domingo, 30 de agosto de 2020

Ladrão da Beleza - O Caso chocante do Vampiro de Nuremberg


Existe um estranho fascínio a respeito de narrativas sobre crimes.

E quanto mais incomuns, bizarros e perturbadores estes crimes, mais eles acabam chamando a atenção de um público ávido por informações. Infelizmente, não faltam casos incomuns acontecendo quase que diariamente ara alimentar essa mórbida curiosidade. Estes casos geram controvérsia e polêmica, antes de sumirem, substituídos por novos incidentes anda mais extraordinários. Entretanto, alguns demoram mais tempo a desaparecer da memória, se tornam material para estudo em livros, dissertações de especialistas e programas policiais. Alguns passam a fazer parte de lendas urbanas e por vezes são absorvidos pela cultura popular através de filmes e romances, elevando o nome dos envolvidos ao status de mitos.

Contudo, certos crimes verdadeiramente chocantes talvez pelo teor espinhoso dos eventos ou pelo caráter visceral dos fatos são varridos para baixo do tapete. Como se a própria sociedade preferisse ignorar sua existência em face do horror que eles conjuram. Um desses casos envolve um homem que cavava sepulturas e assassinava em busca de um objetivo absurdo: roubar a beleza de suas vítimas. 

A história estarrecedora e absurda tem início em abril de 1971 quando vários cemitérios de Nuremberg, na então Alemanha Ocidental noticiaram uma série de misteriosas profanações. Sepulturas eram destruídas, covas escavadas e os restos no interior destas removidos sem cerimônia. O criminoso abria os caixões para ter acesso aos cadáveres em seu interior. Sua preferência era por cadáveres recentes, sepultados há uma ou duas semanas, mas em certos casos ele exumava pessoas mortas há anos. Ele então dedicava seu tempo aos cadáveres, evidenciando que o criminoso não era apenas um profanador, mas um necrófilo. Ossos apresentavam marcas distintas de mordidas e alguns eram roídos até o tutano. Os cadáveres de mulheres apresentavam contato sexual.

Se isso já não fosse suficientemente chocante e perturbador, havia um macabro detalhe adicional. O criminoso levava consigo souvenirs, usando para isso uma faca afiada ou serra no intuito de extirpar órgãos ou decapitar suas presas. Por vezes ele se dedicava a recolher dedos, orelhas, nariz ou lábios, mas em outros casos voltava sua atenção para pés, mãos, pernas ou até mesmo o coração.

À princípio as autoridades acreditavam que fossem incidentes isolados, mas quando uma investigação foi levada à cabo, descobriu-se que um total de 35 corpos haviam sido exumados entre os anos de 1971 e 1972. Todos os indícios sugeriam que o mesmo indivíduo estava por traz desses crimes, alguém profundamente perturbado capaz de mutilar, comer e ter relações sexuais com corpos recém escavados.  
   

A coisa se tornou ainda mais sinistra quando em 6 de maio de 1972, Markus Adler de 24 anos e sua noiva Ruth Lisse de 18, foram encontrados mortalmente baleados em seu carro. As vítimas foram tratados de maneira semelhante aquelas vilipendiadas nos cemitérios. Markus foi baleado na cabeça e morreu imediatamente, o corpo sofreu relativamente pouca perturbação por parte do assassino, que se limitou a remover sua camisa e sapatos. Ele dedicou mais tempo a Ruth que foi ferida com um disparo no estômago e levou mais tempo para morrer. Os investigadores descobriram que ela tinha marcas de mordida que evidenciavam um detalhe horrendo, enquanto ela ainda agonizava o assassino a mordeu e lambeu a ferida provocada para beber seu sangue. Ele ainda abusou do cadáver ainda quente, logo após sua morte. 

Parecia uma mudança clara no modus operandi do monstro, que evoluiu da profanação para assassinato. É possível que essa reação tenha sido motivada pela vigília estabelecida em cemitérios que devem tê-lo assustado.

Em geral necrófilos não costumam matar, preferem recorrer a vítimas que não possam reagir ou vir a reconhecê-los. Eles tem noção da conduta reprovável e manifestam vergonha quando apanhados. Na maioria dos casos, aqueles que enveredam pelo macabro caminho da profanação e dessacralização de cadáveres são indivíduos passivos e tímidos, que não conseguem estabelecer um relacionamento com os vivos e preferem a companhia dos mortos. Podem parecer "estranhos", mas conseguem interagir socialmente, tendo trabalho e por vezes até casando.  

A maioria dos Necrófilos tende ainda a serem fetichistas, pessoas atraídas sexualmente pelo objeto de sua obsessão, no caso, a morte. Apenas ao lado daquilo que os excita conseguem exteriorizar seu desejo sexual, sendo que em todos os outros casos se mostram normalmente impotentes. Fetichistas criam "rituais" que servem como uma preparação para o ato sexual. Sem estes rituais, nascidos em fantasias encenadas mentalmente, eles não conseguem atingir seu climax. Precisam de tempo para ficar com o objeto do fetiche e estabelecer com ele uma relação íntima, por isso seus crimes acontecem em áreas isoladas onde eles não são atrapalhados por curiosos. É por essa razão também que eles buscam "troféus". Partes do corpo, da roupa ou peças pessoais representam uma lembrança que ativa a memória e permite revisitar o incidente quantas vezes ele julgar necessário.

Fetichistas compulsivos incorporam a obtenção de troféus ao seu ritual. Eles guardam os prêmios conquistados pelo prazer que extraem da manipulação dos mesmos e das recordações que eles trazem que lhes permite um alívio na forma de auto-satisfação. Obviamente, nem todo fetichista se torna necrófilo, e menos ainda antropófago, mas a progressão em casos graves é presumível. Nos anos 80, Jeffrey Dahmer, o infame Canibal de Milwalkee começou sua "carreira" como fetichista, progrediu para a necrofilia até se tornar um canibal. O assassino de Nuremberg seguia um caminho similar.

Semanas após o duplo homicídio, outra mulher foi encontrada morta e profanada num terreno baldio nos subúrbios de Nuremberg. Marcas de mordida no pescoço, nas coxas e pulsos deixavam claro que o assassino havia produzido ferimentos para sorver o sangue enquanto ela agonizava. O ritual fetichista estava bem claro.


Os detetives não tinham dúvida que era o mesmo maníaco e que o tempo de refração (o período de tempo entre um crime e outro) estava diminuindo, evidenciando que o matador não encontrava mais prazer duradouro nos seus crimes. Ele estava "viciado" em matar e precisava obter o alívio que esse ato lhe fornecia.

A mídia sensacionalista não demorou a arranjar um nome para o maníaco; ele passou a ser conhecido como Vampiro de Nuremberg, um herdeiro do célebre "Vampiro de Dusseldorf" que na década de 1930 aterrorizou aquela cidade. O medo era evidente e as pessoas evitavam sair sozinhas ou ficar até tarde nas ruas: restaurantes, cafés e boites ficavam desertas. A noite pertencia ao louco e ele andava livremente.

Naquele mesmo mês, um estranho encontro levaria à captura do monstro. Numa tarde de maio de 1972, um atendente de casa funerária chamado George Warmuth estava fazendo sua ronda antes de fechar o negócio quando ouviu um som estranho no local onde os corpos eram mantidos. Ele se aproximou cautelosamente e percebeu uma forma agachada sobre uma mesa de preparação. Aproximando-se percebeu que se tratava de um homem que estava beijando um cadáver feminino enquanto se masturbava freneticamente. O sujeito havia arrebentado a tranca da porta nos fundos e acreditava estar sozinho. Ao ser surpreendido pelo atendente ele reagiu violentamente apanhando uma pistola e disparando. Por sorte, Warmuth não foi atingido e conseguiu escapar enquanto o louco fugia deixando para traz uma bolsa contendo uma macabra coleção de ferramentas: uma serra, uma faca e sacos plásticos.

A polícia foi chamada e o atendente fez uma descrição do homem que tentou matá-lo. Com um retrato falado sendo divulgado nos jornais, não demorou até alguém reconhecer a figura franzina e estranha. Investigando as pistas os policiais foram levados até o criminoso o que acrescentou um elemento ainda mais bizarro ao caso já chocante.

A polícia encontrou um homem de 41 anos chamado Kuno Hofmann um operário com longo histórico de doença mental. Ele havia entrado e saído de asilos toda sua vida, e havia escapado nada menos que 12 vezes até ser preso por roubo e encarcerado por 1 ano. Na prisão ele havia sido transferido depois de agredir outro interno com quem havia estabelecido um relacionamento homosexual. Kuno quase matou o colega de prisão com golpes de um martelo roubado na oficina de carpintaria.

A vida de Hoffman havia sido pontuada por extrema violência. Ele sofreu frequente espancamento nas mãos do pai que era alcoólatra e que possivelmente abusou dele sexualmente quando criança. Isso agravou os problemas de Hoffman deixando nele sequelas que incluíam gagueira, mutismo seletivo e retração emocional (certas palavras faziam com que ele se fechasse em estado catatônico). Retirado da guarda do pai ele foi enviado para instituições de auxílio a menores onde também foi exposto a abusos emocionais.


As autoridades interrogaram o suspeito e não demorou para que ele confessasse seus crimes. De fato, ele parecia animado em compartilhar com os detetives o que vinha fazendo. Hoffman trabalhou no necrotério da cidade logo depois de ser solto da cadeia e lá desenvolveu seus apetites macabros. Ele confessou que se deleitava manipulando cadáveres e que foi afastado do trabalho depois de ser flagrado em "atitude suspeita". Seus patrões diziam que ele parecia estranhamente animado quando era instruído a lavar os cadáveres e prepará-los para o enterro. Teria sido pego afagando o cadáver de uma moça de 17 anos, o que ele negou veementemente. Não obstante, foi despedido discretamente para evitar um escândalo.

