quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Adaptando Cenários: A Necrópole - Comentários e sugestões para o Cenário de Chamado de Cthulhu

Em Chamado de Cthulhu (CoC) temos grandes cenários prontos e aventuras publicadas que ganharam espaço e ocuparam um lugar de destaque entre os fãs como clássicos dentro de um RPG clássico.

CoC possui uma longa tradição de aventuras clássicas que são jogadas e repetidas para diferentes públicos e por conta disso ganham certo grau de notoriedade. É o caso de aventuras como "The Edge of Darkness", "Dead Man Stomp", "Behold the Mother", e claro, "A Assombração" aquela que detém o título de cenário mais jogado, discutido e celebrado pelos fãs.

Na sétima edição, há uma nova leva de aventuras prontas publicadas que lentamente estão fazendo seu percurso para se tornarem clássicas.  Delas, talvez "A Necrópole" (The Necropolis) seja aquela que tem reclamado para si o posto de cenário recorrente que merece ser jogado varias vezes.

A Necrópole foi publicada no suplemento "Doors to Darkness" que oferece histórias curtas e rápidas ideais para serem jogadas em eventos, encontros ou em algum final de semana em que todo mundo está querendo rolar uns dados e ninguém tem nada preparado. A proposta é boa, tão boa que a Chaosium já engatilhou mais um suplemento nesse estilo para Guardiões de primeira viagem ou ocupados que se beneficiam com tudo mastigado e preparado para seu jogo rolar macio. Estamos falando de No Time to Scream que já recebeu uma resenha aqui no Mundo Tentacular. 

Mas os cenários serem simples,  significa que eles são ruins? Não mesmo!

Uma coisa que se precisa entender é que um cenário simples não é sinônimo de um cenário simplório. E que mesmo as ideias mais simples por vezes podem resultar em histórias empolgantes, intrigantes e memoráveis.

Ao meu ver, esse é exatamente o caso de "A Necrópole", uma ótima opção para cenário one-shot envolvendo um dos ambientes favoritos dos jogadores de Cthulhu: o Egito na época de ouro da Arqueologia (1920-1930).

Como acontece frequentemente, eu costumo fazer alterações na estrutura das histórias para torná-las mais interessantes e uma experiência mais envolvente para os jogadores e mais interessante para mim, enquanto narrador. 

Se existe algum "problema" em Necrópole é o fato dela ser muito direto ao ponto. Eu entendo totalmente, já que a proposta do suplemento é oferecer aventuras rápidas para eventos. Proposta louvável quando se tem pouco tempo e a ideia é apresentar o jogo. Contudo eu achei que esse cenário merecia mais detalhes para fazer com que ele se tornasse algo mais que uma aventura rápida. Sendo assim desenvolvi a aventura que é projetada para ser jogada em duas horas em algo mais complexo.

Abaixo estão minhas mudanças para a trama, para o desenvolvimento e para os acontecimentos. É claro, aqui temos muitos SPOILERS, de modo que, se você tenciona jogar essa aventura melhor parar por aqui para não estragar a diversão.

Agora para o Guardião, essa é uma sugestão: use o que quiser, descarte o que não gostar ou ignore tudo. Cada narrador tem seu estilo, seu método e suas próprias ideias.

Então, dados os avisos e sugestões protocolares, vamos lá.

INTRODUÇÃO 

A principal mudança operada no cenário foi trocar o início que originalmente lança os personagens no meio da ação, para algo mais elaborado e misterioso.

Eu não tenho nada contra cenários que exploram esse início, conhecido como in media res, contudo para essa história considerei que valia a pena pontuar os acontecimentos e estabelecer algo mais embasado.

Assim decidi criar a ideia de que os personagens fazem parte de uma pequena expedição no Vale dos Reis em 1922. Uma expedição que até o momento não trouxe grandes resultados e que está prestes a ser finalizada se nada significativo fosse encontrado. Isso cria a necessidade dos jogadores assumirem riscos e embarcarem na trama de maneira mais desprendida. 

A história se inicia com um guia local propondo aos investigadores que o sigam até seu patrão que tenciona fazer uma proposta irrecusável. Ele tem a localização de uma ruína perdida que pode representar uma descoberta notável. Mas o grupo irá confiar no sujeito? Ficarão desconfiados com a proposta? Serão tentados a embarcar na aventura?

Isso cria um certo ar de mistério e faz com que os personagens tenham que pesar os riscos e recompensas inerentes. Me parece uma excelente introdução para o que está por vir em seguida.

O CHAMADO PARA A AVENTURA

O guia conduz os investigadores através de uma região isolada no deserto. É claro, haverá um clima de desconfiança no ar e a sensação de uma armadilha em potencial. 

Eventualmente os investigadores chegam a um acampamento luxuoso num Oásis onde um conhecido contrabandista local oferece a eles um acordo que parece bastante vantajoso. Seus contatos descobriram a entrada para o que parece ser uma tumba intocada cujo interior pode guardar tesouros inestimável. É o tipo de descoberta que os investigadores anseiam fazer conforme determinado no background deles. 

O contrabandista, um homem chamado Ahmed Suleiman, necessita de indivíduos que o auxiliem a explorar o interior da tumba, precisar sua idade e avaliar os artefatos que ela contém. Ele quer parte do que for achado, mas abre mão de descobertas valiosas para museus e instituições. 

Para tornar a coisa ainda mais interessante o sujeito joga uma isca. Uma placa extraída da entrada da tumba que a identifica como um dos possíveis lugares de descanso do Faraó profano Nephren-Ka. O misterioso governante, uma espécie de Rei Feiticeiro, foi apagado da história por ter se envolvido com Deuses ancestrais profanos. A descoberta de tal tumba, que pode ter ligação com este Faraó praticamente esquecido pode significar uma descoberta considerável. Algo no nível da descoberta da tumba de Tutancâmon.

Essa ligação com os Mythos faz com que os investigadores se mantenham em estado de alerta.

Ahmed Suleiman se oferece para levar os investigadores até a Tumba nessa noite para que eles possam explorar seu interior juntos. Ele próprio afirma não saber o que a tumba contém, mas que animado com a perspectiva de uma grande descoberta. 

PREPARANDO A ARMADILHA

É claro, no espírito de aventuras de matinê, os investigadores estão seguindo para uma armadilha. 

Não há como confiar nesse estranho e em sua proposta que parece simplesmente boa demais para ser verdade. De fato, o truque nesse ponto é manter o trato como uma possibilidade de descambar para uma grande descoberta - instintivamente, os personagens e os jogadores sabem que estão indo para uma exploração que vai se conectar com um perigo em potencial, mas eles não sabem de que lado virá a ameaça.

Todas as vezes que faço essa aventura (e já foram algumas), os jogadores demonstram desconfiança para com o NPC, Suleiman, mas até esse ponto ele não se revelou como o vilão de fato. Um dos truques é manter a perspectiva de que ele é apenas um NPC que os conduzirá ao local onde eles encontrarão os perigos. De certa forma, eles não estão errados!

Na minha adaptação, Ahmed Suleiman é um cultista de Nyarlathotep que descobriu essa tumba e que costuma atrair arqueólogos e viajantes com a promessa de riquezas e descobertas, apenas para capturá-los e oferecer um sacrifício aos horrores que habitam o lugar. Parti do princípio que o contrabandista já realizou esse mesmo plano em outras ocasiões e que ele tem tudo preparado para prender os investigadores sem se colocar em riscos.

O objetivo dele é simples: ludibriar os personagens e atraí-los para uma determinada câmara. Esta possui um dispositivo mecânico, similar a um alçapão que uma vez acionado faz com que as pessoas no interior caiam através de um cadafalso na tumba propriamente dita. Para atrair os investigadores basta espalhar alguns objetos valiosos semienterrados na câmara em questão e deixar que a cobiça fale mais alto. Eles caminham inadvertidamente na direção da armadilha a medida que descobrem artefatos enterrados no local. Quando todos estão na posição certa é o momento de acionar a armadilha e fazer com que eles mergulhem quatro metros na escuridão, para o interior do misterioso complexo subterrâneo.

Nesse momento eu ouço alguns dizendo que "não iriam cair nessa armadilha tão óbvia".

Eu respondo que tudo depende da maneira como você apresenta a situação e do seu grau de convencimento. Cabe ao Guardião fazer crer que os investigadores estão revistando a câmara em busca de uma passagem e que essa os levará a um aposento secreto. A descoberta de alguns artefatos enterrados no lugar também é um atrativo que vai colocá-los na posição ideal para a armadilha.

Pode parecer óbvio, mas após ter narrado essa aventura várias vezes posso dizer que em nenhuma ocasião os jogadores perceberam que estavam prestes a cair em uma armadilha - ao menos, até ser tarde demais.

O COMPLEXO SUBTERÂNEO

Uma vez presos no complexo, essa é a chance do vilão revelar suas intenções nefastas, permitindo ao Guardião caprichar na interpretação do personagem. Ahmed é um fanático pelos Mythos, ele acredita que deve satisfazer os desejos das criaturas que habitam o mausoléu. Ele vê a si mesmo como um sacerdote do Caos Rastejante e do Faraó Negro. Além disso, ele sabe que esse é um templo dedicado aos antigos, não necessariamente a morada final de Nephren-Ka, mas uma tumba importante que guarda surpresas. Mais que isso, nenhuma de suas vítimas retornou depois de ficar presa ali.

