domingo, 18 de maio de 2025

Dicionário dos Mythos de Cthulhu - Letra D de Devil´s Reef

 

DEVIL´S REEF

No litoral da Nova Inglaterra, mais especificamente na costa da Baia de Innsmouth ergue-se uma estrutura natural de coral que se estende de forma longitudinal. Devil´s Reef (Coral do Diabo) pode ser visto do porto da cidade de Innsmouth quando a maré está baixa, surgindo como um relevo irregular rompendo a linha da água. 

O Capitão britânico John Smith, que desembarcou no Coral enquanto realizava a exploração de mapeamento da Costa de Massachusetts, deu a ele seu nome agourento. Ele marcou em seu mapa a posição do Coral anotando que "a estrutura sólida de cor carmesim surgia repentinamente como um tumor" na água. Ainda segundo a anotação, dois botes desceram e homens firmaram pés no coral para fazer uma exploração preliminar. Ele retornou posteriormente e definiu que o coral localizado em 42 graus, 44 Norte e 71 Oeste, media aproximadamente 7.6 quilômetros de comprimento por 3.4 quilômetros de largura. Não encontrando nenhum detalhe relevante sobre o coral, exceto a presença de cardumes de robalos negros, Smith não deu grande atenção ao lugar.

Por volta do século XIX, Devil´s Reef foi visitado repetidas vezes pelo Capitão Obed Marsh, que segundo os habitantes locais estaria procurando por tesouros escondidos nas cavernas pontilhando o coral. Lendas sobre tesouros ocultos sempre abundaram na região, bem como o avistamento de estranhos animais e supostas serpentes marinhas. Muitos consideram que as histórias foram criadas para afastar marinheiros supersticiosos longe, contudo muitas dessas lendas estavam presentes nos mitos das tribos abenaki que viviam na costa da Nova Inglaterra, Segundo suas tradições, o Coral era temido e evitado pelos nativos por ser habitado por espíritos aquáticos malignos.

Algumas histórias em Innsmouth davam conta de que os Marsh haviam encontrado numa gruta um tesouro pertencente ao corsário George Lowther, ou mesmo do infame mau feitor, o Capitão William Kidd. Essa seria a origem da misteriosa fortuna em ouro e pérolas dos Marsh. Seja como for, a grande quantidade de cavernas e grutas reveladas na maré baixa que atiça a imaginação das pessoas pois de fato constituem perfeitos esconderijos naturais.

A verdade é tenebrosa, uma vez que o intuito de Marsh ao explorar Devil´s Reef era muito mais sinistro. Foi ali que ele travou os primeiros encontros com a raça submarina dos Abissais que ele conhecia através de lendas ouvidas na Polinésia. Marsh descobriu que esses seres batráquios viviam em uma cidade abismal na costa chamada Y'ha-nthlei há incontáveis séculos. Com base nesse contato amistoso, Marsh firmou um pacto com as criaturas que lhe rendeu grande fortuna resgatada de embarcações naufragadas. Em contrapartida, ele aceitou oferecer sacrifícios e criar um tabernáculo em homenagem aos deuses dos abissais, em especial Pai Dagon, Mãe Hidra e o Grande Cthulhu. A Ordem Esotérica de Dagon foi fundada em Innsmouth sob o disfarce de ser uma Fraternidade de Marinheiros, mas na verdade era um culto devotado a esses Deuses nefastos. Durante o período de maior atividade da Ordem de Dagon, Devil´s Reef foi usado inúmeras vezes como palco para importantes rituais. É provável que vítimas capturadas tenham sido levadas até Devil´s Reef e entregues aos abissais, sacrificadas ou pior. A seita perdurou até 1928 quando foi desbaratada pelo Governo Federal.

As muitas lendas sobre Devil´s Reef mantiveram pescadores longe do coral mesmo depois do Assalto Anfíbio a Innsmouth. Depois disso a Marinha norte-americana criou um perímetro de isolamento de três milhas náuticas ao redor do coral, impondo severas multas a embarcações que ignorassem essa proibição. Expedições militares a Devil´s Reff, conduzidas pela marinha, resultaram na descoberta de itens valiosos e artefatos mágicos nas cavernas de coral. Barcos da Guarda Costeira costumam realizar patrulhas regulares no entorno do coral, tendo ordens de reportar qualquer atividade estranha percebida na área.

Mais recentemente mapas passaram a chamar a estrutura natural de Coral de Allen ao invés de Coral do Diabo como uma forma de dissociar o local de sua história diabólica.

Uma vista de Devil's Reef em maré alta quando boa parte da ilha está coberta

Fotografia de 1929, feita pela Marinha, mostrando Devil's Reef

O Coral é local de reprodução de várias espécies marinhas e suas praias intocadas são habitat de crustáceos e aves nativas da Nova Inglaterra.

Os Abissais usavam o Coral há séculos e as tribos mantinham distancia dele

Uma tela de Joshua Kiernan encontrada na Ordem Esotérica de Dagon mostra abissais e híbridos vagando pela costa tendo o Devil's Reef ao fundo.

Bônus:

Joshua Kiernan  

Obscuro artista nascido no final do século XIX em Conecut Port, Providence. Kiernan se notabilizou pelas pinturas à óleo de paisagens marinhas, em especial da Costa da Nova Inglaterra. Ele teria vagado pelos arredores de Massachusetts onde se encantou pelas belas paisagens litorâneas que se tornaram o foco principal de sua obra.

Em 1905, Kiernan teria visitado Innsmouth à convite da Família Marsh que comissionou a criação de telas retratando a região. Posteriormente, Kiernan foi contratado para pintar um mural no interior da Ordem Esotérica de Dagon mostrando entre outras coisas uma cena de louvor na qual figuravam os abissais, Pai Dagon e o Grande Cthulhu. O mural nunca foi concluído por ocasião do Assalto à Innsmouth de 1928.

