sábado, 27 de dezembro de 2014

Grýla - O Bicho Papão da fria Islândia é um monstro realmente assustador


O que não falta no mundo são estórias de bichos papões criados para assustar as crianças e fazer com que elas se comportem.

Até o início do século XX, parecia uma obsessão dos pais inventar monstros e dizer para os filhos coisas como "seja bonzinho senão, o bicho vem te pegar". O pior é que o fenômeno estava presente em todo o mundo: pais atribuíam a bichos papões o papel de punir as crianças levadas. Quem nunca ouviu a cantiga "boi da cara preta pega esse menino que tem medo de careta" ou "Dorme neném ou a Cuca vem te pegar"?

A maioria das crianças e adultos nas terras geladas da Islândia conhece a lenda de um bicho papão chamado Grýla. Sua estória vem assustando meninos e meninas há séculos, fazendo com que aquelas que não se comportam sintam-se ameaçadas, já que esse monstro tem predileção por devorar as crianças levadas.

Eu nunca tinha ouvido falar da Grýla, mas nesse Natal recebi várias mensagens no facebook falando a respeito dela. Por alguma razão, diversos amigos das redes sociais, correram para me enviar a imagem medonha que está no alto desse artigo. Para não ficar no vácuo, já que não conhecia essa lenda resolvi dar uma pesquisada a respeito dela. 

Eis aqui o que descobri:  

A lenda é muito antiga e atravessa séculos. 

Hoje em dia, a estória foi amenizada e deixou de ser tão chocante, mas quando ela foi criada, o horror parecia muito verdadeiro e as crianças ficavam realmente aterrorizadas com a possibilidade de serem visitadas ou pior devoradas pela criatura. 

Grýla é um predador que está sempre em busca de crianças que desobedecem os pais. Acredita-se que ela seja um tipo de troll, mas sua aparência sugere que ela seja uma mistura de uma mulher muito feia, de um troll e de vários animais selvagens. 

É muito difícil traçar a origem da lenda, a palavra Grýla se assemelha ao termo norueguês gryle que significa rosnado o que se encaixa bem no perfil do monstro com seus modos ferozes. O nome Grýla também pode ser traduzido como "aquela que aterroriza", o que também funciona muito bem já que o monstro é uma criatura por si só, aterrorizante.

As lendas mais recorrentes afirmam que a Grýla possui o sangue dos trolls correndo em suas veias. O passatempo favorito dela é rastrear crianças travessas que ela considera deliciosas. Ela encontra suas vítimas através do faro e parece ser capaz de detectar a localização exata de uma criança que mente para seus pais, que bate em seus irmãos ou que não se comporta da maneira esperada. Aparentemente o monstro é capaz de sentir o cheiro da travessura, já que, segundo a lenda, ela perde o faro se a criança de alguma forma se arrepende e conta aos seus pais o que fez de errado. Além de perder o cheiro, a Grýla não é capaz de devorar uma criança que se arrepende. Supostamente, o gosto desta passa a ser terrível.

As lendas dizem que a Grýla foi casada duas vezes antes de se juntar com seu atual marido. Cada um dos seus maridos, todos eles trolls, eram extremamente preguiçosos e cabia a ela sustentá-los trazendo para casa comida e bebida. Não se sabe ao certo quantos filhos Grýla teve com seus maridos imprestáveis, alguns dizem que foram oito, outros treze, e outros ainda afirmam que foram mais de vinte. Um trecho particularmente pavoroso diz que os dois últimos filhos da troll, nascidos gêmeos, morreram ainda bebês, mas que ela continuou criando-os como se estivessem vivos, mantendo-os em um berço. A Grýla não se conformava em vê-los cada vez mais magros e tentava trazer comida para que eles se alimentassem. Com seu último marido, a Grýla concebeu os Rapazes de Yule, trolls que eram obrigados a distribuir presentes para crianças durante o Natal.

Com o tempo, a Grýla também passou a ser associada com as festas natalinas. Ela é uma versão medonha da crença de que apenas crianças comportadas merecem receber presentes na noite de Natal. Em algumas estórias, os filhos da troll, os Rapazes de Yule, avisam a mãe quando encontram uma criança especialmente travessa. Uma vez sabendo onde encontrá-la, Grýla ia visitá-la naquela mesma noite. Na Islândia existe a tradição de se deixar um sapato na porta da casa na noite de Natal, para que os Rapazes Yule coloquem dentro dele um presente ou um doce. Crianças travessas entretanto, podem receber um pedaço de carvão ou uma batata por não terem se comportado. Em versões ainda mais terríveis, o pé de uma criança travessa podia ser achado dentro do sapato.

Há muitos livros onde a Grýla figura como um personagem importante além de inúmeros poemas e versos que foram escritos a respeito dela. Em geral ela é descrita como um monstro grotesco, com chifres, cascos fendidos e presas animalescas, olhos vermelhos injetados ou amarelos brilhantes, além de ter dentes apodrecidos. Outras fontes dizem que ela é apenas uma velha cadavérica, magra e pavorosa.

Até onde se sabe, a primeira menção a Grýla data de um poema escrito por um padre chamado Guðmundur Erlendsson que nasceu em 1570. Nesse poema, ela é apresentada como um troll assustador que se delicia comendo a carne de crianças, partindo seus ossos para chupar o tutano e estalando os lábios ruidosamente após terminar uma refeição. Seu método preferido de servir uma criança é fervendo-a em um caldeirão até a carne se soltar dos ossos, bem tenra e macia. O poema parece buscar inspiração em outro troll do folclore islandês, a Snorra-Eda, um monstro canibal do século XIII. No poema de Guðmundur, a Grýla é um monstro de pele cinzenta escamosa, muito alta e magra, com uma fome interminável. Ela tenta entrar em casas onde moram crianças, e é repelida por músicas natalinas e orações. Segundo a lenda ela costuma aparecer mais cedo antes da ceia, implorando por pão ou doces para que possa levar para suas crianças que passam fome. Na verdade, isso não passa de um truque, já que tudo que a Grýla quer é descobrir se crianças vivem na casa. Se alguém dá a ela algo para comer, ela guarda em sua bolsa, mas jamais divide com sua família.

De volta aos tempos em que os pais usavam bichos papões para assustar seus filhos, era comum dizer que a caverna que servia de covil para a Gryla ficava próxima de suas casas. Dessa forma, diziam que o monstro podia ouvir as crianças e sentir o cheiro de suas travessuras. No final do poema de Guðmundur as crianças que se comportavam mal, acabavam pedindo desculpas aos seus pais e se arrependendo das suas travessuras bem à tempo de evitar que a troll as devorasse.

Em uma lenda do século XVI, a Grýla é apresentada como uma velha ossuda que vaga em um vestido velho e puído pelas aldeias do interior da Islândia. Ela pergunta se pode descansar no celeiro e fica escondida ali espionando as famílias em busca de possíveis vítimas. Ao farejar uma travessura, ela chama a criança para perto do celeiro com a promessa de que vai lhe dar um doce. Ao invés disso, a agarra e joga dentro de um grande saco de couro. Em seguida ela vai embora carregando o saco jogado sobre as suas costas, tomando o caminho de sua casa apressada para o preparativos da sua ceia.

Nessa versão, a Grýla aparece sempre apressada com a boca salivando enquanto se dirige para seu covil. Ela mente para os pais das crianças desaparecidas, dizendo que não as viu e nada sabe sobre seu paradeiro. As pobres crianças dentro do saco não conseguem pedir ajuda e acabam sendo devoradas. Em algumas regiões da Islândia existe a crença de que facas são objetos que dão sorte, pois com elas é possível cortar o fundo do saco e escapar do troll faminto.

O famoso poema de Jóhannes Kötlum trata da Grýla sob uma ótica diferente, ela parece uma mulher velha e amargurada que não consegue comida e por isso recorre ao canibalismo para garantir a sobrevivência de sua família. Ela é não é um monstro maligno, ao invés disso parece mais com uma bruxa faminta e louca. É no poema de Kötlum que surge a primeira menção ao companheiro do monstro, o assustador felino que a acompanha, o Gato de Yule.

O gato seria uma fera tão terrível quanto a sua dona: grande, preto e com olhos de fogo. Ele trança nas pernas das crianças quando estas tentam escapar do covil e faz com que elas acabem caindo no chão. Nas figuras da época, o gato aparece sempre com um aspecto perverso, seus dentes desproporcionais e afiados como lâminas. O gato é o guardião da caverna onde Grýla vive, ninguém entra na caverna sem que o felino perceba e dê sinal. Em algumas estórias, o felino parece tão maligno quanto sua dona, desejando uma fatia suculenta da carne das crianças capturadas.