O gatilho que conduziu aos crimes se deu quando seu contato com o objeto de obsessão foi subitamente interrompido. Ele precisava restabelecer o contato com os cadáveres e desesperado começou a escavar cemitérios. A progressão da profanação para assassinato se deu, conforme esperado quando seu acesso aos cadáveres foi cortado novamente. Kuno afirmava que "precisava" daquilo para viver e se não encontrava cadáveres, produziria os seus. Seu plano era ter seu próprio cadáver em casa, roubar um deles e mantê-lo em casa, mas sabendo que isso atrairia a atenção de vizinhos, se satisfazia com troféus funestos.

Contudo, a condição de Kuno Hoffman extrapolava a noção de que ele precisava de cadáveres apenas para obter satisfação sexual. Havia algo mais que ele estava escondendo e foi preciso a intervenção de um psiquiatra para que ele revelasse um detalhe adicional de sua loucura.

O assassino revelou que quando esteve na prisão havia desenvolvido um forte interesse pelo ocultismo, lendo tudo que podia encontrar a respeito de rituais arcanos, magia negra, satanismo e vampirismo. Kuno chamava seu estudo das ciências ocultas de "preparação". "Preparação para o que"? - quis saber o psiquiatra e ele acabou descobrindo que Hoffman esperava se transformar em alguém mais forte e bonito matando. Ele havia se convencido de que matando suas vítimas como sacrifício seria favorecido por entidades diabólicas.

Kuno afirmou que frequentava a biblioteca local (fato comprovado pelos funcionários) e que buscava antigos livros de magia negra que versavam sobre pactos e barganhas com as forças das trevas. O psiquiatra acreditava que Kuno sofria de Esquizofrenia, ouvia vozes e sofria alucinações, estas se manifestavam com visões de seres demoníacos com os quais ele se relacionava. Estes mesmos seres explicavam o que ele devia fazer e o instruíram a matar e beber o sangue de mulheres.  O assassino esperava que se tornando forte, bonito e popular poderia ser "normal" e que tal coisa só poderia ser conquistada por intermédio do sobrenatural.


A história toda era tão surreal e bizarra que a polícia de Nuremberg optou por não divulgar à imprensa os detalhes mais mórbidos do caso. Temia-se que as peculiaridades do caso pudessem incentivar outras pessoas ou causar comoção.  

O julgamento foi rápido. A defesa se concentrou no aspecto da insanidade, mas o próprio réu afirmava que não era louco e que seus atos decorriam de um planejamento e disposição para atingir um objetivo. Eventualmente, ele foi condenado a prisão perpétua. Pesou para a decisão do juiz, que quando questionado a respeito de sua disposição para continuar matando e profanando caso fosse liberado, o réu apenas sorriu e disse que "seu trabalho não estava terminado": ele ainda não havia se tornado suficientemente forte e belo.

Kuno Hoffman foi trancafiado em um manicômio judiciário em Nuremberg onde ainda se encontra. Com quase 90 anos, é pouco provável que ele um dia venha a ser liberado.

Os assassinatos do Vampiro de Nuremberg constituem um dos mais macabros e perturbadores casos de Necrofilia de que se tem notícia. Especialistas tentaram realizar entrevistas com o monstro, saber como sua mente fraturada via o mundo, mas as autoridades negaram os pedidos alegando que detalhes sobre o caso são tão escabrosos que não deveriam ser revelados para a sociedade. Relatórios sobre o caso permanecem selados há mais de 40 anos apesar dos pedidos para que fossem divulgados.

E talvez o mundo realmente não precise conhecer esses pesadelos.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Buritaca - A verdadeira Cidade Perdida nas Selvas da Colômbia


Há lugares perdidos no mundo e neles estão ocultos segredos ancestrais.

Povos antigos e civilizações esquecidas surgiram, floresceram e desapareceram ao longo dos séculos, deixando para trás artefatos de seu tempo e ruínas que marcaram sua passagem. A busca por estes lugares perdidos e seus tesouros inestimáveis, por vezes revelam mistérios até então inacessíveis. Fragmentos de histórias até então desconhecidos e testemunhos de vozes que há muito se calaram.

Nas majestosas montanhas da Sierra Nevada de Santa Marta, na parte mais ao norte da Colômbia encontra-se um destes lugares remotos. Encravado em um vale 1300 metros acima do nível do mar, sob densa vegetação tropical e escondido por imensos maciços rochosos se encontram as ruínas de Buritaca, que ganhou fama de ser uma autêntica Cidade Perdida.   

Com uma avançada arquitetura creditada aos nativos Tairona, Buritaca um dia se ergueu na encosta da montanha com construções elaboradas de pedra: templos, casas, escadarias e grandes palácios. Segundo especialistas ela teria prosperado a partir do ano 800 dC, hospedando uma população que em seu auge compreendeu 8 mil pessoas. A área que um dia correspondeu a grande cidade é pelo menos 10 vezes maior do que a famosa Machu Picchu e parece ser reminiscente do mesmo período histórico. De fato, acredita-se que Buritaka era a maior e mais movimentada cidade no extremo norte do Império Inca. Um centro populacional avançado com comércio e religião que atraía viajantes e unificava o poder em toda a região. Haviam estradas calcadas e caminhos que levavam até Buritaca e este era o destino final de mercadores e viajantes.


A cidade com mais de seis quilômetros quadrados preencheu em determinado momento de sua existência todo o vale. Para continuar crescendo, seus habitantes iniciaram um processo de verticalização, levantando pavimentos inteiros conectados por rampas e escadarias. Vista do alto Buritaca lembra um grande formigueiro, um verdadeiro labirinto de caminhos tortuosos e corredores estreitos ascendendo pela encosta, formando ângulos quase impossíveis. Haviam ainda canais de irrigação para levar água e acessos com calçamento por onde subiam animais e mercadorias. Postos de observação na parte alta a cidade permitia que guardas vigiassem todo o vale impedindo invasões.  

Casas e templos foram erguidos em lugares estratégicos para combinar com a posição das estrelas, corpos celestiais e calendário, sobre fundações circulares com até 12 metros de diâmetro. O Templo principal só pode ser alcançado através de uma subida ingrime de 1200 degraus até o terraço superior, onde no auge existia um observatório astronômico, possivelmente um dos maiores do Império Inca. Entre os habitantes de Buritaka se encontravam observadores das estrelas, que conheciam vários segredos do tempo e do espaço.


A cidade inteira foi cuidadosamente planejada e meticulosamente detalhada. Os construtores conheciam noções avançadas de engenharia que lhes permitiu desenhar os prédios aproveitando perfeitamente o espaço disponível. No total existem 169 terraços de pedra que correspondem a habitações coletivas na cidade. Campos de plantio, poços artesianos e silos foram distribuídos ao longo da cidade com o objetivo de combater qualquer escassez. Acredita-se que os operários em Buritaca se organizavam em grupos de trabalho cada qual com especializações bem definidas. O transporte de material, por exemplo, era feito por um sistema de polias incrivelmente avançado, diferente de tudo que já foi visto na América do Sul.   

O povo de Buritaka tinha um sistema de governo baseado na religião. Seus chefes tribais faziam parte de uma elite de xamãs que alegava controlar as forças da natureza e do pensamento humano, além de comungar com poderes superiores do cosmos. Os Deuses dos Tairona eram forças cósmicas que habitavam além do céu e que partilhavam parte de seu conhecimento e incríveis presentes se estivessem satisfeitos com seus seguidores. Uma das principais crenças de Tairona envolvia um processo xamanista de troca de energia através do qual, acreditavam, seria possível transcender a condição humana e adquirir conhecimento de regiões distantes do universo. Graças a esses rituais teriam recebido de suas divindades o conhecimento necessário para realizar os impressionantes feitos de engenharia e metalurgia. Muitos dos artefatos religiosos encontrados na cidade se referiam a animais totêmicos e entidades sobrenaturais vindas dos céus em navios voadores ou em grandes anéis de ferro.   

Infelizmente os habitantes de Buritaca abandonaram a cidade após receberem notícias de que outros assentamentos haviam sido atacados e tomados pelos espanhóis. Seus habitantes fugiram para o interior e para as montanhas, temendo a invasão dos conquistadores e principalmente as doenças que estes traziam consigo. Em 1590, a cidade já havia sido inteiramente evacuada pela população residente e não demorou até ela ser reclamada pela natureza em poucas décadas.


Os descendentes dos nativos Tairona sabiam da existência da cidade e essa informação chegou aos conquistadores que ouviram narrativas sobre uma cidade perdida nas montanhas. Companhias de conquistadores se organizaram para subir as montanhas em busca da cidade, mas a maioria dessas expedições acabou retornando sem encontrar o local. Tribos hostis, doença e a natureza selvagem se mostravam um obstáculo quase intransponível. As lendas mencionavam uma cidade que escondia enorme riqueza e que abrigava um vasto tesouro em ouro, prata e pedras preciosas. De fato, por ser um centro populacional, Buritaca realmente dispunha de enorme riqueza. Histórias sobre estes tesouros chegaram aos ambiciosos espanhóis que acreditavam na existência de uma Ciudad Perdida de Oro, verdadeira Eldorado em algum lugar daquelas montanhas. 

O Padre Espanhol Cristobal de Molina, cronista e conhecedor do idioma Queshua, acompanhou pelo menos três expedições armadas que buscaram pela cidade no século XVI. Todas falharam, sendo que em uma delas, um desmoronamento nas montanhas sepultou a maioria dos homens. O religioso chegou ao ponto de alertar futuros exploradores a respeito de uma maldição lançada pelos antigos xamãs. Dizia que espíritos malignos, monstros sanguinários e deuses pagãos habitavam o lugar impondo um regime de terror aos que se aventuravam por aquela região não mapeada. Temia-se muito os espíritos dos antigos xamãs que podiam se transformar em feras assustadoras.

