terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Entidade Ringcroft - O Exorcismo de uma presença aterrorizante


Assombrações surgem em todas as formas e tamanhos. A parapsicologia, o ramo pseudocientífico que se ocupa em estudar essas manifestações definiu inúmeras categorias para essas entidades, incluindo fantasmas, poltergeists, aparições e outras classes que escapam a uma classificação mais simples. Por vezes essas manifestações assumem formas verdadeiramente estranhas, abrangendo uma ampla gama de fenômenos que  parecem desafiar qualquer categoria. Um desses casos emblemáticos de assombração especialmente maliciosa e sinistra ocorreu na Escócia. Essa assombração aterrorizante era identificada como uma força malévola capaz de dominar uma pequena comunidade rural e fazer refém do medo, todos os seus moradores. Até hoje esse incidente permanece inexplicável, um chocante exemplo da força do sobrenatural.

Nossa história de horror começa no distante ano de 1695 na tranquila zona rural de Ring-Croft of Stocking, paróquia de Rerrick, na Escócia. Lá vivia um homem chamado Andrew Mackie em uma fazenda pitoresca e rural, levando uma vida simples e pacífica. Ele nunca teve nenhum problema em suas terras, nem criou nenhum com seus vizinhos. No entanto, num dia como qualquer outro num frio fevereiro, sua vida deu uma guinada na direção da estranheza. Tudo começou de forma bastante inócua, com ele encontrando as amarras de seu gado misteriosamente rompidas e soltas, o que a princípio, ele imaginou, poderia ser apenas culpa dos animais. Ele usou amarras mais fortes, mas estas logo arrebentaram também e ele não conseguiu achar uma explicar. Pensando que talvez fosse trabalho de algum brincalhão, ele mudou o gado para outro galpão, apenas para, no dia seguinte, encontrar uma das vacas amarrada com uma corda e levantada do chão, o pobre animal  chutando o ar. Era tudo muito intrigante, mas a estranheza só aumentaria de intensidade a partir desse ponto.

Logo após o incidente com o gado, Mackie e sua família começaram a ser frequentemente atingidos por pedras e rochas que pareciam vir do nada. Como se atiradas por mãos invisíveis cujo proposito era ferir. Essas pedras vinham em uma variedade de tamanhos, de meros seixos a rochas pesadas que poderiam causar ferimentos graves, e eram arremessadas com grande força. O mais estranho de tudo é que muitas vezes essas pedras eram atiradas até dentro de casa, quebrando objetos e móveis, e o arremesso por vezes era tão violento que causava sustos. Curiosamente, esse fenômeno tinha lugar mais frequentemente quando a família estava em oração. Supostamente, houve muitas testemunhas desses incidentes de pedras voando, e chegou ao ponto em que ele se tornou quase constante. Somando-se a essa estranheza, haviam casos em que objetos inanimados, em especial um cajado, flutuavam pela casa para atingir as pessoas e bater nas paredes ou nos móveis. O alvo principal quase sempre era o próprio Mackie que foi atingido repetidas vezes. 

Um ministro local chamado Alexander Telfair testemunhou esses fenômenos por si mesmo e relatou sobre o caso:

" Os ataques eram frequentes, especialmente na hora da oração, acima de todas as outras vezes. Haviam pedras sendo arremessadas, quando alguém tomava a palavra no momento de rezar. Pedras e várias outras coisas eram atiradas e eu mesmo fui atingido várias vezes. Recebi também o ataque de um grande bastão que me foi golpeado nas costas. Naquela noite, o objeto voou da cabeceira da cama e flutuou pelo quarto até se checar violentamente em um armário provocando grande estrondo."


O sacerdote relatou que os proprietários anteriores da casa, uma família chamada McNaught, fora atormentada por todo tipo de má sorte e doenças quando residiu na fazenda, a ponto de considerarem a si mesmos amaldiçoados. De fato, o pai havia morrido em circunstâncias misteriosas, além de um bebe recém nascido que foi achado no berço sufocado. Um médium chamado para visitar o local disse a eles que a maldição emanava de um objeto enterrado sob uma enorme laje de pedra na propriedade. O médium explicou que o tal objeto havia sido amaldiçoados e plantado na casa por alguém que usava magia negra com o propósito de atormentar aqueles que ali escolhessem viver.

Os McNaught viveram ali por alguns anos, mas se disseram tão chocados com os acontecimentos na casa que não suportaram essa rotina de terror. Quando a família se foi, não houve mais nenhum incidente e eles apenas recomeçaram quando novos moradores se estabeleceram.

Essas forças das trevas começaram a orbitar mais uma vez a propriedade, rancorosos de que as pessoas estivessem morando lá novamente. O Reverendo Telfair decidiu ficar mais alguns dias e ver o que poderia fazer para afastar as forças, mas cada vez que rezava os fenômenos ficavam piores e mais intensos. De fato, a presença de Telfair parecia ter enfurecido as assombrações residentes e as agitado a um ponto em que viver ali se tornava impossível. Os ataques com pedras e paus foram ficando mais e mais violentos a ponto de várias pessoas ficarem feridas. Houve novos incidentes também, com incêndios começando repentinamente ao redor da propriedade, incluindo um incêndio que começou espontaneamente, bem no meio de uma sala. Outros fenômenos estranhos testemunhados por muitos envolvia uma mão branca sem corpo, que cutucava, empurrava e batia nas pessoas, bem como a aparição de uma criança de aspecto diabólico que espreitava pelos cantos. O próprio Telfair teria contato com essas duas manifestações quando passou a noite na casa principal. Seu relato era incrível:

"Eu senti em mais de uma ocasião, como se uma mão tocasse minhas costas, apertava e empurrava. Era forte, como a mão de um homem adulto e estava sempre flexionando os dedos para cravar na minha carne com força desmedida. Era possível sentir aquela presença."


Já sobre a outra manifestação ele escreveu:

"Já a outra presença se manifestava como uma criança de seis ou sete anos, mas com um olhar tão maligno e perverso que causava repulsa. Ela observava dos cantos, escondida atrás de móveis, cortinas e frestas. Sorria quando percebia meu desconforto e parecia se divertir quando eu me assustava. Eu sentia uma grande apreensão quando via esse espectro e ele desaparecia bem diante de meus olhos como se feito de névoa. Eu não acho que ela era uma criança ou mesmo o fantasma de uma criança... na minha opinião ele era outra coisa, algo maligno que simplesmente escolhia se parecer com uma criança inocente".

Várias pessoas descreveram essas duas manifestações e reforçaram que embora pequenas e aparentemente frágeis, elas eram fortes e extremamente malignas em suas intenções. Em certa ocasião a mão apertou a garganta da esposa do Senhor Mackie deixando impressos em sua pele a marca dos dedos.

Já a criança fantasmagorica parecia preferir assustar e desaparecer. Isso até o dia em que ela empurrou Mackie do alto de uma escada fazendo com que ele sofresse ferimentos leves. Enquanto o homem levantava atordoado ainda tentando entender o que havia lhe acontecido, percebeu no alto da escadaria aquela entidade sorrindo maldosamente.

Os incidentes continuaram acontecendo, cada vez mais violentos. Havia casos em que a força fantasmagorica empurrava, tocava, arranhava e até mordia suas vítimas. A família teve roupas rasgadas, lençóis de cama incendiados e em mais de uma ocasião foram acordados por potentes solavancos na cama que os atirava no chão. Pior que qualquer dano material, no entanto, eram os ferimentos sofridos, cada vez mais intensos.