Em uma obra do século XVIII, A Estória de Augasteinn, o Gato de Yule é enviado por sua ama para espionar fazendas onde vivem crianças. O gato, capaz de falar, seduz as crianças e as compele a se comportar mal prometendo a elas presentes caso se tornem mal educadas e respondonas. Quando a mãe de uma das crianças pergunta de onde veio o gato, ele rosna e avança, arranhando-a antes de fugir pela janela. Nessa mesma fábula, a Grýla tem de amarrar o Gato de Yule do lado de fora da sua caverna porque ele é "tão ruim e feroz, que mesmo os trolls morrem de medo dele". Grýla temendo que o gato devore um dos seus filhos o coloca do lado de fora e só o solta quando ele promete que vai procurar uma criança gordinha para dividir com sua senhora.

No Stafrófskver (Livro do Alfabeto) de Jónas Sveinsson que foi escrito em 1873, Grýla surge sozinha, sem o terrível gato, mas com feições mais demoníacas do que nunca. Ela é descrita como uma bruxa de cabelos compridos e grisalhos, pele escamosa, orelhas de abano e dentes acavalados. A cabeleira é tão suja e oleosa que mais parece a crina de um cavalo. Seus dentes são tão grandes que ela não é capaz de fechar a boca. Nas costas ela carrega uma corcunda enorme que a faz andar coxeando. Não bastasse a figura assustadora, o troll ainda carregava pedaços de crianças mutiladas pingando sangue. Essa versão da Grýla ficou tão tenebrosa que nas edições posteriores do livro a imagem foi censurada para não chocar demasiadamente o público infantil.

No início do século XX, a lenda começou a sofrer algumas alterações, a Grýla deixou de ser um monstro magro quase cadavérico, passando a ser retratada como uma mulher obesa, sem os traços peculiares de um troll, mais condizente com a imagem de uma bruxa clássica. Em seu ombro o Gato de Yule assumia a forma de um tipo de familiar com uma expressão maligna. O nariz muito fino e as mãos ossudas terminando em garras avermelhadas. Seu vestido era preto como uma camisola de viúva e seus sapatos tinham um bico quase pontiagudo. Seus olhos eram muito parecidos com os de seu animal de estimação.

Existem muitas outras lendas fora da Islândia que se assemelham a da Grýla e também são usadas com o intuito de assustar crianças. No folclore nórdico existem diversos monstros canibais que preferem a carne de crianças a qualquer outra. São trolls, ogres, anões e goblins que vivem dentro de cavernas e montanhas e só saem à noite para raptar crianças. J.R.R. Tolkien se apropriou de alguns desses Mitos para redigir sua mais famosa obra fantástica. No folclore da Finlândia existe a Ketthontla, um tipo de monstro com uma boca enorme que engole crianças inteiras. Assim como a Grýla, ela é servida por um felino inteligente e astuto que convence as crianças a acompanhá-lo até o esconderijo de sua ama. Nas Ilhas Shetland e Orkney conta-se a lenda de Kit Huntling um tipo de monstro feminino de aparência grotesca que gosta de devorar ovelhas, mas que não se furta ao prazer de comer criancinhas se conseguir colocar suas mãos em uma delas. Na Alemanha temos a Bertha, uma mulher gorda e grosseira que anda de vila em vila, pedindo a crianças que a acompanhem até a floresta para mostrar um determinado caminho. Bertha promete a seus jovens guias um presente, mas quando chega ao centro da floresta escancara sua bocarra e as engole por inteiro. A nossa Cuca, é uma lenda da Península Ibérica que viajou até o Brasil colonial, trazido por colonos que realmente acreditavam na existência de uma bruxa feiosa que cozinhava crianças num caldeirão.

Em outros tempos, aparentemente a maneira mais fácil de passar uma mensagem era aterrorizando as crianças. Outros tempos, realmente, que felizmente não voltam mais.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Feliz Natal - Algumas imagens dos Mitos de Cthulhu vestidos para as festas











Todo ano, nessa época, colocamos uma imagem ligada aos Mitos de Cthulhu relacionada a simbologia do Natal.

É engraçado como esses horrores aterrorizantes ganham uma interpretação natalina simpática, sendo que a cada ano são mais e mais imagens. Tantas, que até achei difícil escolher a mais legal para usar na postagem de Natal do blog.

Mas, aí parei e pensei... porque tem que ser uma única imagem?

Aqui estão minhas 10 imagens preferidas, algumas delas colhidas da página do Mundo Tentacular no Facebook - por sinal, obrigado a todos que postaram essas imagens e desejaram boas festas.

Bem, permitam-me retribuir:

UM FELIZ NATAL PARA TODOS 
SÃO OS VOTOS DO 
MUNDO TENTACULAR

E aqui estão minhas imagens preferidas de Natal, estrelando Cthulhu, Lovecraft e os Mitos...

Fiquem à vontade para copiar e enviar aos seus amigos, parentes e colegas de Culto.

Ho! Ho! Fhtagn! Ho! 











E uma imagem bônus que embora não seja relacionada aos Mitos, sem dúvida saiu de alguma mente absolutamente insana para conceber tal coisa...


quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

TOP 5 - As piores coisas que podem acontecer com seu investigador em Chamado de Cthulhu


Call of Cthulhu é um daqueles RPG em que os pobres personagens não sabem o tamanho da enrascada em que estão se metendo. Quando uma investigação se inicia eles não fazem ideia do que vão encontrar e de como a vida dos investigadores serão alteradas. E pode apostar, não importa o que façam, sempre existirão consequências para assombrá-los depois de se meter com os Mitos.

Na maioria dos RPG, o pior que pode acontecer ao personagem, é ele morrer...

Tudo bem, há maneiras desagradáveis de perder um personagem em qualquer ambientação, quem já foi torrado pelo sopro de um dragão ou drenado de sangue por um vampiro, sabe bem do que estou falando. Mas em Cthulhu, perder o personagem nem sempre é o pior...

Em Cthulhu, há pelo menos um milhão de coisas bizarras que podem recair sobre seu investigador.

Não por acaso, o jogo tem a fama de ser letal para os personagens... odeio dizer isso, mas ela é bastante merecida. Fama esta conquistada por mérito, sobre uma pilha de investigadores dilacerados e/ou enlouquecidos.

Consultando os alfarrábios e cenários já jogados, encontrei algumas das mais terríveis coisas que aconteceram com personagens nas minhas mesas.

Esse é o TOP 5, as piores coisas que podem acontecer com seu personagem em Chamado de Cthulhu.

5 - Ser Institucionalizado num Asilo controlado por cultistas


Em um jogo que usa insanidade como regra corrente, ficar maluco é questão de tempo. Muitos jogadores não se preocupam com a perda de sanidade a longo termo, já que, brincam, provavelmente estarão mortos antes de ficarem completamente loucos. Bem, às vezes isso acontece, mas às vezes não...

O que seria dos cenários de Cthulhu sem a descoberta de um tomo maligno cuja leitura provoca traumas na mente do personagem, sem um efeito místico apavorante ou sem uma revelação bombástica que destrói as resistências mentais e faz com que o sujeito saiba de coisas que a raça humana não está preparada para conhecer. Mas o pior de tudo é se deparar com algum horror dos Mitos, ao vivo e a cores. Tocar, sentir, enfrentar ou ser perseguido por uma dessas criaturas, um desses titãs, por um desses... deuses. 

Em Cthulhu, a mente humana não está preparada para o supremo horror e quando confrontado com ele, o cérebro simplesmente entra em parafuso. O resultado em geral é a insanidade do personagem, o desenvolvimento de desordens mentais, loucura permanente, tremores, desmaios e a incapacidade de continuar vivendo em sociedade. Com efeito, muitos investigadores acabam indo parar numa instituição para mentalmente perturbados, os bons e velhos manicômios para tratamento mental.

Não deveria ser tão ruim ir parar em um asilo, para tratamento. Afinal, os homens de branco estão lá para oferecer ajuda e um paliativo para suas aflições e seus temores. Quem sabe eles até consigam convencê-lo de que as vozes e as coisas em sua mente são apenas fruto de sua imaginação hiperativa.
O problema é que alguns asilos em Chamado de Cthulhu oferecem tratamentos pouco ortodoxo.

Não estou me referindo a drogas, terapia ocupacional ou mesmo ao famigerado eletro-choque. Não... em Chamado de Cthulhu há coisas muito ruins que podem acontecer atrás dos muros de uma instituição dessa natureza.

Imagine ir parar em um asilo onde uma criatura abominável habita os subterrâneos da Instituição. Imagine que o staff do Asilo; os seguranças, as enfermeiras e os médicos, são todos maníacos devotados a um culto homicida. Imagine que eles escolheram essa fachada justamente para poder utilizar os pobres pacientes como suas vítimas, pois, "quem acreditaria nas palavras de pessoas legalmente insanas"?

Pior ainda; será que eles próprios acreditariam? Será que as missas negras que acontecem no porão, os livros blasfemos nas estantes da biblioteca e os rituais presididos pelo diretor da instituição não passam de horríveis alucinações criadas pelas suas mentes fraturadas? Será que eles não estariam apenas imaginando tudo isso?