Mas apesar de relatar as inúmeras dificuldades enfrentadas pelos exploradores, haviam aqueles que tinham êxito parcial em suas empreitadas. De tempos em tempos, uma expedição retornava com histórias sobre construções colossais, escadarias abandonadas e templos perdidos no meio da mata. Para apoiar suas narrativas, muitas vezes exageradas e fantasiosas, apresentavam artefatos trazidos desses lugares: ídolos, ferramentas e peças de ouro sólido.


Por séculos a região permaneceu isolada, engolida por uma densa selva fechada. Ainda assim, ela continuava atraindo muitos guaqueros (caçadores de tesouros) que acreditavam nas antigas lendas. Por vezes eles traziam consigo velhos mapas ou se amparavam em alguma descrição feita pelos conquistadores ou outros exploradores. Nativos também compartilhavam histórias sobre a cidade e mencionavam lendas contadas pelos avós de seus avós, ou por antepassados ainda mais distantes.

Em 1973, um grupo de exploradores localizou por acidente uma estranha formação rochosa coberta pela vegetação da selva. Escavando a área eles descobriram o que se mostrou ser uma antiga estrada com calçamento de pedra. Esse caminho os levou até uma enorme escadaria oculta que por sua vez conduzia ao coração de Buritaca. A cidade havia sido inteiramente coberta pela vegetação e era quase impossível discernir os prédios de pedra, ainda que parte de seu traçado arquitetônico fosse perceptível à olho nu. A notícia da descoberta acabou vazando e nos três anos que se seguiram o mercado negro de artefatos arqueológicos do Período Inca foi inundado por notáveis peças. As autoridades acabaram descobrindo que estas haviam sido encontrados nas Montanhas de Santa Marta e que esta vinha sendo explorada por um número cada vez maior de guaqueros.


Apenas em 1976, uma expedição oficial, liderada pelos arqueólogos Gilberto Cadavid e Luisa Fernanda Herrera e auxiliada por guaqueros que serviam de guias, chegou à região. A jornada do vilarejo mais próximo até onde o trecho da estrada foi achada consumiu 12 dias de árdua viagem cortando uma área de vegetação tão fechada que as copas das árvores transformavam o dia em noite. Os exploradores apelidaram lugar de "Inferno Verde" diante das monumentais dificuldades enfrentadas que iam de deslizamentos e chuvas torrenciais, até a presença de cobras venenosas e imensas tarântulas. Seguindo a escadaria de pedra, o grupo atingiu o centro da cidade onde conduziram escavações preliminares que resultaram em descobertas significativas. Fotografias e análises topográficas provaram sem sombra de dúvidas que o sítio, no passado havia sido uma cidade de dimensões consideráveis. 

A descoberta causou grande alarde na comunidade científica, sendo tratada como uma segunda Macchu Pichu. O governo da Colômbia aprovou a exploração do sítio denominado Buritaca 200 logo em seguida. Soldados e engenheiros foram enviados para limpar a área e permitir a construção de um campo de pouso para helicópteros que pudessem abreviar a perigosa jornada pela selva.

Líderes de tribos locais, como os Arhuaco, Koguis e Wiwas, todos descendentes dos Tairona, declararam posteriormente ter conhecimento da existência do sítio e que este era visitado regularmente antes mesmo da ampla divulgação de sua descoberta. Eles teriam mantido silêncio sobre ele como forma de preservar a herança de seus antepassados. Para muitos, o lugar era um tabu, habitado pelos xamãs do passado e portanto não deveria ser perturbado.


Desde seu descobrimento o sítio, batizado com  nome Parque arqueológico Ciudad Perdida Teyuna se converteu num dos mais importantes centros históricos da Colômbia. Do interior das construções foram resgatados incontáveis artefatos posteriormente enviados para museus e instituições não apenas na Colômbia mas em todo mundo. O parque é administrado pelo Instituto Colombiano de Antropologia e Historia (ICANH) que anualmente envia expedições de escavação, mapeamento e recuperação das ruínas. Nos últimos anos as expedições se tornaram ainda mais difíceis em face da presença das FARC na região. Acampamentos de guerrilheiros e narcotraficantes constituíam um enorme perigo para as expedições e muitas delas tiveram de ser canceladas por falta de segurança.

Os arqueólogos que visitaram a Cidade Perdida reconhecem que sabem ainda muito pouco a respeito dela. Menos de 20% da cidade foi escavada, mas expedições mais criteriosas esbarram na falta de recursos. Muitas universidades estrangeiras se ofereceram para conduzir pesquisas no sítio, entretanto, o Governo colombiano é extremamente zeloso a respeito de permitir o acesso de especialistas vindos de outros países, considerando o sítio como um tesouro nacional.

Sem dúvida ainda há uma infinidade de tesouros e mistérios aguardando serem descobertos no local, mas por enquanto, estes segredos continuarão enterrados.  

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Recap Episódio 2: Lovecraft Country - “Branquelos na Lua”


Esse é o Recap do segundo episódio da série Lovecraft Country da HBO. Como todo Recap vamos comentar o episódio, falar do que aconteceu e do que pode acontecer na sequência, curiosidades e detalhes que podem ter passado desapercebidos.

Será inevitável haver uma quantidade considerável de SPOILERS.

Se você não assistiu ao primeiro episódio e ainda tenciona fazê-lo sem prévias informações, aconselhamos PARAR DE LER IMEDIATAMENTE.

(e retornar depois)

Você foi avisado.

Vamos ao RECAP de "Branquelos na Lua", o segundo episódio.

*     *     *

Se há algo previsível que pode ser dito a respeito de Lovecraft Country é que a série será incrivelmente imprevisível.

O segundo episódio apresentou uma sequência de acontecimentos estranhos, incidentes alucinantes, ação vertiginosa, bizarrice, monstros obedientes, cultistas maníacos, rituais assustadores e mistérios que prometem ser revelados ao longo das próximas semanas. No Recap passado eu disse que o primeiro episódio tinha se iniciado com um estrondo, e esse continua reverberando como se produzido em uma sala repleta de ecos.


O que parece mais notável é a quantidade de coisas que acontecem em apenas uma hora e como o roteiro consegue multiplicar situações. Condizente com o clima Pulp, onde os personagens escapam de uma situação e imediatamente se vêem arrastados para outra, o episódio dois vai equilibrando acontecimentos sem dar chance de respirar e entender a loucura na qual os três protagonistas foram mergulhados.

O episódio anterior fechou num cliffhanger com Atticus, Letitia e George, os heróis negros chegando à Ardham depois de passar por maus bocados enfrentando racistas raivosos e homens da lei perversos, além de outras criaturas igualmente sanguinárias. Ao encontrar o endereço para onde Monstrose - o pai de Atticus, foi levado, se deparam com uma mansão onde são recebidos gentilmente.

O episódio 2 se inicia com Letitia e George desfrutando do luxo e da hospitalidade da casa, com direito a uma biblioteca repleta de clássicos (no caso de George) e um armário recheado de vestidos (para Letitia). O pesadelo da noite anterior parece ter sido esquecidos e os dois se divertem à valer, o que deixa Tic sem palavras. "Como eles podem ter esquecido o horror vivido ontem mesmo"? 

Bom, a questão é que os dois de fato esqueceram! Quando Atticus tenta lembrar a eles os trágicos incidentes da noite anterior eles simplesmente não conseguem se recordar com clareza.


Esse é o primeiro sinal de que algo muito estranho está acontecendo na Mansão Braithwhite, como eles ficam sabendo através de uma breve explicação fornecida por William, o sujeito insuportavelmente loiro que os recebe e instrui sobre a história da casa. Criada para ser um local de reunião para uma congregação fraternal, a propriedade é uma cópia da construção original, construída por um certo Titus Braithwhite retratado com trajes cerimoniais em vitrais coloridos nas janelas. Titus enriqueceu com "envio de mercadorias" (segundo Leti, uma forma polida de dizer "escravidão") e pereceu em um incêndio que consumiu a casa cerca de 120 anos atrás. Titus, nas palavras de William, era conhecido por ser "gentil" com os escravos, o que é outra forma "educada" de dizer que ele "confraternizava" com as criadas - uma forma mais realista seria dizer que ele visitava suas dependências para estuprá-las.

A figura de Titus, vestido com manto e capuz é suficiente para colocar Atticus em posição de defesa, ele leu o suficiente de Lovecraft para reconhecer um cultista quando vê um. A primeira reação de Tic é dar o fora dali, mas os outros não parecem tão preocupados. Infelizmente eles não podem deixar Ardham até definir o paradeiro de Monstrose.

Após o almoço servido no jardim, no qual eles sentem estar sendo observados, os três decidem dar uma volta pelos arredores de Ardham. O povoado parece um mundo à parte e ninguém se mostra espantado em encontrar forasteiros negros perambulando pelo lugar. Eventualmente os três chegam a uma torre de pedra construída no centro do vilarejo, um lugar que supostamente guarda as provisões da cidade, mas que mais parece uma prisão. Uma mulher estranha e pouco amistosa guarda essa torre, com cães ferozes que latem para o trio de modo que eles não conseguem se aproximar para ver o interior. Contudo, George vê o bastante para suspeitar que a estrutura de pedra deve possuir um subterrâneo, no caso uma masmorra, onde provavelmente Montrose está sendo mantido prisioneiro.

No retorno para a Mansão, já à noite, o grupo é confrontado uma vez mais pelas estranhas criaturas da floresta, as mesmas que massacraram o xerife e seus homens. Mais uma vez um ruído de apito faz com que os monstros, Guardiões, como são chamados, se afastem. A mulher loira vista anteriormente no automóvel prateado é responsável por salvá-los uma vez mais. Ela os escolta de volta à casa, deixando claro que escapar de Ardham é tarefa quase impossível.     