Há boatos de que embora o artista tenha sido à princípio mantido refém em Innsmouth, posteriormente ele acabou aceitando viver no povoado se tornando habitante dele. Rumores também atestam que ele teria se unido a Ordem Esotérica após a revelação de que ele possuía sangue híbrido em suas veias. Com o tempo ele teria iniciado o processo de metamorfose em um abissal. Kiernan desapareceu após a operação federal e seu paradeiro é desconhecido.

Telas assinadas por Joshua Kiernan foram recuperadas na Sede da Ordem Esotérica de Dagon e se encontram hoje em poder da Marinha. Supostamente uma delas adorna as paredes do escritório do Diretor da Agência Delta Green.

A Nau dos Infortúnios (c. 1911), obra de Joshua Kiernan 

terça-feira, 13 de maio de 2025

A Morte como Entretenimento - O sinistro necrotério de Paris e seus macabros visitantes


Ao longo do século XIX, o necrotério da cidade Paris atraiu milhares de visitantes. Eram turistas ansiosos, consumidos por um fascínio mórbido pela morte que visitavam o lugar para satisfazer sua curiosidade macabra. Os grupos se acotovelavam nos corredores, entravam nas salas de necropsia e espiavam através de vidros. Quanto mais bizarras as circunstâncias da morte, mais as pessoas se interessavam. Cadáveres afogados pescados do Rio Sena, queimados em incêndios ou vítimas das ruas violentas de Paris eram os que atraiam mais a atenção. Ir até o necrotério era um passatempo tão popular quanto frequentar o teatro 

A função oficial do necrotério era fazer a identificação dos corpos, mas alguns seguiam para o instituto médico legal com o intuito de auxiliar a investigação policial e elucidação de crimes. A perícia médica estava dando os seus primeiros passos e era praticamente incipiente de modo que o Necrotério era tão somente um lugar para armazenar os defuntos. 

E como bom depósito de mortos, o lugar ganhou infame popularidade. As pessoas iam até lá para se chocar e experimentar emoções fortes. Os Parisienses tinham um apetite voraz para o sensacionalismo e morbidez, consumindo jornais que cobriam crimes em busca de notícias bombásticas. De fato, alguns tabloides forneciam inclusive o local em que os cadáveres seriam colocados e os horários para visitas.

Ao ler sobre um determinado crime, de preferência um especialmente sangrento, as pessoas iam ao necrotério para ter uma visão da vítima. Para nós, hoje em dia, pode parecer absurdo, mas esse era um programa familiar e uma concorrida atividade social. Gente de todas as classes sociais, idade e sexos se misturavam. Nem mesmo crianças eram poupadas do ritual medonho. 

O romancista francês do século XIX, Émile Zola, era uma das pessoas cientes do interesse popular das pessoas normais quanto ao necrotério. Ele escreveu:

"O necrotério é um espetáculo ao alcance de todos, e um deleite para os transeuntes, ricos e pobres. A porta está aberta e todos têm liberdade para entrar. Há admiradores da cena que se esforçam para não perder uma dessas performances de morte. Se as lajes não têm nada sobre elas, os visitantes saem do prédio decepcionados, sentindo-se como se tivessem sido enganados e murmurando entre dentes; mas quando estão razoavelmente ocupados, as pessoas se aglomeram diante deles e se entregam a emoções baratas; expressam horror, brincam, aplaudem ou assobiam, como no teatro, e se retiram satisfeitas, declarando o necrotério um sucesso naquele dia específico.

Os corpos geralmente eram exibidos atrás de uma janela de vidro, colocados sobre lajes de mármore inclinadas. Eles eram despidos apenas com uma tanga para proteger seu pudor. As roupas reais eram penduradas acima deles para ajudar na identificação. Água fria pingava de um cano acima de suas cabeças para retardar a decomposição. Não havia, obviamente, refrigeração. O corpo resistia assim por até três dias, após os quais era removido e, dependendo da demanda, substituído por um molde de cera ou uma fotografia.

O necrotério principal de Paris ficava localizado no porão escuro e úmido da prisão de Grand Châtelet, de onde foi transferido em 1804 para um prédio próprio no Quai du Marche, na esquina da Pont St Michel, perto do Rio Sena. Esse prédio tinha uma câmara de dissecação, uma sala de lavagem, uma sala para cadáveres identificados, uma câmara de armazenamento de corpos e a importantíssima sala de velório, que podia exibir até dez cadáveres por vez. Durante a reconstrução de Paris pelo Barão George Haussmann, o necrotério foi transferido novamente em 1864 para um prédio novo e mais espaçoso atrás da Catedral de Notre Dame. O necrotério tornou-se mais extravagante e ainda mais acessível ao público. Uma cortina foi instalada sobre a janela de vidro, que se fechava quando os corpos eram trocados, como se fecham as cortinas de um palco de teatro.

Maxime Du Camp, o escritor e fotógrafo francês, trabalhou no início de sua carreira como fotógrafo do Necrotério de Paris. Sua função era preparar os cadáveres, colocá-los em posições naturais e fotografá-los para que algum parente pudesse reconhecê-los posteriormente, se ninguém o tivesse reconhecido previamente. Ele observou divertindo-se com a situação: 

"As pessoas vem e vão pelas portas do prédio escuro. Grupos de senhoras, comerciantes ocupados, visitantes de outras cidades. Mas o que me diverte são as crianças. Elas vão lá como se fossem a uma representação teatral, chamam os cadáveres expostos de artistas; e se a sala de exposição estiver vazia, dizem: O teatro está temporariamente fechado. Que pena!"

Era comum que verdadeiras multidões se reunissem às portas do necrotério esperando uma exibição depois de ler sobre um crime no jornal. Em 1848, a morte de uma mulher grávida de 8 meses, assassinada pelos seu marido ganhou filas que dobravam a esquina. Em outra oportunidade, o cadáver de um anão, que fazia parte de um show circense, morto num acidente de picadeiro, atraiu enorme leva de curiosos. Quanto mais incomum o personagem exposto, maior o interesse das pessoas.