Com os investigadores capturados, Ahmed simplesmente os abandona à própria sorte no interior do complexo. Sem nenhuma outra perspectiva, o grupo terá que explorar o lugar em busca de uma saída - o que nos conduz ao que originalmente seria o início do cenário.

O roteiro original contempla apenas uma exploração do complexo, a tal Necrópole do título. As câmaras subterrâneas são conectadas por corredores escuros de pedra, recobertos de hieróglifos e da poeira das eras. Esse é um bom momento para o Guardião se esmerar na descrição do ambiente e do mistério exótico que é explorar uma cripta com milhares de anos. Vale a pena ressaltar a sensação de ameaça que permeia todo lugar, o receio do que está no final do corredor e daquilo que se esconde nas sombras. Poucos lugares em um cenário de Chamado de Cthulhu podem ser tão empolgantes quanto uma antiga tumba egípcia, então meu conselho ao Guardião é aproveitar a oportunidade e tornar essa exploração algo memorável.

Eu fiz algumas alterações no mapa original e inclui alguns detalhes que não estavam presentes originalmente. Uma das alterações motivadas pela mudança da história foi colocar o cadáver de uma infeliz vítima capturada antes dos investigadores. Com ele havia um diário que antecipava o terror que os investigadores estavam prestes a encontrar. O explorador, um arqueólogo britânico dado como desaparecido alguns anos atrás, também foi enganado por Suleiman. Em seu diário ele registrava alguns detalhes de sua expedição, a traição do egípcio, sua captura e o temor crescente à respeito de algo que parece estar rondando a necrópole.

A CONEXÃO COM O FARAÓ NEGRO

A outra alteração significativa que coloquei no roteiro diz respeito ao propósito da Necrópole. 

Na minha versão, o local é a tumba de importantes sacerdotes e cultistas do Faraó Negro, Nephren Ka, e como convém a um lugar tão importante, existe nele um templo dedicado não apenas ao antigo monarca do Vale do Nilo, mas também a seu Mestre e Senhor - Nyarlathotep.

Em minha versão, Nyarlathotep abençoou esse lugar com a sua presença sombria, ele foi invocado em seu templo e oficializou rituais no passado remoto. Uma das minhas ideias foi colocar "gatilhos" nos quais os personagens teriam visões do complexo como ele era no tempo dos faraós. Tocar em certos objetos servia para ativar essas visões e ter um vislumbre do local quando ele servia aos cultistas.

Mais terrível, isso permitiu que eu inserisse um elemento adicional de perigo na trama. Uma vez que a presença de Nyarlathotep contaminou esse lugar com energia negativa, os sacerdotes sepultados aqui jamais conseguiram descansar - de fato, eles são despertados toda vez que alguém é capturado por Ahmed e lançado nos túneis. Foi a deixa para inserir um grupo de múmias decrépitas dispostas a capturar os investigadores e sacrificá-los para seu Deus. Um dos objetivos deles é justamente "mumificar" os investigadores, transformando-os em servos mortos-vivos da Necrópole.

No Templo de Nyarlathotep, que corresponde a última câmara do complexo, os investigadores encontram uma estátua de Nephren Ka rendendo homenagem a um colossal mosaico do Caos Rastejante em sua forma monstruosa. Esse é o momento de carregar a mão na perda de sanidade através de uma bisão de um ritual sendo realizado e de fazer com que as múmias ataquem tentando surpreender os investigadores.

O GUARDIÃO

Entretanto, as múmias são apenas uma das ameaças na tumba. O verdadeiro perigo é uma abominável criatura que faz as vezes de Guardião desse sepulcro, um ser criado para proteger o local contra saqueadores e preservá-lo contra infiéis.

Eu mantive o monstro, tratado como "A Abominação", uma figura gigantesca cuja aparência remete ao mítico Deus Anúbis, com a cabeça de chacal e tudo. Fiz apenas algumas alterações nas estatísticas para tornar esse desafio mais difícil. Na versão original a criatura não possui armadura, de modo que um grupo bem armado pode despachar essa ameaça facilmente acertando alguns disparos. Na minha versão o monstro não apenas possui 5 pontos de armadura, como regenera 2 pontos de vida perdidos por rodada. Ele também não é destruído,! Uma vez reduzido a zero pontos de vida, ele se transforma numa sombra que retorna ao seu sarcófago. Lá regenera seu corpo em 1d10 rodadas e volta pronto para um segundo round.

Após lidar com a abominação que guarda a Necrópole, os investigadores podem encontrar um acesso oculto através do qual conseguem rastejar para a liberdade. Trata-se de um respirador que conduz para o exterior da Necrópole, um duto apertado e estreito, mas a única saída desse terrível pesadelo.

LIDANDO COM ACHMED SULEIMAN  

Dependendo de como o grupo consegue escapar da Necrópole eles podem ou não querer enfrentar Ahmed Suleiman.

Nem todos os jogadores querem fazê-lo e ao escapar dos horrores do Templo, a maioria deles quer simplesmente retornar ao Cairo e lá pegar o primeiro navio que os leve de volta para a Europa ou América. 

Entretanto, o encerramento ideal pressupõe que os investigadores tenham um ajuste de contas com o Sacerdote de Nyarlathotep. Nesse caso eu costumo facilitar um pouco as coisas. Ahmed não espera realmente que os investigadores consigam sobreviver às agruras da Necrópole, por isso ele baixa a guarda. Ele também desconhece a existência do duto de respiração e não imagina ser possível escapar da tumba. Dessa forma, quando o grupo consegue voltar, é perfeitamente possível atacar o acampamento, capturar ou matar o traidor.

Em um dos melhores finais, os investigadores capturaram o cultista e o jogaram na tumba, lacrando a única rota de escape com um desabamento provocado com dinamite. Esse final foi excelente! Mas a maioria dos jogadores simplesmente opta por não cruzar o caminho de Ahmed uma vez mais e se contentam de retornar para a civilização.

TO PULP OR NOT TO PULP

Com todo esse acréscimo de ação, combate e luta pela sobrevivência vocês podem se perguntar se não faria mais sentido inserir "A Necrópole" em um contexto PULP.

Sim e não, dependendo apenas do que você deseja fazer.

A primeira vista, a história parece funcionar perfeitamente para um cenário Pulp, tanto o ambiente quanto a atmosfera se mostram muito favoráveis a esse estilo de aventura, privilegiando a ação e a adrenalina colocando esses elementos até acima do próprio horror. Nada se compara a disparar uma metralhadora Thompson contra uma horda de mortos vivos, encarar um monstro com uma espada khopesh ou mandar tudo pelos ares com uma carga de dinamite. Tudo isso parece muito bacana, e acredite, quando narrei "A Necrópole" usando as regras do Pulp Cthulhu, foi muitíssimo divertido. De fato, tudo isso que eu usei como exemplo aconteceu na mesa.

Entretanto, se o Guardião quiser manter a proposta original de fazer a história ser mais contemplativa e perigosa recomendo manter o jogo no estilo clássico. Nesse caso há uma grande possibilidade de alguns personagens serem mortos ou de até mesmo ocorrer uma TPK (Total Party Kill). Por outro lado, se você estiver narrando a história como one-shot, isso é algo que acontece... todos sabemos que Chamado de Cthulhu é um RPG com alto potencial de mortalidade.

Eu recomendo ao Guardião pesar os prós e contras de cada estilo e tentar encaixar o que for mais empolgante para os seus jogadores e aquele no qual ele se sentir mais à vontade. Eu narrei essa história usando os dois estilos e em ambos tanto eu quanto os jogadores nos divertimos horrores.

DICAS PARA O CENÁRIO:

Esse é um cenário relativamente tranquilo de narrar facilitando o trabalho do Guardião. As alterações descritas aqui no artigo aprofundam um pouco a história e fornecem alguns elementos adicionais à trama. Ela acrescenta também um vilão humano detestável e um prólogo que encadeia os acontecimentos de uma forma mais coerente.

A história é ideal para introduzir novos jogadores ao universo dos Mythos de Cthulhu. Ela tem uma premissa fácil de ser entendida e assimilada e mesmo novatos vão conseguir comprar a ideia e se adaptar a ela. Dá mesma maneira, os veteranos também encontrarão elementos de interesse na trama central, afinal, quem não gosta de uma história de Arqueologia no Egito? 

Minhas dicas para esse cenário envolvem investir no ambiente e apostar na atmosfera. A ideia de que os personagens estão em uma ruína antiga, escura e abandonada há milênios fornece um elemento de mistério muito propício a uma história de horror. Cada câmara, cada aposento adentrado deve ser descrito com detalhes que permitem imaginar o que está a volta. Não apenas o aspecto visual, mas uma atenção dispensada a sons, cheiros, texturas... tudo isso aumenta a amplitude a história.

Da mesma forma essa história possui monstros interessantes  cuja descrição apavorante contribui para gerar um clima de ameaça. Eu aconselho investir na descrição dos ataques, nos sons bizarros, na forma que os monstros se movem e como eles morrem. Tudo isso torna a coisa mais interessante, sobretudo porque essa é uma aventura com bastante combate.

Filmes que podem ajudar a inspirar A Necrópole: 

A Múmia (1999) e O Retorno da Múmia  - Sem dúvida a maior inspiração para esse cenário vem dos filmes da franquia "A Múmia" com Brendan Fraser e Rachel Weiss. Esses filmes são a quintessência das aventuras PULP. com ação vertiginosa, lutas, mistério e uma pitada de horror.