Não há a quem recorrer... não há o que fazer... não há como escapar... quando a porta do manicômio se fecha seu personagem pode gritar à vontade. Ninguém virá resgatá-lo.

4 - Virar Cobaia de Seres Alienígenas


O que pode ser pior do que cair nas mãos de pessoas sem escrúpulos, de torturadores sádicos ou de cultistas devotados a planos nefastos que envolvem sacrifício e adoração de criaturas malignas?

Existe algo muito pior: Ser capturado por alguma raça alienígena ligada aos Mitos de Cthulhu.

As estórias clássicas escritas por H.P. Lovecraft são cheias de questionamentos científicos. Na década de 1920, o homem acreditava estar no auge de seu desenvolvimento racional, acreditava ser o senhor da criação, acreditava que não haveria limites para seu conhecimento e pela busca ilimitada do saber. Lovecraft subverte essa noção de maneira genial ao introduzir criaturas alienígenas muito mais avançadas.

Os Mi-Go, os Anciãos, os Abissais, a Grande Raça de Yith... todos eles tem um elemento em comum, a curiosidade científica e o desejo de compreender o funcionamento do universo à sua volta. Para acessar esse conhecimento eles estão dispostos a dissecar, vivificar e mutilar os espécimes que caem em suas mãos. E por espécimes, eu obviamente me refiro aos seres humanos.

Pense bem: em "Sussurro nas Trevas" os Mi-Go possuem uma tecnologia médica muitíssimo superior, são capazes de dissecar seres humanos e de preservar seus cérebros em invólucros feitos de metal. Dentro desses cilindros, a mente humana ainda é capaz de viver, de se comunicar, de sentir os arredores e de ser transportado para outros mundos. Os Mi-Go não tem qualquer escrúpulo em arrancar o cérebro de suas vítimas, de reduzir seus corpos a meros experimentos, de operar mudanças físicas utilizando compostos químicos alienígena.

Mas eles não estão sozinhos...

Em "Nas Montanhas da Loucura", são os Anciãos (os Elder Things) que utilizam os humanos como matéria prima para seus experimentos abomináveis. São eles que devastam o acampamento da Expedição Miskatonic na Antártida e utilizam seus prisioneiros como cobaias para as mais variadas experiências. Corpos são mutilados, órgãos extirpados, corações perfurados, veias injetadas com compostos químicos, pele cauterizada.. novamente não há nenhum sinal de piedade, apenas desejo o frio desejo de compreender aquela forma de vida falha, saber como elas funcionam e como podem aprimorá-las. Os Anciãos vão ainda mais longe, com seus conhecimentos apurados eles são capazes de dissecar suas cobaias a nível celular, manipular DNA e perverter o código genético, apenas para ver o que irá aflorar de seu experimento.

Em "Sombras fora do Tempo" os Yithianos roubam mentes humanas e preenchem os corpos de suas vítimas com a sua própria consciência, utilizando-os como veículos para suas incursões ao longo do tempo. Em contrapartida, as mentes humanas despertam em seres monstruosos habitando a aurora da Terra. Pode parecer menos terrível do que os exemplos anteriores, mas o que a Grande Raça faz é roubar o corpo de suas vítimas, usando-os sabe-se lá como.

Ser capturado por uma raça alienígena inteligente dotada de uma profunda curiosidade científica é uma das piores coisas que pode acontecer com um investigador. Imagine as horrendas experiências que o personagem pode sofrer enquanto for mantido em cativeiro. O horror de se ver sob o cárcere de seres inumanos, de servir como um camundongo num labirinto ou como uma bactéria observada sob um potente microscópio. Imagine ser dissecado e reintegrado inúmeras vezes, ser clonado, ter seu código genético vasculhado, sofrer inúmeras cirurgias e depois de tudo, simplesmente ser destruído através de desintegração como uma mera amostra.

3 - Parir a Prole de Eihort


Que tal falar de um horror realmente hediondo?

Eihort, o Deus do Labirinto é considerado um dos Grandes Antigos mais obscuros da Mitologia de Cthulhu. Felizmente, seu culto está restrito a alguns poucos enclaves rurais, localizados no isolado Vale de Severn, na Inglaterra. Seus seguidores são fanáticos cuja existência é devotada a servitude.

Esses maníacos costumam raptar pessoas inocentes e lançá-las nos tortuosos corredores de pedra que formam um interminável labirinto subterrâneo. Lá, nas profundezas da terra, as pobres vítimas vagam sem encontrar uma saída, mais cedo ou mais tarde serão encontradas pelo Deus que, ao contrário de outras entidades do Mitos, oferece uma escolha aos infelizes prostrados diante Dele. Estes podem escolher carregar a sua prole ou experimentar uma morte dolorosa.

Aqueles que escolhem a morte são mais afortunados. A Prole de Eihort é uma abominação: são formas de vida rastejantes de aspecto aracnídeo e corpo pálido que habitam os recessos do labirinto. Carregar a Prole para os cultistas é uma honra, para os investigadores... nem tanto.

Se a barganha com Eihort for aceita, o Deus insere no ventre da pessoa um ferrão pontudo que transfere para seu organismo milhares de ovos que se agrupam no estômago. Ao mesmo tempo, a mente da vítima é apagada e ela não se recorda da experiência tenebrosa ou da barganha feita.

Meses ou mesmo anos podem se passar. 

Nesse período, o portador da Prole experimenta sonhos bizarros que o forçam a viajar para lugares determinados pelo próprio Eihort. Ele sente como se olhos alienígenas estivessem observando através de seus globos oculares e uma voz cavernosa parece sussurrar palavras sem sentido em sua mente.

O horror ganha nova dimensão, quando Eihort finalmente escolhe um local onde a sua prole irá habitar. A partir de então, os ovos começam a eclodir e as larvas contaminam o organismo como parasitas que se alojam na parede estomacal, alimentando-se lentamente do hospedeiro, devorando-o de dentro para fora. Ao mesmo tempo, a memória da barganha começa a retornar e a vítima passa a recordar de sua jornada pelo labirinto quando o Deus o impregnou.

Invariavelmente a prole encontrará seu caminho e irá nascer em uma orgia de sangue e vísceras, emergindo como uma torrente pálida do interior partido do hospedeiro.

2 - Contrair Necrosis


O que pode ser pior do que dar a luz a Prole de um Deus Alienígena? Bem, digamos que há algo pior...

O caminho dos feiticeiros é tortuoso, pavimentado com incontáveis horrores e sacrifícios. Um feiticeiro precisa aprender a empregar energia mística que alimenta suas magias, deve obter o favor de deuses negros realizando sacrifícios de sangue ou estudar antigas disciplinas esquecidas à séculos registradas apenas em raros grimórios, escritos em línguas mortas.

A magia dos Mitos de Cthulhu sinaliza com a possibilidade do feiticeiro alterar o mundo à sua volta, de realizar façanhas consideradas impossíveis e de dobrar as próprias leis da natureza. Um feiticeiro é capaz de destrancar segredos mantidos à sete chaves; aqueles que tem acesso a esse conhecimento conquistam um poder quase ilimitado.

Há, no entanto, muitos perigos em explorar essas veredas.

O maior de todos é algo chamado Necrosis. Ela é uma doença lendária conhecida entre os utilizadores da magia, cultistas e feiticeiros que a temem mais do que a Ira dos Antigos. Para alguns, a doença não passa de um mito, um rumor aterrorizante criado para dissuadir os covardes e fazer os charlatães renunciar ao estudo das verdadeiras ciências proibidas.

Temida universalmente, alguns dos maiores feiticeiros do passado escreveram sobre ela.

O mago Eibon da Hiperbórea a chamava de Mal Arcano, ele escreveu um alerta a respeito da doença no seu famoso tomo, o Liber Ivonis. O feiticeiro pré-Hiboriano, Skellos, famoso pelo seu testamento postumamente roubado por um de seus aprendizes, menciona a "doença do feiticeiro", que já naquela época antediluviana, afligia os que seguiam o caminho da magia. O autor desconhecido do True Magik, um obscuro tratado do século XVII, encerra seu livro de maneira abrupta mencionando ter contraído uma doença desconhecida, claramente de origem arcana - uma doença que ele não nutria esperança de curar ou superar. Mesmo o notório Abdul Al-Hazred, conhecido como o árabe louco, responsável pelo mais completo e blasfemo compêndio de saber do Mitos, o nefasto Necrominocon, menciona a "corrupção em vida", uma moléstia que vez ou outra atinge os feiticeiros.

Mas de onde vem essa doença temida até pelos maiores feiticeiros do passado?