Um jornalista do Le Petit Journal relatou certa vez:

"Esta manhã, a multidão esperava do lado de fora do necrotério. Quando um empregado disse que não haviam cadáveres para mostrar, as pessoas vaiaram e jogaram coisas no pobre homem. Alguns gritaram: "Arranje algum!", muitos riram, outros tantos chegaram a pedir que outros corpos já identificados fossem expostos novamente para sua diversão".

Morgue de Paris

Incentivada por guias turísticos e atraída pelas fofocas locais, uma visita ao necrotério, apelidado de Le Musée de la Mort (O Museu da Morte), logo se tornou uma atração imperdível para quem visitava Paris. Há relatos de pessoas que vinham de longe para conhecer a inusitada atração. Há inclusive o relato de um visitante alemão que após visitar o lugar por sete dias consecutivos escreveu uma carta ao prefeito de Mainz pedindo que algo semelhante fosse feito por lá. 

Em seu livro "Um Inocente no Exterior" (1869), o novelista norte-americano Mark Twain escreveu sobre sua visita ao necrotério público de Paris. Depois de descrever o necrotério e as exibições macabras, ele voltou sua atenção para os outros visitantes:

"Homens e mulheres chegaram, e alguns olharam ansiosamente para dentro e pressionaram o rosto contra as grades; outros olharam descuidadamente para o corpo e se viraram com um olhar de decepção — pessoas, pensei, que viviam de fortes emoções e que frequentavam as exibições do necrotério regularmente, assim como outras pessoas vão ver espetáculos teatrais todas as noites. Quando um deles entrou e foi embora, não pude deixar de pensar: Agora, isso não lhe traz nenhuma satisfação — uma festa com alguém cuja cabeça foi decepada é do que ele precisa."

Como seria de se esperar, o necrotério estava aberto sete dias por semana, praticamente o dia inteiro. Ganhar admissão não era difícil, já que havia o desejo de encontrar parentes do cadáver e entregá-lo a estes, para ganhar espaço. Espaço físico aliás era uma preocupação no Necrotério e os cadáveres tinham a tendência a cheirar mal depois de alguns dias. O prazo estabelecido para remover os corpos era de 3 dias, se ninguém reclamasse o morto, ele saía de exposição. Com sorte ganharia uma máscara mortuária ou uma fotografia póstuma que ficaria em exposição no anexo, fincada em uma parede de cortiça. Dezenas destas adornavam o lugar, ao menos até serem roubadas pelos curiosos que desejavam um souvenir.  Os infelizes não identificados eram enviados para o cemitério público e sepultados sob uma lápide comunitária onde se lia "desconhecido". Ali ficavam por 8 meses até os ossos serem mandados para os túneis sob a cidade.

Em face disso, os funcionários achavam que as longas filas eram um mal necessário para a identificação positiva. 

Haviam vários casos notáveis. Em 1876, o corpo decepado de uma mulher foi içado do Sena, aparentemente assassinada pelo amante. A descoberta causou sensação na mídia e, nos dias seguintes, entre 300.000 e 400.000 pessoas lotaram o necrotério para ver seus restos mortais. O corpo ficava deitado e ao seu lado a cabeça repousava ao lado sobre uma mesinha redonda. Em outra ocasião, a morte acidental de uma menina de 4 anos atraiu uma multidão de mais de 150.000 pessoas. Para adicionar drama à tragédia, o necrotério colocou o cadáver da criança em uma cadeira, em vez de deitá-la sobre o mármore frio e duro. Às vezes, os próprios cadáveres, ou as circunstâncias que cercaram sua morte, eram tão intrigantes que não eram necessários enfeites para capturar a imaginação das pessoas. Foi o caso de Inconnue de la Seine — a mulher desconhecida do Sena.

Na década de 1880, o corpo de uma linda jovem foi resgatado do Rio Sena. Como não havia evidências de violência contra ela, presumiu-se que ela havia tirado a própria vida. A mulher ostentava um sorriso de "Mona Lisa", e o patologista de plantão ficou tão fascinado por sua beleza que mandou fazer um molde de gesso de seu rosto. Em pouco tempo, cópias do molde da desconhecida começou a aparecer em lojas por toda Paris. Nos anos seguintes, cópias da máscara tornaram-se um item obrigatório em todas as casas boêmias da moda por toda a Europa. Os visitantes brindavam em sua homenagem. O sorriso enigmático da máscara enfeitiçou artistas, poetas e romancistas, e ao longo das décadas dezenas de poemas foram escritos e histórias inventadas para dar à jovem uma identidade. Essa máscara mortuária acabou se tornando o rosto de um manequim que até os dias atuais é usado para treinar estudantes de medicina e paramédicos em todo o mundo.

Para muitos de nós, o voyeurismo e a obsessão pela morte podem parecer uma emoção barata, comparável ao fascínio da Grã-Bretanha vitoriana pela execução pública que igualmente atraia milhares de pessoas. Neste caso, entretanto, a vítima, e não os perpetradores do crime, é quem estavam em exibição. Apesar de ser algo condenável aos nossos olhos, a percepção do período era outra. Os parisienses viam o necrotério como uma instituição cívica com um propósito, e os espectadores como indivíduos preocupados, movidos por empatia e um forte senso moral.

Para alguns visitantes era importante prestar homenagem ao morto, pagar coroas de flores e acender velas na fachada do prédio. Os cadáveres "mais populares" ganhavam favores especiais, podiam ter as custas do funeral pagas por beneméritos ou então receber uma lápide mais bonita ou mesmo a estátua de um querubim chorando sob a sepultura.  