Eles também servem como base para as imagens e descrições que o Guardião pode inserir na sua narrativa. Quase tudo ali pode ser aproveitado já que o filme se passa praticamente no mesmo período e o estilo dele se encaixa perfeitamente na ambientação. Talvez seja até uma boa ideia passar aos jogadores o "dever de casa" de antes da sessão, assistirem a esses dois filmes para entrar no clima e se familiarizar com as imagens e atmosfera exótica do Egito dos anos 1920.

Mais que isso, os filmes fornecem ideias sobre como era o Egito e como funcionava uma expedição arqueológica, sem falar das escavações e sítios. Finalmente o filme apresenta criaturas sobrenaturais - Múmias e monstros com Cabeça de Chacal que são perfeitos para usar como comparação com as criaturas dessas história. Eu usei esses monstros como referência para descrever seus movimentos e ataques.

Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981) - Outro clássico monumental do gênero pulp. Boa parte da ação do primeiro filme de Indiana Jones se passa no Egito, e embora a trama se concentre na década de 1940, ele ainda contém muitos elementos que servem como inspiração direta. 

As cenas de Indiana Jones adentrando os sítios arqueológicos e descendo para as misteriosas ruínas que não são exploradas à milênios são especialmente interessantes. Elas fornecem uma atmosfera perfeita para o Guardião transmitir aos jogadores.  

Stargate - Ok, eu sei... esse filme envelheceu muito mal e se teve alguma serventia foi introduzir o conceito básico para uma série bastante superior a fonte original. Mas ainda assim, visualmente, Stargate é uma boa referência  para sítios arqueológicos, expedições estrangeiras, escavações e tudo que se relaciona a Egito no período em que se passa a aventura.

As imagens de hieróglifos sendo examinados e interpretados também é válida, embora dificilmente acadêmicos, ainda que especialistas no tema conseguissem traduzir s símbolos com tanta facilidade. As imagens do interior de ruínas e da grandiosidade dos monumentos ancestrais são especialmente interessantes para o Guardião.

Literatura e Contos

Aprisionado sob a Pirâmide de H.P. Lovecraft - A melhor referência literária para esse aventura sem dúvida é esse conto curto escrito por Lovecraft, supostamente com participação do famoso ilusionista e mestre de fuga Harry Houdini. Acredito que em parte a aventura se inspirou no conto que narra as desventuras de um aventureiro (possivelmente Houdini) que é aprisionado sob um complexo de túneis e caminhos sob as Pirâmides no Vale dos Reis. 

A forma que ele precisa lidar com a situação e as visões no interior das câmaras ancestrais, nem como as alucinações que ele experimenta com os resquícios de um passado distante, são perfeitas para utilizar em "A Necrópole". Eu aconselho fortemente o Guardião que se propõe a narrar esse cenário que dê uma lida nessa pequena historieta e tente levar os elementos nela contidos para sua mesa.  

Deuses, Túmulos e Sábios - Esse livro é um clássico que atravessa décadas como uma das mais interessantes e eloquentes obras sobre a Arqueologia. Sabe o que mais é legal sobre ele? Que é fácil de encontrar em qualquer sebo que se preze. Sério mesmo, esse livro tem várias edições e é bem fácil de achar.

Mais do que ser um tratado certeiro e cheio de descrições empolgantes, ele é escrito de uma forma acessível que concede subsídios para o Guardião que deseja dar um verniz de autenticidade à sua narrativa. Afinal, é muito mais interessante descrever os monumentos, as peças antigas e artefatos usando termos corretos extraídos da arqueologia.

Além de ser um excelente livro de referência sobre o tema, ele concede um aumento de 5% em arqueologia para o leitor.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Desaparecidos do Mapa - Histórias de cidades e habitantes que sumiram misteriosamente


Não é de hoje que existem histórias sobre fantasmas e acontecimentos sobrenaturais assombram lugares com sua presença indesejada. Não são poucos os relatos sobre eventos inexplicáveis que perseveram ao longo do tempo.  

Entretanto, não são apenas pessoas que compõem esse reino de estranheza, algumas vezes lugares inteiros podem ser fantasmagóricos. As cidades fantasma são comparativamente mais raras e talvez por isso ainda mais bizarras. São lugares sem um passado conhecido ou com uma origem incomoda, que ganham contornos de lenda ao longo do tempo, contadas em sussurros de admiração e medo.

Nesse artigo vamos visitar algumas dessas cidades fantasmas em que a história pode ou não ser real, mas cujas lendas reverberam como um eco pela eternidade. 

Urkhammer, Iowa


Durante a década de 1920, a cidade de Urkhammer, na Rota 41, em Iowa era apenas uma típica cidadezinha com 300 habitantes como outras tantas pontuando o meio-oeste americano. Não havia realmente nada que a tornasse diferente, os moradores levavam uma quieta vida rural, e era o tipo do lugar em que se podia passar direto sem olhar uma segunda vez. Era tão somente uma pequena cidade empoeirada que poderia muito bem ter sido esquecida pela história se não fosse por uma série de bizarros eventos que transformaram esse lugarejo esquecido e atrasado num mistério duradouro.

Tudo ocorreu em 1929, quando fotografias aéreas tiradas da área mostraram que a cidade parecia não apenas completamente abandonada, mas praticamente em ruína. Os edifícios pareciam estar tomados por ervas daninhas, havia campos onde antes estavam casas e todo o lugar tinha uma aparência selvagem e desleixada. Era tudo muito estranho, mas o fato de Urkhammer ser tão isolada e haver notícias mais urgentes cobrindo a quebra de Wall Street em 1929 e o início da Grande Depressão, a maioria das pessoas apenas deu de ombros sem se importar. 

Uma semana depois disso, um motorista que passava pela área contou que tinha ficado sem gasolina na Rota 41 e decidiu caminhar em direção a Urkhammer após ver uma placa. Seu relato é curioso já que não importava o quanto ele andasse em direção à cidade, que era visível à distância, ele nunca parecia chegar mais próximo. Ele aparentemente andou por mais de duas horas e não conseguiu chegar mais perto da cidade. Perplexo,  homem foi finalmente recolhido por um motorista que passava, e eles notaram ao passar por um posto de gasolina que ele estava completamente abandonado. Decidiram tentar chegar até ele, mas novamente, mesmo num carro eles não conseguiam alcançá-lo, apesar da noção de que estava perto. Toda a experiência perturbou profundamente os dois e os deixou sem entender o que acontecia ali.


Outras histórias estranhas que giravam em torno da cidade também começaram a surgir, com pessoas alegando ter passado pela cidade e encontrado as ruas desertas e as casas vazias, ocasionalmente avistando pessoas muito pálidas espreitando entre as construções dilapidadas. Elas não respondiam e simplesmente desapareciam em meio às ruínas decrépitas quando alguém as perseguia. 

Outro rumor dava conta de que algo muito ruim havia acontecido na cidade. Algum evento dramático teria feito todos os habitantes partir ou desaparecer da noite para o dia. Em determinado momento parecia claro que Ukhammer não existia mais. O que tornava as coisas ainda mais estranhas é que havia uma mulher que se identificava como "Fatima Morgana", que contatou vários jornais insistindo ser a última moradora de Urkhammer. Os boatos davam conta de que Morgana havia trabalhado lá por muitos anos como professora e que ficou para traz para preservar a memória de, seja lá o que aconteceu com os demais habitantes. Jornalistas visitaram Urkhammer a convite dela, mas não encontraram viva alma no local, ainda que tenham achado uma longa carta que não fazia sentido e que terminava com 300 pedidos de desculpa - um para cada habitante desaparecido.

Outra história bizarra! 

Em 1932, uma caravana de fazendeiros viajando em carroças puxadas por cavalos supostamente estava indo de Illinois para a Califórnia. Enquanto fugiam de uma tempestade de areia, viram placas indicando Urkhammer e decidiram ir até lá comprar suprimentos e se proteger. Dois dos homens do grupo pegaram seus escassos fundos e foram para a cidade, mas logo perceberam que o lugar estava totalmente abandonado. Eventualmente eles conseguiram chegar a um armazém onde acharam material e equipamento em perfeito estado. Os dois ficaram impressionados e ponderaram sobre levar o material que parecia ter sido simplesmente abandonado naquele galpão. Os dois decidiram voltar até o grupo e comunicar a descoberta. Decidiram que o ideal era voltar até a cidade abandonada com duas ou três carroças para recolher o que fosse possível.  


Qual não foi a surpresa ao descobrir o galpão que até poucas horas antes estava abarrotado de material incendiado. O prédio parecia ter queimado há décadas, as ruínas não estavam fumegantes ou enfumaçadas. Para perplexidade dos dois, o fogo que destruiu o lugar tinha acontecido anos atrás embora eles jurassem que haviam estado ali mais cedo. O grupo sentindo que havia uma aura estranha nas ruínas decidiu colocar a maior distância possível entre eles e aquela cidade assustadora. 

Um relato do site Strange State contou uma história estranha com premissa semelhante, ela dizia: 

"Essa história foi relatada por um grupo de policiais estaduais que foram investigar a cidade em meados de 1936. Eles decidiram ir até a antiga delegacia de polícia de Urkhammer. Encontraram o prédio em perfeito estado, como se tivesse acabado de ser esvaziado pelo xerife. Um dos policiais chegou a confiscar uma espingarda, uma pistola e munição deixada ali. Alguns dias mais tarde, depois de relatar a visita, os policiais receberam ordens de retornar a Urkhammer para procurar mais armas que pudessem ter sido abandonadas no local. Surpreendentemente ao chegar a Delegacia encontraram o prédio totalmente dilapidado. Mais estranho, tudo indicava que o prédio estava daquele jeito há muito tempo..."   