Quando um crucifixo abençoado por Telfair pegou fogo e foi destruído, ele assumiu que a família estava lidando com uma força demoníaca, nao um mero fantasma. O Reverendo concluiu que não conseguiria lidar com essa entidade sozinho e que precisava de ajuda. Toda vez que ele tentava interceder, o resultado era uma onda de violência que irrompia na casa e a reação era tão forte que ele temia tentar novamente e trazer mais dano do que resultado.

A família estava nos limites de sua resistência, temendo pela própria vida, acreditando que nada poderia resolver aquela situação.

O Reverendo Telfair escreveu uma carta desesperada aos seus superiores explicando detalhadamente o que estava se passando com a família. Sua carta felizmente caiu mas mãos de dois ministros com experiência em exorcismos e casos de assombração: Andrew Ewart e John Murdo. Os dois eram competentes homens do clero, indivíduos que haviam lidado com casos impressionantes e fartamente documentados.

Os dois partiram para local tão logo tomaram ciência dos fatos com o objetivo de confrontar essas forças sobrenaturais. Isso daria início a um dos mais notáveis embates entre exorcistas e manifestações de que se tem notícia. 

Assim que os dois ministros chegaram à fazenda uma tempestade interminável de violência paranormal teve início, muito da qual dirigida a eles. Desta vez, as pedras arremessadas eram maiores do que nunca, lançadas com força sobre-humana, e as mãos invisíveis começaram a agredir com uma fúria que superava tudo até então. O demônio ou o que quer que fosse também inventou novos truques, lançando bolas de fogo pelas salas para incendiar as coisas. Telfair diria sobre a animosidade dirigida aos colegas:

"Foi especialmente cruel contra eles; jogando grandes pedras, algumas delas pesando quase um quilo. Uma delas feriu o Sr. Andrew Ewart duas vezes na cabeça, tirando dele sangue, arrancou sua peruca na hora da oração, e quando ele estava segurando o crucifixo entre as mãos, atirou nele uma pedra. O Sr. John Murdo também recebeu vários golpes doloridos nas pernas e nas costas. Naquela noite, ninguém na casa escapou da fúria sobrenatural. E também, ao amanhecer, quando se levantaram da oração pedras caíam sobre o telhado fazendo nas telhas buracos enormes. Ninguém escapou dos fortes golpes e das agressões motivadas por mãos invisíveis."


Outros ministros também foram trazidos, com eles também se deparando com a ira da entidade inescrutável. Um pastor que visitou a fazenda para tentar se unir aos esforço foi surpreendido por um pedregulho que lhe acertou bem entre os olhos o colocando inconsciente tão logo entrou na casa.

Enquanto tudo isso acontecia, a família se refugiou no porão da casa que parecia ser o único lugar ainda seguro. Ali eles fizeram uma tétrica descoberta: uma tábua solta no chão ocultava os ossos de uma criança embrulhados em papel. Os Mackie levaram a descoberta imediatamente para que Telfair verificasse. A descoberta dos restos fez as forças fantasmagóricas se tornarem ainda mais furiosas, com um fogo repentino irrompendo num dos quartos e quase destruindo a casa inteira. 

Havia agora uma séria suspeita do que poderia ter acontecido naquela residência e desencadeado toda aquela tragédia. Os pastores suspeitavam que em algum momento, uma criança havia sido sacrificada em algum tipo de ritual diabólico no porão e que, como resultado, uma coisa infernal foi trazida para nosso mundo. Era essa entidade que estava tornando a vida das pessoas um inferno, o mesmo ser que usava a aparência do menino morto. 

A primeira medida foi abençoar os restos mortais encontrados e realizar uma cerimônia na qual os ossos foram sepultados em terreno santo. À seguir, os ministros decidiram recorrer à comunidade e reunir o máximo de voluntários que pudessem ajudar. Eles conduziram o grupo numa oração ao redor da casa e durante mais de uma hora, os presentes foram atacados por pedras e mãos invisíveis. Mas logo os ataques começaram a perder a força e uma massa negra de sombras se formou diante da porta. A coisa foi descrita como uma massa viva de sombras que se movia, soltava gritos e murmurava ameaçadoramente. Finalmente quando os sacerdotes começaram a esconjurar e expulsá-la, ela se desfazer até sumir por completo deixando um rastro de enxofre. 

Só depois disso os fenômenos na fazenda Ringcroft cessaram.


Telfair escreveria um relato completo dos fantásticos acontecimentos reunidos em um livro que tinha como título: "A VERDADEIRA LUTA CONTRA UMA ASSOMBRAÇÃO DEMONÍACA - Expressões e Atuações da entidade que Infestou a Casa de Andrew Mackie em Ring-Croft". O livro foi um sucesso de vendas e se tornou muito popular entre exorcistas e ocultistas no século XVII e XVIII que o usaram como uma espécie de manual para o combate das trevas.

Com a provação terminada, os Mackies se mudariam alguns anos depois, incapazes de continuar residindo em um lugar onde coisas tão horríveis haviam transcorrido. A casa existiu até meados do século XIX, tendo sido colocada abaixo depois de ficar vazia por mais de um século. Durante todo esse tempo que permaneceu deserta, não houve qualquer sinal da assombração, embora os rumores sobre o acontecimento Ringcroft ainda fossem lembrados. Hoje, a única coisa que marca o lugar onde toda tragédia ocorreu, é uma árvore que dizem foi plantada pelos Mackies. 

O que teria acontecido nesse lugar? Teria sido um caso fantástico de atividade paranormal, fantasmas, assombrações, poltergeist, demônio ou outra coisa? Ou tudo não passou de farsa bem executada comandada pelo Reverendo Telfair para motivar a venda de seu best seller? É provável que jamais venhamos a saber, já que os fatos foram apagados e incorporados às lendas. 

Qualquer que seja a resposta real, essa continua sendo uma das assombrações mais intensas e bem documentadas da história da Escócia, destinada ao que tudo indica a permanecer para sempre sem solução.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

RPG do Mês: Nights Black Agents - Espionagem, Conspirações e... Vampiros


Imagine que você é um Espião, um Oficial de Inteligência ou ainda um Analista de dados sigilosos e descobre uma verdade fundamental sobre o mundo. Uma verdade que poucos conhecem e que, aqueles que conhecem, não sabem como encarar. Em suas peregrinações pelos bastidores da espionagem moderna e pelo submundo das informações secretas mais escusas, algo surgiu diante de seus olhos incrédulos. Algo mantido em segredo e cuja revelação é capaz de mudar tudo aquilo em que você acreditava até hoje.

O mundo se revela então como um lugar muito mais escuro e terrível do que se poderia supor... E ele é governado por indivíduos cujo poder e influência se estendem por séculos de nossa história. Mas não para por aqui! Não estamos falando de Sociedades Secretas como os Illuminati, o Priorado de Sião ou a Nova Ordem Mundial. É algo muito mais insidioso, perigoso e assustador.

Não são meros humanos os arquitetos desse Mundo Oculto, e sim, Vampiros

Ok, a primeira coisa que você pode pensar ao ler essa breve sinopse sobre o RPG Knights Black Agents é que ele parece estranhamente familiar. Afinal, Vampire - The Masquerade já tratou de algo bastante semelhante décadas atrás. 


Mas não! Não pense em Vampiro, a Máscara como base de comparação para com esse RPG de Conspiração e Espionagem pós-Moderna. Aqui temos a boa e velha humanidade tendo que lidar com seres das trevas que são tão poderosos que sequer precisam aparecer para serem temidos. Os Vampiros nesse jogo controlam tudo à sua volta, de suas câmaras profundas, de seus porões escuros e de seus covis protegidos eles colocam tudo em movimento (e nada se move sem sua aprovação). 