Na virada do século XX, algumas pessoas começaram a questionar a moralidade dessas exibições apontando o caráter vulgar do que acontecia. Após uma campanha pública contra tais exibições e a mudança gradual de atitudes públicas em relação à exibição de cadáveres, preocupações com a higiene e a disseminação de doenças, o Necrotério de Paris fechou suas portas ao público em 1907. Houve, é claro, protestos dos mais devotos da atividade, tanto que fotografias clandestinas dos cadáveres alimentou um mercado negro de imagens lúgubres até mais ou menos a metade dos anos 1920.

O fascínio pelo incomum, pelo estranho e pelo mórbido sempre atraiu as pessoas ao longo da história. O interesse macabro pelo Necrotério de Paris é apenas uma amostra disso.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Dicionário do Cthulhu Mythos - C de "Confissões do Monge Louco Clithanus"

 

CONFISSÕES DO MONGE LOUCO CLITHANUS

Nome dado a um extenso tomo originalmente sem título escrito por volta do ano 400, pelo Monge britânico Clithanus.

Alegadamente Clithanus foi um estudioso de grego clássico incumbido de catalogar o acervo de uma modesta biblioteca no Monastério de Lynwold. Entre as obras presentes no acervo ele descobriu um volume carcomido do blasfemo Necronomicon em grego. Clithanus leu e traduziu várias passagens do tomo contendo informações para libertar um "abominável seguidor do Grande Cthulhu" aprisionado sob um complexo de túneis abaixo do monastério na costa noroeste da Inglaterra.

Depois de perceber o horror que havia libertado no mundo, Clithanus se arrependeu amargamente de seus atos e tentou o suicídio se lançando ao mar. Ele sobreviveu, acordando numa praia deserta, acreditando ter sido poupado por milagre. Clithanus partiu em busca de Santo Agostinho, Bispo de Hippo almejando uma maneira de reverter seus maus feitos. As circunstâncias de seu encontro com o Bispo são desconhecidas, mas supostamente ele conseguiu encontrá-lo no norte da África. Agostinho teria utilizado um símbolo em forma de estrela de cinco pontas para banir a criatura de volta para a prisão alagada de onde havia sido liberado. 

Pesquisadores acreditam que a criatura citada seria uma Cria de Cthulhu de considerável poder que habitava as ruínas de um posto avançado Xothiano no Mar do Norte. A ilha submergiu na mesma época em que R'Lyeh desceu às profundezas aprisionando seu habitante único. 

Após o notável feito de banir a criatura, Santo Agostinho enviou Clithanus para Roma com uma carta ao Papa Inocêncio I relatando o ocorrido. O Santo Padre, reconheceu o feito e ordenou que o Monge Clithanus fosse aprisionado já que dava sinais inequívocos de desequilíbrio mental.

As Confissões de Clithanus foram escritas no período de 21 anos em que o monge foi prisioneiro nas Masmorras do Vaticano. Segundo rumores, quando o Papa Inocêncio morreu, a prisão foi esvaziada e Clithanus, que havia se tornado um leproso, foi posto em liberdade. Ele planejava retornar para as Ilhas Britânicas, mas não conseguiu sequer deixar a Itália, morrendo durante sua jornada. Não se sabe a quem coube preservar as Confissões de Clithanus, a essa altura chamado de "Monge Louco", mas é fato que seus escritos sobreviveram a passagem dos séculos reemergindo no século XV.

O documento foi traduzido para o Latim e publicada em Milão no ano de 1675. Algumas poucas cópias impressas chegaram a mosteiros beneditinos que cuidaram do texto e o trataram com uma narrativa redentora. Alas da Igreja censuraram duramente o volume e realizara uma busca de destruição da maioria das cópias, excomungando qualquer indivíduo com um desses livros. Tendo em mente esse expurgo, é compreensível a raridade do título. 

Algumas poucas cópias sobreviveram à sistemática destruição empreendida pela Censura Eclesiástica. Uma cópia se encontra atualmente no Museu Britânico, outra no Museu Field de Chicago e uma terceira na Biblioteca do Seminário Union da cidade de Nova York. É possível que outras cópias tenham sobrevivido em coleções particulares ou versões apócrifas.

As Confissões do Monge Louco Clithanus oferece em suas páginas uma fórmula cabalística que permite invocar as Crias de Cthulhu. Um feitiço reverso serve para banir essas criaturas e aprisioná-las usando o mesmo método empregado por Santo Agostinho. A runa arcana necessária nesse ritual de banimento não é outra senão o infame Símbolo Ancestral e o livro explica como criá-lo e consagrá-lo. O livro também se refere às famosas Pedras Estelares de Mnar.

Entre os devaneios escritos por Clithanus encontram-se menções ao tempo em que  Grande Cthulhu e sua prole vagavam livremente pelo planeta e empreendiam guerras contra os Fungos de Yuggoth e a Raça Ancestral. Esse conhecimento foi obtido por Clithanus através de visões apocalípticas obtidas através de um transe. O Monge Louco menciona que muitos cultos se formaram entre povos primitivos que aguardam ansiosamente o triunfante retorno do Grande Cthulhu num evento marcado por um Alinhamento de Estrelas. Supostamente trechos cifrados e cálculos complexos anotados no livro afirmam que R'Lyeh iria emergir das profundezas no ano de 1928 marcando o fim da humanidade.

O Confissões de Clithanus é um livro raro e difícil de ser obtido.

Pouco se sabe a respeito do Monge Clithanus e de sua biografia. A figura é tao obscura que sua propria existencia é contestada.

Algumas ilustrações marcam as páginas do Tomo de Clithanus 

A edição do Museu Britânico foi obtida em meados de 1880 e é uma das mais completas.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Aqui há Monstros: Resenha completa do Malleus Monstrorum para Chamado de Cthulhu


Amamos e precisamos do conceito de monstruosidade porque é 
uma reafirmação da ordem que todos almejamos como seres humanos... 
e permitam-me ainda sugerir que não é a aberração
 física ou mental em si que nos horroriza, 
mas sim a falta de ordem que essas aberrações parecem implicar...