Finalmente, em 7 de maio de 1940, Phineas Bumf, passou pelos arredores de Urkhammer com um caminhão. Ele viu uma placa e decidiu parar na cidade para descansar ou comer alguma coisa. Quando chegou lá viu uma adorável cidade perfeitamente conservada. Mas embora o lugar estivesse em perfeito estado, não havia viva alma. Bumf relatou ter entrado em prédios, procurado alguém sem sucesso e partido tomado por sentimento inquietante de que havia algo errado ali. Ao chegar a um assentamento alguns quilômetros adiante contou o que havia acontecido e percebeu os olhares confusos de seus interlocutores. Todos eles contaram que Urkhammer não existia há décadas, mas ele continuou afirmando que havia estado naquele lugar.


Muitos anos mais tarde, em 1995, um grupo de pessoas visitou o local onde supostamente ficavam as ruínas da cidade. Encontraram apenas alguns prédios parcialmente enterrados pela areia e poeira do Dust Bowl. O grupo descreveu o lugar afirmando que aquilo não era uma cidade, quando muito uma fazenda isolada e devastada pelo clima implacável de Iowa. Algumas pessoas tentam provar que Urkhammer foi de fato uma cidade mas os restos não se encaixavam na planta de uma cidade ou mesmo um vilarejo - muitos afirmam que o lugar parece ter encolhido.  

É uma história muito estranha, mas alguns defendem que a cidade nunca existiu de fato. A noção de que um dia aquele sítio hospedou mais de 300 pessoas parece um absurdo, uma lenda urbana sem sentido. Mas então, o que dizer das histórias sobre as pessoas que alegam ter estado em Urkhammer e visitado prédios e casas em ruínas? Teria sido uma mentira ou um mero rumor?

Curiosamente há registros de uma propriedade rural chamada Urkhammer lançada em 1916, localizada nos arrebaldes de Iowa, mas lá não existe absolutamente nada. As ruínas que não aparecem em qualquer documento estão situadas a 50 quilômetros a oeste, então, o que significa tudo isso? Urkhamer era uma cidade ou uma fazenda? Foi habitada ou não? Ficava na posição descrita nos documentos ou mais a oeste? Quem a construiu? Por que? Ninguém sabe, e aparentemente ninguém jamais saberá ao certo.  

Doveland, Wisconsin


Um dos casos mais estranhos de cidade fantasma envolve a misteriosa cidade de Doveland.

Supostamente ela foi uma pequena cidadezinha na zona rural do Estado de Wisconsin. Os boatos atestam que se tratava de uma modesta comunidade isolada com cerca de 1.000 habitantes, assim como muitas outras neste recanto do Centro-Oeste americano. 

Mas curiosamente em algum momento da década de 1980 a cidade simplesmente deixou de existir sem motivo aparente. Pessoas que dirigiam pela área e encontravam a menção de sua existência em placas e mapas não encontravam nada no local. Algumas pessoas que viviam nos arredores tinham certeza de que deveria haver uma cidade lá, mas estranhamente o lugar parecia não existir. 

Aqueles que afirmavam tê-la um dia visitado se mostravam perplexos ao constatar que não havia nenhuma cidade chamada Doveland. Mesmo aqueles que juravam ter conhecidos, amigos e até mesmo parentes habitando Doveland se mostravam confusos quando alguém provava para eles que lá não havia nada.

Quando a história foi publicada na internet, todo tipo de gente se apresentou alegando ter estado lá ou ter amigos ou parentes no lugar, e houve até mesmo aqueles que alegaram ter vivido ou crescido em Doveland. Estes ficavam genuinamente espantados quando provaram a eles não haver uma Doveland. Mais estranho ainda, haviam pessoas que ofereciam provas de sua existência, como cartões postais, cartas, fotografias e outras lembranças da cidade. De fato, alguns mapas dos anos 1980 traziam a localização de Doveland e sua posição geográfica no exato local em que a maioria das pessoas que se recordavam dela afirmavam tê-la conhecido. Mas não havia nada ali depois de 1986.


Houve muita especulação sobre o possível destino de Doveland. Um dos relatos mais conspiratórios afirmavam que a cidade teria sido palco de um experimento secreto conduzido pelo governo dos EUA chamado "Projeto Sanguine". Embora nunca tenha sido implementado oficialmente, o projeto chegou a ser proposto oficialmente. Segundo o programa, o Projeto Sanguine envolvia a construção de um sistema integrado de comunicação com submarinos utilizando ondas de rádio numa frequência extremamente baixa (ELF). Evidências foram oferecidas e algumas testemunhas revelaram que Doveland era habitada apenas por militares e suas famílias.

De acordo com essa teoria, o experimento foi levado adiante conforme planejado, mas com o intuito não de estabelecer contato com submarinos, mas com algo mais bizarro, OVNIs ou segundo alguns portais interdimensionais. Nesse cenário, algo deu errado e, por quaisquer razões, a cidade foi apagada da existência.  

Um defensor dessa teoria, Alan Cosgrove, de 42 anos conta que visitou Doveland quando era criança e que por pouco não morou lá: 

"Doveland era muito real. Meu pai trabalhou lá quando integrava as forças armadas e mencionou certa vez que existia uma base militar inteira operando no local. Nossa família deveria ter sido transferida para lá, mas isso nunca chegou a acontecer. Em 1985, meu pai nos levou até Doveland para visitar o endereço onde nós iríamos morar. Mas nós nunca nos mudamos!"

Alan se recorda do pai reunindo a família certa noite e dizendo a eles que os planos de mudança haviam sido cancelados. De fato, o pai, um Sargento da Aeronáutica disse que eles jamais deveriam falar novamente sobre Doveland e sequer mencionar que haviam estado lá.


"Existe essa história sobre o "Projeto Sanguine" ter sido conduzido em Doveland. Eu francamente não sei dizer... tudo que sei é que meu pai nos proibia de falar à respeito desse assunto e que ele levou esse segredo para o túmulo. Mesmo quando ele deixou as forças armadas, ele se negava a falar sobre o assunto. Aquilo o afetou! Talvez todos os militares tenham ido embora quando o projeto foi cancelado, mas quem sabe ao certo? Talvez alguma coisa bizarra tenha acontecido e o exército achou por bem apagar a existência da cidade para sempre".
 
Cosgrove acredita que algo muito estranho ocorreu em Doveland e que as forças armadas resolveram acobertar tudo. A maneira mais fácil de fazer isso foi apagando a existência da cidade, fazendo de conta que ela nunca existiu. Há muitos rumores à respeito de acordos financeiros firmados com parentes ou amigos de pessoas que viveram no local e que receberam uma indenização compensatória para esquecer de quaisquer laços estabelecidos com essa comunidade fantasma.

Outra possibilidade é que estejamos diante de um exemplo do que é comumente conhecido como "Efeito Mandela". Esse é um fenômeno moderno no qual um grande número de pessoas afirma lembrar de coisas que não existem ou que nunca aconteceram. É uma espécie de delírio coletivo ou crença inexplicável em um evento. O nome se deve ao fato de que muitas pessoas afirmam ainda hoje não se lembrar quando ou em que circunstâncias o Presidente da África do Sul, Nelson Mandela faleceu. O fenômeno foi notabilizado em 2017 quando várias pessoas ligaram para uma emissora de televisão afirmando que a notícia sobre a morte de Mandela estava errada. Um grande número de pessoas afirmava categoricamente que o líder sul-africano estava vivo, quando ele de fato faleceu em 2013.  

 

As pessoas afetadas pelo Efeito geralmente lembram de detalhes muito claramente em suas mentes ou então, apagam outros - como é o caso da morte de Mandela. Elas não possuem evidências de que sua memória é verdadeira mas ainda assim acreditam piamente em algum fato inverídico. As teorias sobre o que causa o Efeito Mandela sugerem se tratar de um tipo de ilusão em massa ou esquecimento de detalhes motivado por uma disposição aleatória. Há entretanto teorias mais peculiares como um indicativo de que essas pessoas tenham sido transportadas para realidades alternativas em um vasto multiverso. 

No caso de Doveland, aqueles que se lembram de ter estado lá compartilhariam das memórias de uma realidade na qual a cidade existe, mas eles, sem saber, de alguma forma podem ter cruzado para essa realidade em que ela não existe. Claro que também podem ser apenas uma coincidência fantástica ou uma lenda urbana, algo sem base na realidade. Seja qual for o caso, a estranha história de Doveland ainda é comentada e debatida até hoje.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Seres das Trevas - Vampiros adaptados para Call of Cthulhu


Este artigo apresenta vampiros especialmente adaptados para a realidade de Horror Cósmico dos Mythos de Cthulhu.

Cada um desses terríveis "Seres das Trevas" foi criado com base na série de artigos a respeito de Vampiros. As fichas dos vampiros com suas estatísticas estão de acordo com as habilidades e poderes de vampiros conforme o Livro Básico de Chamado de Cthulhu - Capítulo Beasts and Animals.