A verdade é que ninguém sabe ao certo. Talvez Necrosis seja um tipo de maldição imposta pelos Antigos aos mortais que ousam acessar um poder muito acima de suas meras capacidades. É possível ainda que os Deuses Ancestrais (Elder Gods), tenham criado a doença como punição para aqueles que se submetem aos Grandes Antigos. Alguns apontam para Nodens, uma vez que ele age como o Guardião dos Segredos, aqueles que mantém os mortais longe dos caminhos da magia. Quem sabe, Nyarlathotep, o Caos Rastejante seja o idealizador da doença, criada como uma piada.

O que se sabe é que a doença pode se manifestar a qualquer momento, bastando para isso ter contato com energia mística de alguma forma conspurcada. Alguns feiticeiros podem viver décadas realizando feitiços sem jamais tocar essas energias, outros podem contrair o mal em sua primeira experiência com forças arcanas.

O verdadeiro horror da Doença da Magia está nos sintomas que a cercam. Trata-se de uma doença degenerativa que progride implacável, transformando o portador em um arremedo de ser humano. Nos estágios finais do mal, o ex-feiticeiro se converte em um horror impossível de ser contemplado sem por em risco a sanidade. Para mais detalhes sobre essa doença aviltante leia o artigo Necrosis - A mais Terrível das Doenças Arcanas.

1 - Passar pela Transição Final


Mas o que pode ser pior que tudo isso?

Um dos temas recorrentes na obra de Lovecraft é a Transição Final.

Quando uma pessoa começa a perder a sua identidade humana, se transformando lenta, porém gradualmente em algo diferente, incompreensivo e totalmente alienígena para os padrões humanos. A Transição Final surge em incontáveis estórias de horror gótico, desde os vampiros (a transformação pelo sangue), licantropos (a transformação pela besta primitiva), passando pelos Médicos com faceta de monstro (a transformação pela ciência).

É um tema muito usado... mas no reino do Horror Cósmico a transição é ainda mais tenebrosa.

No universo dos Mitos, não são poucos os horrores que sujeitam seres humanos que compactuam com tais criaturas a sofrer alguma sinistra transformação. A perda do status de humano, a maneira como se manifesta a mudança e o pavor desencadeado pela mutação nas pessoas que a testemunham, são um dos pilares do Horror Lovecraftiano. Na concepção de Lovecraft, nada pode ser pior do que se tornar uma criatura abominável. Nenhuma experiência pode ser mais tenebrosa do que descobrir que em seu corpo existe uma espécie de gatilho que quando deflagrado dará início a transformação. E o que não falta são oportunidades para vivenciar a Transformação em mesas de jogo.

Acordar no corpo cônico e rugoso de um membro da Grande Raça de Yith é por si só um horror. Descobrir que sua mente foi separada de seu corpo e trancafiada em uma criatura habitando a Terra, milhões de anos no passado é uma experiência desconcertante. Não há como escapar, não há como interromper essa transformação. Tudo o que se pode fazer é esperar e torcer para que um dia sua mente seja devolvida ao seu corpo.

O aterrador Yig, conhecido como Pai das Serpentes, é famoso por sujeitar aqueles que o desagradam ou que lhe desafiam a uma transformação bestial. A temida Maldição de Yig, talvez seja uma das mais radicais formas de punição. A vítima passa a desenvolver escamas a medida que sua pele se desmancha em camadas. Seus olhos se tornam vítreos, arredondados e amarelados. Seu corpo vai se contorcendo gradualmente, os membros atrofiando e se alongando, os músculos perdem a força. Ao fim de vários meses de horror, a vítima da maldição impingida pelo Senhor dos Répteis se converte em uma coisa híbrida, meio homem, meio serpente, uma paródia horrenda de ser humano obrigada a rastejar para longe dos olhos horrorizados. O pior é que durante todo processo, amente humana permanece intocada pela mutação. 

Não menos medonha é a transformação pela qual passam aqueles que escolhem trilhar os passos dos devoradores de cadáveres. Na mitologia lovecraftiana, um ser humano pode se tornar um ghoul - um medonho monstro canibal, contanto que incorpore seus hábitos, peculiaridades e seja aceito pelas criaturas. No conto "O Modelo de Pickman", Lovecraft alude para a sinistra transformação do talentoso pintor Richard Pickman que seduzido pela decadência estética dos cemitérios de Providence vai se tornando mais e mais afeito aos hábitos alimentares profanos dos ghouls. A transformação de humano em ghoul é irreversível e condena a vítima a uma existência perpétua na escuridão, ao saque de sepulturas e consumo do seu conteúdo nauseante. Talvez o mais aterrador seja que Pickman abraça sua nova existência e a aceita de bom grado.

Mas nem todos tem uma escolha. O fatalismo é marcante na obra de Lovecraft. Um personagem pode tentar se esquivar de seu legado, mas não há como abdicar de quem você é. Para o bem ou para o mal, uma pessoa que nasce com uma pré-disposição para determinado destino está condenado a cumpri-lo. Assim acontece para os híbridos nascidos com o sangue dos Abissais correndo em suas veias. No clássico conto "A Sombra sobre Innsmouth", Lovecraft fala do acordo firmado entre os habitantes de um povoado costeiro e uma raça de criaturas marinhas, que através do cruzamento sanguíneo geram uma raça de híbridos, nascidos como humanos, porém, destinados a se tornarem monstros quando o momento chegar.

Não há nada pior do que descobrir que seu investigador está fadado a se transformar em uma criatura do Mitos e que sua existência irá convergir para uma tragédia da qual não há escapatória. Lovecraft estava certo... não há nada pior que isso.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Algo Lovecraftiano no Kazaquistão - Misteriosa Doença do Sono se espalha em vilarejo


Com base no artigo do Daily Mail

Imagine viver e uma cidade onde um em cada seis moradores sofre de uma doença desconhecida. Uma condição misteriosa que faz com que a pessoa simplesmente "apague" de um momento para o outro, caia no sono e não possa ser acordada por dias à fio.

É isso o que vem acontecendo em Kalachi, um pequeno povoado do Kasaquistão, onde mais de 100 habitantes do povoado - que tem uma população de 680, manifestaram os sintomas de uma doença desconhecida que tem intrigado os médicos locais.

Kalachi é pouco mais do que um vilarejo no norte do Kazaquistão localizado a cerca de 150 milhas da fronteira com a Rússia. De acordo com um documentário recente produzido pela Rede Rússia Today (RT), a população vem experimentando ocorrências cada vez mais frequentes nos últimos meses. Todos em Kalachi tem um parente ou conhecido que sofreu essa perda temporária de consciência e muitos temem desmaiar e jamais acordar novamente. Há um rumor persistente de que logo no início da crise, quando a epidemia ainda não havia sido identificada, um senhor teria sido declarado erroneamente morto e enterrado vivo. Uma enorme ironia, já que "Kalachi" no dialeto local significa "tumba esquecida". 

Até o momento, as autoridades não tem uma explicação plausível para o fenômeno. As vítimas simplesmente perdem a consciência, desmaiam e ficam nesse estado por no mínimo cinco dias. Pessoas desmaiaram em restaurantes ou perderam a consciência nas ruas. Nesse período as vítimas parecem dormir um sono profundo, marcado por momentos de agitação. Ao despertar, as pessoas afirmam ter experimentado um sono agitado, pontuado por sonhos, embora ninguém tenha sido capaz de elaborar como foram esses sonhos ou o tema deles.


Enquanto adultos parecem apenas dormir, as crianças atingidas pela moléstia manifestaram outros sintomas como alucinações, tontura e perda de memória antes e depois da experiência. Médicos, virologistas e radiologistas examinaram as vítimas, em busca de doenças que pudessem causar efeitos similares, mas até o momento, ninguém conseguiu isolar uma causa comum para a estranha moléstia que vem atingindo os habitantes de Kalachi. Sabe-se que não se trata de uma infecção bacterial como encefalite letárgica (que seria a primeira suspeita), nenhuma infecção de origem parasital ou episódios de narcolepsia.

Os testes conduzidos pelos médicos envolvidos no estudo tem sido extensivos, mas até o momento, não há uma conclusão. A proliferação dos casos deixou os especialistas pasmos. A doença também parece atingir somente os moradores de Kalachi, os vilarejos próximos não tiveram nenhuma ocorrência registrada.

Toxicologistas manifestaram a preocupação de que a doença possa estar relacionada aos gases expelidos pelas Minas de Krasnogorsk, uma instalação subterrânea usada para o enriquecimento de urânio na época da União Soviética. O local, atualmente, abandonado desde a desintegração do regime comunista, ainda registra um índice alto de radiação ou assim dizem. Felizmente os testes não registraram atividade radioativa.

Krasnogorsky, segundo alguns habitantes era considerada uma Base Secreta, utilizada pelos militares para a realização de experiências sigilosas. Quando a base foi inteiramente desativada, em 1992, os militares carregaram toneladas de material e equipamento de volta para a Rússia. Tudo que não foi levado, acabou destruído e a instalação foi inteiramente lacrada.