Stephen King 
Dança Macabra

Com impressionantes 480 páginas ciclópicas, divididas em dois volumes — à saber, Vol. 1, Monstros do Muthos, e Vol. 2, Divindades do Mythos — a segunda edição do Malleus Monstrorum, da Editora Chaosium, é um banquete colorido para os olhos e um compêndio contendo os seres, monstros e divindades lovecraftianas adaptadas para a sétima edição do RPG Chamado de Cthulhu. Ao contrário de muitos livros desse tipo, o Malleus não é apenas um livro de referência para os Guardiões (Narradores de CdC). Por razões que exploraremos a seguir, este é um livro que todos os jogadores podem ler e desfrutar.

Esse é um livro extenso, assunto não falta, para essa resenha não se tornar muito grande e cansativa decidi me concentrar nos temas centrais dos dois volumes. Irei abordar os detalhes essenciais e os tópicos que compõem o livro sem dedicar muito tempo a esse ou aquele monstro especificamente. Me parece mais produtivo falar do livro de forma mais geral, sem me deter à respeito de criaturas específicas. Além disso, vou traçar um paralelo entre essa edição e a anterior, apontando as diferenças principais. 

Então, sirva-se de um bom conhaque, puxe uma cadeira perto da lareira e vamos examinar juntos este tomo blasfemo de conhecimento arcano.
UM POUCO DE HISTÓRIA

Talvez o primeiro e verdadeiro Manual de Monstros tenha surgido nas sombras do final do século XV na Europa deixando a Era Medieval. Para deixar claro, não estamos falando aqui dos famosos "bestiários" ou "bestiarum vocabulum" que são muito mais antigos, remontando aos tempos de Aristóteles. Estes eram catálogos de animais, criaturas e toda sorte de "seres fantásticos". O Manual de que estamos falando se difere pois oferece instruções detalhadas à respeito da arte de descobrir, reconhecer, expor, rastrear e por fim exterminar monstros. 

A dúbia honra de criar esse tipo de livro, caro leitor, provavelmente repousa num indivíduo infame da história mundial, o clérigo católico Heinrich Kramer. Antes de abordarmos Kramer, vamos nos deter um pouco na palavra "monstro". A palavra vem do latim monstrum, que indica um horror indescritível. Monstrum alude a uma deformidade ou característica malformada, grotesca, fora do normal, além do tolerado e do aceito. O termo nos torna conscientes do grau de pavor que esses seres invocam com a sua mera existência.
 
Para Heinrich Kramer, o maior dos monstrum era a bruxa, que ele apontava como aliada do Diabo e portanto inimiga de Deus. Em 1487, esse sujeito escreveu o primeiro grande manual sobre monstros, o Malleus Maleficarum. Embora este volume de devaneios febris e divagações misóginas não tenha dado início aos julgamentos de bruxas, o Malleus com certeza acelerou as coisas. "O Martelo das Feiticeiras" se assemelha a um romance de terror moderno e, como uma típica obra desse gênero, procura explorar os medos mais profundos do leitor. Kramer reuniu em sua obra todos os elementos que poderiam chocar e deixar as pessoas aterrorizadas, isso antes de oferecer uma reviravolta: ele fornecia métodos de lidar com esse horror permitindo ao leitor devidamente informado reagir e dar cabo das bruxas.

Não é por acaso que o livro tem o título "Martelo". A função dele era literalmente martelar o mal, condená-lo e expurgá-lo de uma vez por todas. À despeito desse livro pérfido ter sido utilizado para disseminar injustiças e condenar inocentes, ele foi um inesperado sucesso. Tornou-se o livro de referência dos Inquisidores, de juízes e de caçadores que utilizaram seu conteúdo para seus fins diabólicos.

Quando o Malleus Malleficarum enfim foi aposentado como um documento arcaico, ele já havia produzido imensurável sofrimento. Talvez isso se deva ao fato do livro ser tão convincente em seus propósitos medonhos.   

Cinco séculos se passaram e quando o autor Scott David Aniolowski decidiu escrever um compêndio descrevendo os maiores horrores dos Mythos de Cthulhu para o RPG Chamado de Cthulhu, o título "Malleus Monstrorum", serviu como uma luva.
 
O título "Martelo das Monstruosidades" descreve muito bem o papel que os monstros desempenham nos RPGs em geral. Os monstros são os pregos salientes, e é tarefa dos personagens ​​martelá-los. Essa é uma tradição desde os primeiros tempos de nosso amado hobby. Oferecer monstros e criaturas, antagonistas e desafios para serem enfrentados e (com sorte) derrotados. Embora quando se trata de martelar monstros em Chamado de Cthulhu, a coisa envolva muito mais loucura, sofrimento e horror do que na maioria dos outros RPG, ele ainda se resume a personagens encontrando, enfrentando e ​​livrando o mundo de monstros.

Esse é portanto um livro para os Investigadores conhecerem seu inimigo e poderem enfrentá-lo.

 

UMA QUESTÃO DE MONSTROS E COMO DESCREVÊ-LOS

Cabe saber que esta não é a primeira versão do Malleus Monstruorum. 

De fato, já houve uma edição anterior do Livro de Monstros de Chamado de Cthulhu, um compêndio que listava os Horrores do Mythos e que tinha o mesmo título. Parte de seu charme residia na direção de arte e nas ilustrações que afastando-se das abordagens usuais, mostrava impressões das criaturas capturadas em xilogravuras, esculturas, pôsteres de época, etc. O livro jamais mostrava os monstros, mas sim as impressões que as pessoas tinham sobre eles. Isso é "bom Lovecraft", pois o autor entendia perfeitamente que o mistério e estranheza são essenciais para construir o medo. A segunda edição, busca acentuar esse mesmo princípio: revelar e ocultar ao mesmo tempo. 