Eu recomendo seguir três diretrizes para usá-los:

1 - Chamado de Cthulhu é um jogo a respeito de Horrores Cósmicos, nada impede o uso de uma criatura de Horror Gótico, ainda mais se adaptada a realidade dos Mythos, CONTUDO o foco do cenário devem ser os Mythos. O vampiro em questão é apenas mais uma criatura afetada pelos horrores dos Mythos.

2 - Vampiros são raros, muito raros. Leve em consideração que devem existir pouquíssimas dessas criaturas no mundo e que via de regra eles não se interessam em criar outros de sua raça. Vampiros são paranoicos, eles não se interessam em criar uma força capaz de um dia sobrepujá-los.

3 - Vampiros não são humanos. Quanto mais estranhas e bizarras as suas ações melhor. Mesmo os vampiros que vivem em sociedade o fazem apenas para ter acesso a alimento, vampiros, em especial estes vampiros, deixaram para traz qualquer resquício de humanidade.

Borska, o Maldito


Nas frias estepes do Cáucaso, próximo a fronteira que separa o norte da Turquia da Rússia resistem à passagem do tempo antigas lendas que são sussurradas com um misto de respeito e temor. Uma dessas lendas menciona Borska, aquele que atende pela alcunha de o Maldito.

Ninguém sabe o quão antiga é essa lenda, mas os mais antigos lembram de tê-la ouvido dos lábios de seus avós, que por sua vez, ouviram de seus próprios avós quando eram apenas crianças.

Borska é um bicho papão no Cáucaso, uma figura aterrorizante usada para assustar as crianças e fazer com que elas obedeçam seus pais e não se afastem de seus olhos zelosos. "Se você não se comportar, Borska vem te pegar!" dizem os pais e os pequenos obedecem temerosos de atrair a atenção do monstro.

Em vida Borska foi um feiticeiro de enorme poder, um homem que segundo as lendas era capaz de invocar demônios das estrelas que obedeciam suas ordens. Ele vivia como eremita em uma caverna aos pés do Monte Elbrus (na atual Geórgia), onde conduzia seus experimentos e flertava com as trevas. Todos temiam a caverna e evitavam o lugar pois coisas de fora desse mundo eram vistas e ouvidas na calada da noite. O feiticeiro era odiado pelos poderosos chefes guerreiros que desejavam tê-lo como aliado, mas que eram desprezados por ele. Borska não se envolveria em pequenas disputas, ele tinha coisas mais sérias a tratar, como a busca pela imortalidade e o poder que apenas os Grandes Antigos podiam conceder.

Em um ritual obscuro, Borska invocou a Escuridão Viva, o Grande Antigo, chamado Nyogtha e firmou com ele um pacto de imortalidade. O longo ritual drenou as forças do feiticeiro e esgotado ele baixou suas guarda. Um de seus inimigos, um chefe guerreiro, aproveitou a oportunidade e invadiu sua caverna acompanhado de 12 homens. Encontraram Borska em transe e sem pensar duas vezes o assassinaram. Seu corpo foi então amarrado a cavalos e despedaçado. Os restos foram atirados em um fosso profundo, no interior de uma de suas cavernas. Extasiados com a vitória, os guerreiros seguiram para comemorar a façanha.

Borska permaneceu morto por dias, mas o pacto firmado com Nyogtha seria honrado na próxima noite sem lua. O Antigo preencheu o interior do cadáver apodrecido com parte de sua essência negra como piche, o bastante para animá-lo e para emendar os ferimentos de seu cadáver mutilado, fazendo-o andar sobre a terra como uma criatura sobrenatural... um vampiro.

A vingança de Borska contra aqueles que o mataram foi cruel e é a parte mais conhecida da lenda. Os guerreiros envolvidos não foram mortos, ao invés disso, o vampiro foi atrás de cada um e os forçou a beber de uma taça onde havia regurgitado a escuridão dentro de sua carcaça apodrecida. Isso os transformou em seus servos pela eternidade, incapazes de resistir aos comandos de seu novo mestre. Borska forçou cada um deles a destruir tudo que lhes era querido: suas famílias, suas terras, seus amigos, seus animais. O vampiro fez com que os próprios homens tomassem parte no vilipêndio: em cada morte, cada destruição e violação impingida.

Quando mais nada restava a eles senão o sentimento de perda e a insanidade, ele os tornou seus seguidores devotados a Nyogtha até o final dos tempos. Dizem que Borska ainda vive no interior das cavernas no Cáucaso e que continua realizando suas experiências e adorando os demônios de além do tempo e do espaço.

Borska aguarda há séculos a realização de uma Profecia revelada a ele por Nyogtha. Quando a data marcada pelas estrelas chegar, a Terra será coberta pela escuridão em um longo eclipse. Um poderoso ritual então tornará essa noite perpétua e com essas condições Borska pretende libertar Nyogtha. Os seguidores do poderoso vampiro, todos eles vampiros como o próprio, vagam pelo mundo coletando indícios de que o eclipse se aproxima. Há rumores de que o Tempo das Trevas sem Fim estão próximos.

Nas profundezas de sua caverna, Borska aguarda pacientemente.

Borska, cruel feiticeiro e vampiro, idade desconhecida 3000+ anos

FOR 120
CON 75
TAM 60
INT 90
POD 120
DES 75
Bônus de Dano: +1d6
PV: 14
Ataques: Mordida 50%, dano 1d4 +
Garra* 50%, dano 1d4 +db
Olhar ** (compare POD x POD) o vampiro deve estar se concentrando na vítima.

A Essência de Nyogtha:

O corpo de Borska é um depositário da Essência de Nyogtha e ele pode liberar parte dela na forma de uma massa escura como uma sombra viva.

Tentáculos (1d4 ataques/round): 60%, dano 1d6 ou Agarrar

* Em um rolamento oposto de POD x POD, o toque do vampiro drena 1d3 pontos de magia que é transferido para o vampiro.
** Se o teste for bem sucedido a vítima é hipnotizada e obedecerá simples instruções. Se essas instruções forem autodestrutivas ou contra a moral do personagem, ele pode fazer um teste de INT x5 para quebrar o transe.

Armadura: O corpo do vampiro recebe dano normal mas se recupera na proporção de 1 PV por hora até ser totalmente regenerado. Se o corpo for destruído, a essência negra de Nyogtha em sua forma amorfa continua ativa. A essência negra de Nyogtha que preenche o interior do corpo é imune a todos os danos físicos. Magia, armas mágicas, fogo e eletricidade causam dano normal.

Habilidades Relevantes: Cthulhu Mythos 41%, Tortura 62%, Psicologia 65%, Ocultismo 78%, Russo 85%

Magias: Qualquer uma que o Guardião julgar adequada.

Poderes e Limitações como Vampiro: Necessita de Sangue humano, Afetado pela Luz do Sol (1d6 pontos/rodada), imune a símbolos sagrados, imune a estacas, Repelido pelo próprio reflexo, necessita repouso no interior de cavernas, domínio através da ingestão da essência de Nyogtha (POT 25).

Sanidade: 0/1d4 ao descobrir que se trata de um vampiro, - 1/1d6 se a sua essência negra for revelada.

Enloch


O Culto devotado ao Grande Antigo Rlim Tegoth sempre existiu no pequeno vilarejo de Cyoghan, no sudoeste da Irlanda.

Praticamente todos os habitantes são cultistas fiéis a Rlim Tegoth, chamado por eles de "O Verme Pálido". A população se reúne há gerações para venerar seu Deus em uma antiga construção de pedra erguida numa colina no centro de Cyoghan. No passado essa construção foi um templo dedicado aos antigos. Abaixo da construção existe um complexo infindável de túneis que adentram nas profundezas da terra e levam até o covil de Rlim Tegoth onde o verme dorme até que as estrelas estejam certas e ele possa despertar em definitivo.

Dentre os cultistas se destaca um indivíduo raramente visto, exceto quando se aproxima a época dos mais sagrados rituais que ocorrem a cada quatro anos.

A figura pálida e musculosa, com longa cabeleira castanha e barba. Ele habita os túneis abaixo do templo e dorme a maior parte do tempo despertando apenas quando sua presença se faz necessária. Os cultistas o respeitam e temem na mesma medida pois ele é o mensageiro de Rlim Tegoth. Em Cyoghan ele sempre foi chamado de Enloch, ninguém conhece sua estória ou sua origem, tudo o que sabem é que há muito ele não é um homem e sim um vampiro.

Ao despertar o povo de Cyoghan prepara uma festividade solene. Duas jovens virgens e uma criança do sexo masculino são entregues ao vampiro para apaziguar sua fome. Diante da comunidade reunida em um círculo ele se alimenta vorazmente do sangue das duas jovens até drená-las por completo. Se ficar satisfeito, ele escolta a criança para o interior dos túneis para ser entregue como sacrifício para o verme branco. Se por algum motivo Enloch não ficar satisfeito com a oferenda, sua fúria será sentida por todos no vilarejo e ele irá punir os cultistas matando quantos achar necessário.

Se tudo correr bem, Enloch retornará na noite seguinte com uma dádiva de Rlim Tegoth: o veneno mortal que é a bile do colossal verme. Quando diluída e consumida em pequenas doses essa substância proporciona visões premonitórias e alucinações. Esse presente blasfemo é compartilhado por todos os cultistas com deferência. Sob o efeito da substância eles se entregam a uma orgia desenfreada cujo frenesi perdura por vários dias.