Uma das únicas fotografias da Mina de Krasnogorsky

O que está causando a misteriosa doença do sono em Kalachi? Uma das teorias é que as ocorrências estão de alguma forma ligadas ao repentino aumento da temperatura, mas essa suspeita não foi ainda corroborada. Outra teoria envolve histeria em massa, o que não soa totalmente estranho em vista da delicada situação política e econômica na área.

Enquanto isso, vítimas da doença se mostram incapazes de lembrar o que aconteceu enquanto estiveram desacordadas. Muitos no entanto manifestaram medo de sofrerem um novo episódio. Até que uma causa ou cura seja encontrada, a população de Kalachi tenta se proteger da melhor maneira possível, rezando para que quando forem dormir, consigam despertar...

*     *     *

Só eu, ou mais alguém sentiu um cheiro de Dreamlands (A Terra dos Sonhos no ar)?

Parece um daqueles roteiros de Chamado de Cthulhu que se escrevem sozinhos, puramente encontrando respaldo no mundo real...

O trecho que as pessoas afetadas tem sonhos e que não conseguem se recordar do teor dessas jornadas quando desacordados, quase pede por um cenário se passando no Mundo Desacordado.

Talvez uma experiência conduzida pelos soviéticos visando interferir nos sonhos alheios, tenha saído de controle. Quem sabe seja uma máquina que concentra energia extraída dos sonhos e que depois de anos sem manutenção começa a dar problemas afetando as pessoas que residem nas proximidades do vilarejo.

Talvez a energia onírica tenha se concentrado de tal maneira que permitiu uma abertura física para as Dreamlands. Uma investigação nas Minas de Krasnotgorsky poderia revelar um portal aberto e a passagem de criaturas da Terra dos Sonhos. Quem pode imaginar os horrores e maravilhas que passariam através dessa porta dimensional...

Fora isso, que tal imaginar um grupo de cientistas interessados em levar adiante uma experiência comportamental dos tempos da Guerra Fria, ou quem sabe ainda um bando de dissidentes querendo roubar os experimentos soviéticos que não foram levados adiante.

O que não falta são ideias... como disse, é o tipo do cenário que se escreve sozinho.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Caçando Fósseis e Ovos de Dinossauros na Mongólia - A Expedição automotiva de Andrews


A despeito de todas as dificuldades, em abril de 1922, a expedição de automóveis Dodge comandada por Roy Chapman Andrews passou através de um portão na Grande Muralha da China, e tomou o caminho, rumo ao desconhecido.

O primeiro grande achado da expedição foram fósseis de Baluchitherium, um tipo de rinoceronte pré-histórico que viveu durante a Era do Gelo. Um dos motoristas percebeu uma mandíbula simplesmente brotando da terra como uma estranha planta cinzenta. A descoberta animou os cientistas: em que outro lugar do mundo seria possível achar fósseis literalmente brotando do chão?

O grupo montou um acampamento e desenterraram a maior parte dos ossos do enorme animal. A expedição conseguiu recuperar a ossada quase completa, inclusive o imenso crânio com os chifres ainda ameaçadores em perfeito estado. As peças foram removidas cuidadosamente e acondicionadas em caixotes de madeira recheados de palha. Como estavam no início da jornada, enviaram dois automóveis de volta para que os ossos fossem guardados por colegas na China.  

Os automóveis que retornaram foram ameaçados por bandidos, mas conseguiram passar por esse contratempo graças a uma demonstração de poder. Um dos motoristas colocou uma metralhadora Thompson para fora da janela e disparou uma rajada para o ar acabando com as pretensões hostis dos ladrões. A ossada enfim chegou a China e de lá foi remetida para Nova York, chegando a cidade em dezembro de 1922. Harry Osborn, o diretor do Museu de História Natural, classificou o transporte para os Estados Unidos como um dos maiores feitos da história da paleontologia. Até aquela data, tudo que se tinha de um espécime de Baluchitherium se resumia a alguns poucos fragmentos e sua existência chegava a ser contestada. A descoberta era tão significativa que os cientistas foram capazes de compreender o funcionamento daquele enorme animal, com quase dois metros de altura e mais de seis metros de comprimento, com base na sua estrutura óssea.

Mas era apenas o início. Muito mais estava por vir. 


O achado mais famoso da expedição Andrews ao centro da Asia foi feita em 13 de julho de 1923. George Olson, um assistente de paleontologista, retornou ao acampamento afirmando ter feito uma descoberta sem precedente: ele havia encontrado ovos de dinossauro nos penhascos flamejantes de Shabarakh Usu. A princípio os membros da equipe estavam céticos achando que a descoberta não passava de uma formação natural, mas depois de uma análise mais criteriosa chegaram a conclusão que estavam diante de algo incrível. Eram três ovos intactos e algumas cascas que haviam se fossilizado graças a ação da areia. Os cientistas ficaram pasmos. Os ovos estavam praticamente na superfície, desde que foram depositados naquele local no Período Cretácio. Ainda que existissem aves habitando aqueles penhascos, os ovos eram grandes demais e não eram compatíveis com nenhum desses animais. O grupo acabou concluindo que se tratavam de ovos legítimos de dinossauro, os primeiros encontrados em perfeito estado. Até essa descoberta, alguns cientistas não estavam sequer certos de que esses animais colocavam ovos ou se davam a luz aos seus filhotes como os mamíferos. As especulações a respeito da veracidade da notícia varreram o mundo. A confirmação veio dias depois quando outro ninho foi encontrado, e dentro deste os restos fossilizados de um dinossauro de dimensões menores e sem dentes - obviamente um filhote.

O preço dessas descobertas era o perigo constante e as dificuldades de se trabalhar no ambiente hostil do Gobi. Andrews contou que certo dia, o grupo decidiu acampar no alto de um promontório de pedra avermelhada que parecia a proa de um imenso navio. Fósseis eram abundantes nessa área e os membros da expedição decidiram que seria interessante ficar ali alguns dias, ainda mais porque o lugar oferecia uma proteção contra o sol causticante. O problema é que a área era o covil de outros habitantes do deserto, encontraram por lá centenas de covas rasas onde viviam letais Víboras do Gobi. Na primeira tentativa de escavar a área, dois homens foram picados e outro caiu em um buraco, sendo resgatado miraculosamente de uma trincheira onde estavam dezenas de víboras. Para escapar dos répteis, tiveram de usar suas armas e mataram nada menos do que 47 víboras. Um dos guias chineses ao atirar a queima roupa num dos animais teve os olhos borrifados com veneno e perdeu a visão.

Em outra ocasião, um dos motoristas mandou chamar Andrews. Um dos automóveis apresentava problemas mecânicos, mas nenhum dos homens queria chegar perto do veículo para executar os reparos necessários. Quando perguntado do motivo, Andrews foi informado que haviam centenas de escorpiões mortais que escolheram justo o motor como esconderijo. Foi preciso fumegar todo o carro com fumaça para desentocar os animais, mesmo assim, ao longo da viagem, escorpiões apareciam nas frestas do automóvel. Certa vez, um dos motoristas saltou do automóvel em pleno movimento e começou a tirar a roupa em desespero. Um escorpião havia caído do teto do automóvel dentro de sua jaqueta, por sorte ele não chegou a ser picado.   


Mas os perigos não se resumiam aos animais que viviam nas planícies inóspitas. O próprio clima parecia estar contra a expedição. As tempestades de areia eram tão fortes que ameaçavam carregar tudo, virar os automóveis e espalhar as provisões pelas planícies secas. Quando uma tempestade era avistada à distância, o comboio tinha de parar imediatamente, os animais eram enviados para o caminho inverso a fim de serem protegidos e barreiras para conter o vento eram erguidas. O pior era quando a tempestade se formava repentinamente, o que forçava os homens a agir sob pressão. Uma dessas tempestades repentinas, fez com que quatro camelos simplesmente desaparecessem. Os pobres animais foram sepultados de baixo de toneladas de areia quente.

É possível que uma das descobertas mais significativas da expedição não tenha sido um fóssil grande, mas um pequeno. Em 1923, Walter Granger encontrou um pequeno crânio num depósito de calcário do Período Cretácio. Ele identificou o achado apenas como "réptil desconhecido" e enviou a peça para um museu para ser estudado. Em 1925 uma carta chegou, endereçada à base do grupo que passava as férias de verão em Pequim. O crânio pertencia a um mamífero, não a um réptil. Mamíferos que viviam na era dos dinossauros eram extremamente raros, e praticamente todos eles se tornaram extintos, incapazes de competir com seus predadores naturais. O crânio achado por Granger, entretanto, vinha de uma linha de mamíferos que podia ser relacionada a animais dos dias atuais. A carta pedia a Granger e aos demais que buscassem por mais evidências de mamíferos contemporâneos do Cretácio. Ao retornar ao Gobi no ano seguinte, a expedição desenterrou mais seis crânios de mamíferos que provaram de uma vez por todas a presença desses animais no período. 