A suspeita de que seus anfitriões estão envolvidos com feitiçaria se confirma quando Atticus é convidado a conhecer o Senhor da Propriedade, Samuel Braithwhite que tem uma introdução inusitada. O sujeito está deitado em uma mesa enquanto outro, devidamente paramentado com trajes cerimoniais realiza algum tipo de cirurgia no seu abdomen. "Eu achei que ele seria mais claro"! é o primeiro comentário de Braithwhite ao ver Atticus quando ele entra no aposento.


Acompanhado de sua filha Cristina, Samuel apresenta as bases para a Congregação que ele preside, um grupo chamado "Ordem do Antigo Despertar" que se vêem como herdeiros de direito de um almejado Jardim do Éden, verdadeiros Filhos de Adão. Nós ficamos sabendo que Samuel de fato é obcecado pela fábula bíblica do Gênesis, ainda que ele tome como tolo qualquer indivíduo que leve ao pé da letra o que está descrito na Bíblia. Ele defende que o Jardim do Eden se refere ao tempo em que o homem era imortal e que tinha um domínio comum sobre a obra de Deus, capaz de nomear e definir o papel de cada ser da criação.      

Samuel e os Filhos de Adão cobiçam esse poder e conforme Cristina explica, seu plano envolve abrir um portal para esse Jardim do Éden que irá garantir aos membros da congregação vida eterna. Para isso eles precisam da participação de algum descendente direto de Titus Braithwhite, a pessoa que mais chegou perto de ter sucesso nessa empreitada. Nesse caso, como todos já presumiam: Atticus. O rapaz carrega em seu sangue a herança de Titus, que pode ser a chave para o êxito da abertura do portal. O rapto de Montrose foi, portanto, uma maneira de trazer seu filho até Ardham e para as garras do Culto. Samuel diz que Atticus deve se preparar para o Ritual e o deixa aos cuidados de Cristina.

Tic tem uma chance de conversar com Cristina e aproveita para descobrir porque seus amigos se comportam como se não lembrassem do que está acontecendo. Ela explica se tratar de um feitiço que foi lançado para controlá-los. Sentindo o perigo da situação, Tic pede que o feitiço seja removido o que faz com que Letitia e George imediatamente percebam que não são hóspedes, mas prisioneiros na Mansão.

Nesse momento, o clima de cortesia se desfaz por completo. O grupo se sente como o Hóspede de Drácula, no clássico de Bran Stoker, aprisionados em aposentos luxuosos mas incapazes de deixar o local. Pior ainda, para deleite dos convidados de Braithwhite, os Filhos de Adão que começam a chegar para a reunião, o trio é submetido a alucinações que manipulam a percepção e faz com que eles vejam indivíduos que não estão lá. Os cortes rápidos e a sequência acelerada, até abrupta desse ponto em diante acentuam a sensação surreal de pesadelo que os personagens estão experimentando. 


George é confrontado por uma visão de Dora, a falecida mãe de Atticus, deixando claro que no passado os dois tiveram um relacionamento amoroso que pode ou não ter resultado no nascimento do rapaz. Letitia se deixa seduzir por uma versão falsa de Atticus, a quem acaba se abrindo e compartilhando de suas tristezas até ser surpreendida por uma visão de uma serpente. Já Atticus se vê atacado por uma mulher chamada Ji-Ah vestida com uniforme militar e armada com uma baioneta. Sem dúvida, é a mulher com quem ele falou ao telefone episódio passado, alguém que ele conheceu na Coréia e que representou algo muito importante na sua vida. 

Eventualmente os três são liberados de seus aposentos e ainda perturbados encontram uns aos outros no corredor onde se abraçam após a provação. George explica que os donos da Casa estão tentando perturbá-los, mas que eles devem resistir. Só assim poderão escapar do lugar. Em seguida, eles são informados por William que um jantar de gala será servido, ainda que apenas os homens estejam convidados.   

O salão de jantar já está lotado com os convidados de Braithwhite, pessoas vindas de toda parte para testemunhar sua tentativa de abrir o portal para o Éden. Quando Atticus e George entram no aposento, a conversa para e os convidados trocam olhares incomodados, eles claramente não estão habituados a compartilhar da mesma mesa que "aquelas pessoas". De fato, compartilhar da mesa (e principalmente da refeição) servida seria uma temeridade. Samuel Braithwhite pede que seus convidados desfrutem da refeição, nada menos do que uma parte do próprio senhor da casa, uma tira de fígado, servida em bandeja de prata como demonstração de boas vindas. Urgh! Atticus que havia presenciado a extração do órgão, não permite que seu tio sequer cheire o conteúdo do prato.

Felizmente, Tio George mais cedo havia encontrado um livro com as regras e estatutos da "Ordem do Antigo Amanhecer" e aponta que tendo feito parte de uma Ordem Fraternal (no caso a Maçonaria Negra) ele sabe que os membros estão obrigados a obedecer as diretrizes ali determinadas. É claro, negros não são aceitos na Irmandade, mas há uma brecha que deixa claro que os descendentes diretos de Titus Braithwhite ("filhos entre os filhos") não apenas são parte do grupo como devem ser respeitados como chefes. Uma vez que Atticus atende essa requisito, sendo herdeiro do líder, ele pode dar ordens aos demais membros com exceção de Samuel. E ele o faz: "Levantem e deem o fora daqui" ele ordena, sendo obedecido à contra gosto pelos cultistas. 


Isso é o bastante para atrapalhar a reunião. Os membros deixam o salão sem sequer experimentar a iguaria servida por Samuel. E isso cria uma oportunidade de ouro para o grupo tentar uma fuga. Antes é preciso resgatar Monstrose (Michael K. Williams) da Masmorra sob a torre de pedra. A essa altura, finalmente, o espectador é apresentado ao pai de Atticus, que sendo um fã da história do Conde de Monte Cristo deu um jeito de escapar da masmorra no melhor estilo Edmon Dantes, cavando um túnel e emergindo do lado de fora coberto de terra. Atticus e George chegam ao mesmo tempo em que a fuga estava sendo efetuada e são ajudados por Letitia que é claro, os auxilia na escapada derrubando a Vigia da Torre. 

Tendo encontrado Monstrose, o quarteto sobe no carro prateado e se prepara para fugir de Ardham, mas as coisas não terminam da forma que eles imaginavam. Ardham é protegida por símbolos mágicos que impedem a saída de pessoas não autorizadas, e quando o automóvel acelera na direção da liberdade ele se choca violentamente contra uma barreira invisível. Braithwhite aparece logo em seguida, sem demonstrar irritação, ele simplesmente atira na barriga de Letitia e George com uma pistola. O ferimento não é letal, e ele pode, é claro, salvá-los recorrendo a poderes arcanos, mas em troca desse favor, espera que Atticus assuma sua posição no Ritual sem mais delongas. Para provar seu ponto, Braithwhite cura o ferimento provocado em Letitia que desperta incólume, George continua agonizando.

Atticus é preparado para o Ritual, sob os olhos vigilantes de Cristina com quem ele tem uma breve mas importante conversa. Tic ressalta que apesar de Cristina ser filha de Samuel Braithwhite, ela, por ser mulher, jamais será aceita na Ordem, afinal são os "filhos" de Adão, as "filhas" estão fora. Cristina não deixa transparecer nada, mas fica claro que a conversa a atingiu em cheio.

A seguir o Ritual se inicia. Atticus é posicionado diante de uma armação em forma de portal, enquanto implementos elétricos são acesos por cultistas vestindo mantos. Braithwhite, em uma posição de destaque lê num velho tomo os trechos do feitiço que abrirá a Porta para o Eden. O som é abafado por trechos de "Branquelos na Lua" (Whiteys in the Moon), poesia de protesto dos anos 1960, declamada por Gil Scott-Heron que dá título ao episódio (mais sobre isso nos comentários).


Nós vemos homens de manto branco, um portal entre dimensões, planos ou realidade se abrindo, banhando os presentes com uma luz e espalhando folhas e flores que parecem surgir da passagem. Uma inconcebível quantidade de energia transborda e o ritual parece ser um sucesso, mas então o inesperado ocorre! A mesma energia da criação se converte em uma força entrópica que atinge Braithwhite e seus ajudantes. Eles  são imediatamente transformados em poeira, como as vítimas de Pompéia e esmagados por destroços que despencam do teto.

É a senha para Tic correr sem olhar para trás. Guiado por uma visão (seria o fantasma de sua antepassada, Hannah, carregando um livro?), ele escapa da casa que desaba no rescaldo do Ritual mal-sucedido. A idílica propriedade dos Braithwhite é transformada numa ruína fumegante. O Ritual para abrir a passagem para o Eden falhou, como havia falhado anteriormente, quando o Mestre Titus foi consumido em meio às chamas. Felizmente, percebendo que as defesas místicas da Casa estavam fraquejando, Letitia, George e Montrose também conseguem escapar à tempo de evitar serem sepultados sobre os restos da Mansão.


Mas ter escapado da Mansão não se traduz em uma vitória para o grupo, afinal George não poderá agora ser curado pela magia de Samuel. Agonizante, com o disparo no estômago ele acaba perecendo nos braços do meio-irmão Montrose. É um final triste para o segundo episódio, e uma pena já que George era um dos personagens mais interessantes. Eu adoraria que ele fosse mais explorado, mas ao que tudo indica ele não vai sobreviver, o que destoa bastante do livro, onde o Tio George figura até o final como um dos protagonistas.

Fecha então a cortina... o primeiro arco está concluído, mas algumas lacunas foram deixadas em aberto, sendo a mais importante a razão pela qual o Ritual falhou. Me parece claro que Cristina Braithwhite está ligada a isso, e o fato de não a vermos depois da conversa com Tic deixa claro que ela passará a ocupar o papel do pai. 

Comentários:

- Uma das cenas mais comentadas desse episódio diz respeito ao monstro - um dos Guardiões da Floresta de Ardham, nascendo de uma vaca. A cena é realmente bizarra e chama a atenção, pois mostra algo perturbador tratado de forma corriqueira à luz da vida na fazenda. Uma vaca parindo não um bezerro, mas uma coisa abominável, um ser não natural.