Enloch cumpre um segundo papel de suma importância perante o culto. Quando alguém ousa quebrar as leis ou ameaça a estabilidade no vilarejo, o vampiro é invocado para fazer valer a justiça do Verme Pálido. Sua atuação tende a ser rápida e sangrenta e todos os inimigos do culto são eliminados sem piedade.

Enloch, aquele que defende o Culto, idade desconhecida aproximadamente 700+ anos

FOR 140
CON 90
TAM 85
INT 60
POD 80
DES 75
Bônus de Dano: +2d6
PV: 18
Ataques: Mordida 60%, dano 1d4 +db
Garra 65%, dano 1d4 +db *
Olhar ** (compare um teste oposto de POD x POD) o vampiro deve estar se concentrando na vítima.

* Em um rolamento de POD x POD, o toque do vampiro drena 1d3 pontos de magia que é transferido para o vampiro.
** Se o teste de resistência for bem sucedido a vítima é hipnotizada e obedecerá simples instruções. Se essas instruções forem autodestrutivas ou contra a moral do personagem, ele pode fazer um teste de INT x5 para quebrar o transe.

Armor: O corpo do vampiro recebe dano normal mas se recupera na proporção de 3 PV por rodada mesmo que seja reduzido a zero ou menos PV. Dano causado por fogo, eletricidade, magia ou armas mágicas não é regenerado. Ferimentos dessa natureza são regenerados 1 PV/hora a menos que o corpo seja decapitado e carbonizado.

Habilidades Relevantes: Agarrar 55%, Psicologia 50%, Furtividade 75%, Gaélico 70%

Magia: Qualquer uma que o Guardião julgar adequada.

Poderes e Limitações como Vampiro: Necessita de Sangue Humano, Enfraquecido pela luz do sol (POD/2 durante o dia), suscetível a símbolos sagrados (cruzes), suscetível a estacas através do coração (dano dobrado), necessita repouso no solo, capaz de assumir a forma de morcego e lobo.

Sanidade: 0/1d4 ao descobrir que se trata de um vampiro. 1/1d4 ao presenciar transformação.

Umbassi


A exploração dos europeus na África Ocidental subsaariana foi pontuada por genocídio e atrocidades inenarráveis. Tribos inteiras foram exterminadas e outras tantas submetidas a indignidade da escravidão. No Senegal, os portugueses fundaram a Cidade Porto de Dakar e lá estabeleceram um lucrativo tráfico de escravos.

Em meados do século XVII, temendo pelo futuro de seu povo, feiticeiros da outrora orgulhosa tribo Lebou, tomaram uma decisão drástica. Séculos antes o ancestral culto devotado ao Deus Ahtu havia sido banido e seus praticantes dispersados pelos Lebou que consideravam os macabros rituais uma aberração.

O Culto de Ahtu, também chamado de Deus da Língua Sangrenta, foi aniquilado apenas depois que seu alto-sacerdote, Umbassi, foi morto e seu espírito espúrio aprisionado por um ritual. Mas diante da loucura e cobiça dos homens brancos, os feiticeiros concluíram que precisavam de algo mais poderoso para enfrentá-los. Eles decidiram que o espírito de Umbassi deveria ser libertado e compelido a enfrentar os invasores.

Uma cerimônia de magia negra foi realizada e como resultado o espírito de Umbassi foi conjurado. Mas antes que o ritual para controlar o espírito pudesse ser concluído, ele se apossou do corpo de um dos feiticeiros. Com a fúria acumulada pelos séculos, o espírito espúrio matou cada um dos feiticeiros e bebeu o sangue quente de suas veias, transformando-se em uma monstruosa criatura nem viva e nem morta.

Histórias sobre a criatura se espalharam pela população nativa e passaram a ser repetidas para os colonos brancos que a tratavam como mera superstição. Em 1664, uma sangrenta revolta eclodiu em Dakar. Durante os massacres que se seguiram, Umbassi foi atraído pelo odor de sangue até a cidade. Em meio ao caos reinante o vampiro começou a atrair seguidores que o reverenciavam. Prevendo que era o momento certo para estabelecer novamente o Culto há muito destruído, Umbassi proclamou a si próprio Chefe Feiticeiro da Língua Sangrenta.

Após a revolta, os portugueses perderam a cidade para os ingleses que se estabeleceram e proibiram o tráfico escravo. Apesar do rígido controle dos britânicos, o Culto de Ahtu continuou a crescer clandestinamente com os cultistas exercendo forte influência sobre a população nativa. Umbassi sozinho detinha o poder de vida e de morte sobre a população local e comandava uma legião de cultistas fanáticos que prosperavam com tráfico ilegal de escravos, pirataria e todo tipo de ativiadde criminosa. Os britânicos tentaram erradicar o culto mas falharam, pouco antes de partirem e ceder o território aos franceses, o Governador Colonial foi morto pelo próprio Umbassi em uma tétrica demonstração de força.

Os franceses aceitaram negociaram diretamente com Umbassi que consideravam não passar de um chefe tribal usando de superstição para controlar os nativos. O vampiro concordou em deixar Dakar e se retirou para o interior do Senegal ocupando terras na província interior de Kolda. Lá o Culto da Língua Sangrenta fincou suas raízes tornando-se a verdadeira autoridade agindo das sombras. Paralelamente Umbassi continuou controlando o tráfico de escravos e contrabando, além de fomentar revoltas tribais e disputas étnicas.

No início do século XX, Umbassi continua controlando o culto em Kolda, agora uma cidade com presença de colonos franceses. As autoridades locais sabem da existência de cultos nativos, alguns praticantes de magia negra e sacrifício, mas tendem a fazer vista grossa desde que os cultistas não importunem a população branca. Enquanto isso a população negra de Kolda vive em constante terror imposto por Umbassi e seus seguidores.

Umbassi, Sumo-Sacerdote do Culto de Ahtu, a Língua Sangrenta, idade desconhecida 900+ anos

FOR 140
CON 100
TAM 70
INT 80
POD 100
DES 90
Bônus de Dano: +1d6
PV: 17
Ataques: Mordida* 65%, dano 1d4 +db
Garra** 55%, dano 1d4 +db
Olhar *** (teste de POD x POD) o vampiro deve estar se concentrando na vítima.

* A mordida de Umbassi é extremamente dolorosa, alguém ferido dessa forma deve fazer um Teste de Constituição para não perder a rodada seguinte em virtude da dor lancinante.
** Em um teste de POD x POD, o toque do vampiro drena 1d3 pontos de magia que é transferido para o vampiro.
*** Se o teste de resistência for bem sucedido a vítima é hipnotizada e obedecerá simples instruções. Se essas instruções forem autodestrutivas ou contra a moral do personagem, ele pode fazer um teste de INT x5 para quebrar o transe.

Armadura: O corpo do vampiro recebe dano normal mas se recupera na proporção de 3 PV por rodada mesmo que seja reduzido a zero ou menos PV. Dano causado por fogo, eletricidade, magia ou armas mágicas não é regenerado.

Magias: Todas que o Guardião achar adequadas.

Habilidades Relevantes: Cthulhu Mythos 25%, Ocultismo 58%, Furtividade 50%, Rastrear 70%, Navegação 80%, Dialetos tribais 80%, Francês 15%

Poderes e Limitações como Vampiro: Necessita de Sangue Humano, Enfraquecido pela Luz do sol (POD/2 durante o dia), afetado por símbolos sagrados de crenças africanas, imune a estacas, suscetível a água corrente (1d6 pontos de dano/rodada), necessita repouso no solo, Capaz de assumir a forma de morcego vampiro, tigre, abutre, babuíno, serpente, escorpião (milhares) e chacal. Capaz de controlar predadores selvagens com o olhar.

Sanidade: 0/1d4 ao descobrir que se trata de um vampiro - 1/1d4 ao testemunhar transformação em animal.

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Quebrando Convenções - Oito ideias para adaptar Vampirismo no Horror Cósmico

 

Vampiros estão entre os monstros mais conhecidos do Horror Gótico.

Eles são protagonistas em incontáveis romances, inúmeras histórias e contos, quadrinhos, RPG, isso sem contar filmes e seriados de televisão.

Diante de tudo isso é virtualmente impossível ignorar tudo o que sabemos sobre vampiros. Todos sabem como eles surgem, todos sabem como eles se alimentam, onde eles dormem, o que os fere, quais seus poderes e qual é a melhor maneira de destruí-los.

Fazê-lo não é fácil, mas o acesso às informações já ajuda muito.

Em uma campanha basta mencionar a descoberta de um corpo cujo sangue foi drenado para que os jogadores desconfiem do culpado. Basta envolver na investigação um nobre do Leste Europeu com mãos frias e palidez para que o grupo deseje investigar seu porão em busca de um caixão. Uma coisa leva a outra e antes que o Guardião possa dizer "Nosferatu" os personagens estão armados com alho, estacas, cruzes e todo o resto.

Não é justo!

Com o intuito de mudar um pouco o panorama, que tal dar uma repaginada nas características dos vampiros e fazer deles algo diferente mais de acordo com cenários envolvendo os Mythos?

Antes de ser acusado de heresia por mexer em conceitos consagrados, deixe eu me defender dizendo que essas são tão somente sugestões. Use tudo, use uma parte ou não use nada em sua mesa de jogo.

1 - Porque mortos vivos?


Antes de mais nada que tal romper com a velha máxima de que vampiros são mortos vivos?

É até razoável entender que para o mundo antigo, vampiros fossem vistos como seres sobrenaturais, mas que tal pensar mais além? O vampirismo pode ter sido encarado como uma condição sobrenatural pelos povos da antiguidade, tão somente, pela ausência de um conhecimento científico avançado o bastante para enquadrá-lo de outra forma.