Mas naquele mesmo dia, a expedição enfrentaria um de seus maiores desafios. Andrews escreveu em seu diário que "acordou com uma sensação estranha, como se cada nervo de seu corpo estivesse vibrando". Sem pensar duas vezes ele vestiu seu coldre, apanhou um rifle e começou a patrulhar o perímetro do acampamento, sem achar nada fora do normal. Incapaz de dormir, montou vigília no teto de um dos automóveis observando o horizonte com um binóculo. Ele percebeu que o vento estava cada vez mais forte, mas só quando amanheceu Andrews conseguiu ver uma nuvem alaranjada se erguendo poucos quilômetros a frente - era uma tempestade devastadora que se formava. Os homens foram acordados rapidamente, não havia tempo a perder e não adiantava tentar salvar os camelos ou desfazer o campo. A única chance de sobreviver era correr. 


Os motoristas aceleraram velozmente, tentando escapar da tempestade, mas em poucos minutos ela os alcançou e engoliu o comboio por inteiro. Logo havia toneladas de areia sendo soprados contra os automóveis, com tanta força que produzia riscos no vidro do para-brisa e impedia que se visse além de poucos metros. Os automóveis foram então posicionados em um círculo com pesos posicionados junto das rodas para que o vento não virasse os veículos. A tempestade foi devastadora e durou 45 minutos. Quando enfim ela amainou, o cenário era surreal: os automóveis Dodge estavam enterrados. Os homens tiveram de cavar em busca de dois deles que ficaram completamente cobertos com os passageiros confinados em seu interior. Demorou quase duas horas para resgatar os homens que por pouco não sufocaram no interior do veículo. 

Depois desse incidente, a expedição achou melhor retornar a Pequim para se reequipar. Boa parte de suas provisões havia sido perdida e os poucos animais que restavam não dariam conta de prosseguir na árdua missão. Combustível, água e munições também foram perdidas na ventania abrupta. Além disso, os membros da expedição também estavam exauridos, física e mentalmente, conquanto, por sorte, ninguém havia morrido ou se ferido gravemente. De volta a capital chinesa, Andrews contratou dois novos membros para a expedição meteorologistas que seriam fundamentais dali em diante para identificar a formação de tempestades no deserto. Graças a atuação desses especialistas a expedição se livrou de grandes enrascadas nos anos seguintes.

Mas haviam outros perigos.

Nos primeiros anos, bandidos e guerrilheiros eram mais um estorvo do que uma ameaça. Andrews havia equipado os membros da expedição com armas modernas e o poder de fogo deles era bem superior ao dos bandoleiros que infestavam a região. Quando ficava claro que a expedição tinha armas e não exitariam em usá-las em defesa própria, os bandoleiros abandonavam seus planos de atacar. Os senhores da guerra também respeitavam a expedição e evitavam confrontá-la, o carro da frente tremulava uma bandeira americana e quando a viam os comandantes ordenavam que a expedição fosse deixada em paz. Alguns generais chegaram a negociar diretamente com Andrews e em troca de alguns presentes aceitavam escoltá-los através de algumas regiões perigosas. Um pelotão de russos brancos (soldados anti-comunistas) ajudou a expedição quando esta foi emboscada por bandoleiros chineses.


De acordo com as estórias, um dos arqueólogos da expedição Nels C. Nelson foi capturado por um grupo de bandidos mongóis que tencionavam trocá-lo por armas. Enquanto estava no cativeiro, Nelson descobriu que os homens eram extremamente supersticiosos e aproveitou essa peculiaridade para escapar. Ele tinha um olho de vidro, e quando o removeu e mostrou para seus raptores eles simplesmente fugiram aterrorizados. Nelson foi resgatado dois dias depois.

Mas as coisas mudariam a partir de 1926. A Guerra Civil estava se tornando cada vez mais brutal e todos os lados empregavam táticas de intimidação que incluíam massacres e execuções de civis. Pouco depois de deixar Pequim em direção ao Gobi, a expedição foi atacada por um contingente de soldados chineses rebeldes fortemente armados. Um dos guias abriu a porta, acenou a bandeira americana e acabou baleado na cabeça. "As balas atingiram os automóveis como se fosse uma tempestade de granizo" escreveu Andrews, "eles abriram fogo com uma metralhadora bem na nossa frente. Era possível ouvir os projéteis zunindo como abelhas furiosas acima de nossas cabeças". Pela primeira vez a expedição teve que retroceder diante de um inimigo melhor armado: além das armas automáticas, os guerrilheiros contavam com granadas.    

De volta a sua base as coisas se mostraram ainda mais complicadas. Os soviéticos acusaram a expedição de espionagem e de minar os esforços de rebeldes comunistas dentro do exército chinês. Havia um ar de ameaça nas acusações dos soviéticos. O governo chinês também começou a se ressentir da presença dos estrangeiros em seu território. Surgiu a suspeita de que membros da expedição haviam se apropriado de tesouros chineses mantidos em museus na capital. Os boatos se provaram infundados, mas dois professores chegaram a ser agredidos na rua por nacionalistas chineses. Ironicamente, Andrews acabou piorando a situação, ele leiloou um ovo de dinossauro por 5 mil dólares, a fim de angariar fundos para a compra de armamento para a expedição. Com o dinheiro, ele adquiriu três metralhadoras giratórias que foram instaladas no teto dos veículos o que irritou os chineses.

Incapaz de garantir a segurança de sua equipe, Andrews decidiu cancelar as expedições de 1926 e 1927. Em 1928 ele tentaria novamente, a expedição contava com armamento pesado: granadas, explosivos e metralhadoras, mas mesmo assim eles só conseguiram chegar a fronteira da Mongólia. No caminho eles encontraram vilas inteiras destruídas e civis massacrados por ambos os lados. Os cientistas estavam enjoados com aquele horror, alguns diziam que a expedição havia se tornado quase uma campanha militar. Para piorar, ao retornar a Pequim, os membros da expedição foram presos, acusados de roubo. A recém criada "Sociedade para Preservação de Objetos Culturais", acusava três membros da expedição da apropriação de tesouros do povo chinês. As armas e automóveis foram confiscados e Andrews passou seis semanas negociando a devolução do equipamento. Quando finalmente ele conseguiu reaver parte do material, não havia mais clima para prosseguir.

Em 1929, ele não recebeu a documentação necessária para retornar a China. O governo negou seu visto e advertiu que ele não poderia entrar no país. Em 1930, uma última expedição foi planejada. Andrews ainda tinha conhecidos no governo chinês e estes conseguiram, através de muitos subornos, documentos oficiais. Para equipar a expedição ele negociou diretamente com contrabandistas que havia conhecido nas expedições anteriores.

Nessa derradeira expedição, eles encontraram um espetacular cemitério de mastodontes, os antepassados dos elefantes e coletaram inúmeros fósseis. A despeito do sucesso, Andrews teve que admitir que as condições de trabalho na Mongólia haviam se tornado perigosas demais para continuar.

Assim se encerrou a Expedição à Ásia Central e com ela a era de ouro das grandes expedições científicas. Andrews retornou aos Estados Unidos e quatro anos mais tarde se tornou o Diretor do Museu de História Natural de Nova York. Em 1942 ele deixou o museu e seguiu para a Califórnia onde passou o resto de sua vida escrevendo sobre suas experiências. Ele morreu em Carmel, no ano de 1960.

O legado de Roy Chapman Andrews continua vivo entre os cientistas que exploram a vastidão do deserto mongol. Sessenta anos depois da expedição Andrews ter partido, o governo da Mongólia convidou uma expedição norte-americana do Museu de Ciências Naturais a retornar e refazer os passos da expedição Andrews.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Horror visita o Interior do Brasil - Resenha do livro "O Bairro da Cripta" de Marcos R. Terci



"É sempre treva no Bairro da Cripta"

Há um lugar sombrio para onde os horrores do mundo parecem convergir, atraídos, talvez, pelas promessas negras da madrugada ou quem sabe, pelo canto hipnótico de aves agourentas. 

Um lugar onde coisas estranhas, inexplicáveis e aterrorizantes acontecem com uma frequência alarmante. Um lugar mal-afamado; assombrado por ocorrências sobrenaturais que de tão fantásticas e imponderáveis, levam a pensar: porque um lugar seria tão maldito e atrairia tamanhos horrores.

Esse lugar tem nome, chamam-no de Tebraria.

Nesse lugar assustador, fantasmas, espíritos e mortos de toda lavra se reúnem para marchar silenciosamente pelas ruas tortuosas em uma procissão profana. Lá um jardim se alimenta da tristeza humana e cresce frondoso, irrigado pelas lágrimas dos infelizes suicidas. Lá, uma menininha, a mais pura face da inocência e da candura, cede aos caprichos de uma alma antiga que a transforma em algo maligno. Lá uma Casa de Prazeres proibidos, abre as suas portas para frequentadores dispostos a conhecer segredos e delícias ultrajantes, quase esquecidos, ao menos pelos vivos.

