do mapa pela explosão de uma bomba atômica.   
 

A história então assume contornos de uma estranha Lenda Urbana disseminada na região de Hiroshima, com boatos sendo contados à décadas. Ela cita a existência de misteriosas crianças que sobreviveram à explosão nuclear com poucos ferimentos e que passaram a vagar pelas ruínas da cidade devastada. Essas crianças, ainda segundo a lenda, assombravam os demais sobreviventes, roubando e matando indiscriminadamente, agindo como verdadeiras feras. Pelo seu comportamento bizarro, algumas delas são consideradas como "Oni" (demônios) do folclore japonês, que se manifestavam na forma de crianças para ludibriar quem as encontrava com uma aparente fragilidade que nada tinha de real. Esses "oni", eram fortes, resistentes e praticamente imortais. Eles continuaram usando a forma de crianças ao longo das décadas, sem envelhecer, mas agindo de modo malicioso e perverso.

A lenda de fato persiste em Hiroshima até os dias atuais, mas se ela tem ligação com os supostos experimentos do "Interruptor Universal" que teriam acontecido ali, ninguém é capaz de dizer com certeza, embora encaixe quase que perfeitamente.

Assustador, com certeza, mas toda essa história parece bem pouco crível. Tudo tem um ar de lenda urbana ou creepypasta, contudo, certos elementos fazem com que a narrativa soe estranhamente correta. Em 1962, por exemplo, descobriu-se através de documentos oficiais que cientistas alemães realmente trabalharam em Hiroshima num Orfanato mantido pelas forças armadas. Não há registros sobre qual era o teor de suas pesquisas, mas é fato que o orfanato em questão existiu e operou até 1945. Outro indício curioso é que os arquivos da infame Unidade 731 mencionam pesquisas sobre o "Interruptor Universal" em conluio com especialistas alemães. Também há o registro de ao menos um médico que antes da guerra escreveu sobre o "Interruptor Universal" tendo visitado o Japão em meados de 1942. 


E finalmente, temos as lendas sobre crianças imortais que surgiram em Hiroshima na sequência da destruição nuclear da cidade. Uma coincidência bastante bizarra se pensar bem.

No final das contas, o que se pode dizer sobre essa história peculiar? O mais provável é que estejamos diante de uma lenda urbana que brotou nos dias mais escuros da Segunda Guerra. É muito difícil estabelecer com exatidão se alguma coisa nessa estranha narrativa é verdade ou se tudo não passa de simples invenção. Seja qual for o caso, é fato que os nazistas conduziram experimentos científicos bizarros e que acumularam informações perturbadores que talvez seja melhor jamais conhecermos. 

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Choque na noite - O Mistério do Incidente na Ilha de Bell


Situada próximo da costa de Newfoundland, no Canadá, encontra-se uma pequena porção de terra instalada nos turbulentos mares cinzentos da Baía da Conceição (Conception Bay). Medindo apenas 9,5 quilômetros de comprimento por 4,8 quilômetros de largura, a Ilha de Bell provavelmente seria apenas mais uma rocha esquecida se não fosse pelas vastas reservas de depósitos de ferro encontrados lá na década de 1890. As reservas naturais eram tão vastas que a ilha se tornaria uma das maiores produtoras de minério na América do Norte, fazendo dela e de seus embarques de minério um alvo para os submarinos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. 

A atividade de extração do minério de ferro era extremamente perigosa para todos os envolvidos. A extração quando realizada nas profundezas apresentava graves riscos e qualquer erro poderia resultar em acidentes fatais. De fato, as perdas humanas e de maquinário só eram compensadas pela enorme fortuna mineral presente, do contrário a atividade sequer seria cogitada. A extração prosperou até a metade da década de 1960, quando os veios se tornaram tão fundos que passaram a ser considerados perigosos demais e muito caros para justificar as operações submarinas de altíssimo risco. 

Com isso, a Ilha de Bell lentamente foi deixando de atrair a atenção, até quase desaparecer na obscuridade. Ela voltou a ser uma simples ilhota despontando no mar gélido do ártico, sujeita a tempestades que fustigavam a rocha com ondas de até 5 metros.

No entanto, em 1978, a pequena ilha esquecida por todos voltaria aos holofotes quando um incidente muito estranho ocorreu aqui, algo que permanece um mistério muito falado até hoje e tão pouco compreendido quanto na noite em que tudo ocorreu.