E todos sabemos que aquilo que não dispunha de explicação era tratado como obra do sobrenatural.

Hoje a ciência médica é capaz de diagnosticar e explicar doenças incomuns que no passado eram encaradas como manifestação inequívoca de demônios, espíritos e demais seres sobrenaturais. Até o século XVIII, a epilepsia era vista como uma forma de possessão demoníaca que afligia o indivíduo causando surtos incontroláveis. O mesmo valia para casos graves de esquizofrenia onde as vozes em sua mente, na falta de melhor explicação, eram atribuídas ao diabo.

Indivíduos acometidos por doenças raras como Porfíria podem muito bem ter sido associados ao Mito do Vampirismo. A Porfiria é uma doença que se caracteriza justamente pela palidez, pela sensibilidade a luz solar e pelo surgimento de lesões desfigurantes na pele. Para as mentes ignorantes e sobretudo para os supersticiosos era mais fácil recorrer ao sobrenatural e explicar aquilo como uma manifestação sobrenatural.

A ciência mudou tudo isso e hoje entendemos a porfíria como um distúrbio enzimático. E quanto ao vampirismo?

Não seria mais fácil encarar o vampirismo de um ponto de vista científico ao invés de explicá-lo como algo sobrenatural?

Talvez o vampirismo seja um distúrbio grave que ataca o sangue: um vírus ou um patógeno que altera as funções vitais e se aloja no organismo como um hospedeiro que passa a controlar as funções, reduzindo o metabolismo à atividade quase inexistente ocasionando outras características que convencionamos chamar de vampíricas. Como toda doença, ela é passível de transmissão, apresenta sintomas e pode muito bem ter uma cura.

Encarar o vampirismo como uma doença não é uma idéia nova. O clássico romance "I am Legend" de Richard Matheson (que deu origem ao recente filme com Will Smith) trata de uma epidemia que dizima a humanidade e transforma as vítimas em seres selvagens que temem a luz do sol. O livro foi escrito em 1954 e é uma visão científica do Mito do Vampirismo. Mais recentemente o cineasta Guilhermo Del Toro, co-escreveu o romance "Noturno" em que vampiros se empenham em disseminar uma doença em Nova York, doença essa que nada mais é além do vampirismo.

Para o mundo de Chamado de Cthulhu posso imaginar o vampirismo como algum tipo de doença surgida a partir de algum Grande Antigo. Possivelmente pelo já citado Yibb-Tstill entidade cujo sangue é partilhado pelos cultistas em seus rituais. O sangue negro pode ser o catalizador de uma transformação em seres humanos que passam a apresentar características semelhantes a dos lendários vampiros.

2 - De onde vem os vampiros?


A explicação clássica é que vampiros surgem quando um outro vampiro se alimenta do sangue de um humano por três vezes. Alternativamente um vampiro "nasce" quando um vampiro interessado em transformar sua vítima a alimenta com o sangue de suas próprias veias.

Uma explicação simples é que a mordida do vampiro transmite algum tipo de substância presente na saliva que em contato com a corrente sanguínea desencadeia a transformação. Essa seria uma explicação científica satisfatória, mas podemos recorrer a outras.

O vampirismo pode muito bem ser um estado atingido a partir da força de vontade férrea. Uma condição em que o indivíduo atinge um domínio sobre suas funções vitais e transcende a própria morte. Na Idade Média existia a lenda dos Ravenants (desculpe não me ocorre uma tradução adequada). Os Ravenants eram seres que retornavam dos mortos para ajustar as contas com aqueles que os haviam assassinado. Segundo a lenda esses seres eram dotados de um ódio sobrenatural que animava seus corpos e permitia que eles andassem novamente para cumprir sua vingança.

Talvez a fagulha que anima um vampiro seja esse desejo de continuar vivendo, mesmo depois da morte física.

Em uma conhecida campanha de Chamado de Cthulhu, um dos principais vilões é um terrível vampiro. Em vida ele foi um sacerdote das selvagens tribos dos Scythians que habitavam o Oeste da Rússia e o entono do Mar Negro. Em algum momento ele foi assassinado por rivais dentro da própria tribo, mas a morte não conseguiu arrefecer sua fúria e ele retornou... como um vampiro.

Eu gosto desse conceito metafísico: o ódio, as emoções, os conflitos e as paixões continuam ativos no indivíduo mesmo quando a vida o abandonou e ele retorna para continuar sua sina.

3 - O Efeito purificador da Luz do Sol


O dogma sobre vampiros diz que a luz do sol é a arma mais eficiente para destruir um vampiro de uma vez por todas. O sol consome vampiros, purificando o mundo da presença desses seres da escuridão, condenando-os a uma existência numa noite eterna.

Mas essa noção é mais recente do que se pode imaginar. Nem sempre os vampiros foram destruídos pelos raios do sol e nem sempre sua pele pálida foi incendiada quando exposta diretamente a ele.

Na verdade, nem mesmo no romance que é a quintessência do tema, Drácula de Bram Stoker, o vampiro do título é afetado pelo sol. O Conde era imune ao sol, a exposição a ele apenas limitava consideravelmente seus poderes. Drácula era até capaz de dar uma volta por Picadilly Circus durante o dia em sua visita a Londres Vitoriana.

Da mesma forma, vampiros em Call of Cthulhu não precisam necessariamente ser afetados pelo sol ou a gravidade da exposição direta não precisa acarretar em efeitos tão dramáticos. Vampiros talvez se sintam incomodados pelo sol ou por luzes fortes, mas esse incômodo não é o bastante para causar sua destruição.

Vampiros podem ser encarados como seres de hábitos noturnos, predadores que caçam apenas quando o sol se põe e que se aproveitam da escuridão em benefício próprio, mas que não são afetados por ela. Fazer com que suspeitos de vampirismo sejam vistos andando de dia é uma excelente maneira de despistar jogadores.

4 - Onde dormem os Vampiros?


Folclore Romeno institui que vampiros precisam descansar em seu solo natal. Drácula quando viaja para a Inglaterra ordena que seus servos ciganos escavem e estoquem uma enorme quantidade de terra das fundações de seu castelo na Transilvânia. A estranha carga é levada com ele para a Abadia de Carfax, local onde ele passa a residir.

Mais recentemente, vampiros passaram a dormir em caixões de madeira sempre mantidos em porões ou nas profundezas de uma masmorra.

Eu gosto do mito romeno, vampiros estabelecendo uma íntima ligação com o solo, não necessariamente com o solo natal, mas com o chão. Vampiros se enterrando para descansar e cavando sua saída quando a noite chega, evoca a lendária aura do monstro morto vivo. Posso imaginar em Chamado de Cthulhu as mãos de um vampiro saindo do solo para agarrar as canelas de um infeliz investigador que inadvertidamente pisava sobre seu local de descanso.

Fica também a questão, por que os vampiros precisam descansar, sobretudo se levarmos em conta que nem todos eles seriam afetados pela luz do sol.

Talvez vampiros precisem de um tempo de hibernação, talvez eles só se tornem ativos de tempos em tempos e passem a maior parte de sua existência ocultos sob a terra, despertando para se alimentar, espalhar o caos e depois dormir por alguns anos, décadas ou mesmo séculos.

A ideia de um monstro sobrenatural despertando de seu confinamento sob a terra para se alimentar de tempos em tempos é bastante atraente.

5 - Sede de Sangue?


Parece ser um consenso que vampiros carecem se sangue para existir. A associação do sangue com vampiros provavelmente decorre da mesma associação de sangue com a vida. Para os antigos, o sangue simbolizava a vida, portanto vampiros ao drenar o sangue drenavam a vida de suas vítimas e assim podiam perpetuar sua existência.

Mas drenar o sangue pode ser apenas uma analogia para algo muito mais sinistro.

Vampiros em Chamado de Cthulhu podem se alimentar da força vital de suas vítimas. A parapsicologia reconhece a figura dos Vampiros Psíquicos, embora o termo e a definição ainda não tenham sido plenamente aceitos cientificamente. Vampiros psíquicos são indivíduos que se alimentam da força de vontade, da motivação e da própria energia de outros indivíduos. Ele não se alimenta fisicamente, como o vampiro clássico, ao invés disso drena as energias vitais de sua vítima através de sua força vontade, esgotando a vítima a medida que se fortalece.

Na década de 30 a ocultista Dion Fortune, escreveu "Psychic Self-Defense" um tratado a respeito de vampiros psíquicos e como se defender de sua atuação. O termo "Vampirismo Psíquico" se tornou popular novamente na década de 60, quando o polêmico líder da Igreja de SatãAnton LeVey, escreveu a respeito na sua Bíblia Satânica. LeVey afirmava ser capaz de empregar sua força de vontade para drenar a energia vital de outras pessoas com o intuito de submetê-los aos seus comandos. Ele também dizia ser capaz de aniquilar uma pessoa psiquicamente e levá-la a ruína e até a morte.

Outro termo interessante é Vampiro de Energia. Segundo a teoria, energia (a força vital que possibilita a vida) pode ser transferida de uma pessoa para outra. Um vampiro de energia seria um indivíduo cuja força vital se encontra perpetuamente em desequilíbrio e que para viver precisa drenar a energia dos que estão à sua volta. O vampiro de enegia por vezes nem se dá conta de sua atuação, mas quando o faz conscientemente arruina vidas e leva suas vítimas ao desespero.