Em Tebraria.

É lá que um pescador amaldiçoado se esconde, aguardando por um horror vingativo que prometeu um dia visitá-lo para um ajuste de contas. Lá um sobrado ancestral, transformado em ruínas pelo tempo, atrai meninos que alheios ao perigo que ali espreita, descem a um porão imerso na escuridão. É lá que uma estátua ancestral, pranteada de terras distantes, jaz guardada no porão de uma Igreja como uma santa desconhecida, antiga quando o homem ainda era jovem.

Tudo isso em Tebraria.


A cidade fictícia localizada no interior de São Paulo, "a oeste do preguiçoso Rio Mogi" é o palco desses e de outros tormentos, encenados em um ambiente propício. Em Tebraria, uma vasta necrópole de pedra se estende sem parar, majestosos mausoléus e uma infinidade de lápides se espalham além dos limites murados do cemitério, confundindo-se com as casas, tanto as abandonadas quanto aquelas ainda habitadas. A morte invade o território dos vivos e se insinua em cada localidade ocasionando surtos de tragédia e loucura.

Os habitantes, resolutos de sua condição, chamam o distrito ermo de Bairro da Cripta, e não é para menos, pois aqueles que residem nas imediações tem por vizinhos os fantasmas, os vampiros, os lobisomens e toda sorte de coisa funesta, germinada nesse solo, fértil para a proliferação de horrores, deste e de outros mundos.

Essas e outras estórias macabras são contadas na antologia "O Bairro da Cripta - Tomo I - As Elegias", livro de Marcos R. Terci, editado pela LP-Books.

Nascido em Descalvado, interior de São Paulo, Terci é poeta, advogado e um escritor extremamente hábil com as palavras e com a descrição meticulosa de suas cenas medonhas. E não são poucas! As Elegias apresenta um desfile de situações fascinantes, desveladas com extrema habilidade e com uma qualidade literária invejável. 


O autor parece à vontade lançando mão de monstros tradicionais em um ambiente onde eles não são tão frequentes, o Brasil, mais especificamente, o interior paulista do século XIX e na primeira metade do século XX. Para aqueles que acham que o ambiente de nosso Brasil não é o mais adequado ao gênero, eu advirto: Livrem-se imediatamente desse tipo de preconceito!  

Os horrores contidos em "As Elegias" são legítimos representantes da melhor tradição do gótico e não tem nada de inocentes. Esqueçam as historinhas de carochinha e de monstros pueris, aqui os monstros que se escondem nas trevas são extremamente cruéis. Substituindo os castelos pelos casarões coloniais, as aldeias de camponeses pelas cidadezinhas do interior, os condes pelos coronéis e as superstições por elementos de nosso folclore e crendices populares, o resultado é uma transposição muito bem feita do gênero para nossa realidade. 

Como pano de fundo para todas as estórias temos a cidade de Tebraria e o sinistro Bairro da Cripta. As narrativas aos poucos vão revelando detalhes da geografia da cidade, o que existe em seus limites e arredores, os bosques ermos, os hortos proibidos, as margens do riacho sinuoso; da arquitetura pontilhada por edificações do período colonial, da história assombrosa e tumultuada e da gente estranha que escolheu viver nesse lugar, ou por ele foram atraídas. Em cada conto, encontramos menções a personagens de outra narrativa, o que contribui para criar uma sensação de familiaridade palpável com o lugar e uma vontade de saber mais sobre ele. Como um quebra-cabeças, o mapa de Tebraria vai se montando e a imagem que surge a partir de suas peças devidamente encaixadas é de aterrorizante beleza. 


O leitor atento reconhecerá em Tebraria ecos da obra de H.P. Lovecraft, onde cidadezinhas fictícias localizadas no interior da Nova Inglaterra, formavam a chamada Terra Lovecraftiana - Arkham, Kingsport, Innsmouth e Dunwich, lugares fantasmagóricos infestados pelas forças dos Mitos ancestrais. Aqui os horrores podem ser outros, não cósmicos, mas terrenos, contudo não são menos assombrosos. Não por acaso, a dedicatória do livro alude diretamente a Lovecraft ("o maior escritor de ficção científica e horror de todos os tempos"), sem dúvida, o bom Cavalheiro de Providence serviu de inspiração para vários desses contos.

Escrito com uma linguagem rebuscada e com um ritmo vertiginoso que faz o leitor virar as páginas avidamente, "O Bairro da Cripta" apresenta uma coleção de estórias curtas, 24 delas, cada uma mais perversa e delirante que a anterior. Previsto para ter cinco partes (uma pentalogia!), esse primeiro tomo sinaliza com uma série extremamente promissora e envolvente que vale a pena ser lida pelos entusiastas do gênero.

Eu indico esse livro para todos que tem uma atração pelo incomum e que gostam de se deixar envolver por estórias assustadoras. Vocês não irão se arrepender...

O livro pode ser adquirido através deste LINK, e para mais detalhes, acompanhe a página da obra no FACEBOOK.

Aqui está o book trailer do primeiro volume:


O Bairro da Cripta - Tomo I - As Elegias
por Marco R. Terci
Editora LP-Books
Lançado em 2014
167 páginas


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Cruzando o Grande Gobi - A Expedição automotiva de Andrews na década de 1920


Era a segunda semana da expedição e o aventureiro Roy Chapman Andrews já estava em dúvida quanto ao propósito de tudo aquilo. Sua ideia de procurar fósseis na isolada (e quase inexplorada) região da Mongólia central fora, desde o início, motivo de controvérsia. Vários cientistas zombaram de suas teorias, dizendo que buscar fósseis nos confins do deserto mongol era, no melhor dos casos uma perda de tempo, no pior, um disparate perigoso. Outros afirmavam categoricamente que era uma tolice tentar obter um perfil geológico de uma região coberta de areia e poeira inconstante. Mesmo Andrews havia expressado as duas preocupações no dia em que ele deixou Nova York para a sua audaciosa jornada.

Em uma reunião com Henry Osborn, presidente do Museu Americano de História Natural, que estava patrocinando a expedição, Andrews comentou que estava temeroso de que o esforço resultasse em um fracasso. 

"Besteira, Roy," respondeu Osborn, "Os fósseis estão lá, eu sei que estão, você sabe que estão. Vá até lá e os encontre. Além do mais o que você tem a perder? Além de sua reputação, credibilidade e respeito?"

Haviam se passado meses e Andrews estava sentado diante de sua tenda, talvez ponderando sobre o futuro da sua carreira na corda bamba. A paisagem inóspita do Deserto de Gobi se abria diante de seus olhos. O ano era 1928. Seus pensamentos se desfizeram pelo som de motores à distância e por uma nuvem de fumaça branca que se erguia no horizonte. Eram dois automóveis reluzindo sob o sol causticante. Walter Granger, o chefe paleontólogo da expedição, pulou de um dos carros ainda em movimento e correu em sua direção. Seu rosto estava escuro coberto de poeira e os cabelos emplastados. Granger e alguns cientistas haviam saído naquela manhã para pesquisar uma área que no levantamento topográfico parecia promissora e o grupo ficou de se juntar aos demais quando terminasse a exploração. A medida que Granger se aproximava Andrews percebeu que ele trazia em suas mãos uma bolsa de lona, e quando chegou perto o bastante começou a tirar de dentro dela vários fragmentos de osso: um dente de rinoceronte, uma costela fossilizada, um fragmento qualquer...


Foi então que Granger anunciou com um sorriso de triunfo, "Bem, Roy, nós conseguimos. Os fósseis estão aqui."

Roy Chapman Andrews nasceu em Beloit, Wisconsin em 1884. Andrews escreveu em sua biografia que mesmo quando criança tinha o desejo de viajar pelo mundo e viver aventuras: "Eu nasci para ser um explorador " ele escreveu no seu livro The Business of Exploring de 1935. "Nunca pensei em ser outra coisa, nunca houve qualquer dúvida. Eu não poderia fazer outra coisa e ser feliz.

Sua maior ambição era trabalhar para o Museu Americano de História Natural. Usando o dinheiro que ele acumulou em um trabalho como taxidermista, chegou a Nova York em 1906 após se graduar no colégio de Beloit. Quando Andrews se candidatou a um trabalho no museu, o diretor disse que não havia nenhum cargo aberto. Andrews persistiu, "Você precisa de alguém para esfregar o chão, não precisa?" O diretor admitiu que precisava de alguém para esse serviço. Andrews pegou o emprego explicando que não estava interessado em esfregar qualquer chão "mas o chão de um museu era diferente." Esse foi o humilde começo para o homem destinado a se tornar um dos mais famosos e bem sucedidos exploradores do mundo e décadas mais tarde o diretor daquela mesma instituição.