No dia 2 de abril daquele ano, os poucos residentes da ilha escassamente povoada, foram acordados por um estrondo repentino que varreu o lugar, causando medo e confusão. Algumas pessoas chegaram a reportar desorientação e outras disseram que tiveram os tímpanos estourados pelo som. Era como uma explosão, tão violenta que supostamente foi ouvida a 100 quilômetros de distância. Ela enviou ondas de choque que sacudiu prédios, rachou a fachada de casas e calçadas e, segundo alguns relatos, até derrubou pessoas no chão. O estrondo reverberou por dias e muitos jamais se recuperaram inteiramente do acontecimento.

Um dos principais fenômenos observados foi o efeito marcante nos equipamentos elétricos e eletrônicos da ilha. Aparentemente, toda fiação elétrica foi queimada, as televisões explodiram em chuvas de faíscas, as linhas de energia derreteram e as caixas de fusíveis explodiram sem motivo aparente. A antena de rádio que fornecia serviço de telefone para a ilha foi totalmente inutilizada, como se atingida por uma descarga elétrica devastadora. O incidente afetou os animais que viviam na ilha com o gado simplesmente morrendo nos campos, aparentemente eletrocutados. Cães latiram a noite toda e nas horas seguintes ao incidente começaram a agir de forma arredia até simplesmente morrerem. Pássaros e peixes surgiram aos milhares, amontoados nas praias. 

Danos consideráveis também foram relatados nas estruturas, com celeiros e cabanas de madeira  totalmente rasgados ao meio e casas comprometidas por dano estrutural. Apenas aquelas construídas com material mais resistente suportaram o choque sem grandes danos. Muitas residências tiveram os telhados inteiramente arrancados. Os moradores atônitos não sabiam o que pensar já que a paz e tranquilidade que marcava suas vidas havia sido repentinamente interrompida com um choque na calada da noite.


Enquanto as pessoas se perguntavam o que teria acontecido, encontraram três buracos com 90 centímetros de profundidade na propriedade da família Bicksford, uma fazenda mais afastada que parecia ter sido o epicentro da explosão. Assumiram que aquilo era algum  tipo de cratera de impacto, mas não acharam nela os restos que pudessem ser condizentes com o choque de um meteoro.

E então, quando se achava que o pior havia passado, as coisas realmente estranhas começaram a acontecer.

No rescaldo dessa explosão estrondosa, surgiam relatos de pessoas de todos os cantos da ilha e de lugares próximos, como na Terra Nova, que testemunharam coisas muito esquisitas no céu antes e durante o evento anômalo. Algumas testemunhas alegaram ter visto um raio de luz muito brilhante descendo do céu e que este teria ocasionado a explosão. Outras relataram orbes de fogo flutuando no céu ou globos luminosos pairando no ar nos dias imediatamente anteriores ao incidente. Outras ainda disseram que viram flashes multicoloridos faiscando poucos minutos antes do choque que abalou a ilha. Além de tudo isso, descobriu-se que a explosão havia criado energia suficiente para ser detectada por satélites em órbita, os chamados de Satélites Vela, cuja função era verificar testes nucleares secretos feitos pela União Soviética. Seja lá o que havia ocorrido, o fenômeno era algo marcante e de proporções consideráveis. 

Com toda essa estranheza acontecendo, é claro que houve especulação imediata sobre o que poderia ter havido. As teorias variavam do racional ao conspiratório.

Um detalhe curioso é que nos dias após o evento, militares e pesquisadores do Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México foram vistos na região coletando evidências, tirando fotos e entrevistando testemunhas. Alguns afirmaram ainda terem sido examinados por médicos do exército e que foram incentivados a assinar documentos de confidencialidade.  

Dois especialistas, John Warren e Robert Freyman, também foram vistos entre os militares que desembarcaram na Ilha de Bell e ocuparam o lugar por semanas. Os dois eram técnicos especializados no desenvolvimento de armamento tático para as forças armadas. O fato deles estarem investigando o local alimentou rumores de que algum tipo de teste de arma secreta havia sido conduzido na ilha, provavelmente algum aparelho que projetou um pulso eletromagnético avançado, considerando a grande quantidade de danos causados à rede de sistemas elétricos. A criação de armas desse tipo sempre foi teorizada, já que o emprego delas poderia conceder uma vantagem no caso de uma guerra, inutilizando o equipamento eletrônico do inimigo rapidamente, deixando-o cego, surdo e mudo.