Vampiros são o que há de pior e nesse jogo, você não é um deles! Com sorte, você jamais irá encontrar um deles cara a cara, mas os seus servos, seus escravos e criaturas fiéis estarão em toda parte, dispostos a fazer com que você desapareça e que as coisas continuem como sempre foram.

Bem vindo à Grande Conspiração! Vampiros são reais e eles são o Inimigo.

Este é o cenário base de Night's Black Agents, um RPG escrito por Kenneth Hite usando o sistema GUMSHOE - o mesmo de Rastro de Cthulhu, como mecânica base. Nesse RPG temos uma inusitada mistura de "Identidade Bourne" e "Missão Impossível" com Drácula, gerando um incomum cenário batizado pelo seu autor de "Thriller de Espionagem Vampiresco".

Mas isso funciona? Vale a pena apostar nesse samba do Vampiro Doido? Ou a proposta é insólita demais para ser levada adiante?


Nesse artigo/resenha, fazemos uma análise desse jogo e discutimos sua proposta tendo em vista sobretudo de que ele está chegando a terras brasileiras, através da Editora New Order.

Então, vamos conhecer um pouco mais sobre Night's Black Agents (que doravante chamaremos de NBA)?

Publicado pela Pelgrane Press em 2013, Night's Black Agents, é uma mistura de gêneros tão diversos quanto espionagem moderna e horror, se passando em um período pós-Guerra Fria bem contemporâneo. Não é um mashup que se vê com frequência, pelo contrário, é algo bem singular. Há no entanto um casamento interessante de elementos, no qual o Mestre do Jogo, chamado de Diretor, criará missões perigosas e operações secretas nas quais seus jogadores irão transitar.

Em outras palavras, Night's Black Agents é essencialmente um jogo moderno de espionagem onde o horror desempenha papel central. Saem as células terroristas, os governos escusos e os ditadores perigosos e entram situações que testam os limites da coragem e sangue frio dos agentes. Nas sombras, os personagens, fazendo as vezes de espiões astutos e mercenários durões que terão de se desdobrar para sobreviver a essas missões arriscadas. Usando poder de fogo, equipamento tecnológico, conhecimento adquirido e habilidades variadas suas capacidades serão testadas ao máximo.


Uma típica missão em NBA pode envolver interceptar um mensageiro que sabe detalhes da conspiração, derrotar um grupo de assalto que age como esquadrão de extermínio ou ainda assassinar um agente duplo com informações vitais. Tudo isso envolvendo a conspiração central na qual invariavelmente se encontra um Vampiro.    

Uma das propostas mais interessantes em NBA é que o livro básico oferece algo chamado de Caixa de Ferramentas. Com ela o Diretor pode modelar a sua própria campanha da forma que bem entender e criar quatro Tipos distintos de Vampiro: Amaldiçoado, Sobrenatural, Mutante ou Alienígena. Isso significa que nenhuma campanha de NBA será exatamente igual às outras, já que o Diretor poderá escolher o estilo que mais lhe interessa (e aos seus jogadores).

Se o Diretor quiser focar em algo Clássico, como o já citado Vlad Tepes, ele poderá trabalhar os elementos góticos da conspiração tendo o famoso Conde da Transilvânia como personagem central da sua trama. Nesse ambiente, a história de Drácula conforme o romance é verídica e o Conde morto-vivo amaldiçoado pelo divino, continua atuando no mundo através de inúmeros agentes. Ele no entanto se adaptou aos novos tempos e usa métodos modernos em sua empreitada para dominar o mundo.

Contudo, se você, como Narrador, quiser outra abordagem, os Vampiros podem ser aberrações criadas por Sociedades Místicas, adoradores do demônio, satanistas e bruxos de enorme poder que descobriram como viver para sempre usando para isso o sangue dos mortais. Nesse ambiente em que o sobrenatural está no centro da trama, há espaço para seitas, sociedades secretas, magia negra e grupos envolvidos num controle perpétuo do mundo à nossa volta.


Mas se isso não te agrada, que tal trazer o foco para algo ainda mais sinistro e apavorante. Os Vampiros podem ser coisas não humanas, basicamente horrores vindos de outra realidade não-euclidiana em que loucura e morte proliferam. Vampiros seriam os arautos de seres incrivelmente poderosos e desconhecidos cuja mera existência deflagraria o fim da humanidade como conhecemos. Pense nos Grandes Antigos sendo servidos por Vampiros e você entenderá a proposta Mutante.   

Não? Não é para você? Então que tal imaginar os Vampiros como criaturas que vieram das estrelas e do espaço profundo. Eles são basicamente Alienígenas que desceram na Terra milênios atrás, com a missão de nos controlar por razões desconhecidas e vem cumprindo essa diretriz à risca. Eles não são seres sobrenaturais, e sim, extraterrestres dispostos a invadir e conquistar nosso planeta: nos usar como alimento ou em experimentos.

Não importa qual o Tipo de Vampiro escolhido para sua campanha, como Narrador, todos estão certos se atendem à sua ideia de campanha.

Night's Black Agentes oferece opções tão diversas quanto surpreendentes de como estabelecer as bases da sua Conspiração. E o melhor de tudo, talvez os Jogadores jamais descubram o que são os Vampiros, de onde vieram, o que querem e quais são os seus planos. Tudo é tão secreto e protegido que qualquer revelação por menor que seja constitui uma vitória. Rumores, boatos e mitos estão em toda parte, mas como em toda grande Conspiração, os personagens verão apenas a Ponta do Iceberg, sem jamais imaginar o quão distantes estão de sua base.


Além destes diferentes cenários, NBA oferece quatro diferentes Estilos de jogo chamados Cinzas, Terra, Espelho e Prêmio. Basicamente, cada ESTILO apresenta regras específicas que funcionam ou não naquela campanha.

Por exemplo, em um jogo no Estilo Espelho, existe a possibilidade de um Contato por sessão ser um agente duplo ou traidor; os jogadores podem optar por manter os objetivos de seus agentes em segredo uns dos outros; o Diretor pode implementar a mecânica de Confiança entre os agentes na qual a paranoia rola solta e o financiamento de equipamento de um agente provavelmente virá de fontes clandestinas. Nesse estilo de jogo as coisas serão bem mais complicadas e nunca se sabe em quem se pode confiar - nem mesmo em seus colegas. No estilo Cinzas, a coisa é ainda pior, você é um Rogue Agent obrigado a agir sozinho, tendo que se virar sem o apoio de uma agência, sem equipamento e contando apenas com seus colegas como apoio para as missões. Você não precisa reportar a uma autoridade superior, mas por outro lado não terá nenhum aliado de peso. Já num jogo no Estilo Terra, os jogadores terão menos habilidades gerais; menos capacidade combativa, serão mais calcados no mundo real e dependerão muito mais de sua astúcia e equipamento para sobreviver. Esse é o tipo de jogo que mais se assemelha aos livros de espionagem de John Le Carré. Finalmente temos o Estilo Prêmio que permite aos jogadores encarnarem agentes quase indestrutíveis, no melhor estilo Jason Bourne, Ethan Hunt ou mesmo James Bond. Para quem quer jogar algo com adrenalina bombando, com direito a  ação eletrizante, explosões, tiroteios e perseguições, esse é o estilo mais indicado pois os personagens serão uma espécie de "exército de um homem só". 