Ele começou esfregando o chão e seus conhecimentos básicos de taxidermia o levaram a trabalhar com os profissionais responsáveis por empalhar animais. Seu primeiro interesse foram as baleias. Ele ajudou a empalhar um espécime de baleia que havia sido lançado na costa de Long Island. Provando sua habilidade, Andrews foi aceito em expedições para coletar espécimes e viajou para o Alasca, Japão, Coréia e China em busca de mamíferos marinhos. Ele escreveu duas dissertações sobre eles ao mesmo tempo e completou seus estudos em mamologia pela Universidade de Columbia.


Entre 1909 e 1910 velejou como naturalista a bordo do USS Albatross para as Índias Holandesas. Além de fazer observações de mamíferos marinhos, coletou espécimens de serpentes e lagartos ainda desconhecidos. Capturou alguns pássaros e peixes curiosos e uma enorme coleção de insetos. Suas descobertas foram preservadas em vidros cheios de álcool. Em determinado momento, a coleção era tão grande que o porão do navio passou a ser chamada de "Arca de Andrews". 

Enquanto estava nas selvas do sudeste asiático, Andrews teve sua primeira experiência com os perigos de explorar regiões selvagens. Ele estava andando pela mata com seu guia quando de repente o homem saltou sobre ele:

"Uma serpente, Mestre! Uma serpente venenosa. Ali, logo na frente daquela árvore! Atire nela, rápido!"

O rapaz apontava para o lugar, mas Andrews não conseguia discernir nada de estranho a não ser um tronco de madeira suspenso na árvore. Então de repente, uma forma escura se moveu preguiçosamente e ele percebeu que o tronco era uma píton com uma circunferência equivalente a da cintura de um homem. O animal era enorme e estava escondido sob a vegetação preparado para o bote.

Andrews apanhou o rifle e disparou contra o enorme réptil que atingido se contorceu por mais de meia hora antes de morrer. Quando o animal enfim parou de se mover, Andrews descobriu que a píton tinha mais de seis metros de comprimento. Se o guia não tivesse alertado da sua presença, ele teria caminhado na direção do animal e provavelmente teria sido morto por ele. O explorador preservou a enorme serpente e passou a dizer que ela servia como um lembrete de que um explorador precisa contar com o inesperado quando adentra um território desconhecido.   

Por volta de 1920, Andrews estava pronto para uma nova aventura.


Já fazia oito anos que ele pensava a respeito de um projeto ousado visando "reconstruir inteiramente a história humana no Platô Central Asiático", incluindo sua geologia, coleta de fósseis, verificação do clima e categorizar a vegetação local. Ele pretendia também descobrir que tipo de animais haviam vivido naquela região, mamíferos e aves pré-históricas, e apurar o que havia acontecido com eles. Em resumo, o plano de Andrews era fazer um levantamento científico completo daquela vasta área desconhecida, a Mongólia Interior, uma região que até então era um grande espaço em branco nos mapas. Para esse propósito ele convidou o então presidente do Museu de História Natural, Henry Fairfield Osborn, para um almoço. Mais tarde Andrews lembrou da reunião, Osborn se recostou na sua cadeira, acendeu um cachimbo e perguntou, "Bem Roy, o que você tem em mente?"

Andrews explicou seu plano e Osborn ficou muito interessado. Osborn era um dos defensores da teoria de que a Asia Central havia sido o berço da vida no planeta. A partir daquela região, no passado luxuriante e cheia de vida, dinossauros e mais tarde mamíferos e ainda mais tarde o homem teriam se dispersado pela face da Terra. Uma expedição como aquela, proposta por Andrews, poderia confirmar a teoria que encontrava grande oposição de outros estudiosos. Após perguntar a respeito dos objetivos da expedição e como o colega planejava realizá-la Osborn enfim respondeu, "Nós precisamos levar isso adiante!"

O planejamento para a expedição exigia uma série de providências e preparativos. O interior da Mongólia era preenchido por um vasto e árido deserto de areia quase que inteiramente inabitado, exceto por algumas tribos de nômades. Eles teriam de adentrar o perigoso Deserto de Gobi, onde durante o verão as temperaturas atingiam 50 graus de dia, enquanto à noite decaíam ao ponto de congelamento. Pior do que essas condições de tempo, a equipe virtualmente não fazia ideia do que encontraria lá dentro. Não haviam mapas confiáveis, os guias interessados em conduzi-los eram poucos e não havia uma base de cálculo sobre quantos suprimentos deveriam levar. Para todos os efeitos, aventurar-se na Mongólia na década de 1920, podia ser tão surpreendente quanto viajar para Marte.

Dezenas de cientistas com diferentes especialidades desde cartografia até zoologia, passando por biólogos e paleontólogos seriam necessários para compor a equipe. Para transportar os pesquisadores Andrews decidiu inovar e desafiou a indústria automotiva americana a adequar os veículos às condições limítrofes que seriam encontradas no deserto. A Dodge Motor Company de Detroit acabou ganhando a disputa contra as outras empresas e apresentou um carro forte e resistente, capaz de transpor os mais difíceis obstáculos do deserto, suportar o clima inclemente e rodar mesmo na completa ausência de estradas. Uma frota desses automóveis Dodge foram especialmente adaptados com pneus desenhados para as condições do deserto. A propaganda dessa empreitada fez com que a Dodge se tornasse famosa em todo mundo.

Além dos veículos, a caravana contaria com 125 camelos carregados com comida, combustível, equipamento, água e suprimentos. Seriam vinte e seis cientistas e quarenta guias se embrenhando numa das mais remotas regiões do planeta, numa busca que poderia muito bem resultar em fracasso ou na morte de todos seus participantes. Uma exploração dessa magnitude não poderia durar apenas uma temporada. Os cientistas ficariam na Ásia por pelo menos cinco anos, aproveitando os meses de verão e se refugiando em Pequim no Inverno, quando sobreviver no deserto se tornava virtualmente impossível.     

Os perigos da Mongólia Interior não se resumiam ao clima e relevo extremos. 

Politicamente a área era instável. A China controlava a maior parte da Mongólia, mas toda a região central estava imersa em guerras civis, revoltas e agitação popular. O território era uma verdadeira colcha de retalhos com líderes tribais enfrentando Senhores da Guerra armados até os dentes por pequenas porções de terra. Poços de água e vilarejos eram disputados e não havia como saber qual lado estava vencendo. Para piorar, um verdadeiro exército de russos brancos (contrários à Revolução Bolchevique) haviam se refugiado na Mongólia, usando seus despenhadeiros como esconderijo para atravessar a fronteira soviética e realizar ataques aos comunistas. Os soviéticos por sua vez atravessavam a fronteira para enfrentar esses rebeldes, enfurecendo os chineses. Em suma, todos estavam armados e dispostos a matar.


Mas não apenas as correntes políticas podiam variar enormemente. Haviam tendências religiosas que seguiam tradições e filosofias orientais, misturadas com esoterismo russo e superstições das mais variadas. Muitos soldados seguiam seus líderes transformados em heróis, mártires, profetas e messias da noite para o dia. Russos brancos seguiam o legendário Barão Sangrento, Ungern Sternberg, tido como um Senhor da Guerra predestinado a derrubar o regime soviético. Chineses seguiam os preceitos do confucionismo, mas havia espaço para cultos e correntes muito mais estranhas. E é claro, os comunistas soviéticos enfrentavam toda essa babel com a inquebrantável certeza de que Deus, simplesmente, não existia. 

Todos esses pontos de vista transformavam a região em um barril de pólvora prestes a ir pelos ares com a menor faísca.  

Para armar todas essas correntes antagônicas, havia contrabandistas de armamentos, munições e equipamento pesado agindo às claras. A Mongólia era uma das áreas mais perigosas do planeta nesse período e um negociante de armas podia fazer uma verdadeira fortuna (ou morrer tentando). Um número assombroso de bandidos e saqueadores, homens que não tinham nada a perder, se reuniam nessas planícies dispostos a cair impiedosamente sobre uma caravana como uma verdadeira nuvem de gafanhotos famintos.

Não por acaso, Andrews deixou claro aos membros da expedição o que aqueles dispostos a acompanhá-lo nessa aventura enfrentariam. Os cientistas passaram por um rígido treinamento de sobrevivência no deserto e aprenderam noções de defesa pessoal e de tiro.

A expedição levava caixas contendo rifles ingleses Lee Enfield, milhares de cartuchos de munição, pistolas Colt 45 e até Metralhadoras Thompson. Para não parecer um alvo frágil a expedição científica necessitava mostrar que não iria se render diante de qualquer inimigo, e um dos requisitos para se juntar a expedição era saber manejar armas e ter fibra para matar se necessário.

Com esse espírito a expedição partiu rumo ao desconhecido.

(continua)

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