É curioso como Cristina Braithwhite é chamada especificamente para auxiliar no nascimento da criatura, como se isso fizesse parte de uma provação ou ritual que ela tivesse de desempenhar. Como membro da família cabe a ela trazer ao mundo esses horrores? Ou há algum outro significado oculto?

Outro detalhe curioso é que o primeiro episódio sugere que as criaturas surgem a partir de uma contaminação na qual pessoas mordidas pelos monstros acabam se transformando. Mas se o nascimento deles se dá por inseminação em vacas, então tudo leva a crer que existam duas maneiras de criar esses monstros. 


- Em determinado momento, Tic compara os Braithwhite com a Ku Klux Klan e incomodada Cristina responde: "Meu pai ou seus associados jamais iriam confraternizar com a Klan… Eles são muito pobres". O sentido pode querer dizer "pobres" de ideia ou conteúdo, mas por outro lado pode se referir a um sentido literal. Os Braithwhite e a Ordem são um grupo de elite, formado por pessoas cultas, requintadas e sobretudo ricas. 

A KKK é uma Sociedade tradicional, constituída por um grupo muito específico da sociedade americana, brancos protestantes pobres, o chamado poor white trash. Ao mostrar uma diferença gritante entre grupos brancos, o roteiro demonstra que existe discriminação dentro da própria sociedade branca, com uma separação muito evidente entre ricos e pobres, quase tão grande quanto a de brancos e negros.  

- Atticus parece incrivelmente chocado depois de lutar e estrangular a falsa Ji-Ah. A luta extremamente feroz na qual a mulher tenta matar Atticus justifica suas ações, ele mata o inimigo para não morrer. Ao sair do quarto, ainda perturbado pela experiência, ele encontra George e Leti e começa a explicar o ocorrido dizendo "uma coisa aconteceu na guerra...", mas George o detém e diz que não importa pois aquilo aconteceu quando ele estava lutando pelo seu país.


Que tipo de memória a luta com Ji-Ah desenterrou na mente de Atticus que quase o levou a sofrer um episódio pós-traumático (PTSD)?  No início do episódio anterior vemos Tic envolvido em uma luta esganiçada nas trincheiras da Coréia, mas aquilo não parece suficiente para incomodá-lo, já a morte da falsa Ji-Ah o deixa baqueado. Ainda temos de descobrir quem é ela e como ela está envolvida na história.

- É um detalhe menor, mas quando os heróis estão explorando Ardham e conhecendo o vilarejo, podemos ver um grupo de crianças dançando ao redor de uma árvore segurando fitas vermelhas. Essa dança tem raízes na tradição pagã e costuma aparecer em filmes de Horror Folk em que figuram de forma proeminente cultos e seitas em áreas rurais. O maior exemplo é "O Homem de Palha" (Wicker Man - 1973). Uma dança semelhante aparece em uma cena chave de Midsommar.

- A mãe de Atticus segundo a lembrança de George havia contado certa vez que tinha uma ancestral chamada Hannah que escapou da casa de seu mestre após um incêndio, enquanto estava grávida. Há uma possibilidade de que Hannah tenha iniciado o incêndio, ainda que seja possível também que a tragédia tenha sido provocada pelo Ritual de abertura do Portal para o Eden conduzido por Titus.


Podemos ver que ela está carregando um enorme livro enquanto corre pelos corredores mostrando a Tic o caminho para a liberdade. Esse livro é de grande importância em um dos episódios do romance de Matt Ruff e provavelmente será visitado também na série.

- A maneira como magia e rituais aparecem na série sugerem que "feitiçaria" é tratada de forma bastante direta na série. Os Braithwhite parecem dominar um número considerável de feitiços, como é demonstrado. Eles são capazes de criar barreiras de energia intransponível, controlar os Guardiões que defendem a propriedade, apagar memórias e curar ferimentos quase fatais. 
Que outras habilidades místicas ainda irão aparecer no decorrer da série?    

- Enquanto examina um quadro com os nomes dos fundadores da "Ordem do Antigo Despertar" Tic encontra dois nomes que aparecem com destaque. O primeiro deles é Titus Braithwhite, o Patriarca dos Filhos de Adão e antepassado de Atticus. Mas há um outro nome na moldura do quadro: Horacio Winthrop.


Os leitores do livro com certeza sabem quem é Horacio Winthrop e sabe da importância dele para os próximos episódios com um de seus descendentes figurando como um dos principais vilões da trama. Com a morte de Samuel Braithwhite, sua filha deve tentar se tornar a nova líder da Ordem, mas terá de enfrentar a oposição de outros membros.   

- Durante a cena do ritual, o som ambiente é substituído pelo poema de Gil Scott-Heron. "Whitey's On The Moon" é um dos trabalho mais conhecidos de Scott-Heron um artista proeminente nos anos 1960-70 que criticava o preconceito racial na América. Na poesia, o autor justapõe os avanços tecnológicos da América branca com as dificuldades enfrentadas pelos negros. Enquanto os primeiros conseguem colocar um homem na Lua, os outros tem dificuldades para sobreviver em prédios infestados por ratos.


O poema é executado enquanto o sangue de Atticus (um negro) é usado para alimentar o ritual conduzido por Samuel Braithwhite (um branco). Mais simbólico ainda, o sangue de Atticus está sendo empregado para promover a abertura de um Portal para o Paraíso que ele não foi convidado a adentrar. Como resultado, a magia irá drenar a vida de Atticus e perpetuar a imortalidade de Samuel.

Bem é isso...

Semana que vem tem mais!

domingo, 23 de agosto de 2020

Apagada da Existência - A Misteriosa morte da mulher de lugar nenhum


Uma das coisas mais tristes que pode acontecer com uma pessoa, é morrer sem que ninguém saiba quem é você, pois sua identidade é desconhecida. Sua morte não foi percebida por amigos, parentes, ninguém... É um pensamento sombrio imaginar que sua identidade pode cessar de existir de uma hora para outra sem que ninguém se importe. Infelizmente, tal coisa é relativamente comum nos anais das mortes envolvendo pessoas que parecem ter vindo de lugar nenhum. Aqui temos o caso de uma mulher que morreu sob circunstâncias misteriosas, que não tinha nome, identidade, ou mesmo uma face. Um caso que se tornou uma das mais sinistras mortes da crônica policial.

Na manhã de 5 de julho de 1982, um coveiro chamado George Kise estava trabalhando no Cemitério Cedar Ridge em Blairwood, Nova Jersey, quando se deparou com algo que marcaria sua vida para sempre. Caído no centro de um terreno baldio que conduzia até um pequeno riacho havia um corpo humano, que sob uma inspeção mais próxima se revelou pertencer a uma jovem mulher, parcialmente despida. Mas o que realmente chamou a atenção de Kise era o fato de que o rosto havia sido totalmente destruído por golpes que apagaram dela qualquer chance de reconhecimento. A face era uma sangrenta impressão digital, uma mancha vermelha escura, com o crânio esmagado e cabelos loiros empapados. A polícia foi contatada imediatamente e respondeu com diligência, encontrando o coveiro em estado de choque. Esse incidente daria início a estranha jornada de um dos mais famosos e surpreendentes assassinatos sem solução.

Quando as autoridades chegaram e examinaram o cadáver ficou claro que a identificação não poderia ser feita através da fisionomia, já que o rosto da vítima praticamente não existia. Tamanha era a destruição facial que sequer a cor dos olhos podia ser determinada. O restante do corpo estava relativamente intacto comparado com os horrores da cabeça. Tratava-se de uma jovem mulher caucasiana, com idade entre 14 e 18 anos, medindo algo em torno de 1,65 de altura e pesando 55 quilos. Seus cabelos eram longos, com uma coloração castanha clara e ela vestia uma blusa vermelha com decote em v e uma saia com detalhes estampados. Como enfeite tinha em volta do pescoço um cordão fino com uma cruz de ouro e dois brincos com pingente branco perdidos em meio ao cabelo emplastado de sangue e massa cerebral. Estranhamente havia esmalte vermelho, mas apenas nas unhas mão direita.

A causa da morte foi determinada pelo legista do condado de Blairwood: um violentíssimo espancamento que se concentrou na cabeça e na face, suficiente para afundar o crânio e o rosto de tal forma que nada restou de remotamente discernível. O oficial Eric Kranz, um dos primeiros policiais a chegar na cena do crime descreveu a descoberta da seguinte forma: "Ela foi apagada. O criminoso a apagou da existência. Não restava nada dela. Quem fez isso, só pode ter agido sob enorme emoção". 


O corpo foi levado até o escritório do legista para exames mais profundos, que encontraram obstáculos para aferir o que havia acontecido. A análise preliminar estimou que ela estava morta há vários dias antes de sua descoberta, possivelmente até mais tempo já que o calor e umidade tornava difícil julgar o grau de decomposição. A despeito disso, o especialista conseguiu apurar que ela tentou se defender de seu agressor, como demonstravam ferimentos e contusões nos braços. Apurou ainda que ela não sofreu ataque de natureza sexual, embora suas roupas íntimas estivessem ausentes. Não havia drogas ou substâncias em seu organismo e apenas uma quantidade ínfima de álcool. Ela não havia dado a luz, estava bem alimentada, até então em bom estado físico e não parecia alguém sujeito a vida na rua. Mas, ainda que todos esses detalhes tenham sido trazidos à tona, não havia nenhuma pista de quem ela era ou como havia terminado naquele descampado isolado. Arquivos dentários e digitais não resultaram em nada. Ela era, e continua sendo, para todos os efeitos, um fantasma.

Com a descoberta do cadáver misterioso naquele estado, uma investigação foi imediatamente iniciada, com as autoridades buscando prioritariamente revelar a identidade da vítima. Vários métodos de reconstrução facial foram tentados para determinar como poderia ser sua fisionomia, mas a divulgação destes na mídia não produziu resultados. Enquanto nada era apurado sobre a identidade da mulher sem nome, ela recebia o apelido de Princesa Doe.