Cada Estilo de jogo oferece diferentes opções de regras e propostas distintas bastante interessantes  que abrem o leque de opções narrativas. Para aqueles que conhecem Rastro de Cthulhu, os Estilos são algo semelhante às opções PULP e PURISTA, cada qual com suas particularidades.

A criação de personagens segue as regras básicas do Sistema GUMSHOE, com os jogadores atribuindo pontos para dois tipos distintos de Habilidades. O menor número de pontos é distribuído nas Habilidades Investigativas do agente, que são usadas para coletar, processar e entender as pistas; o maior número irá para as Habilidades Gerais, que representam suas aptidões físicas e combativas. As habilidades dos agentes incluem façanhas notáveis que podem ser adquiridas durante a criação ou obtidas a medida que eles ganham experiência. 


Um agente, dependendo do Modo escolhido, poderá ser capaz de conduzir um carro por ruas estreitas em alta velocidade, criar explosivos e dispositivos de sabotagem ou ainda dominar artes marciais em altíssimo nível. Os personagens serão bastante capazes e terão um repertório de habilidades notável se assim desejar o Diretor. 

Além de atribuir uma quantidade de pontos às Habilidades de seu personagem e escolher suas capacidades, o jogador precisará definir seus Antecedentes, sua Fontes de Estabilidade (que ajuda a lidar com o stress das missões) e qual o seu papel dentro da equipe formada pelos seus colegas.

Há um grande número de ocupações disponíveis para os personagens dos jogadores. Pense nos estereótipos de filmes de espionagem e você poderá construir com relativa facilidade qualquer um deles. Os arquétipos básicos concedem linhas gerais para montar o personagem que mais lhe agrada, que pode ser qualquer coisa desde um analista de computadores, até um soldado implacável ou mesmo um sedutor que usa de lábia e sex appeal para conseguir o que deseja. 

Mecanicamente, NBA se vale de um hack do sistema GUMSHOE que portanto se difere em alguns pontos dos demais jogos lançados pela Pelgrane Press - Rastro de Cthulhu, Esoterrorists, Fear Itself e assim por diante. As diferenças são pontuais e estão lá para criar uma mecânica que se encaixa melhor na proposta original de "Thriller de Espionagem Vampiresco". A essência do jogo, no entanto, é preservada e aqueles que gostam do GUNSHOE terão facilidade de entender as mudanças e se ajustar ao sistema. 

Uma regra nova e exclusiva para NBA envolve as Cerejas que são uma forma de realçar as habilidades de seu personagem e tornar os efeitos obtidos muito mais impressionantes e significativos. Essa mecânica se encaixa muito bem na ambientação, sobretudo no estilo de jogo mais cinematográfico. 


De modo geral, o GUNSHOE é uma espécie de "ame ou odeie" dos sistemas investigativos, conheço muitos jogadores que adoram o sistema e que o usam com incrível facilidade, outros demonstram certo grau de resistência. Francamente, vai depender muito do grupo se ajustar ou não a ele. Uma coisa, no entanto, precisa ser dita, ele é funcional e fácil de entender.

O foco principal de Night's Black Agents é reconhecer, entender, enfrentar e quem sabe até derrubar a conspiração que os Vampiros construíram em torno de si próprios. Para ajudar o Diretor a criar os parâmetros dessa conspiração, o livro oferece uma estrutura chamada "Pirâmide Conspiratória". Nela caberá ao Diretor definir quem são os Vampiros que chefiam a conspiração, quem são seus comandados, como eles operam, qual o alcance de sua influência e como eles agem das sombras. Imagine a Conspiração como uma imensa máquina, toda conectada por engrenagens cada qual ligada a um enorme mecanismo central. Os Vampiros líderes ocupam o centro dessa máquina, mas eles controlam cada peça dela e nada funciona sem a sua ação.

O Diretor constrói as conexões e dispõe pistas no processo de construção da campanha. É como criar um mapa aberto o suficiente para que o Diretor possa improvisar e revisar cada elemento a medida que os agentes buscam quebrar a máquina e expor o sistema. Se eles conseguirão ou não, se terão êxito ou não, só depende de suas ações.

Sendo o jogo focado no mundo da espionagem pós-Guerra Fria, o cenário principal é essencialmente urbano com a ação transcorrendo nas principais capitais da Europa ou Oriente Médio. Isso dará a oportunidade de centrar cada missão em um diferente ambiente exótico e inesperado. Se em uma sessão os agentes estarão vagando pelas areias do Cairo, em outra poderão estar na gélida Moscou ou na soturna Berlim. O Livro básico descreve o cenário de três cidades Londres, Bucareste e Marselha oferecendo opções do que aguarda os agentes nessas metrópoles.


Além de um apêndice de termos úteis para cenários de espionagem, temos também um pequeno bestiário de criaturas e horrores criados pelos Vampiros e que podem constituir o pesadelo dos personagens. O livro conta ainda com um cenário pronto para dar o pontapé inicial em sua campanha e alguns excelentes conselhos de como construir histórias a partir desse ponto. O cenário pronto é interessante e fácil de ser adaptado como parte inicial de uma campanha muito mais longa.

Fisicamente, Night's Black Agents é um livro muito bem realizado. Capa dura, papel glossy de alta gramatura e diagramação primorosa que dão um ar luxuoso ao material. Os conteúdos não são apenas bem organizados em caixas e organogramas, mas também codificados por cores, predominando o Verde oliva, Vermelho e Preto, para dar a cada tópico sua própria identidade há uma simbologia própria. A arte é evocativa e sempre muito atmosférica. Agentes explodindo coisas, fugindo, lutando ou investigando cenas de crimes cobrem as 244 páginas do livro básico. A escrita é tensa, informativa e com uma narrativa que remete aos relatórios feitos por agentes de campo e analistas. 

Há tantas boas ideias em Night's Black Agents que muitas delas podem ser aproveitadas em outras ambientações. A estrutura da Pirâmide Conspiratória pode ser facilmente adaptada para qualquer RPG que envolva algum tipo de conspiração; tanto para mapear essa conspiração quanto, para construir seu background: sua história; suas diretrizes de funcionamento, principais atores etc...

Night´s Black Agents é um material incrível assinado pelo genial Kenneth Hite, um dos game designers mais badalados dos últimos tempos. Inventivo, criativo e repleto de opções, a ambientação deve agradar a jogadores e narradores interessados em algo diferente e intrigante para sua mesa de jogo. Então, prepare o pente de munição com balas de prata, instale uma lâmpada UV na lanterna e fique de olho no reflexo dos espelhos...

Reze para haver alguma verdade nessas histórias de Vampiro.

Conforme dito, a Editora New Order está trazendo esse fantástico material que já se encontra em pré-venda na página oficial e que pode ser adquirido com um preço especial. O PDF será liberado imediatamente, já o livro deve seguir para entrega a partir de março. Vale a pena dar uma boa olhada e conhecer esse RPG. No link abaixo, você encontra as informações pertinentes:


quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Senhor da Caça - Tsul 'Kalu o sangrento Grande espírito do Povo Cherokee


De todas as lendas registradas nas crenças tradicionais do sudeste dos Estados Unidos, uma das mais interessantes envolve Tsul 'Kalu, o lendário Senhor da Caça entre os nativos Cherokee.

De modo geral, os nativos americanos não veneram Deuses, mas sim, espíritos que incorporam grandes realizações e que passam a ser intimamente associados a estas façanhas. Alguns destes espíritos em vida foram grandes guerreiros, caçadores ou feiticeiros, cuja importância se manteve mesmo após a morte. Na forma de espíritos a lembrança deles foi mantida e eles ganharam influência como personagens lembrados e celebrados.