O primeiro capítulo do Volume 1 oferece ferramentas ao Guardião sobre como descrever os monstros de uma forma que o elemento desconhecido seja preservado a todo momento. O ponto central é fornecer elementos para que se possa descrever as criaturas indo além do aspecto visual. Recorrer aos demais sentidos é uma excelente sacada: qual o cheiro que emana de um monstro? Qual a textura de sua pele? Quais os sons e ruídos que ele produz? Até mesmo qual o gosto que se sente ao chegar perto o bastante dele? Tudo isso ajuda a construir uma descrição que vai muito além de mostrar uma imagem do monstro e dizer "essa é a criatura que vocês encontram".  

Lovecraft levou o monstruoso a um novo patamar. No Mythos, o monstro não é tanto uma aberração assustadora, mas a evidência de que nosso próprio conceito de Ordem Racional é falso. O homem não é capaz de suportar esses conceitos e sua mente não foi feita para entender a amplitude disso. Por isso o contato com esses seres resulta em insanidade. Para mim, essa é uma das melhores explicações de porque os personagens enlouquecem em Chamado de Cthulhu 

O Malleus Monstrorum está muito ciente disso, e essa consciência está presente em todas as páginas.

 

CATEGORIZANDO  MYTHOS DE CTHULHU

Se o primeiro volume trata de descrever os monstros, o segundo se concentrar em catalogar os Deuses em categorias específicas.

O primeiro capítulo do Volume 2 explica a separação entre as diferentes divindades e sua posição na complexa hierarquia do Mythos. Temos portanto os Deuses Exteriores no topo dessa pirâmide, seguidos pelos Grandes Antigos e Deuses Ancestrais, Deuses Menores, as Entidades Únicas e é claro, os Avatares.

O livro faz um bom trabalho explicando a cosmologia e como esses seres de incomensurável poder se manifestam e são compreendidos pela humanidade, além do papel dos cultos que oferecem a eles sua devoção. Estabelecer os estranhos vínculos que unem simples mortais e Divindades é uma tarefa complexa, mas tudo é feito à contento.

O material é compreensivo, bem escrito e nunca monótono, ainda que tenha menos uso prático na comparação com o primeiro capítulo do outro volume. 

Ambos os livros oferecem um guia de referência passo a passo para construção de seres dos Mythos - Projetando os Mythos. De raças menores serviçais até mesmo Deuses Exteriores, o guia permite construir os conceitos e definir parâmetros para a criação dos seus próprios seres. É interessante essa liberdade criativa, algo bem no esquema do Círculo Lovecraftiano que era um grupo aberto a todos que quisessem participar e dar sua contribuição.


MONSTROS PARA TODOS OS LADOS

É inegável, contudo, que a parte mais importante e aquela que chama mais a atenção dos leitores é a dedicada a individualizar os monstros. Nada como encontrar suas criaturas favoritas e conhecer detalhes saborosos a respeito deles.

Cada volume oferece uma listagem extensa de criaturas, o primeiro se concentrando nas raças e espécies menores, enquanto o segundo tratando exclusivamente das Divindades mais poderosas.

Praticamente TODAS as criaturas principais que compõem os Mythos de Cthulhu são analisadas, o que inclui criaturas já visitadas no Livro Básico e em suplementos. Mas ao invés de uma simples repetição, essas criaturas recebem uma cobertura maior e são esmiuçadas em detalhes. Os seres mais importantes possuem 3 ou 4 páginas de texto, mas em média, cada entrada tem ao menos uma página de extensão. É interessante encontrar criaturas obscuras ou pouco conhecidas, além de monstros que foram criados especificamente para alguma aventura ou suplemento do RPG. Isso expande consideravelmente o leque de possíveis adversários em Chamado de Cthulhu e fornece um surtimento gigante de inimigos. 

As entradas dispostas em ordem alfabética seguem sempre a mesma estrutura com um pequeno texto - geralmente extraído do conto onde a criatura apareceu pela primeira vez, seguido de uma lista de nomes alternativos pelo qual ela é conhecida, detalhes gerais a respeito de cada ser, como operam os cultos devotos a ela e como se dá a manifestação de tais seres quando trazidos para nossa realidade. O trabalho de pesquisa é impecável, os autores se esmeram na tarefa de buscar criaturas pouco conhecidas e adaptá-las ao jogo dentro das regras da sétima edição. Achei esse trabalho sensacional. 


Como se trata de um jogo, as estatísticas das criaturas são fornecidas conforme o padrão estabelecido do Livro Básico de Chamado de Cthulhu, com atributos, habilidades, ataques e demais informações para que as criaturas possam ser usadas da maneira mais fácil pelo Guardião. Os blocos de estatísticas são bastante simples e funcionais, permitindo uma consulta rápida mesmo durante o jogo.

Mas não são apenas os Mythos que recebem esse tratamento. O Malleus Monstrorum possui um capítulo dedicado a Monstros do Folclore e outro a Bestas. Esses dois capítulos são um excelente acréscimo, sobretudo para Guardiões que desejam se valer de desafios mais mundanos e utilizá-los em seus cenários.

A lista de criaturas do Folclore inclui velhos conhecidos como vampiros, lobisomens e zumbis, mas trás acréscimos muito bem vindos na forma de golens, plantas carnívoras, Pé Grande e até mesmo o infame Diabo de Jersey. Esses seres, junto com os fantasmas e assombrações fornecem um rol perfeito de criaturas arrepiantes que não possuem ligação com os Mythos, mas nem por isso são menos assustadoras. 

Por vezes, mudar o panorama e oferecer um mistério mais "pé no chão" é ótimo para quebras a continuidade de uma campanha. Além do que, para atrair iniciantes por vezes pode ser mais acessível um cenário envolvendo um Vampiro com sede de sangue ou uma horda de zumbis do que um horror vindo das estrelas e cuja motivação é completamente inumana.