Algumas semanas depois, uma testemunha que se identificou apenas pelo nome de Latimer entrou em contato com a polícia. Ela afirmava ter visto a mulher dois dias antes de sua morte em 13 de julho. Ela acreditava ter encontrado a moça numa loja de departamentos bem próxima da rua que conduzia ao cemitério. Ela estava certa que se tratava da vítima, uma vez que se recordava claramente da blusa vermelha e da saia estampada.   

"Eu a vi. Minha filha de seis anos estava comigo. Ela comentou comigo a respeito da saia da moça ser muito bonita. Eu concordei e cheguei a pensar em perguntar a ela onde havia comprado aquela peça, pois realmente chamava a atenção. Mas ela parecia com pressa e deixou o corredor se afastando empurrando um carrinho de compras".


Os policiais ficaram tão interessados nesse testemunho que chegaram a pedir autorização para hipnotizar a Sra. Latimer para tentar encontrar mais algum detalhe que pudesse ajudá-los, Infelizmente isso não resultou em nenhuma informação adicional que pudesse contribuir para determinar a real identidade da Princesa Doe e as circunstâncias de sua morte. Um retrato falado foi feito, mas a testemunha havia se concentrado mais na saia do que na face da jovem. Tudo que ela conseguiu determinar é que era uma moça de 18-20 anos, de aparência normal. 

Haveriam dúzias de outras pistas semelhantes, pessoas que acreditavam ter visto a mulher, mas que não eram capazes de elucidar as questões relativas à sua identidade. Havia muita especulação por parte da imprensa e do público. Muitos supunham que ela poderia estar em fuga ou ser alguém escondido que preferia se manter incógnita, mas nada corroborava tal teoria. Por um momento, as autoridades acreditavam que a Princesa Doe fosse uma adolescente desaparecida chamada Diane Genice Dye, que havia sumido em  30 de Julho de 1979, mas a família teve acesso às fotos e negou que se tratasse dela. Evidência de DNA realizada com amostras de cabelo colhida de Dye demonstraram anos mais tarde que elas não eram a mesma pessoa. 

Incapaz de determinar quem era a mulher, as autoridades buscaram descobrir a identidade de seu assassino. Contudo, tal coisa se mostrou ainda mais difícil. Uma das pistas obtidas pelos policiais indicavam um nome: Arthur Kinlaw. O sujeito em questão comendava um sórdido negócio de prostituição em Hunts Point, com a ajuda de sua mulher Donna que tinha ficha por aliciamento de menores. A conexão com o caso ganhou força em 1998, quando Donna Kinlaw foi presa na California por fraude de seguro, usando o nome de uma prostituta que havia trabalhado para ela. Quando levada para interrogatório, Donna revelou alguns detalhes sinistros a respeito de seu marido. 

Donna contou que Arthur havia matado pelo menos quatro mulheres, a maioria delas prostitutas. Uma dessas moças seria uma garota menor de idade chamada Linda que "criava problemas". Arthur, que resolvia muitos desses problemas com violência, teria usado um taco de baseball para punir a menina, mas acabou indo além da conta a matando. Para esconder a identidade ele teria usado o bastão para "pulverizar o rosto da vítima" antes de jogá-lo no East River. O problema é que Donna tinha certeza absoluta de que esse caso aconteceu em 1984, dois anos depois da descoberta do cadáver da Princesa Doe. Investigações revelaram que um cadáver desconhecido havia sido encontrado em 1985 que poderia corresponder ao crime citado por Donna e que incriminava o marido. As suspeitas sobre Arthur Kinlaw e sua propensão a violência o tornavam um suspeito em potencial. 


Ele foi condenado em 1985 por ter matado uma mulher em Bellport e se livrado do corpo o enterrando num patio que depois foi coberto com concreto. Outro crime do qual ele era suspeito envolvia uma prostituta chamada  Christine Kozma, que foi baleada em 1982. Alguns chegaram a supor que essa poderia ser a identidade verdadeira da Princesa, mas tal coisa nunca passou de uma suspeita. De acordo com Donna, Arthur tinha propensão à violência, sobretudo quando uma de suas moças "saia da linha". Ele as disciplinava com surras e quando exagerava, demonstrava uma sinistra habilidade para se livrar dos cadáveres dizendo que era capaz de "sumir com qualquer problema". Donna acreditava que o marido foi o responsável por matar a moça encontrada no cemitério, mas não ofereceu nada que pudesse provar sua suspeita.

Haviam outras teorias, mas novamente, nenhuma delas passaram disso. Por algum tempo, algumas pessoas acreditaram que a moça teria sido vítima de um ritual diabólico no qual sua face foi reduzida a polpa após ter a garganta cortada. Embora os jornais tenham explorado o sensacionalismo dessa manchete, ela sempre pareceu incrivelmente exagerada. Nenhuma possibilidade, entretanto foi descartada.

Se Kinlaw foi ou não o responsável pela morte da Princesa Doe, ele acabou indo para a prisão pelo assassinato de outra mulher, aquela que vivia em Bellport. Após julgamento, recebeu pena de prisão perpétua e acabou morrendo na cadeia após uma briga em 1989. Sua esposa, Donna recebeu sentença reduzida por ter cooperado com a polícia e incriminado o marido. Nenhum dos dois jamais foi acusado oficialmente de envolvimento na morte da Princesa Doe. De fato, nunca houve nenhuma evidência que os ligasse ao crime. 

Mais recentemente, com os progressos na Ciência Forense a busca pela identidade da Princesa Doe recebeu um novo impulso. A maioria desses métodos não existia ou ainda estavam sob testes na década de 1980, mas haviam se aperfeiçoado desde então. Em 1999, o cadáver foi exumado para que amostras de DNA fossem colhidas. Infelizmente, as amostras já estavam demasiadamente comprometidas. Mesmo assim, a análise em amostras do cabelo e dentes revelaram alguns detalhes adicionais. A moça era definitivamente americana, provavelmente nativa do estado do Arizona como demonstrava a presença de uma microscópica poeira comum no couro cabeludo de residentes. As autoridades focaram nessa informação, mas novamente nenhuma identidade obteve correspondência nos bancos de dados de desaparecidos naquele estado.


Outro desenvolvimento que prometia lançar uma luz sobre o caso veio com a implementação da Tomografia Computadorizada (CTA Scan). Com certeza a técnica ajudaria a recompor o rosto da vítima e facilitar sua identificação. Uma aparência aproximada foi então divulgada pela imprensa e em cartazes que perguntavam se alguém reconhecia a mulher ali retratada. Com tecnologia moderna, especialistas foram capazes de fazer um modelo do crânio e obter uma composição do que eles acreditavam ser a aparência mais aproximada da vítima. A divulgação produziu várias pistas, com testemunhas se apresentando, afirmando conhecer a identidade da mulher, mas nenhuma delas foi conclusiva.  

O caso da Princesa Doe continua sendo intrigante, sem uma conclusão próxima, sem a identidade da vítima ou suspeitos. O caso é apresentado em vários livros e programas de televisão, se tornando fonte de especulação e debate. Enquanto isso, os restos da vítima repousam no mesmo cemitério onde ela foi encontrada, marcada com uma lápide onde se lê: 

PRINCESA DOE 
"Perdida de sua casa, enterrada entre estranhos, mas lembrada por todos"
 Nascida em ? - Encontrada em 15 de julho de 1982". 

Embora o caso tenha esfriado com o passar dos anos, ele continua em aberto, com cada pequeno indício sendo analisado e investigado. Após décadas, o tenente Eric Kranz, responsável pela investigação se aposentou, mas jamais desistiu de encontrar uma solução, sonhando com o dia em que poderá colocar um ponto final naquilo que se tornou para ele, uma obsessão.  


"Não há um único dia, que eu não pense nesse caso. Todo detetive possui um caso que marca sua carreira e que ele carrega ao longo da vida. Infelizmente, o meu caso, é um que até então, não possui solução. Por muito tempo eu sonhei com o rosto dessa moça, com a identidade e com o nome verdadeiro dela. Por mais tempo ainda, imaginei quem seria o responsável pela sua morte. Eu imagino que um dia esse caso poderá ser solucionado, talvez eu não viva para ver isso, mas de alguma forma é algo que precisa ser feito".  

Quem foi a Princesa Doe? Como ela terminou sua vida em um cemitério e quem foi o responsável pelo seu brutal destino? É algo muito triste imaginar que uma pessoa teve um dia uma vida, amigos, família e que tudo isso, junto com seu rosto, lhe foi arrancado de maneira tão brutal. Ela ainda está no cemitério onde foi abandonada, sem identificação e sem um vingador, mas jamais esquecida. 

Quem sabe um dia venhamos a saber quem era ela e quem é seu assassino, e este seja levado à justiça. Talvez um dia sua lápide fria seja substituída por uma pedra com um nome verdadeiro talhado que substitua o apelido Princesa Doe. 

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Recap do Episódio 1: Lovecraft Country - Por do Sol


Esse é o Recap do primeiro episódio da série Lovecraft Country da HBO. Como todo Recap vamos comentar o episódio, falar do que aconteceu e do que pode acontecer na sequência, curiosidades e detalhes que podem ter passado desapercebidos.

Será inevitável haver uma quantidade considerável de SPOILERS.

Se você não assistiu ao primeiro episódio e ainda tenciona fazê-lo sem prévias informações, aconselhamos PARAR DE LER IMEDIATAMENTE.

(e retornar depois)

Você foi avisado.

Vamos ao RECAP de "Por do Sol", o primeiro episódio.

*     *     *


Um grupo de pessoas presas em uma cabana na floresta, monstros bizarros à espreita, policiais homicidas, tiros de espingarda, sangue, desmembramento, perseguições de carro...