Tsul 'Kalu, no entanto é algo diferente. 

Embora respeitado e invocado para garantir uma caçada proveitosa, esse espírito era igualmente temido pelos nativos. Considerado quase que uma ameaça a ser respeitada e satisfeita com sacrifícios e devoção. 

Tsul 'Kalu era frequentemente invocado antes do início das caçadas por conta de sua associação com búfalos, gamos, veados e outros animais que eram presas dos antigos Cherokee que dependiam deles para seu sustento. A maioria dos relatos descreve o espírito como um homem grande, essencialmente um gigante, embora algumas tradições o tenham retratado como uma espécie de "entidade" insubstancial. O nome do gigante se traduz como "ele cuja visão tudo controla", título que se refere ao poder magnético de seus olhos, capazes de paralisar e controlar aqueles que o encaram.


Relatos colhidos por exploradores europeus remontam às primeiras décadas do século XIX. Entre as lendas mais populares estava a versão registrada pelo antropólogo James Mooney, que conta como Tsul ‘Kalu se aproximou de uma aldeia e passou a  vigiá-la. O gigante gostou de uma garota e por ela se afeiçoou a ponto de sequestrá-la. Na lenda ele a levou para uma caverna no alto das montanhas a oeste onde pretendia mantê-la.

Após o rapto, o irmão da garota, um bravo guerreiro chamado It'ruil partiu ao resgate e acabou encontrando a morada do gigante. Tsul 'Kalu sentiu a aproximação do rapaz e armou uma emboscada nas montanhas. Quando ele passava por um despenhadeiro, o gigante gritou como um trovão e provocou um desmoronamento. Preso sob as rochas, It'ruil pediu ajuda a outros espíritos e esses responderam mostrando onde ele deveria cavar para se ver livre. O jovem foi então instruído a viajar até a cidade perdida de Kanuga, que ficava no coração da montanha e lá jejuar por sete dias. Nesse período ele experimentou visões que mostraram como vencer Tsul 'Kanlu.

Munido de uma lança especialmente forjada para a tarefa, It'ruil conseguiu entrar nos domínios do Deus da Caça e com uma estocada certeira o feriu em seu ponto fraco. A lenda se encerra dizendo que o ferimento provocado não foi fatal. Se o espírito tivesse sido destruído, o povo Cherokee seria afetado para sempre e não teria quem intercedesse em suas caçadas. Mesmo assim, a tribo amargou vinte anos de caça esparsa, período em que tiveram de aprender a plantar. Eventualmente o espírito se recuperou do ferimento e voltou a abençoar os caçadores. 

O domínio terreno de Tsul ‘Kalu tinha o nome Tsunegun’yi e era um lugar sagrado que supostamente se encontra nas montanhas que dividem a Carolina do Norte e o Tennessee. O território cujo nome se traduz como "Terra de caça do controlador" é uma espécie de intercessão entre o mundo real e o espiritual. Aqueles que viajam até esse lugar místico recebem visões, são abençoados ou amaldiçoados pelos espíritos e passam a ser tratados como indivíduos tocados pelo além. 


As lendas associam o Tsunegun'vi a regiões que só podem ser acessadas mediante o oferecimento de sacrifícios. No passado, havia rituais nos quais o pleiteante precisava caçar e matar um animal de grande porte, um búfalo ou cervo, comer seu coração arrancado do peito ainda quente. Uma vez realizando essa tarefa e clamando pelo Grande Espírito seu acesso era garantido.  

Em Deep Creek, no condado de Swain, Carolina do Norte há uma vale isolado que os antigos Cherokee relacionam com essa lenda. O local, cujo nome nativo pode ser traduzido como "onde está a pegada", se refere aos petróglifos que adornam as pedras ancestrais. Apenas os xamãs da tribo além de alguns bravos guerreiros e caçadores tinham permissão de entrar nesse vale e ver as pedras sagradas. Os escolhidos ouviam as histórias sobre Tsul 'Kalu, realizavam ritos de passagem e recebiam as bênçãos. Imersos em danças e cânticos sagrados, inebriados por peyote (uma bebida alucinatória), os caçadores jejuavam e ouviam as palavras dos espíritos. Saiam de lá com um pacto firmado, sentindo uma conexão com o mundo sobrenatural que os tornava caçadores completos.   

Indiscutivelmente, o local mais famoso associado ao mito de Tsul ‘Kalu chama-se Judaculla Rock, uma grande pedra de esteatita próxima de Cullowhee, Carolina do Norte. Coberto de petróglifos de proveniência desconhecida, as lendas dizem que os espíritos possuíram os xamãs e fizeram com que eles cobrissem as pedras com aqueles símbolos. O nome, Judaculla, representa uma corrupção da palavra Cherokee para Tsul 'Kalu e segundo a lenda foi do alto da montanha que o gigante saltou, caindo sobre essa pedra. Ao fazê-lo, diz-se que Tsul ‘Kalu deixou uma grande marca de seus pés e de sua mão direita na rocha. 

Lendas sobre gigantes entre os mitos Cherokee são relativamente comuns. Mooney coletou histórias relevantes envolvendo Tsul 'Kalu. Algumas delas foram obtidas com um tal James Wafford, que viveu entre os Cherokee em meados de 1806. De acordo com Wafford:

“…os velhos Cherokee conheciam os gigantes que viviam no mundo espiritual. Estes cruzaram o portão para o mundo dos homens usando cavernas muito profundas que chegavam ao coração da montanha. Os gigantes eram quase duas vezes mais altos que os homens e tinham olhos estranhos, grandes e brilhantes. O maior dentre eles era conhecido como Tsul'kalu e ele era seu líder. Ele escolheu habitar a fronteira entre seu reino e o mundo dos homens, e se tornou um caçador de todas as bestas”.


Mooney acreditava que os Cherokee compartilhavam dessa mesmas lendas passadas oralmente de pai para filho por gerações.

Os mitos sobre Tsul 'Kalu fazem menção clara à sua estatura gigantesca. Para todos os padrões ele era um gigante de corpo musculoso com mais de três metros de altura. Seus braços e pernas eram longos e cabeludos, adornados com manchas escuras que formavam padrões geométricos muito usados pelos xamãs. Apesar de sua estatura avantajada, Tsul 'Kalu se movia com a graça de um puma e com a desenvoltura de um gamo, sem fazer som e sem deixar pegadas por onde passava. 

Uma das suas características principais dizia respeito aos seus olhos. Eles seriam grandes e escuros, ainda assim, brilhantes à noite, como olhos dos felinos da montanha. Seu brilho podia ser visto, refletido na luz das tochas. Mesmo quando escolhia ficar invisível, os olhos podiam ser vistos fulgurando como duas brasas. Aqueles que encaravam esses grandes olhos ficavam paralisados e estupefatos. Não conseguiam se mover uma vez que sentiam estar na presença de um poderoso espírito. Os covardes se colocavam de joelhos aos seus pés em desespero, mas os valentes eram aceitos. 

A entidade sempre carregava uma lança em sua mão direita. O mito afirmava que essa arma legendária havia matado pelo menos um espécime de cada animal da criação e que por isso sempre era representada escorrendo sangue escuro de sua ponta afiada. Aqueles que se portavam de maneira indigna diante de Tsul 'Kalu e que despertavam sua ira eram lançados do alto da montanha para a morte certa nas profundezas de uma ravina. Seus ossos jamais seriam encontrados e seus espíritos vagariam eternamente em vergonha.