Nicola Tesla, o gênio do final do século XIX, havia estabelecido o conceito de uma Arma de Raios Elétricos tão poderosa e destrutiva que ele próprio concluiu, poderia representar o fim da humanidade se produzida. O almejado Raio da Morte de Tesla teria capacidade para devastar cidades inteiras com um único disparo e por isso, ele teria abandonado os estudos e a construção de um protótipo. Contudo, o Raio da Morte sempre foi um conceito perseguido pelas nações em sua corrida armamentista, aquele que tivesse uma dessas armas poderia subjugar qualquer inimigo. 

Mas poderia ser o Raio da Morte de Tesla em ação, o que atingiu a Ilha de Bell?


Outras teorias defendidas na época mencionavam que o incidente havia sido causado por um estrondo supersônico ocasionado por uma aeronave experimental do governo. O empuxo teria causado a onda de choque que atingiu Bell. Outros supunham que a aeronave teria se acidentado em algum lugar e que o estrondo ouvido foi resultado de seu motor explodindo. Aqueles que disseram ter visto uma estranha luz iluminando os céus noturnos, defendiam que tal fenômeno não era exatamente incomum sobre a Ilha de Bell. De fato, o local era um tipo de para-raios de bizarros incidentes jamais explicados. 

A outra explicação é que a parte norte da Ilha de Bell havia recebido uma descarga teste fortíssima, com o intuito de testar uma arma em desenvolvimento. Os defensores dessa teoria apontavam para a projeção de um tipo de raio ou pilar de eletricidade que foi visto descendo do céu e atingindo a terra. Tal raio, segundo alguns, teria sido projetado do céu, possivelmente de satélites ou veículos em uma altitude elevada. Como o Projeto Guerra nas Estrelas estava muito em voga na época, alguns acreditavam ter se tratado de um teste de painéis refletindo lasers. O governo norte-americano realmente tencionava levar esse projeto adiante como uma medida preventiva contra os mísseis balísticos intercontinentais (IBM) soviéticos, mas os custos operacionais e a tecnologia necessária estavam muito além do razoável. Ainda assim, poderia ter sido um teste de um projeto preliminar, como afirmavam alguns?  

E finalmente, claro que haviam os que defendiam o fenômeno OVNI como o causador direto do acontecimento. 

A teoria principal e mais provável, no entanto, é que a ilha teria sido atingida por um relâmpago conhecido como "superbolt lightining". Este fenômeno afortunadamente raro, é mais ou menos o que o nome sugere, raios assustadoramente poderosos que duram mais do que os usuais e liberam incríveis quantidades de energia quando são deflagrados por condições favoráveis. 

Não apenas a maioria dos fenômenos relatados foram consistentes com um superbolt, mas descobriram posteriormente que os dois cientistas do Laboratório Nacional de Los Alamos, Warren e Freyman, não esconderam que estavam lá para estudar a incidência de um superbolt que havia sido captado pelos Satélites Vela. Eles chegaram à conclusão de que provavelmente era um desses raríssimos superbolts que havia caído ali e ficaram surpresos por este não ter causado danos ainda maiores, considerando sua gravidade. 

O incidente notável ficou conhecido como "Bell Island Boom" e correspondia ao que se esperaria de um superbolt atingindo uma região delimitada. Um relâmpago superbolt causa um flash de luz que pode ser até mil vezes mais brilhante do que um relâmpago normal, sem falar na duração que pode ser de até 6 segundos. Além disso, a descarga de um único superbolt é equivalente a 100 gigawats, uma descarga elétrica de proporções massivas. Para se ter uma ideia, toda produção elétrica solar e eólica dos Estados Unidos ao longo de um ano equivale a aproximadamente 150 Gigawats. Imagine tudo isso sendo liberado de uma vez só em uma área relativamente pequena.


Apesar de todas explicações convenientemente dadas, muitas pessoas continuam supondo que tudo parece se encaixar bem demais, quase como um acobertamento previamente ensaiado. As suspeitas sobre ações governamentais sigilosas e testes de super armas secretas têm pairado sobre o incidente desde o primeiro dia e, de fato, até hoje.

Então, o que realmente aconteceu naquela ilha remota, naquela noite fatídica? 