O capítulo dedicado às bestas e animais é igualmente interessante. Nele o Guardião vai achar uma menagerie de animais grandes e pequenos para qualquer ambiente ou situação que julgar necessária. De feras como leões e tigres, passando por lobos, ursos e rinocerontes, até serpentes venenosas,  tubarões famintos e insetos peçonhentos, os perigos do mundo animal se multiplicam oferecendo risco e excitação na medida certa. Embora esse capítulo seja mais aconselhável para cenários PULP, ele pode ser incorporado facilmente a qualquer estilo de cenário. Eu gosto de usar animais selvagens como pano de fundo nos meus cenários, é bem interessante para conceder um colorido às histórias. 


UMA LEITURA ABRANGENTE

Um dos aspectos mais interessantes do Malles Monstrorum é que ele vai muito além de ser um mero Livro de Monstros com Estatísticas das criaturas.

A quantidade de ideias e sementes para cenários que podem ser extraídas dos textos é surpreendente. Cada entrada contendo o histórico do monstro fornece uma visão única da criatura e permite ao Narrador entender um pouco melhor como ela pode ser encaixada em um mistério.

Entre uma e outra criatura apresentada, há caixas de texto contendo pormenores sobre tecnologia, feitiçaria e tomos esotéricos que se referem a esses seres. É preciso mencionar também os trechos que compõem as anotações do Diário de Sir Hansen Poplan, uma espécie de estudioso e pesquisador do Mythos que deixou notas de rodapé sobre diferentes tópicos que ajudam a completar os textos.

Eu mencionei que esse é um livro interessante tanto para Guardiões (Mestres) quanto Investigadores (Jogadores) pois o conteúdo não é exaustivo sobre o tema. Um dos grandes truques desse tomo é que o Narrador tem plena liberdade para usar o que quiser, descartar tudo que não gostar ou considerar sua própria interpretação das criaturas. No que tange a esses seres não existe uma verdade definitiva e eles sempre serão um mistério insondável.  

Mesmo para aqueles que não jogam Chamado de Cthulhu, mas que tem apresso pelas criações da Mitologia Lovecraftiana, esse livro é um deleite. Encontrar detalhes sobre os monstros que figuram em contos e novelas de horror é algo bastante curioso.    


ARTE E ACABAMENTO

Como mencionado anteriormente, os dois Volumes que compõem o Malleus Monstrorum são totalmente coloridos e encerrados em capa dura. Além disso os volumes ficam acondicionados em um estojo rígido de papel cartonado. Eu adoraria que a imagem do Estojo fosse diferente das capas, mas eles optaram por usar as mesmas.

A fonte, o layout e o estilo geral estão em conformidade ao padrão dos demais produtos da 7ª edição de Chamado de Cthulhu. A edição, a clareza da prosa e a facilidade de uso que marca todo o selo Cthulhu são evidentes aqui. Os índices são perfeitos e facilitam demais a leitura e a busca por uma entrada em especial. O trio de autores realmente conseguiu algo notável quanto ao layout desse materialç.

Não posso deixar também de falar da arte. 

Loic Muzy claramente tem um talento singular, e suas imagens são de cair o queixo. Ele tem um talento notável para desenhar os horrores do Mythos e conceder a eles uma personalidade única. Alternando desenhos simples, com ilustrações elaboradas de página inteira até grandes pranchas de duas páginas, a arte dele jamais decepciona. Esse artista tem um olho clínico para encontrar detalhes bizarros e explorar formas incomuns fazendo com que sua exposição de aberrações lovecraftianas resulte num meio termo entre o fascinante e o perturbador. 

Um detalhe digno de nota é que a arte do Malleus Monstrorum é perfeitamente homogênea. O mesmo artista foi responsável por todos os desenhos, de modo que a qualidade e estilo se mostram constantes. Se eu tivesse que fazer alguma reclamação seria quanto ao fato de que nem todos os monstros tenham arte própria, mas creio que essa foi uma opção para não sobrecarregar as páginas. Como sou um fã de carteirinha de Loic Muzy eu não me importaria com isso. 


PENSAMENTOS FINAIS

Juntamente com o Grande Grimório de Magia do Cthulhu Mythos e o Livro Básico de Chamado de Cthulhu, o Malleus Monstrorum forma uma espécie de trindade profana dos Tomos Centrais para quem quer mergulhar de cabeça nesse RPG.

Muitas pessoas perguntam se um determinado livro é "necessário" ou "essencial", ponderando que o Livro Básico já deveria conter o necessário para formar alguém como Guardião. O que posso dizer é que o Malleus Monstrorum embora não seja imprescindível, é incrivelmente útil para todo e qualquer Guardião, seja este um iniciante ou um veterano das edições anteriores.

Não há nenhum outro livro em que os autores tenham se debruçado sobre os Horrores Lovecraftianos com tanta propriedade, autoridade e (por que não dizer?) carinho. O Malleus Monstrorum é claramente o resultado do trabalho de pessoas que adoram essa mitologia e se esmeraram em expandir seu horizonte quase ao infinito.   

Este é, sem dúvida, o guia definitivo de Monstros para Chamdo de Cthulhu. Ele tem absolutamente tudo o que você poderia desejar; fidelidade a obra de H.P. Lovecraft e todos os autores que trabalharam com o conceito do Mythos ao longo das últimas décadas. 

Temos aqui uma edição impecável e valores de produção de altíssimo nível. Então, realmente não há sentido em lutar contra a gravidade. Se você gosta de Chamado de Cthulhu, esse livro precisa estar na sua estante. 