Tsul 'Kalu era um deus colérico e furioso, que bebia sangue e se deliciava com o massacre. Ele sempre era descrito acompanhado da carcaça de dezenas, senão centenas de animais trucidados pela sua lança, suas garras e presas. Os homens admiravam sua força, sua determinação e seu poder, não por acaso ele era considerado uma entidade de vigor masculino, um símbolo de agressividade e potência sexual. 


Quando os homens iam sair em uma caçada, especialmente se essa fosse por um lugar perigoso, era tradicional oferecer a Tsul 'Kalu um sacrifício. Em geral, a primeira caça abatida era consagrada para a entidade que então, caso ficasse satisfeita atrairia outras presas para os caçadores. Os caçadores por vezes bebiam o sangue dos animais e o usavam para pintar símbolos nos corpos.

É provável que o favor de Tsul 'Kalu tenha sido invocado para favorecer também guerreiros que estivessem caçando fugitivos. Os Cherokee acreditavam em diversos rituais, sendo que um deles envolvia libertar prisioneiros para que estes fossem perseguidos implacavelmente pelas pradarias. Os caçadores dedicavam a perseguição a Tsul 'Kalu. Há relatos desse ritual de caça ter sido realizado com prisioneiros de tribos rivais e também com colonos brancos capturados. Quando o fugitivo era apanhado, ele era morto e estripado com uma faca afiada ritualística de silex. Seu coração era então arrancado do peito e o sangue quente ainda gotejando sorvido como um símbolo da caçada.

No final do século XIX, as tribos Cherokee foram empurradas cada vez mais para o interior. Os nativos também perderam boa parte de seus costumes ancestrais. Aos poucos a crença em Tsul 'Kalu começou a perder força até desaparecer praticamente por inteiro no século seguinte. Ainda assim, o Grande Espírito Cherokee da caça permanece como um item de fascínio até os tempos modernos.

domingo, 22 de janeiro de 2023

Pera da Angústia - Uma horrenda Ferramenta de Tortura


A maldade humana talvez só possa ser comparada com a incrível capacidade de inventar maneiras de ressaltar essa maldade. A criatividade parece não conhecer limites quando o objetivo é causar desconforto, humilhação e sofrimento em nossos semelhantes.

Tomemos por exemplo esse simples e ao mesmo tempo diabólico objeto de tortura conhecido como Pera da Angústia. Esse dispositivo de tortura foi usado na Europa Medieval e amplamente difundido em partes da Alemanha, Austria, Itália e Suíça.

A Pera era utilizada para extrair confissões de criminosos e fazer com que eles revelassem algum detalhe que o torturador desejava saber e que eles estivessem resistentes de revelar. A Pera funcionava de uma forma bastante simples: ela era inserida na boca da vítima, em seguida um mecanismo em forma de chave era girado repetidas vezes fazendo com que ela abrisse, aumentando sua area causando imensa dor a medida que as aletas de ferro deslocavam a mandíbula, rasgavam as bochechas e quebravam os dentes da vítima.

Esse implemento brutal feito de metal foi criado por mestres ferreiros que se especializavam em projetar tais dispositivos. De fato, alguns dos melhores artífices do período ganhavam a vida criando objetos de tortura como esse, sabendo que seriam muito bem pagos e contariam com muita demanda.

Não há como saber ao certo quando a Pera foi criada, mas alguns estudiosos assumem que os primeiros modelos tenham surgido em algum momento entre os séculos XI e XIII.


Em uma época de grande perturbação política e social, a tortura era quase que sinônimo de prisão. Aqueles trancafiados numa masmorra podiam esperar que a qualquer momento estariam diante de um torturador.

É óbvio que, como ocorria com todo objeto de tortura, a Pera da Angústia foi sendo adaptada ao longo do tempo. Essa adaptação visava claramente torná-la ainda mais atroz.

O objeto foi utilizado em outras partes da anatomia humana, tornando-se uma punição frequente para mulheres adúlteras e homesexuais acusados de sodomia. Esse tipo de tortura se tornou infame na Áustria, onde versões com lâminas e espinhos também foram criadas.


Embora relegada na maior parte do mundo à um periodo horrendo da história, a Pera da Angústia continuou sendo empregada até meados do século XVIII. Até mesmo na Guerra Civil espanhola (em pleno seculo XX), essa tortura foi reavivada por ambos os lados que utilizaram o método contra seus inimigos.

Nas últimas décadas, alguns historiadores questionaram o uso e mesmo a existência da Pera da Angústia antes do século XVIII. Segundo alguns a maioria das peças teriam sido produzidas como adornos ou objetos cênicos. Ainda que boa parte dos itens encontrados em museus sejam mais novos e jamais tenham sido usados em torturas, alguns se provaram genuínos.

É o caso de uma Pera no Museu Medieval da Thuringia, na Alemanha, que data do século XV. Ela foi usada por "Questionadores Judiciais" do tribunal de Achen, o equivalente a detetives que utilizavam essa coisa para persuadir os presos a falar.

Outro item, presente em Modena, na Itália data do século XVI e foi utilizada até meados de 1670 em interrogatórios oficiais e procedimento investigativo. Segundo um relatório a Pera da Angústia era empregada primeiro em cadáveres antes de ser utilizada em suspeitos. Quando a mandíbula e dentes literalmente se partiam com o som de uma garrafa se partindo, a maioria das pessoas decidia cooperar.

A maioria das peras presentes em coleções, contudo se provaram fraudes, sendo que boa parte delas, inclusive estavam em museus.

O conceito da Pera é realmente terrível e o fato dela incluir uma grotesca violação sexual, sem falar na dor física, a tornam algo digno dos circulos mais profundos do Inferno de Dante.

Se serve de consolo, ao menos a Pera a Angustia não parece ter sido tão comum quanto se imagina. Ainda assim, a Idade Média foi o que poderíamos chamar de Idade de Ouro da tortura um tempo em que causar sofrimento físico era algo trivial a ponto de ser corriqueiro.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Cemitério dos Ossos Cruzados - Uma necrópole fantasmagórica em Londres


A área originalmente ao sul de Londres, onde ficava o famoso Teatro Globo gerenciado por Shakespeare sempre teve uma aura de sordidez e perversidade.

A região ficava próxima ao Embarcadouro, uma área de atividade portuária, marcada pelo constante vai e vem de mercadorias de todo tipo. Contrabando era tão comum ali que as pessoas chamavam o cais mal engendrado de "Counterfeit Row". Lá se negociava de tudo, de mercadoria roubada a carga pilhada por piratas, de substâncias entorpecentes trazidas do Oriente distante a escravas brancas.

No século XVII, a área era tão barra pesada que as autoridades londrinas evitavam enviar homens até lá. Os agentes da lei aceitaram relutantemente designar uma autoridade local para manter, dentro do possível, a ordem na área. Uma espécie de junta formada pelos próprios criminosos era responsável por impor a lei. E esta era rápida e implacável.

Até meados do século XIX, a área continuou sendo infame pela atividade criminosa e violência, com um número elevado de assassinatos no entorno. O cais era especialmente perigoso e não raramente cadáveres surgiam flutuando nas águas barrentas. Apenas no final da Era Vitoriana a área foi renovada à medida que os limites da metrópole eram estendidos. Londres não podia continuar a ter um distrito tão insalubre.


Antes disso, entretanto, o Embarcadouro era famoso por outra razão nada lisonjeira. A calçada de fronte para o Rio Tamisa noite e dia fervilhava com a atividade de tavernas e bordéis da pior qualidade. Prostituição era uma atividade tão corriqueira a ponto de negociações serem feitas sem qualquer pudor. Becos e vielas serviam aos propósitos escusos com clientes usando os muros como apoio para consumação do sexo, praticado de forma rápida, de pé. Terminado o ato, o cliente largava umas moedas no chão e saia sem olhar para trás. 