Seria algum tipo de teste de arma que foi encoberto, uma histeria coletiva de massa, um relâmpago em forma de bola, um superbolt ou algo ainda mais estranho? No momento, acredita-se mais na teoria do superbolt, mas parece haver certas discordâncias quanto a coisa toda, sobretudo nos últimos anos. Testes suplementares com tecnologia mais recente indicam que apesar de tudo apontar para o super raio, há elementos de dúvida razoável que não foram inteiramente contemplados. Se realmente foi um superbolt que atingiu a Ilha de Bell, e se ele foi tão poderoso quanto o mensurado, como seria possível que ninguém tenha morrido nessa descarga que deveria ser uma das mais poderosas de todos os tempos. Considerando todos os dados coletados, seria impossível tal incidente ter transcorrido e os danos não terem sido muito, muito maiores.

O  Caso do Boom da Ilha de Bell, continua atraindo a atenção das pessoas e dos pesquisadores, um mistério que parece estar longe de ser resolvido. Certamente parece que algo misterioso aconteceu naquela Ilha afastada, mas quanto ao quê, ainda parece depender em grande parte de para quem você pergunta. 

Seja lá o que for, é estranho, e dá margem para muita discussão. 

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Arthur Machen - O Mestre da Fantasia Obscura


"Dos Criadores vivos do pavor cósmico elevado ao seu 
mais alto expoente artístico, dificilmente poderá citar-se 
algum que se iguale ao versátil Arthur Machen".

H.P. Lovecraft 
- O Horror Sobrenatural na Literatura

Arthur Machen nasceu em Caerleon on Usk, no condado de Gwent, no Sul do País de Gales no ano de 1863. Nascido na fé anglicana ele foi batizado como Arthur Llewellyn Jones. Seu pai, John Edward Jones (Machen era o nome de solteira de sua mãe), foi um pastor anglicano, vigário da pequena igreja de Llandewi, perto de Caerleon, e o menino foi criado na reitoria de lá. Uma criança solitária, ele aprendeu primeiro a amar as encostas suaves do Riacho Soar, depois as fortalezas mais impressionantes nas Montanhas Negras que ficavam ao norte, e a leste a antiga floresta de Wentwood no remoto Vale do Severn. Embora ele apenas retornasse para Gwent no fim da vida, seu trabalho evocava continuamente as paisagens sombrias conhecidas em sua infância, um prelúdio para maravilhas e terrores inenarráveis.

A criança Machen também ficou encantada com as descobertas dos arqueólogos que escavaram sua terra natal. Na década de 1870 desenterraram estranhas esculturas pagãs e pedras com inscrições que datam da ocupação romana da região. O menino ficava maravilhado com cada uma dessas descobertas que pareciam brotar do solo escuro de Gales. O avô de Machen havia encontrado inscrições e esculturas romanas no cemitério de Caerleon, e a imaginação do menino foi capturada desde cedo pela sensação de que o solo em que pisava era assombrado por forças de um passado distante e ao mesmo tempo tão próximo. Mais que isso, havia uma estranheza tangível e pagã em cada artefato - uma sensação que lhe inspirou a escrever alguns dos seus melhores contos de ficção. O Deus romano-britânico Nodens, cujo templo foi escavado nas proximidades do Parque Lydney em sua infância, aparece em algumas de suas histórias de terror mais memoráveis.

Aos onze anos, o jovem Machen foi enviado para a Escola de Hereford Cathedral, onde recebeu esmerada educação nos clássicos. Ele era um aluno hábil, mas permaneceu indiferente, interessado mais nos caminhos do estranho e misterioso do que nas ciências. A literatura e a arte seriam o recurso para sua carreira vindoura. Depois de alguns falsos começos e após sua primeira publicação, os pais o persuadiram a seguir carreira no jornalismo. Em busca de afirmação profissional, ele foi morar no coração do Império Britânico.

Machen passou o início da década de 1880, em Londres, vivendo em solitariamente na vastidão da maior cidade do mundo. Tinha medo das aglomerações, receio dos ambientes cheios e lembrava com carinho do isolamento rural de Gales. Vivia em pobreza austera, residindo nos subúrbios remotos e sórdidos da metrópole. Em vez de fazer um esforço determinado para conquistar sua profissão, passava a maior parte do dia lendo e explorando à pé as vastas áreas da cidade, geralmente à noite. As paisagens urbanas passaram a fasciná-lo tanto quanto a Gwent de sua infância: ele se tornou colecionador de histórias e mitos, de fábulas e segredos de Londres. Viajava pelas ruas tortuosas e distritos afastados, observando com olhos experimentados, em busca do que havia de estranho, incomum e imperceptível na sociedade que o adotou.