Vampiros também podem buscar outras fontes de sustento no corpo humano além de sangue.

fluído espinhal ou líquido céfaloradiquiano, por exemplo é uma substância que rege o equilíbrio neurológico do cérebro. Um vampiro poderia necessitar justamente dessa substância, utilizando uma espécie de ferrão para perfurar a base do crânio e inserir ali um tubo coletor a fim de sugar o precioso líquido. Da mesma forma vampiros podem predar o fluído estéril produzido no interior da medula óssea ou mesmo alguns tipos de hormônios.

6 - Dos Poderes e Capacidades do Vampiro


O vampiro clássico dos romances góticos possui poderes sobrenaturais e faz uso deles para atacar suas vítimas e se proteger de seus inimigos. É um oponente implacável para aqueles que ousam ficar em seu caminho.

Na Idade Média era consenso que o vampiro tinha a força de vários homens e que era capaz de suportar os mais graves ferimentos. A base para esse poder seria uma espécie de pacto demoníaco do vampiro com as forças mais negras do inferno. Um vampiro era um seguidor do demônio e como tal detentor de seus poderes.

Com o passar do tempo, vampiros foram recebendo diferentes poderes e capacidades além da já mencionada força e resistência.

Vampiros se tornaram capazes de se transformar em animais, sobretudo predadores como o lobo. O leque de opções só fez crescer e logo vampiros podiam tomar a forma de morcegos, aves de rapina, gatos, ratos e até tigres. Vampiros sempre foram associados ao lado bestial, animalesco do ser humano e portanto nada mais justo que extrapolar essa relação, tornando possível ao vampiro assumir a forma de bestas selvagens.

Não apenas tomar a forma do animal, os vampiros também podiam dominar os animais e obrigá-los a obedecer as suas ordens como seus verdadeiros mestres. Em Nosferatu, o filme de Murnau de 1928, o tétrico Conde Orlok era capaz de controlar milhares de ratos criando uma praga de roedores que assolava Bremen. Drácula por sua vez ouvia o lamurio dos lobos e se referia a eles como "crianças da noite".

Mas não apenas animais estavam sob o domínio do vampiro. Os poderes do vampiro incluíam hipnotismo e domínio de mentes mais fracas. Na maioria das vezes o vampiro usava esses poderes para quebrar a vontade de suas vítimas fazendo com que elas se sujeitassem a eles, se entregando sem resistir. Vampiros aptos a dominar pessoas até a servidão, como era o caso de Reinsfield ou dos Ciganos da Transilvânia em Drácula, também encontra lugar no mito clássico.

Vampiros em Chamado de Cthulhu podem ter uma série de poderes além dos consagrados pelo gênero gótico.

Assumir forma de névoa é um poder não tão disseminado pelo mito clássico, mas que poderia ser bastante interessante em um cenário de horror. Da mesma forma a capacidade necromântica de animar os mortos e fazer com que restos se movam e/ou obeçam ordens básicas pode ser empregado para gerar serviçais leais. Um vampiro talvez pudesse ser capaz de induzir sonhos ou pior ainda, causar pesadelos em suas vítimas, drenando assim a resistência e a própria sanidade daquele que escolheu atormentar.

Isso tudo sem mencionar a possibilidade de um vampiro se tornar um cultista e aprender magias e rituais dos mais tenebrosos.

7 - A Aparência do Vampiro


O vampiro atual apresenta uma aparência normal, podendo se misturar a população e caçar em meio a sociedade humana sem ser detectado. Um vampiro só é reconhecido como tal quando deixa à mostra suas presas, os caninos estendidos, que são usados para se alimentar.

Essa imagem moderna dos vampiros aceita até o fato de vampiros serem indivíduos sociáveis: Dotados de refinamento e charme. Os vampiros que dominaram a cultura popular contemporânea são seres sedutores que em nada remetem a sua condição de não-vida.

Mas é claro, nem sempre foi assim. Vampiros das lendas originais são tudo menos dândis sedutores, muito pelo contrário, eles eram monstros e sua aparência refletia a bestialidade de sua alma. O temor do vampiro era plenamente justificado pela sua aparência cadavérica. Vampiros no Leste Europeu eram mortos vivos no pior sentido da palavra: exalavam o fedor da sepultura, seus cabelos eram desgrenhados e assim como as unhas, cresciam mesmo após a morte, a pele pálida e fria se esticava sobre os ossos como num tambor. Os olhos assumiam uma coloração injetada de sangue, o nariz se tornava curvado como um gancho e as orelhas pontudas. Na boca, as presas caninas cresciam e se tornavam cada vez mais pontiagudas, seu hálito era quente e nauseante.

Vampiros por vezes eram associados diretamente a animais, e compartilhavam com eles características comuns, como era o caso dos vampiros que segundo o mito se transformavam em lobos. Enquanto humanos esses indivíduos tinham cabelo corporal em profusão, sobrancelhas unidas e olhos que faiscavam à luz da noite.

O exemplo mais clássico de vampiro com características animais é sem dúvida o repulsivo Conde Orlock de Nosferatu. Sua aparência remete a de um enorme rato, igual aqueles que ele comanda a infestar Bremen. Mesmo as presas de Orlok não são dentes caninos, mas a semelhança dos roedores se projetam do meio da boca.

Para vampiros envolvidos com os Mythos, ou que deles se alimentam, nada mais justo que apresentarem características medonhamente inumanas. Um vampiro que se alimenta do sangue de carniçais poderia ter o focinho destas criaturas e pés em forma de cascos fendidos. Outro que preda constantemente de híbridos dos abissais se torna pouco a pouco uma aberração, semelhante aos monstruosos peixes das profundezas.

Mais tenebroso ainda é imaginar as transformações às quais estariam sujeitos os vampiros que se alimentam do sangue dos antigos.

Nada impede é claro que vampiros tenham uma aparência humana convencional, mas me parece bastante interessante fazer com que eles possam se tornar monstros quando seus instintos vem a tona, espalhando terror e insanidade por onde passam.

8 - Caçando (e destruíndo) Vampiros


Caçar e erradicar vampiros talvez sejam as tarefas mais perigosas de que se tem notícia.

Vampiros são criaturas maliciosas e cheias de astúcia que colocam sua sobrevivência acima de tudo. Eles levam vidas secretas e discretas, saíndo apenas raramente de seu confinamento a fim de não chamar a atenção.

Nos velhos tempos, contudo, vampiros eram seres errantes, que vagavam pelos vilarejos da Europa rural em busca de vítimas em regiões isoladas. Suas vítimas eram atacadas com rapidez, o monstro se alimentava, dormia e partia para o próximo vilarejo, deixando para traz apenas cadáveres e rumores. Em uma época de superstição, vampiros eram um perigo constante. Qualquer perturbação no status quo, podia ser atribuída a ação de um desses monstros sanguinários. E isso obrigava as pessoas a pegar em armas e dar início a caçada ou ainda contratar quem o fizesse.

Caçar vampiros era um ofício na Europa Medieval e erradicar o mal se converteu em uma cruzada abraçada com igual empenho por mártires e oportunistas.

Diz a tradição que vampiros podem ser afetados por vários itens especiais. Estacas guiadas através do coração, alho, cruzes e outros símbolos sagrados, espelhos, água corrente, prata... o que não falta, é munição no arsenal do caçador de vampiros. Mas até que ponto essas coisas são realmente mortais para o vampiro?

Estacas já se mostraram ineficazes contra vampiros realmente antigos que simplesmente às arrancam do peito. Não é algo simples atravessar um coração de lado a lado com um pedaço de madeira, é necessário ter algum conhecimento de anatomia e experiência. E convenhamos não se aprende a empalar pessoas com estacas em qualquer lugar. Prata segundo as lendas é um metal que fere os vampiros, contudo se a prata não for pura, o vampiro sentirá apenas um incômodo. Símbolos sagrados também podem ser empregados para afastar os vampiros, mas eles são úteis apenas se aqueles que o portam tem fé naquilo que representam, uma pitada de dúvida e tudo estará perdido.

Como se pode ver, embora o estoque de armas seja grande, nem todas elas são à prova de falhas.

Além das dificuldades inerentes de matar um vampiro, existe ainda o problema que eles não estão dispostos a se render sem luta. Caçar um vampiro é uma missão perigosa da qual nem todos os caçadores retornam ilesos.

Talvez a arma mais confiável para enfrentar um vampiro sejam magias e rituais ancestrais. Perder algumas horas para pesquisar em bibliotecas ou nos registros de uma Igreja pode ser a diferença entre o sucesso na empreitada... ou a morte! O conhecimento e a sabedoria do passado não raramente se apresentam como um recurso essencial para vencer essas criaturas. Uma peça de informação contida em um antigo livro ou escrita pelas mãos trêmulas de uma testemunha num pergaminho pode ser mais valiosa que uma afiada estaca de carvalho ou mesmo um lança chamas.

Se vampiros estiverem de alguma forma associados aos poderes dos Mythos, a batalha se torna ainda mais épica. Um vampiro em conluio com os Mythos ancestrais desenvolve características e imunidades que o diferenciam do restante de sua raça e o tornam ainda mais letal.

Em todo o caso lembre que uma coisa nunca muda: vampiros são cruéis e ardilosos. Enfrentá-los deve ser uma experiência assustadora e destruí-los é um feito apenas para os maiores heróis.