Lovecraft Country começou e não foi com um sussurro, mas com uma explosão.

A primeira coisa que chama a atenção do espectador do episódio piloto, que tem como título "Por do Sol" (Sundown), é a quantidade de ação e suspense que esse capítulo oferece. À despeito de ser uma história de horrores (tanto reais quanto fictícios), a série tem os dois pés fincados no gênero PULP e cada cena reflete isso.

Do início com uma sangrenta cena num campo de batalha na Coreia, que faz uma transição para um sonho delirante com direito a tripods, alienígenas e discos voadores, Lovecraft Country consegue divertir e empolgar na medida certa. Existe algo de extremamente agradável em encontrar diversas referências nessa sequência surreal que faz menção a John Carter, Guerra dos Mundos e outros clássicos da Literatura Fantástica, com direito a um Cthulhu absurdamente fiel.

Ok, o delírio visual de Atticus "Tic" Freeman  (Jonathan Majors) se desmancha quando ele desperta na parte traseira de um ônibus numa estrada qualquer da América Branca nos tempos de Jim Crow. E quando o motor do veículo estoura a gente percebe qual vai ser o tom, quando todos os passageiros são recolhidos, com exceção dos negros que terão de andar na margem da estrada. Enquanto Atticus e uma senhora andam nessa estrada, os dois conversam a respeito do sonho do ex-soldado e sobre as incríveis histórias que o inspiraram.


"Espere um minuto, o personagem desse livro lutou para manter a escravidão"? - a mulher se surpreende quando ele descreve rapidamente o protagonista de "A Princesa de Marte", romance de Edgar Rice Burroughs sobre um oficial Confederado que se torna Senhor da Guerra em Marte.

Pacientemente Atticus explica a ela que "Histórias são como pessoas, elas não precisam ser perfeitas. Você só precisa amá-las e perdoar seus defeitos". E com isso ele define muito de sua personalidade, a de um jovem que ama monstros e ação, que admira aquelas narrativas recheadas de aventura vertiginosa, apesar destas histórias jamais incluírem alguém como ele. Ironicamente, Atticus terá a chance de viver a sua própria história PULP repleta de perigo, situações arriscadas, criaturas e conspirações macabras.

Não apenas Atticus é um excelente personagem, mas todo o elenco principal de Lovecraft Country chama a atenção. Não pelo fato de serem negros, mas pelo fato de possuírem camadas que vamos conhecer, pouco a pouco, capítulo a capítulo. O roteiro desse primeiro episódio apresenta uma trama que se passa em um mundo assustador, habitado por personagens dispostos a desafiar esse mundo e tirar dele momentos de suspense, diversão e até alegria.

"Por do Sol" parece um filme de curta metragem: boa dose de mistério, desenvolvimento de personagens, alívio cômico e uma conclusão gloriosa, com os sobreviventes emergindo triunfantemente em seu destino a medida que o sol nasce. Assustados e cobertos de sangue, é bem verdade, mas fortalecidos diante do que experimentaram. E no melhor espírito de uma aventura PULP, num Cliffhanger que praticamente nos obriga a querer saber o que vai acontecer semana que vem.

A história tem lugar no ano de 1954 quando Atticus chega ao lado sul de Chicago. A comunidade negra foi o seu lar até ele partir para o outro lado do mundo na missão de enfrentar inimigos da América. Nesse porto seguro ele reencontra parentes, amigos e conhecidos, entre os quais a Família de seu Tio George (Courtney B. Vance) que teve enorme influência na sua formação, maior até que a de seu pai, figura austera e amarga que não aceitava suas escolhas. O problema é que o retorno de Atticus está relacionado muito mais ao pai que ao tio. Montrose Freeman, desapareceu! Supostamente ele partiu em busca de uma enigmática "herança" que lhe seria de direito. Mais estranho, pesquisando aqui e ali, Tic descobre que o pai deixou a segurança do bairro na companhia de um rico advogado branco. O que não parece algo que ele faria normalmente.


A única pista é uma carta repleta de garranchos que identifica o lugar para onde Montrose teria ido, um destino familiar para um verdadeiro aficionado pela literatura pulp do começo do século XX, Arkham, o coração do Território Lovecraftiano. Com a ajuda de George, Atticus acaba descobrindo que a mítica Arkham na verdade é um sombrio povoado isolado chamado Ardham na zona rural da Nova Inglaterra.

É preciso abrir um parenteses e falar de George, o Tio de Atticus e meio-irmão mais velho de Montrose. Culto, inteligente e respeitado na vizinhança, George é o dono de uma pequena editora que publica livros para a comunidade negra, em especial o Guia para o Viajante Negro Cuidadoso. Quem viu o vencedor do Oscar 2018 "The Green Book" deve saber do que estamos falando. Até os anos 1970, livros de viagem com roteiros e recomendações para viajantes negros eram comuns nos Estados Unidos. Mais do que oferecer dicas de lugares onde se hospedar e encontrar restaurantes, o guia apontava cidades potencialmente perigosas com xerifes corruptos, policiais racistas e sedes da membros da KKK. Não por acaso, George está sempre fazendo pesquisas, atualizando o guia e pesquisando pelas estradas lugares onde um visitante negro pode parar sem correr perigo. O trabalho de George é importante, mas claramente o lança em jornadas perigosas uma vez que nem sempre ele sabe o que vai encontrar. Quando Atticus menciona que irá partir em busca do pai, George vê uma boa oportunidade de cair na estrada com ele e fazer uma sondagem dos povoados localizados entre Illinois e Massachusetts, ao menos até encontrarem Ardham.

Porém, antes de partir, Atticus tem a chance de se reconectar com suas raízes na comunidade local durante uma celebração do bairro. Nós acompanhamos o veterano de guerra dar uma volta pelo bairro na qual assiste um policial branco advertir crianças e terminar com a diversão delas fechando um hidrante. Logo em seguida ele lança um olhar de reprovação para um oficial de alistamento do exército que vende a ilusão de "conhecer o mundo e viver aventuras" para rapazes. Quando a noite cai, Atticus abre o mesmo hidrante e as crianças voltam a festejar. É uma espécie de "fuck you" para as autoridades, tão significativo quanto o gesto dele de mostrar o dedo médio ao deixar o racista estado do Alabama no início do episódio.

Toda a cena da celebração está lá para demonstrar que existe um refúgio para os problemas do dia a dia, para se aliviar de todo o preconceito e injustiça. Ao menos ali, é possível comemorar, rir , cantar e dançar. A festa também serve para introduzir duas personagens que serão importantes na trama: Letitia (Jurnee Smollett), que retorna à comunidade depois de uma longa ausência, exatamente à tempo de subir ao palco e cantar com sua irmã Ruby (Wunmi Mosaku). Letitia está falida e precisa de um teto onde possa se reestruturar. Ruby é bem direta, oferece duas noites no máximo e depois sugere que ela procure outro lugar para viver.


Na manhã seguinte, Atticus e George estão se preparando para partir na sua jornada, e Letitia, amiga de infância de Tic acaba se juntando a eles. Seu objetivo é parar no meio do caminho na casa de seu irmão Marvin e tentar a sorte por lá. E assim nosso trio de viajantes acaba se formando.

A história prossegue então de forma rápida com clips da road trip que inclui algumas paradas no caminho e paisagens belíssimas no meio da viagem. Cada local importante que o grupo chega é introduzido por um cartão com o nome da cidade sobre um mapa rodoviário.

Mas é claro, a jornada acaba se mostrando tão ou até mais perigosa do que os três poderiam supor. Em uma parada num restaurante de beira de estrada, eles descobrem que o lugar, supostamente seguro para fregueses negros, foi incendiado por racistas e que o novo dono não está nem um pouco interessado nesse tipo de clientela. Eles descobrem à tempo que não são bem vindos e precisam fugir perseguidos por um bando armado. A perseguição marcada por um feroz tiroteio termina abruptamente quando um misterioso automóvel prateado se interpõe num cruzamento rodoviário provocando um estranho incidente que faz os perseguidores voarem pelos ares. Após a violenta colisão uma mulher loira sai do carro para ver o resultado de sua intromissão. Ela observa os três fugirem em velocidade satisfeita.

Mas a verdadeira ameaça ainda está para ser apresentada. Na primeira parada, na casa do irmão de Letitia, eles ficam sabendo sobre o temido xerife de Devon County, lugar que eles precisam cruzar à caminho de Ardham. O nome do sujeito é Eustace Hump, um "ex-marine" de expressão maníaca e afeito de jogos especialmente sádicos. Ele é ainda supostamente o responsável por uma série de desaparecimentos na região. Além disso, o irmão também os coloca à par da estranha história do condado, fundado por caçadores de bruxas que detestam qualquer pessoa vinda de fora. Letitia acaba brigando com o irmão e não consegue ficar lá, o que a obriga a seguir viagem com Tic e George.

No dia seguinte, enquanto buscam uma sinalização que os ajude a encontrar a estrada que conduz à Ardham, o grupo acaba esbarrando no Xerife. O episódio consegue justapor o surgimento de Hump com a descrição de Atticus para um Shoggoth, um dos monstros mais temidos da mitologia Lovecraftiana, "uma bolha de escuridão com centenas de olhos". No exato momento que ele se refere à criatura, o carro do xerife aparece atrás deles como quem sugere: "que importa esse monstro fictício, se o monstro real acaba de chegar"?


O encontro com o homem que representa a Lei e a Ordem no Condado de Devon é assustador. Ele provoca Tic e o apressa a deixar os limites do município antes do por do sol, já que o lugar está sob toque de recolher e qualquer pessoa de cor encontrada nas estradas depois desse horário estará infringindo a lei. O tom de ameaça é bem claro: ou deixam os limites de Devon até o por do sol, ou vão sofrer as consequências. Com isso temos quase três minutos de uma corrida alucinada mas dentro dos limites de velocidade (para não serem parados pelo policial sádico) no qual o carro sofre, ofega e se move lentamente pela estrada em direção à divisa do condado.