As prostitutas locais eram conhecidas como "Gansos de Winchester", por conta do hábito de exibirem os seios empoados de branco para atrair os transeuntes. A expressão "bicado por um Ganso de Winchester" se referia a ser contaminado por uma doença venérea, algo muito comum. As moças eram também famosas pelas mãos rápidas que subtraiam carteiras e objetos de valor enquanto os clientes estavam entretidos com outras coisas.

Uma das razões por esse lugar ser tão procurado pelas mulheres é que lá, os cafetões, não conseguiam operar. Isso no entanto estava longe de significar que as mulheres conseguiam manter seus ganhos. Entre o século XI e XV, os bordéis e casas de tolerância eram dirigidos por ninguém menos que a Diocese de Winchester que tinha direito de licenciar e taxar as atividades da zona de meretricio.

Pode parecer absurdo, mas esse direito exclusivo havia sido concedido graças a um hospital que a igreja operava na área. Em troca de tratamento gratuito para os habitantes, uma parcela dos lucros com prostituiçao pertencia à paróquia - uma parcela considerável, quase metade do arrecadado ia para o Clero. A Diocese de Winchester era extremamente ciosa de sua fatia dos lucros, chegando a empregar contadores e funcionários que mantinham os negócios em constante funcionamento. A atividade era rentável e qualquer concorrência, imediatamente repelida. Se um proxeneta tentasse se estabelecer poderia não viver para ver o dia seguinte, já as moças dispostas a operar independentemente podiam sofrer acidentes que as faziam mudar de ideia. Muitos criminosos perigosos eram incumbidos de zelar pelos interesses da Diocese e estes não toleravam intromissões ou subterfúgios. 


Os bordéis conhecidos pelo apelido de "caldeirão de cozido" (stews pots), eram verdadeiros antros que prosperaram sob um rígido código de conduta. As prostitutas tinham que se registrar, não trabalhavam em dias santos e não podiam dormir com ninguém que não as pagasse. Clérigos especialmente designados para cuidar desse rentável negócio recebiam o apelido de "Vigários" e eram identificados por um chapéu vermelho de aba larga ou pelos cacetetes truculentos que usavam para disciplinar suas funcionárias.

Embora o Bispo de Winchester estivesse satisfeito em taxar as moças trabalhadoras, ele não estava disposto a deixá-las serem enterradas em solo consagrado. Prostituição era tratada como atividade pecaminosa e embora amplamente tolerada, havia uma questão moral que fazia as pessoas torcer o nariz a respeito de serem enterradas ao lado de quem vivia (ou morrera) nesse meio.

O bom povo da comunidade decidiu então comprar um pedaço de terra, uma gleba onde pudesse enterrar as mulheres que morriam no Embarcadouro. Batizado oficialmente de Pátio da Mulher Solteira, o espaço não consagrado era mais conhecido como Cemitério dos Ossos Cruzados, uma vez que uma placa de madeira com dois fêmures pregados em x era mantido sobre o portão de entrada.

O solo lamacento do Ossos Cruzados recebeu cadáveres depositados em suas covas rasas ao longo de quase 300 anos. Os mortos muitas vezes não tinham a dignidade de descansar em caixões e eram enterrados enrolafos em lençóis simples. As constantes inundações faziam com que ossos e restos fossem levados pela maré. Ratos, peste e insetos proliferaram e em mais de uma ocasião o local foi foco de epidemias.


Não é de se estranhar que o Cemitério tenha ganhado fama de assombrado nas décadas seguintes à sua criação. Tristeza e desolação eram uma constante em seus arredores e de noite as pessoas evitavam transitar pelo trilha de terra batida que levava até ele. Havia rumores, e não eram poucos...

Mencionavam sombras e silhuetas espectrais flutuando sobre o descampado de terra mexida. Marcas de pegadas eram vistas na lama e por vezes covas pareciam escavadas de dentro para fora. O pior, no entanto, eram os sons lamurientos que se levantavam na gleba e que podiam ser ouvidos mesmo na distância. Eram ruídos de xingamentos, murmúrios indefinidos e gritos de gelar o sangue. Por vezes também havia uma repetição indecorosa de palavras desconexas e risadas esganiçadas. Vozes femininas. Sempre mulheres!

Mais de uma testemunha mencionou experiências assustadoras nos limites do Cemitério dos Ossos Cruzados. Em um famoso incidente pelos idos de 1480, dois coveiros foram enterrar uma moça e voltaram aterrorizados gaguejando histórias sobre um espírito enegrecido que os perseguiu. Um deles tinha os cabelos, antes escuros, agora totalmente grisalhos.

Além das mulheres, o Cemitério se tornou notório por receber os restos de bebês não batizados e de fetos abortados, outra prática quase epidêmica nas cercanias. Relatos de bebês chorando e de pequenos globos de luz pálida com a forma esquálida de recém nascidos também eram relativamente comuns. 

O solo do Cemitério dos Ossos Cruzados continuou sendo semeado fartamente ao longo dos séculos até que em 1600 a Igreja perdeu seu monopólio sobre a prostituição no Embarcadouro e o cemitério foi convertido para receber miseráveis que não tinham meios de pagar o enterro. Ele foi muito usado quando o cólera e a meningite se disseminaram, trazidos pelos marinheiros vindos de longe. Na ausência de lugar melhor, covas comunitárias foram escavadas e corpos lançados ali sem cerimônia.

Como indignidade final, restos humanos foram subtraídos do Cemitério para alimentar o tráfico de cadáveres que abastecia as aulas de anatomia nas Universidades de Medicina londrinas. 


O Cemitério oficialmente encerrou suas atividades em 1920, havendo planos para remoção dos restos e relocação em outro trecho menos sujeitos a inundações. Isso nunca aconteceu e os ossos continuaram no mesmo lugar ainda que obras de contenção tenham mitigado as enxurradas.

A fama de assombrado, essa perdura apesar da passagem dos séculos. Um fantasma recorrente, visto por aquelas bandas pertence a uma mulher jovem e magra apelidada de "Polly Gritadeira". Ela supostamente surge nas noites escuras, desfiando um rosário de xingamentos ofensivos sobre quem tem o azar de topar com ela. Outros espíritos inquietos também compõem o panorama fantasmagórico, entre os quais Black Annis, uma suposta alma penada que seduz homens, os atrai com promessas de sexo e então os mata.

Em 1992, o Museu se Londres conduziu uma escavação no Cemitério de Ossos Cruzados. Eles encontraram restos enfiados em sepulturas rasas e covas comunais em que esqueletos repousavam empilhados uns sobre os outros. Chamava a atenção também o grande número de ossadas de crianças com menos de seis anos. Uma análise forense demonstrou que muitas dessas haviam morrido de causas não naturais, vitimadas pela violência premente.

Assim como ocorria no passado, a área persiste atormentada por macabros relatos de assombrações. 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

A Pista Perdida - O que fazer quando seu grupo não encontra uma pista central


Em cenários fundamentalmente investigativos, onde o foco de toda ação se encontra na resolução de um mistério, as pistas são essenciais para formar o convencimento e levar os investigadores/jogadores a uma conclusão lógica sobre o que aconteceu.

Ocorre, entretanto, que algumas vezes encontrar uma pista não é tão fácil quanto se imagina.