Existem, afinal de contas, manuais de monstros e existe o Malleus Monstrorum.


segunda-feira, 28 de abril de 2025

Dicionário do Mythos de Cthulhu - Letra B de BENDAL-DOLUM

 

BENDAL-DOLUM

Seja por maldição ou por desígnios divinos, a fabulosa cidadela de Bendal-Dolum cessou de existir. O lugar esteve lá, na aurora dos tempos, uma fortaleza de rocha esverdeada erguida em meio a mais intransponível selva tropical.

Diz a lenda que Bendal-Dolum não foi construída por mãos humanas, seus grandes blocos de pedra ciclópicas e torreões foram edificados pelos servos tentaculares dos deuses. Eles habitaram esse lugar por milênios até se retirarem para as profundezas, deixando o local abandonado. Tribos primitivas posteriormente reclamaram para si a cidadela e remodelaram sua arquitetura alienígena para adequá-la às suas necessidades. Esses homens talharam as pedras e construíram escadas e rampas, templos e um palácio notável. Eles adoravam os deuses de outrora e sacrificavam alguns dos seus para os habitantes originais que ainda viviam na escuridão abissal de seus fossos.

Uma casta de alto-sacerdotes que servia Shub-Niggurath controlava a cidade. Eles utilizavam seus feitiços para fortalecer sua posição e realizavam festivais blasfemos nos quais a Deusa em pessoa era invocada. O poderoso feiticeiro pré-humano Haon-Dor da Hiperbórea teria sido um dos sumo-sacerdotes dessa ordem. Supõe-se que lutas pelo poder e rivalidades internas terminaram colocando os bruxos uns contra os outros. Isso desagradou Shub-Niggurath que decretou a destruição da cidadela. Certas tábuas falam sobre as Crias Negras da Deusa, se ergueram dos jardins suspensos onde habitavam para devorar a população residente. Também há rumores de doença, peste e outras catástrofes que podem ter causado o fim do lugar o que também explica porque ele jamais foi habitado novamente. Bendal-Dolum ficou deserta desde então, sendo gradualmente engolida pela selva desaparecendo da vista de todos.

As poucas tribos que conheciam sua localização a consideravam maldita, sendo um tabu explorar seus segredos. Várias Expedições modernas tentaram encontrar Bendal-Dolum, mas sua posição inóspita nas profundezas de Belize - na América Central, impediram que ela fosse descoberta. Uma selva infernal: quente, densa e repleta de mosquitos se interpõe como um obstáculo quase intransponível. Há boatos de que a Expedição comandada pelo renomado Arqueólogo, Jeremy Morgan, custeada pela Universidade Miskatonic, achou indícios de sua existência, contudo os poucos sobreviventes que retornaram da jornada em 1928, evitaram falar de suas descobertas. Posteriormente em 1990,  a expedição do Dr. Eric Williamson vasculhou a mesma região trazendo alguns artefatos supostamente encontrados na cidadela.

Bendal-Dolum é considerada uma lenda e são poucos os pesquisadores sérios dispostos a arriscar suas credenciais para provar sua existência. Mesmo os poucos artefatos que mencionam a cidadela são contestados e dividem acadêmicos. Para alguns Bendal-Dolum não passa de um mito criado pela Civilização Maia, uma cidade espiritual habitada por demônios e espíritos antigos. Painéis adornando as ruínas do Palácio de Kalkamal,  supostamente fazem menção a Bendal-Dolum a tratando como um lugar maldito.

Quem pode imaginar os segredos e tesouros que repousam no interior de Bendal-Dolum? É provável que o valor inestimável destes artefatos só possa ser igualado aos perigos que ainda residem nesse lugar.


A suposta localização de Bendal-Dolum em uma das regiões mais selvagens de Belize dificultaram a sua descoberta por exploradores. 

O Palácio da Cidadela esconde muitos mistérios como rostos enormes de pedra adornando os templos.

Uma visão do interior de Bendal-Dolum

A Pirâmide de Bendal-Dolum é uma das edificações mais impressionantes do complexo. 

As Construções de pedra da Cidadela perdida continuam de pé esperando por visitantes

BÔNUS: AS CAVERNAS DA VIDA

Nomeadas dessa forma pelos sacerdotes de Shub-Niggurath que compunham a casta mais elevada em Bendal-Dolum, este complexo de cavernas se localiza nos subterrâneos da cidadela e se estende por quilômetros.

As Cavernas se conectam aos lendários Fossos de Bendal-Dolum, o refúgio dos horrores que construíram a cidade originalmente. Muitos destes seres hibernam nos recessos mais profundos, alguns deles fossilizados e fundidos às rochas que foram seu covil por milênios. A maioria desses seres estão inativos, mas alguns despertam de tempos em tempos, vasculhando os túneis, se arrastando através deles em busca de sustento.

Há fortes indícios que as Cavernas da Vida conectam o mundo desperto à Terra dos Sonhos. Alguns cultos oníricos realizam peregrinações até uma montanha mística onde deixam oferendas para Shub-Niggurath. O lugar costuma atrair Bestas Lunares que coletam viajantes que são escravizados.

As Cavernas da Vida tem esse nome pois as crias de Shub-Niggurath também habitam esse lugar que fervilha com a influência da Deusa. Restos de matéria alienígena cobrem as paredes e o chão, se formando e reformulando eternamente, gerando formas de vida em constante transformação. Alguns devotos abençoados pelo leite da Deusa ou impregados pelo seu sêmen também escolheram habitar essas cavernas após sofreram mutações grotescas que fez deles menos homens e mais abominações. 

A Caverna da Vida parece ter uma fome voraz de matéria prima genética que possa ser corrompida e alterarda de formas imprevisíveis. Explorar esse lugar é um grande risco tanto físico quanto mental uma vez que aqueles que o fazem podem ser mudados em seu âmago. Rumores sugerem que alguns membros da Expedição Morgan, inclusive seu líder, teriam sofrido esse destino apavorante e que estariam ainda nas Cavernas, alterados ao ponto do irreconhecível.