Em 1884, produziu seu primeiro livro, The Anatomy of Tobacco, e encontrou uma editora de Covent Garden que aconselhou a ele mudar o nome para Machen. Na segunda metade da década de 1880, ele começou a emergir de seu isolamento. Realizou traduções de obras escritas em francês clássico e também trabalhou nos seu primeiros escritos no reino da ficção, a maioria das peças influenciadas pelo estilo romântico e gótico. Em 1887, seus pais morreram e, no mesmo ano, aos 24 anos, ele se casou com Amy Hogg, uma mulher independente, parte da cena literária londrina.


No final da década de 1890, sua escrita deu uma nova guinada: tornou-se agudamente contemporânea em idioma e interesse. Uma série de suas peças foram publicada em jornais e revistas; muitas das quais constituindo a base de sua ficção fantástica, ambientada no mundo que conhecemos, mas movendo-se para reinos de fantasia perturbadora. Suas obras cruzavam além dos limites impostos pelo mundo real; lidando com temática gótica, não muito longe do terror.

Em 1891, Machen havia mostrado que podia escrever ficção à maneira de contemporâneos de sucesso, como Arthur Conan Doyle e Robert Louis Stevenson; agora ele buscava uma conquista maior. Tendo recebido elogios, retirou-se para uma cabana afastada onde expandiu uma de suas primeiras peças, dando vida a seu primeiro conto de horror pagão: "O Grande Deus Pã". O conto foi aceito pelo editor John Lane, com ressalvas - "Não sei quem irã querer ler isso", teria dito, e publicado como uma série. Através dos excessos ousados ​​de sua obra, Machen tornou-se um dos "autores perigosos" do fim do século. Um daqueles autores cujas obras desafiavam a sociedade e erguiam diante dela um espelho onde a hipocrisia e injustiça podia ser vista em detalhes. Machen conheceu Oscar Wilde que o elogiou eloquentemente pela coragem e teor da prosa. Apoiado no escandaloso sucesso de "O Grande Deus Pan", Machen enveredou de vez pelos caminhos do terror e do fantástico. Não demorou até ele alcançar amplo reconhecimento do público, expoente de uma nova estética, igualmente decadente e fascinante.

O julgamento e a condenação de Wilde em 1895 (acusado de depravação), causaram uma virada contra o estilo em que Machen estava inserido. O ano também viu acusações histéricas contra a influência maligna de artistas também considerados degenerados. Machen e muitos outros jovens escritores sofreram perseguições e graves acusações. Ele não publicou nada por quase uma década.

Felizmente , Machen teve sucesso suficiente para se sustentar através desse período, e ainda continuar produzindo romances como "A Colina dos Sonhos", peças de poemas que acabaram sendo coletadas em "Ornamentos de Jade", as novelas sobre o espantoso "O Povo Branco" e "Um Fragmento de Vida", todas escritas nessa época.

Em 1898, voltou ao jornalismo e se tornou subeditor da Seção de Literatura do Times. Machen tinha bons motivos para trabalhar exaustivamente na segunda metade da década: sua fortuna estava minguando rapidamente e sua esposa, Amy, morria lentamente de câncer. Ela faleceu em 1899, e o marido devastado entrou em colapso nervoso. Machen vagava pelas ruas de Londres em devaneio, tal qual um personagem de sua própria ficção. O apoio de amigos foi essencial para que ele mantivesse a sanidade. Um destes colegas, o também autor, A.E.Waite, o convidou a se juntar à Ordem Hermética da Golden Dawn, uma confraria de estudos do oculto, famosos por praticarem magia ritual. Com nomes como W.B. Yeats e Aleister Crowley entre seus membros, a Golden Dawn parecia um reduto adequado para o autor que escrevia sobre aqeles temas. Contudo, Machen nunca se envolveu intimamente nas atividades do grupo ou em suas disputas internas. Ao invés disso, para enfrentar a crise existencial desenvolveu seu próprio cristianismo baseado nas crenças celta.