Por um instante não se sabe se eles vão conseguir ou não, mas logo fica claro que mesmo conseguindo, isso pouco importa. As regras estabelecidas não estão lá para serem justas, já que mesmo vencendo eles não vão poder ir embora. O Xerife e seus delegados dizem que estão à procura de ladrões e dispostos a jogar a culpa de roubos nas costas do trio.

Mas estamos no Território Lovecraft e nesse lugar escuro e assombroso, coisas terríveis espreitam no coração da floresta. Lembram que pessoas sumiram estranhamente nessa região? Pois bem, parece que nem todos os sumiços são obra do Xerife afinal de contas - Criaturas bizarras semelhantes a ursos ou feras que remetem aos próprios Shoggoth se lançam sobre os policiais em uma orgia brutal de sangue, desmembramento e selvageria. Com a maioria dos delegados mortos, os sobreviventes que incluem o trio, o Xerife e um dos subordinados conseguem se esconder numa cabana. Enquanto isso, George percebe que as criaturas tem aversão à luz. Como no carro eles carregam sinalizadores, alguém precisa deixar a relativa segurança do refúgio e ir até a estrada buscá-los. Termina que Letitia é obrigada a fazer isso sob a mira da espingarda do Xerife. Enquanto ela corre para a estrada em um sprint digno de 100 metros rasos, o Xerife que foi mordido sofre uma bizarra transformação na qual vira uma das medonhas criaturas. E a primeira vítima é seu delegado! HOLLY SHIT e dá-lhe sangue!

A situação parece irreversível, mas Letitia enfim consegue retornar com o automóvel, jogando o veículo com faróis ligados na cabana à tempo de salvar seus amigos e expulsar a coisa que um dia foi o Xerife. Do lado de fora vários dos monstros se reagrupam ameaçadoramente, se preparando para um novo ataque, mas então um apito misterioso rompe a noite espantando as criaturas.

Sim a sequência é cheia de sangue, excessos e exageros, mas extremamente bem construída e com doses cavalares de suspense. Mas no melhor estilo PULP, precisamos ainda de um Cliffhanger. Quando amanhece e o sol brilha, o grupo enfim deixa a floresta e adentra o povoado de Ardham. O trio, perplexo com a experiência e ainda coberto de sangue bate à porta de uma mansão que corresponde ao endereço da carta remetida por Montrose. Quem abre a porta é um sujeito loiro que sorridente dá às boas vindas a Atticus: "Nós estávamos esperando você Sr. Freeman... seja bem vindo à sua casa".


E assim termina o primeiro episódio de Lovecraft Country.

Se eu gostei do primeiro episódio? Sim! Confesso que eu estava com uma expectativa baixa a respeito da série, mas acredito que ela conseguiu equilibrar crítica social com um perfeito clima de aventura PULP. Tem seus deslizes? Tem, mas os méritos são muito maiores.

Ainda é cedo para dizer se Lovecraft Country vai ser capaz de manter esse ritmo vertiginoso e entregar semana após semana, ao longo de seus 10 episódios, histórias tão empolgantes quanto essa. Mas esse primeiro episódio se mostrou extremamente promissor.

CURIOSIDADES  

- A narração na cena do sonho que fala de toda criança nos anos 1950 deseja ser um jogador de Baseball é um trecho retirado do filme "The Jackie Robinson Story". Jackie Robinson entrou para a história do esporte nos Estados Unidos por ser o primeiro jogador negro a participar da Liga de Baseball. Jogando pelo Brooklyn Dodgers com o icônico número 42, ele consegui integrar o exclusivo Hall of Fame que reúne os melhores do país no final da década de 1940. Não por acaso Robinson era considerado um exemplo e um herói para a comunidade negra nos Estados Unidos.


- Uma vez que Robinson esteve ativo na Liga de 1947 a 1956, é de se supor que ele tenha sido um herói para o jovem Atticus. No sonho, Jackie é responsável por "liquidar" ninguém menos que o Grande Cthulhu com um golpe de seu taco de Baseball, salvando Atticus. É claro, Cthulhu consegue reformar seu corpo (como acontece no conto "The Call of Cthulhu"), mas o desfecho do embate entre o Grande Antigo e o Craque de Baseball não termina pois Atticus desperta antes.

- Jamie Chung faz o papel da Princesa Marciana na sequência do Sonho. Iniciada com "Uma Princesa em Marte" em 1917 a Saga de Barsoon que apresenta o herói John Carter foi escrita por Edgard Rice Burroughs. Nas histórias, Carter é um oficial confederado que acaba transportado para Marte onde se envolve com alienígenas e uma revolução no Planeta Vermelho. Entre as raças de marcianos, uma delas é composta por indivíduos de pele vermelha, como a Princesa que aparece nessa sequência.


- Aparentemente, a mesma atriz foi responsável pela voz da personagem sul-coreana, provavelmente um interesse romântico de Atticus nos tempos da Guerra. Essa personagem não existe no livro, mas tudo leva a crer que ela irá aparecer em outros episódios.

- O livro de H.P. Lovecraft que aparece brevemente nas mãos de Atticus e que pertence à coleção de George tem como título "The Outsider and Other Stories". Essa foi a primeira antologia de contos escritos por Lovecraft publicado postumamente pela Arkham House mo ano de 1939. O livro teve uma tiragem de 1268 cópias e foi publicado até 1944, quando deixou de ser editado. As histórias desse volume foram selecionadas por August Derleth e Donald Wandrei e incluíam vários trabalhos importantes do autor publicados na Weird Tales e reunidos então, pela primeira vez.


- A Família de George é introduzida de uma maneira muito bacana. Os pais em um momento de intimidade e a filha na cozinha desenhando. A esposa de George, Hipolytta (nome da Rainha das Amazonas, interpretada por Aunjanue Ellis) sempre desejou ser astrônoma, como vamos descobrir em breve, enquanto sua filha Diana (filha da Rainha e ninguém menos que a identidade secreta da Mulher Maravilha, interpretada Jada Harris) desenha e escreve histórias em quadrinhos para o pai ler nas suas viagens. No livro, Diana, ou Dee, é um menino chamado Horace, igualmente talentoso e que protagoniza uma das últimas narrativas.

- As histórias que Dee escreve tem como título “The Interplanetary Adventures of Orithyia Blue” (As Aventuras Interplanetárias de Orithyia Blue) e são estreladas por uma heroína pulp cuja imagem é inspirada na sua mãe.


- Apesar de sua aparente felicidade familiar, George parece esconder algum segredo. Em determinado momento, ele apanha a fotografia de uma mulher que ele carrega consigo na carteira. Observandoa fotografia e comparando com a que estava guardada no livro "O Conde de Monte Cristo" que pertence a Montrose podemos concluir que se trata de sua esposa, a mãe de Atticus. Será que George teve um caso com ela no passado? E mais, será que George é na verdade pai de Atticus?


- Durante a viagem em direção à Nova Inglaterra, há um trecho do que parece ser um debate transmitido pelo rádio que os personagens estão ouvindo. Na realidade, o trecho pertence a um debate ocorrido em 1965, envolvendo o ativista negro James Baldwin e o autor conservador William F. Buckley. Nesse debate Baldwin diria as famosas palavras "O Sonho Americano foi construído às custas do Americano Negro". Apesar do debate ocorrer anos mais tarde ele foi inserido como contexto para a viagem e as imagens da sequência.

- As cenas de perseguições de carro são excelentes. A primeira envolve um acidente bizarro, motivado pelo automóvel prateado de luxo. O automóvel prateado (um caríssimo Bentley S1) se interpõe entre o carro dirigido por Letitia e seus perseguidores e um tipo de "barreira invisível" parece simplesmente repelir a caminhoneta lançando-o longe. Quem prestou atenção na cena percebe que não há uma colisão e sim algum tipo de efeito que repele o carro.

 - Já o carro de George é um Packard Station Sedan de 1948, com painéis de madeira nas laterais que lhe valem o apelido de Woody (madeirinha). Carros como esse eram apelidados de "carroças de estrada" não apenas por terem os detalhes em madeira como as antigas carroças usadas pelos pioneiros na conquista para o oeste, mas por contarem com um espaço interno para acomodar até 8 pessoas em seu interior. Woody é o carro de estimação de George e mostra que ele possui recursos financeiros que vão muito além da maioria de seus vizinhos da comunidade. Um carro desses custava pelo menos 3 mil dólares, um valor bastante alto para a época.   


- O título do episódio se refere às famosas "sundown towns", cidades ou vilarejos que não permitiam a estadia de negros depois do por do sol. As pessoas não brancas não podiam pernoitar ou estar nos limites da cidade após o horário definido. Até meados dos anos 1960, esses lugares mantinham leis municipais que impunham esse toque de recolher. concedendo aos xerifes o direito de prender ou alvejar os que desafiavam a norma.


- As criaturas que vivem na Floresta e atacam os personagens no final do episódio não possuem uma associação aparente com seres dos Mythos de Cthulhu. Embora eles sejam chamados de Shoggoth em determinado momento e produzam um estranho ruído que pode ser reminiscente do som tradicional descrito no conto Montanhas da Loucura (Tikili-li) a aparência é muito diferente. Uma possibilidade é que as criaturas sejam Ghasts, monstros humanóides apresentados no conto "The Dream Quest of Unknown Kadath", contudo apesar de ghasts detestarem luz, a mordida deles não causa uma contaminação que incide em transformação. No livro eles são descritos como seres grandes de aspecto brutal, do tamanho de ursos e igualmente ferozes.


- O misterioso apito ouvido quando as criaturas se preparavam para atacar parece ter sido usado deliberadamente para afastar as criaturas. Se esse for o caso, fica claro que alguém é capaz de comandar esses seres e detém sobre eles algum tipo de comando.

Bom é isso pessoal...

Semana que vem tem mais.