Por vezes, os investigadores podem não procurar a pista no lugar correto, ignorar algum indício, esquecer de alguma coisa ou simplesmente falhar em um teste vital que possibilitaria a descoberta daquela pista central.

O que fazer em situações como essa? Como lidar com o fator imprevisível dos dados que teimam em não cooperar com o curso planejado do cenário? Como colocar os personagens novamente na investigação da qual eles se afastaram?

Essa parece ser uma questão recorrente em cenários investigativos de RPG, já que estes dependem bastante da descoberta dos indícios, obtenção de pistas e recuperação de provas. Sem isso, a história corre o grave risco de não chegar até a sua conclusão e o grupo se deparar com um frustrante beco sem saída.

Vejamos então algumas maneiras de contornar esse problema nas mesas de jogo.

1 - A HISTÓRIA VEM EM PRIMEIRO LUGAR 


Talvez a regra mais importante quando se analisa essa questão de pistas perdidas seja considerar a importância de contar uma história.

Sem querer jamais desprezar o princípio de que RPG é um jogo, mas ele é antes de tudo uma forma de contar uma história. E uma história não pode depender da sorte para ser contada - ela precisa ter começo, meio e fim. 

Então o que vou dizer contraria o que muitos sistema dizem, mas lá vai: A História deve ser contada a despeito do que dizem os dados.

É claro, isso não significa ignorar totalmente os resultados e desprezar o fator aleatório, contudo em muitos cenários, sobretudo aqueles com uma pegada investigativa, se faz necessário em determinados momentos colocar a investigação nos trilhos, sob o risco dela não ser concluída.

Uma pista, um fragmento de informação ou um indício que sejam essenciais para a histórias que PRECISAREM ser encontrados, serão encontrados.

O interessante é como fazer para que isso aconteça sem tornar o jogo artificial ou conduzido pela mão do narrador. Dito isso, vejamos como o Narrador pode proceder.

2 - FALHANDO MAS ENCONTRANDO


Em ambientações investigativas as cenas geralmente envolvem buscar pistas. Estas, na maioria das vezes, não estão à vista dos personagens e precisam ser encontradas. O problema ocorre quando eles não as acham...

Seja porque eles não buscam no lugar correto ou mais frequentemente, porque falham em um teste a pista pode ficar para trás.

Geralmente isso não compromete o jogo, contudo, pistas centrais as vezes precisam ser achadas.

Há diferentes maneiras de lidar com essa questão, a mais óbvia é considerar que a pista central estará sempre a vista, mas isso as vezes deixa as coisas sem graça.

Eu recomendo sempre que o grupo busque as pistas. Digamos que eles precisam encontrar um diário escondido em um fundo falso numa gaveta. Sem esse diário eles não saberão a identidade de um assassino e não conseguirão resolver o mistério. É portanto uma pista essencial, cuja obtenção depende toda a história.

Mas o grupo embora tente e procure em todo canto, nada encontra. Suas habilidades de busca falham e eles não encontram nada. 

Já que o diário é essencial para a resolução eles precisam achá-lo, então há maneiras de fazer com que eles encontrem.

Fazer com que eles encontrem, mas tenham uma dificuldade a mais e uma maneira de lidar com isso. Digamos que o grupo não acha o diário, mas que acaba acionando uma armadilha que estava na gaveta. Eles sofrem um contratempo, mas acabam conseguindo achar a pista enquanto buscam por outras armadilhas ocultas.

Outra possibilidade é fazer com que a descoberta ocorra pelo acaso. Eles não encontram a pista, mas algo intercede para qie ela seja achada. O grupo não investiga a gaveta onde está o diário, mas uma luta qie ocorre na sala faz com que a escrivaninha seja avariada e o compartimento secreto seja revelado.

A sorte é um fator presente em Chamado de Cthulhu, talvez o uso de alguns pontos possa resultar na descoberta de uma pista que não foi encontrada da maneira convencional. A pista estava ali o tempo todo, mas o grupo não viu, todo mundo sabe que essas coisas acontecem.

3 - COM A AJUDA DOS AMIGOS 


Os investigadores nem sempre são os únicos numa cena em que repousa uma prova central.

Por vezes eles estão acompanhados de um NPC. Imagine uma cena em que o grupo investiga uma cena de crime, eles precisam achar na mão de uma vítima um pedaço de pano rasgado que levará a solução do caso.contudo o grupo falha nos testes de observação. Dessa forma a pista essencial ficaria faltando e o mistério não seria solucionado.

Esse e o momento de algum policial que está ali olhando a cena enxergar aquilo que passou desapercebido. Ele chama os investigadores e aponta que há algo na mão do morto, algo qie pode ser importante.

Da mesma maneira, pistas que passaram batidas podem ser percebidas por outros NPCs. Certa vez, joguei uma aventura em que o fiel mordomo de um dos personagens percebia um detalhe essencial num quadro que nenhum dos investigadores percebeu visto que falharam no teste. O mordomo simplesmente olhou para o quadro e teve um arrepio involuntário o que chamou a atenção de um dos personagens. Ao perguntar o que havia acontecido, ele apontou para o detalhe que havia passado imperceptível até então. BINGO!

Lembre-se que NPCs não são os protagonistas de sua história, eles não podem resolver tudo. Contudo, eles não raramente dão aquele empurrão que faltava para a obtenção de uma pista central. Usar esse expediente regularmente pode ser frustrante para os jogadores, mas uma vez ou outra, quando for essencial, é perfeitamente aceitável.

4 - ENCAIXANDO PEÇAS 


Em alguns momentos, uma pista passa desapercebida e os investigadores se sentem perdidos sem saber o que fazer. 

Isso é muito comum em filmes e romances de detetive em que um grupo se vê diante de um aparente beco sem saída. Você já deve ter visto isso em vários filmes...

É nesse momento que o grupo tenta relacionar as pistas que já tem e como elas podem assinalar quais devem ser os seus próximos passos. Cada um oferece um insight diferente e as coisas começam a clarear. 

O Guardião pode e deve sugerir alguns detalhes que passaram desapercebidos pelo grupo e deixar que eles encaixem as peças para formar o "desenho" do quebra cabeças. Quando isso acontece na mesa de jogo é algo perfeito, você quase ouve o "click" na cabeça dos jogadores quando eles relacionam duas informações truncadas e ela resulta em uma pista concreta.

5 - A PISTA RECORRENTE


Outra forma de garantir que as pistas centrais estarão ao alcance dos personagens durante o mistério é fazer com que haja mais de uma  forma de acessá-las.

Um dos grandes problemas apontados por Guardiões iniciantes é que, se os personagens falharem nos testes para detectar as pistas, elas serão perdidas para sempre. 

Uma forma de lidar com isso é planejar com antecedência onde as pistas centrais, essenciais para elucidar o caso, poderão ser encontradas numa segunda chance. Isso garante que mesmo se na primeira passagem nada for achado, ainda haverá uma oportunidade para que a descoberta seja feita.

Claro, é preciso que isso seja bem feito para não ser algo forçado ou que pareça artificial. Pistas surgem de maneira imprevisível, as vezes elas parecem "estar lá" desde o início bastando que alguém veja.

Se a pista for essencial o Guardião pode permitir também na segunda tentativa um teste com Vantagem (lançar dois dados e escolher o melhor resultado). Isso aumentará as chances de sucesso e garantirá o acesso à informação buscada.

*     *     *

Essas são obviamente algumas ideias e sugestões. Sem querer bancar o dono da verdade, cada Narrador tem seu estilo e sua forma de enxergar essa questão.

Particularmente eu sempre usei dessa maneira e sempre funcionou muito bem nas minhas mesas.