Em 1901 deu um passo improvável na sua carreira ingressando numa companhia itinerante de teatro. A companhia teatral ofereceu companheirismo e esperança ao homem enlutado e desgraçado, e ele aderiu com entusiasmo. Sua vida voltou aos trilhos e ele se casou novamente, permitindo assim retomar a alma do Contador de Histórias. Em sua nova fase ele se converteu numa espécie de campeão do misticismo e espiritualidade e adversário dedicado do materialismo. Lentamente, o clima moral que havia afetado tão desastrosamente o tipo de escrita de Machen, começou a se suavizar e, em 1906, muitos de seus melhores contos, e alguns novos, puderam ser finalmente lançados. Nessa fase, seu romance emblemático "A Colina dos Sonhos", talvez seu melhor trabalho, foi publicado.

Na casa dos quarenta anos de idade, Machen começou a buscar uma forma de existência mais estável, trabalhando em uma base experimental para jornais londrinos cobrindo religião, filosofia e nas artes. Cobriu escavações arqueológicas e expedições científicas importantes, até que a Grande Guerra estourou na Europa e lançou o continente num caos jamais visto antes. O grande confronto entre os exércitos britânico e alemão em Mons, em agosto de 1914, o inspirou a escrever um dos seus contos mais famosos, publicado no The Evening News. A história com o título "Os Arqueiros", descrevia arqueiros fantasmas dos dias da célebre Batalha de Agincourt, disparando suas flechas contra os alemães e evitando a derrota britânica. Ele afirmou que sua única fonte era sua própria imaginação; ainda assim, descobriu que havia um número significativo de pessoas que acreditavam que a história era baseada em fatos - que os "Anjos" realmente apareceram e lutaram pelos britânicos.

Com o sucesso estrondoso, Machen voltou à ficção, alcançando grande fama e reputação positiva. As  histórias da década de 1890 foram descobertas por uma geração de jovens autores que, após o fim da guerra, abraçaram sua estética refinada e pessimista. Ele cruzou o Atlântico e visitou os Estados Unidos, entrando em contato com novos entusiastas de seus escritos, mas não chegou a fazer fortuna.

Durante a maior parte da década de 1920, Machen e sua esposa viveram na elegante St John's Wood em uma casa comprada em época mais confortável. Eles eram famosos por suas festas, onde as "celebridades" atuais ficavam lado a lado com os "notórios" de ontem. Quando tinham dinheiro, gastavam, e provavelmente foi sorte terem reunido um círculo de amigos fiéis ao seu redor, dispostos a ajudá-los em sua velhice. O autor não escreveu muito nas décadas seguintes e se aposentou em relativa obscuridade voltando para o País de Gales onde morreu em 1947. 

Com sua morte, o interesse pela sua bibliografia se renovou e novas gerações descobriram o gênio do autor galês que tratou como ninguém as lendas de sua terra, traduzidas no idioma do terror.

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A boa notícia é que a Editora Clocktower, que conta em seu repertório com excelente material devotado a alguns dos maiores Mestres do Horror, está com uma Campanha de Financiamento Coletivo dedicada a Arthur Machen.

Anteriormente a Editora publicou alguns dos mais importantes trabalhos do Galês na Antologia "Arthur Machen - O Mestre do Oculto", mas agora a proposta é outra, mergulhar na Dark Fantasy e trazer as obras mais soturnas do autor. O gênero muito popular se caracteriza por histórias medievais (mas, nem sempre) que tem como pano de fundo o horror e uma sensação de decadência e luta pela sobrevivência em meio a perigos de todos os tipos. Certamente um fato incontestável é a dificuldade de delimitar as fronteiras que separam a fantasia do horror e as que as une. Então para isso, a edição vai contar com a inestimável participação de S.T. Joshi que ajudou a preparar a notável seleção de contos de fantasia sombria.

O livro contém os seguintes contos reunidos, muitos deles pela primeira vez em português:

- Um Fragmento de Vida
- O Retorno Triunfal
- O Ômega Exaltado
- A Estrada para Dover
- Os Arqueiros
- N

Trata-se de um material incrível, essencial para os fãs do Horror, mas também do gótico, do soturno e do perturbador. Uma oportunidade única de conhecer obras que até então, só estavam disponíveis na versão original em inglês. 

Não é de hoje que a Editora Clocktower, que granjeou um lugar de destaque entre os fãs do gênero, estabeleceu seu nome entre as mais confiáveis editoras dedicadas ao Horror e Fantasia. O trabalho dela tem sido irretocável, conquistando a confiança de um público cativo (e exigente) que está sempre ansioso por novidades. 

Extremamente recomendado em todos os aspectos!

Para obter mais detalhes desse fantástico Financiamento Coletivo (que já atingiu a META BASE!!!!) basta acessar o link abaixo: