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segunda-feira, 3 de julho de 2023

O Incrível Caso de Thomas Fell - Props de um Cenário para Rastro de Cthulhu


Recursos do Guardião e Props são elementos que engrandecem demais uma sessão de RPG.

Os cenários investigativos por excelência convidam o mestre a produzir e fornecer aos jogadores esse tipo de material. Ele torna a experiência de jogar uma aventura, algo muito mais interessante e evocativo. Ao invés de simplesmente descrever as páginas de um diário antigo e amarelado, o mestre entrega nas mãos dos jogadores as páginas em questão, para que eles leiam. No lugar de explicar como é o desenho de uma estranha criatura feito por uma testemunha, ele fornece o desenho para apreciação geral. Ao invés de dizer que há fotos numa velha caixa, ele dá aos jogadores a chance de abrir a caixa e encontrar essas fotos...

Esse tipo de recurso visual é extremamente bem vindo!

Os jogadores se sentem como seus investigadores: examinando, verificando, estudando e processando as pistas achadas. O que eles seguram em suas mãos é basicamente o que seus personagens estão simultaneamente manipulando no jogo.

É claro, produzir esse material é trabalhoso, mas em contrapartida, o efeito se faz sentir na mesa.

Faz algum tempo, nosso colega aqui do Blog, Ricardo Ramada criou um material incrível para o cenário "O Incrível Caso de Thomas Fell". Essa é uma aventura para Rastro de Cthulhu, excelente para jogadores iniciantes. Os recursos ficaram simplesmente incríveis, tudo muito bem feito e extremamente bem produzido.

Ele muito gentilmente me ofereceu esse material e eu pretendo usá-lo em breve quando for narrar essa história.

"O Incrível Caso de Thomas Fell" é um cenário introdutório para Rastro de Cthulhu. Ele acompanha um grupo de investigadores de primeira viagem que busca desvendar as estranhas circunstâncias que cercam o desaparecimento de Thomas Fell, um amigo que parecia ocultar um terrível segredo. O que aconteceu com ele? Qual o seu paradeiro atual? E como essa investigação mudará para sempre as suas vidas? Trata-se de uma excelente introdução ao perigoso mundo de Rastro de Cthulhu e aos Mythos ancestrais.

Para quem tiver interesse, na página da Editora Retropunk pode-se encontrar gratuitamente o cenário. Basta ir no link abaixo:


As imagens abaixo são do referido material, vou descrever brevemente do que se trata.

As Fotos e Handouts:

As fotos e imagens gerais são um ótimo recurso visual para envolver os jogadores na Investigação.

Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras, em no caso de cenários de RPG, isso muitas vezes é verdade.

Essas fotos foram impressas em papel de alta gramatura em cor sépia ou preto e branco e ficaram excelentes.



Fichas de Personagens:

As Fichas de Jogo são muito mais do que uma coleção de estatísticas e resumo dos atributos de um determinado personagem.

Elas conectam o jogador de carne e osso ao seu alter ego fictício. 

As fichas produzidas para Rastro são bem funcionais e de fácil compreensão. Essas fichas para a aventura acompanhadas das imagens dos personagens (tiradas do elenco do filme "Assassinato no Expresso do Oriente") ficaram perfeitas. 


As Fotos do Explorador Thomas Fell:

No cenário, Thomas Fell é um amigo em comum dos investigadores.

Ele é um aventureiro que viajou pelo mundo e registrou sua jornada na forma de fotografias tiradas em diferentes lugares do mundo. O registro dessas fotos constitui uma valiosa pista para solucionar o caso de seu desaparecimento. 



Uma misteriosa Ilustração:

Eu adoro esse Handout de um desenho feito pelo próprio Thomas Fell no qual ele tenta capturar a forma de um horror visto em primeira mão.


O Mapa com as Linhas:

No decorrer da investigação, os personagens encontram um misterioso mapa mundi com estranhas linhas vermelhas traçadas ao longo dele.


Compreende o significado dessas linhas e saber o que elas representam é uma das partes mais importantes desse cenário. Sem falar que 


O Decalque da Placa:

Outro recurso incrível é esse decalque em papel vegetal de uma placa ou tabuleta de pedra toda entalhada.

Ao examinar o recurso é como se os jogadores tivessem em suas mãos o decalque feito por alguém que raspou um pedaço de carvão sobre uma placa de pedra obtendo assim os desenhos de sua superfície. 


Esse é um dos meus props favoritos nessa coleção.


O Diário de Thomas Fell:

Mas se eu tivesse de escolher apenas um recurso para apontar como o mais legal dessa coleção, seria esse aqui.

Trata-se do Diário de Thomas Fell relatando de seu próprio punho os acontecimentos que levaram a seu trágico destino.


O diário foi tão bem produzido que incluía até o ex-libris de seu dono na contracapa.


Enquanto isso, o interior traz o registro das andanças de Thomas Fell pelo mundo, o que ele viu e o que ele descobriu viajando pelo Egito, se lançando nos Desertos da Austrália, no extremo oriente e finalmente nos planaltos da América do Sul.




As fotografias com as bordas recortadas são um detalhe a mais nas páginas amareladas com café, complementadas pelas imagens dobradas.


E essas páginas que parecem ter sido arrancadas de antigos tomos de magia e compêndios de conhecimento arcano, ficaram excelentes!


Sem falar dos desenhos supostamente feitos pelo próprio Thomas Fell, registrando a forma de monstros e criaturas do Mythos.


Mais do que um simples diário, as páginas possuem as pistas que permitirão desvendar o mistério dessa investigação.


Ficou incrível!

Aliás, se algum dos leitores aqui do Mundo tentacular quiser compartilhar com os demais suas coleções de Recursos, teremos enorme prazer em publicar.

No mais, deixem os dados rolar e percam sanidade!  

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Ilha Cemitério - Adaptando uma ilha aterrorizante para Chamado de Cthulhu

"O que mais poderia ser aquele lugar esquecido por Deus, além de um cemitério? Olhei para a ilha como se, só agora a reconhecesse pelo que ela era. Agora eu tinha razão para desprezar aquelas costas curvas, a praia sórdida, o cheiro de pêssegos podres. (...) Os pobres rostos esverdeados, picados pelos peixes, os uniformes podres, as medalhas de identificação cobertas de algas. Que morte, e pior ainda, que viagem depois da morte, esquadrões de companheiros levados pelas correntes do Golfo até aquele porto horrível. Eu imaginava, os corpos daqueles soldados, sujeitos aos caprichos das marés, levados para trás e para frente no dorso das ondas, até uma perna ou um braço enganchar-se em uma rocha, deixando de ser possessão do mar. Apodrecendo pouco a pouco nas praias até serem descarnados pelas gaivotas."

Clive Barker
Bodes Expiatórios 
Livros de Sangue - Volume 3

O conto Bodes-Expiatórios (Scape-Goats) faz parte do volume 3 da antologia de terror "Livros de Sangue", escrita por Clive Barker. Essa é uma história que sempre achei interessante, pela simplicidade e pela aura de estranheza desagradável que ela consegue passar para o leitor.

A história não se preocupa de explicar o que está acontecendo ou como se formou o lugar medonho no meio do Mar do Norte, onde um grupo de pessoas viajando à lazer num veleiro acaba naufragando. O lugar, uma ilha medonha para onde as correntes levam cadáveres afogados é um lugar de pesadelo, o típico recôndito aterrorizante que Barker cria para seus contos de horror.

Após ter escrito o artigo anterior sobre o Mar de Sargaços, li novamente Bodes Expiatórios e surgiu a ideia de adaptar na forma de um terror lovecraftiano. Ok, concordo que a pegada de Barker é outra... seus horrores são mais viscerais e "down to earth", mas nem por isso menos assustadores. Como a Ilha Cemitério poderia ser trazida para o universo de Chamado de Cthulhu

Aqui está o resultado.

*     *     *


A ILHA CEMITÉRIO

Ao norte das Ilhas Britânicas, próximo do Arquipélago das Hébridas, existe um pequeno monte de terra, praticamente um torreão quase inacessível que afortunadamente se mantém oculto a maior parte do tempo. É difícil localizar essa rocha perdida em meio das águas frias e cinzentas, mas os que a avistaram ao longe a descreveram como uma ilhota triste e perdida.

Aqueles que sabem das histórias sobre ela, a evitam. Os que ignoram seus segredos macabros estão em grave risco de eles próprios se tornarem vítimas desse lugar maldito.

A Ilha não tem nome e não aparece em nenhuma carta náutica de que se tem conhecimento, mas ela está lá e ao que tudo indica, sempre esteve e sempre estará. A relação dela com os homens do mar é antiga. Os saqueadores nórdicos falavam dela, assim como os marinheiros da Era das Navegações que olhavam o horizonte temerosos de avistar essa ínsula. Eles sabem que é para lá que as correntes do Golfo carregam despojos humanos lançados no Mar do Norte. 

Por alguma razão sobrenatural, os restos de marinheiros são atraídos para esse lugar remoto, carregados pela maré e lançados contra as praias de areia cinzenta recobertas de alga. A Ilha parece reivindicar para si essa carne putrefata e dela se alimenta para crescer. 

Algumas embarcações que se perdem de sua rota acabam sendo atraídas para esse nexo medonho. As correntes agarram as embarcações escolhidas e as faz cruzar o denso nevoeiro que oculta a ilha. Não há como enxergar um palmo diante do nariz, o fedor nauseante parece enfiar uma mão podre pela garganta dos recém-chegados. Em tempo, os barcos acabam encalhando em algum banco de areia que os impede de prosseguir.

Suspenso o nevoeiro, a visão que se tem é de total desesperança. Algas verdes-castanhas, entrelaçadas como um denso tapete se estendem até onde a vista alcança. Algumas embarcações igualmente encalhadas nos bancos despontam aqui e ali: velhas e apodrecidas, cobertas de sal, espuma e alga. Mais adiante, se avista o litoral entrecortado, com uma praia isolada, nada mais que uma faixa estreita de sedimento granuloso. Não há vegetação nativa, exceto as algas onipresentes que a tudo cobrem e reclamam para si. O centro da ilha é um rochedo nu de pedra negra que se sobressai tal qual um totem primitivo na crista de um penhasco.

A ilha inteira tem uma aura maligna e ela não passa de um recife de cadáveres ocultos. 


Na sua orla exterior mais rasa, os corpos inchados de afogados se acumulam sob as algas, oculto pela a linha d´água. Eles cercam a beira-mar com seus olhos baços e cabelos molhados, pele úmida e gelada, dentes arreganhados e ossos à mostra. A maioria veste os andrajos de seus uniformes militares da Primeira Guerra, da Segunda Guerra e de todas guerras. São aqueles mortos em navios abalroados, torpedeados e afundados em meio a dor, horror e fúria. Seus corpos desaparecidos para sempre vem dar aqui, onde a morte reina suprema. 

Difícil não tropeçar neles enquanto se faz o caminho dos bancos de areia até a praia ignota tendo água até as canelas. Não há sons perceptíveis, exceto o grasnar rabugento de alguma gaivota que se refastela com a ceia fácil de carne macilenta. Os enormes caranguejos de casca manchada da cor das algas disputam alguma cartilagem solta, puxando e devorando os restos.  

Na fímbria, a areia está coalhada de ossos quebradiços como giz que se desfazem sob os pés dos recém chegados. Quando sobe a maré, a água lava a costa com uma espuma suja, oferecendo mais e mais despojos carcomidos. 

É justamente à noite que o perigo se revela na forma de espectros presos em seus simulacros de carne decomposta. Os mortos se erguem vagando cambaleantes, guiados por um macabro ressentimento contra os vivos. Há centenas, talvez milhares deles, afinal quantas vidas os mares clamaram? Não disse o poeta que nas profundezas oceânicas há mais ossos que conchas? 

Os cadáveres podem ser especialmente perversos com os forasteiros. Aqueles que tem sorte são simplesmente agarrados pelos dedos ossudos, arrastados para as águas rasas e ali afogados. Seu fim ao menos é rápido. Contudo, os mortos podem torturar mentalmente os náufragos por dias à fio até finalmente se revelarem. Sem água, sem comida e sem esperança, é questão de tempo até a sanidade desmoronar nesse cenário niilista.  


Aqueles que perecem na ilha ou nos seus arredores acabam se tornando matéria prima para ela. Os poucos que conseguem dela escapar carregam para sempre a lembrança de ter conhecido esse desterro apartado.

Nas ilhas vizinhas, há pessoas que conhecem a lenda sobre esse lugar; são habitantes das comunidades de pescadores mais afastadas. Eles alimentam a lenda da Ilha Cemitério através de histórias contadas nas tavernas quando há terra seca sob os seus pés. Tais histórias sabiamente jamais são contadas em alto mar. Alguns ilhéus mantém a tradição de oferecer sacrifícios para os residentes da Ilha Cemitério, antes de partir para águas abertas, como se essa oferta lhes desse salvo conduto dos perigos provenientes do mar.

Ideias para Usar a Ilha Cemitério em sua Mesa de Jogo:

- Esse ambiente parece perfeito para aventuras no estilo One-Shot, com os dois pés cravados no niilismo. Os personagens desembarcam nessa ilha medonha e não tem como voltar para a civilização. Cada lugar a ser explorado conduz a revelações bizarras, cenas grotescas e horrores desconcertantes. Não há fuga, não há esperança e sobreviver noite após noite, nesse ambiente insalubre é um desafio. Num ambiente como esse, dificilmente os personagens sairão vivos e sinceramente, a graça desse tipo de cenário é dar a eles uma visão do pesadelo, drenar sua sanidade e deixá-los lá para sempre: vivos, mortos ou pior...

- Os principais antagonistas e perigos no conto de Barker não eram os cadáveres mortos-vivos que se levantavam à noite, mas a perda da razão. A situação dos personagens deve se espelhar na perda maciça de sanidade em face do horror testemunhado. Os mortos-vivos (zumbis, esqueletos, horrores cobertos de alga ou gosma) estão lá, são um horror a ser explorado pelo Guardião, mas o principal horror é como lidar com uma situação limítrofe. A medida que a desesperança cresce, como irão reagir os personagens? A civilidade irá perder espaço a cada dia? Eles lutarão entre si pelos parcos recursos restantes? Eles disputarão a liderança das decisões? Eles irão formular algum plano de fuga e discutir quando ele falhar? 


- Apesar de adaptar a Ilha Cemitério para Chamado de Cthulhu, prefiro resistir à tentação de transformá-la num Grande Antigo ou num Deus Ancestral. Me parece que a identidade dessa coisa, ou sua natureza fica melhor oculta e ignorada. Ninguém sabe o que ela é, de onde veio, como surgiu... pode ser que a colina rochosa, um fragmento de uma cidade submarina dedicada a Cthulhu, pode ser um farol usado pelos Abissais ou um templo medonho devotado a Dagon. Mas saber exatamente o que ela é, não é importante para a história. Trata-se de um lugar abominável e isso basta para o cenário.

- Talvez a ilha seja uma "Entidade Única", uma espécie de ser que desenvolveu consciência graças aos mortos atraídos por ela ao longo de séculos. A Ilha poderia ser o resultado de toda a energia negativa, ressentimento, terror e desesperança das pessoas que morreram em alto mar. Talvez a ilha possa se comunicar com quem veio de fora através de emanações psíquicas: oferecendo visões, fomentando paranoia e até sonhos repletos de profecias. A Ilha consciente usaria os cadáveres que a compõem como um tipo de mecanismo de defesa, vendo, ouvindo e sentindo o ambiente através deles, tudo aquilo que acontece em seus limites ela sabe.

- Eu gosto da ideia de haver ao menos um sobrevivente humano na ilha. Alguém para transmitir aos jogadores a sua experiência e mostrar o que os aguarda. Um sobrevivente insano, instável e incrivelmente perigoso parece algo bom demais para não ser usado. Talvez o sujeito tenha encontrado uma maneira de satisfazer a Ilha Cemitério e assim foi poupado. Talvez ele seja um escravo da Ilha e nessa qualidade se converteu em um fanático serviçal de seus caprichos. Posso imaginar um cara de barba comprida, olhar selvagem e comportamento homicida vivendo no porão de um barco tentando roubar suprimentos e matar quem invadir seus domínios.

- Da mesma maneira, o conto de Barker cita pequenas comunidades de pescadores que vivem isolados e que criaram seus próprios costumes. Poderiam esses homens rudes se tornar cultista da Ilha? O medo que eles sentem pode se converter em devoção? Nessa hipótese como eles fariam para louvar a Ilha Cemitério? Fariam sacrifícios para a entidade? O que receberiam em troca? E qual seria a reação deles se o seu culto fosse exposto por forasteiros?

- A ideia original é usar essa inspiração para Chamado de Cthulhu, mas é claro, nada impede que a ideia seja adaptada para outras ambientações. Eu posso imaginar perfeitamente esse cenário sendo usado em Dungeons and Dragons, para uma aventura especialmente aterrorizante na qual os heróis precisam enfrentar hordas de mortos vivos para sobreviver, até encontrar algo que habita o coração da Ilha e que apenas sua destruição permitirá sua escapatória. Para a ideia funcionar é só fazer as devidas alterações: navios à vela, mortos vivos de todos os tipos, espectros e outros terrores se encaixam perfeitamente numa história de sobrevivência em alto mar.

Bem é isso...

quarta-feira, 16 de março de 2022

Mesa Tentacular: Machine Tractor Station Kharkov-37 - Mythos e Paranóia na União Soviética de Stalin

 

Nos anos 2000, a Chaosium, editora responsável por Chamado de Cthulhu, deu início a um projeto que tencionava lançar vários suplementos para seu RPG mais famoso. A ideia era publicar trabalhos de autores menos conhecidos ou material de fãs em um formato mais acessível e barato. Esse material foi chamado de Monografias e cerca de 40 delas foram publicadas até meados de 2010. Algumas monografias eram boas, a grande maioria tinha qualidade mediana e algumas infelizmente eram bem ruins.

Uma desses trabalhos, no entanto, se destacou desde o início e acabou se tornando a mais bem sucedida e conhecida dentre todas monografias. Escrita por Bret Kramer e publicada pela primeira vez em 2004, Machine Tractor Station Kharkov-37 (doravante apenas Machine Tractor), é um cenário one-shot com personagens prontos se passando na gélida União Soviética no ano de 1933.

Cenários de Chamado de Cthulhu tendo como pano de fundo momentos históricos tumultuados não são exatamente uma novidade, mas na época em que foi lançada, Machine Tractor era uma tremenda inovação. Ela tirava os jogadores de sua zona de conforto, a cidadezinha assombrada de Arkham ou alguma metrópole americana na Era do Jazz, e os lançava em um ambiente insalubre, repleto de desconfiança e paranoia, no auge dos expurgos de Stalin.

Um cenário nesse contexto já seria interessante por si só, permitindo ao Guardião explorar um ambiente no qual os personagens teriam de transitar nos bastidores do poder, lidando com burocratas, informantes e membros do partido dispostos a tudo para provar sua devoção ao Estado, inclusive denunciar os menores deslizes dos seus colegas. Junte a esse pesadelo orweliano uma pitada generosa de Horror Cósmico e pronto, temos a receita para algo realmente atraente.

Machine Tractor é um cenário bem montado sobre uma premissa aparentemente simples. A trama se desenrola em duas ou três sessões no máximo. Os investigadores assumem o papel de militares e técnicos de comunicação filiados ao Exército Vermelho que recebem uma missão de rotina. Eles devem seguir para uma comunidade isolada, uma fazenda coletiva chamada Kharkov-37 afim de reestabelecer as linhas de telégrafo que foram cortadas durante o inverno. Sem comunicação, ninguém sabe ao certo como estão as pessoas que trabalham na fazenda e como passaram o inverno. No entanto, desde o início parece haver algo muito estranho acontecendo.


Não é apenas o que cerca a missão, mas os segredos dos próprios personagens que ajudam a impulsionar a trama. De fato, a maioria dos personagens não são exatamente quem dizem ser e logo fica claro que cada um recebeu suas próprias ordens e que estas devem ser cumpridas. Além do que, alguns tem agendas particulares que podem entrar em choque com os objetivos designados pelos seus superiores e custar muito caro. Bem vindo à paranoia!

Sem saber quem é amigo ou inimigo, os personagens terão de lidar com situações imprevisíveis enquanto seguem à caminho da Estação Motorizada, encontrando lá algo ainda mais aterrorizante e profundamente perturbador.

Não vou dar spoilers à respeito do cenário, mas posso assegurar que o reconhecimento de Machine Tractor como uma das melhores monografias, senão a melhor, é bem merecido. O cenário consegue equilibrar pesquisa histórica, terror e situações viscerais de uma forma muito eficiente. As cenas parecem ser costuradas com o intuito de tornar o jogo cada vez mais sufocante, realçando os elementos de isolamento e desesperança que permeiam a trama inteira. Eu gostei do trabalho de pesquisa, com o autor fornecendo informações úteis para direcionar o Guardião e dicas para situar os jogadores na trama. É claro, conhecer minimamente esse período histórico ajuda a criar uma atmosfera mais adequado para a sessão.

O único senão à respeito de Machine Tractor é que a criatura envolvida, responsável pelo horror sobrenatural, acaba sendo um tanto quando óbvia para jogadores veteranos. Não é preciso mais do que algumas descrições para que os jogadores mais tarimbados saibam o que terão de enfrentar (e o quanto estão ferrados!) logo de início. Não chega a ser uma falha, mas se os indícios fossem mais nebulosos, a aventura poderia render ainda mais .  


Ainda assim, Machine Tractor fornece uma trama diferente cujo maior atrativo é justamente fomentar o clima de desconfiança não apenas diante de criaturas ou de NPCs, mas entre os próprios jogadores. A medida que eles tentam cumprir suas ordens especiais, de preferência sem que os demais saibam, o nível de tensão segue crescendo até o momento em que o grupo terá de prestar tanta atenção nos colegas quanto nos horrores que os cercam.

Eu gostei muito dessa aventura, achei a premissa dela extremamente interessante, mas como é de hábito, fiz uma série de adendos e inseri uma trama paralela envolvendo uma nova ameaça além da que está presente no roteiro original. No fim, muita coisa acabou mudando.

Além das alterações na trama, incluí também alguns novos recursos e pistas para serem coletadas enquanto o grupo busca desvendar o mistério. Nas duas vezes que narrei o cenário, a primeira seguindo o roteiro original à risca e a segunda com as minhas mudanças, o resultado foi excelente. Modéstia à parte, as mudanças ajudaram a esconder um pouco melhor a identidade do monstro e criar um clima de suspense. Além disso, na segunda oportunidade, o cenário terminou com apenas um sobrevivente escapando de forma épica.

A seguir estão fotos do material de jogo que produzi para Machine Tractor Station Kharkov-37.  

MATERIAL DO CENÁRIO

Machine Tractor é um cenário investigativo bem interessante, ele possui um mistério central que exige dos jogadores certo grau de experiência. Eles vão precisar interrogar suspeitos e conversar com um bom número de testemunhas para saber o que está acontecendo. Em um ambiente de desconfiança, terão de alternar momentos em que precisam convencer e bajular, com outros que será necessário intimidar.

Além disso, há uma boa quantidade de pistas físicas para serem processadas e relacionadas com a história. Eu cheguei a criar algumas adicionais para a minha versão. 

Uma visão geral do material de jogo que inclui além dos Recursos, cartas, mapas, documentos, passaportes, registros e fotografias. O material é perfeito para a imersão dos jogadores.

Comprei a versão em PDF de Machine Tractor e mandei para a impressão. O suplemento não é grande, com algo em torno de 110 páginas. O miolo é preto e branco e com uma formatação que deixa um pouco a desejar. Eu soube que em 2008 foi produzida uma nova edição que corrigiu erros de digitação e clarificou alguns trechos confusos. Não tenho como avaliar como ficou pois só tenha a primeira versão, mas a revisão é muito bem vinda. 

Visualmente o livro recorre a fotografias e desenhos, sobretudo de cartazes de propaganda reais usados na URSS no período em que se passa a trama. Eu gostei desse estilo que confere ao material um ar documental, mas os poucos desenhos relativos à história em si são bem ruins, uma amostra de como a arte no material da Chaosium pré-7a edição era tosca.

Ao menos as fotografias são boas, assim como os desenhos de veículos e equipamentos à disposição dos personagens. Uma nova edição, adaptando o material para a atual edição poderia ser uma ótima pedida. 

FICHAS DE PERSONAGENS


Eu adaptei as fichas de personagens para a 7a edição e imprimi o material com essa fonte vermelha que me pareceu bem adequada.

Cada ficha acompanhava uma fotografia e o histórico, além de um cartão com o nome, a ocupação e o símbolo da divisão para a qual o personagem trabalhava, por exemplo, Exército Vermelho, TASS, Serviços Especiais etc.

Com nomes um tanto complicados e agendas particulares, achei que seria mais fácil para os jogadores poderem ler e entender quem é quem no grupo.


O grupo incluía alguns dos personagens prontos cujas fichas estão no final do livro, mas preferi adaptar algumas coisas e incluir mais alguns detalhes.

O grupo era composto dos seguintes personagens:

Capitão Grigori Fyodorov, veterano do Exército Vermelho e comandante da missão.
Sargento Nicholai Dugov, militar auxiliar e homem de confiança.
Comissário Pietr Ivanovich, Secretário de Ideologia do Partido.   
Especialista Técnico Yuri Kopolev, engenheiro e técnico em comunicações.
Oficial Médico Visarion Iurikov Liubimov, médico à serviço do Exército Vermelho.
Professor Yevgeny Vassilovich Ullonov, Cientista com formação em Física e Astronomia.


Inclui também uma medida do quão fiel e devotados os personagens são aos seus superiores e ao Estado Soviético. Isso ajuda a estabelecer quais deles estão mais propensos a se desviar de suas ordens e quais seguirão à risca as diretrizes que lhes foram traçadas.

ORDENS INDIVIDUAIS


Eu escrevi as ordens secretas e agendas particulares de cada personagem para que eles pudessem se guiara través delas no curso da aventura.

Coloquei as ordens dentro dos envelopes com o nome e símbolo de cada facção para a qual os personagens trabalham. Na minha opinião, esse foi o ponto alto da história, com os jogadores preocupados em cumprir as ordens à risca e outros tentando cobrir qualquer rastro de atividade ilícita. 


É claro, como manda a cartilha da paranoia, nem todos personagens eram quem diziam ser. Alguns estavam lá para observar e reportar, alguns para espionar e outros para cumprir ordens ainda mais drásticas sabendo de antão algumas informações sigilosas.

Entre os objetivos particulares, a missão colocava à prova as convicções de cada personagem, na medida que alguns deles podiam aproveitar os incidentes para garantir benefícios futuros ou ainda acertar velhas disputas de uma vez por todas.

O CÓDIGO SECRETO DA NKVD


Esse provavelmente foi meu recurso favorito no cenário. Com certeza, foi o que deu mais trabalho para fazer...

Ele simula um cartão de código usado pela NKVD para passar pistas e informações secretas aos seus agentes de campo.

O cartão postal com uma cena do Camarada Lenin discursando possui várias perfurações. Ao ser colocado sobre um mosaico de letras misturadas, ele revela uma mensagem secreta que apenas um agente da NKVD de posse do cartão seria capaz de decifrar.


Esse tipo de recurso interativo sempre é muito bacana nas aventuras, pois obriga o jogador a processar a pista. Se ele não encontrar ou for incapaz de decifrar simplesmente perde a pista e a solução do mistério pode acabar comprometido.

A CAIXA DE CIGARROS


Eu queria outro recurso interativo para a aventura e resolvi fazer essa caixa de cigarros soviéticos.

A ideia é que uma pista importante ficaria escondida dentro dela. Na época do jogo, comprei um maço e coloquei os cigarros dentro da caixa para disfarçar onde estaria a pista. 

Funcionou muito bem, levou algum tempo até o grupo encontrar a pista.


Eu encontrei o modelo da caixa na internet, imprimi e colei ela em cima de uma caixa de cigarros de verdade, tampando as propagandas modernas. Com o tempo, a cola ficou meio frouxa e ela está precisando de um conserto.

Se eu for narrar de novo esse cenário, vou providenciar uma reforma. 

OS MAPAS


Machine Tractor possui alguns mapas prontos dos assentamentos que o grupo explora e da Estação Kharkov. Eu não gostei muito dos mapas que acompanham o livro, são bem simplórios pra falar a verdade.

Fiz um mapa à mão, ficou um pouco melhor, mas ainda daria para fazer algo com acabamento mais cuidadoso. É outra coisa que vou precisar trabalhar se narrar esse cenário novamente. 

Já o mapa da União Soviética eu encontrei em um Atlas antigo. Fiz algumas marcações de onde se passa a história.

O PASSAPORTE SOVIÉTICO


O passaporte soviético de um dos NPCs era originalmente de outro cenário se passando na Guerra Civil Espanhola. Mas ele serviu como uma luva para Machine Tractor.

Eu precisava identificar um dos NPCs e os documentos dele ficariam bem mais interessantes emitidos dessa maneira do que através de um simples documento de identificação.

Ali atrás tem uns cartões postais com propaganda estatal da época.


O interior do passaporte identifica seu dono e posto no Partido Comunista Soviético. 

E sim, eu fiz uma pequena bandeira soviética para servir de prop na aventura.

HANDOUTS (RECURSOS DO GUARDIÃO)


A aventura em si tem uma boa quantidade de recursos para serem encontrados pelos jogadores como podemos ver nessa foto.

Eu complementei com mais alguns handouts adicionais e fotografias.


Esse é outro recurso que deu trabalho para fazer mas que teve um bom resultado. A carta foi escrita por alguém que logo em seguida meteu uma bala na própria cabeça, manchando o papel.

Procurei algumas palavras em russo e aproveitei para fazer um glossário com termos que poderiam ser empregados pelos jogadores. Na segunda vez que jogamos, eles entraram na brincadeira e foi um tal de Tovarish pra cá e pra lá.  

Bom é isso, 

Das vidaniya, camaradas!

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

RPG do Mês: Secrets of Berlin - Os Mythos na Capital da Alemanha


Se um dia houve uma cidade preparada para a subversão do Mythos na Era do Jazz, essa cidade era Berlim. A magnífica Capital da Alemanha nos anos 1920 era uma cidade de contrastes: economia devastada, manifestações artísticas inovadoras e ultrajantes, disputas políticas acirradas entre extremistas comunistas e fascistas, uma multidão de dissidentes e muitas dúvidas sobre o futuro. A República de Weimar tentava reerguer o país da derrota na Grande Guerra e reconstruir um povo orgulhoso, submetido a vergonha e humilhação. Com esses ingredientes, o terreno não poderia ser mais fértil para os horrores cósmicos encontrarem espaço para proliferar e disseminar o caos.

Este é um período decisivo entre o Fim da Grande Guerra Mundial (1914-1918) e a ascensão dos Nazistas que ocorreria em 1933, um momento de grande instabilidade e desespero extremo, de subversão, violência, injustiças e desigualdades. Não por acaso, a cidade ganhou um apelido adequado, "Wickedest City on Earth", algo como "A Cidade mais Pervertida do Mundo".

É esse o pano de fundo para o mais recente suplemento de Chamado de Chulhu 7a ediçãoSecrets of Berlin: The Wicked City – Unveiling the Mythos in Weimar Berlin (Segredos de Berlim: A Cidade Pervertida - Desvendando os Mythos na Berlim de Weimar). Publicado pela Chaosium Inc, ele cobre não apenas o período e a cidade, mas fornece pinceladas para quem quer colocar os investigadores do Mythos em um ambiente extremamente opressivo e fértil para desafios, sejam sobrenaturais ou mundanos. Há espaço de sobra para sexo, drogas, prostituição, crime e violência, o que torna esse livro mais indicado para um público maduro e capaz de entender o contexto no qual ele se desenvolve. É claro, o Horror Cósmico se faz presente, mas além dele, existe uma aura de maldade e perversão muitíssimo humanas permeando a sociedade.


Berlin: The Wicked City começa explorando as razões para os investigadores estarem na cidade em primeiro lugar. Conhecida pela violência política e pela inflação galopante no início da década, Berlim ainda é um destino atraente para imigrantes de todo mundo, assim como artistas, acadêmicos e viajantes. A cidade também sinaliza como uma espécie de Meca para os transgressores: homossexuais e lésbicas encontram em Berlim um oásis de tolerância e aceitação. 

Para os investigadores berlinenses e alemães, a questão principal que se coloca é "o que vocês fizeram durante a Grande Guerra" e a resposta enseja um leque de possibilidades, novas ocupações e pacotes de experiência que ajudam a construir personagens adequados para a ambientação. Os investigadores podem ser lutadores de rua (indivíduos desesperados que aceitam lutar por comida), Cidadãos de Segunda Classe (considerados como um peso morto nas ruas da cidade) ou Corpsstudent (membros de fraternidades de estudantes e grupos acadêmicos). 

Quatro Organizações para os investigadores se afiliarem são apresentadas com exemplos de como o grupo pode se unir a eles, seus benefícios e obrigações. Sendo o mais interessante, a Companhia Cinematográfica Hilde-Film, um grupo que se especializa em obter filmagens de fantasmas e manifestações sobrenaturais. Outro grupo bastante interessante é o Landsberger Tenants’ Association, cujos membros se envolvem em investigações do inusitado e do bizarro dentro da cidade. Além disso, essas organizações fornecem um rico elenco de contatos, aliados e inimigos que podem ser interessantes ao longo de uma campanha tendo Berlim como background. E o que não falta na cidade são politicos, ocultistas e criminosos que podem ajudar ou atrapalhar o curso das investigações.


Os suplementos de CoC são conhecidos pela pesquisa histórica, correta e bem detalhada. Aqui não é diferente. A cidade é apresentada em detalhes, com uma cronologia de sua origem e história, além de uma completa descrição de suas zonas e distritos. Ao menos uma página de detalhes, acompanhados de uma lista de lugares importantes e que podem interessar aos investigadores, de igrejas a templos, de cabarés a bares, tudo é fornecida. O livro também dedica alguns parágrafos ao clima, rede de transportes, mídia e comunicação, além das condições de lei e ordem na cidade. Há espaço para apresentar os museus, bibliotecas e centros de estudo na cidade que podem atrair os personagens durante suas investigações e fornecer pistas essenciais. O livro discute pormenores que vão de comida e bebida, a costumes que fazem parte do dia a dia da população residente. O trabalho é bem pesquisado e prazeroso de ler.

Um dos aspectos que marca o suplemento como um material indicado a jogadores mais maduros é que ele inclui muitos detalhes sobre sexo, drogas, crime e perversões. Berlim era uma cidade de excessos e as pessoas gozavam de uma liberdade inexistente no resto do mundo. Drogas recreativas estavam disponíveis em todo canto, prostituição era legalizada e as leis não se importavam em absoluto com as preferências sexuais de sua população. Há tópicos que informam aos jogadores como seus personagens podem explorar essas facetas, usando e abusando delas conforme bem entenderem. Berlim nos anos 1920 merece a reputação que tinha e o livro explora esses aspectos de maneira muito eficiente oferecendo ainda regras e muitas possibilidades para os jogadores transitarem nesse ambiente de flagrante decadência. Há espaço para apresentar ainda celebridades e personalidades do mundo real que viviam na cidade no período e que podem se tornar NPCs de luxo para a campanha.


A seguir, o livro explora o lado obscuro e bizarro da cidade com direito a um exame dos Mythos instalados no seu submundo. Isso inclui a presença maligna de Nyarlahotep, de entidades caprinas que habitam os bosques próximos e de outros Deuses que são reverenciados por cultistas degenerados e seguidores fanáticos. O ambiente rico em decadência e corrupção fornece matéria prima para incontáveis histórias. Há uma lista de 10 sementes de cenários aguardando um Guardião voluntarioso para desenvolver os detalhes.

O livro conclui com três cenários prontos para lançar os jogadores direto na ação e investigação sobrenatural. Eles integram o que pode ser concebido como uma mini-campanha centrada em Berlim na qual o grupo se envolve em tramas macabras e incidentes nefastos.

Cada cenário possui um tema distinto discutido pelo autor: "The Devils Eat Flies" é sobre "paixões", "luxúria" e "morte", "Dances of Vice, Horror, and Ecstacy’ é sobre "transgressão" e "moralidade", enquanto "Schreckfilm" se concentra em "algolagnia" - descrito como "o prazer sexual derivado da dor e sofrimento físicos alheios". Como se pode ver, os temas são bastante adultos e a proposta leva a cenários nos quais assuntos controversos serão explorados exaustivamente.


A primeira aventura  "The Devil Eats Flies" (O Demônio come moscas) começa como um caso de pessoa desaparecida e investe no tumultuado cenário político virulento das ruas de Berlim e acaba descambando para uma história especialmente sinistra. Existem premissas bastante interessantes nesse cenário, com destaque para uma visita ao famoso zoológico da cidade. No geral, trata-se de um mistério suculento no qual os investigadores terão de enfrentar oponentes perigosos e especialmente cruéis. Riscos e loucura são bem óbvios.

"Dances of Vice, Horror, and Ecstacy" (Danças de Vício, Horror e Êxtase), leva os jogadores a conhecer um grupo de artistas e uma dançarina de ballet cuja apresentação chocante precisa ser investigada de um ponto de vista sobrenatural. Há vários lugares a serem investigados, NPCs a serem entrevistados e pistas para processar. Eventos macabros oferecem sombrias repercussões para o futuro de Berlim e da Alemanha, um futuro que marcará o país para sempre.

Finalmente "Schreckfilm" (Filme de Horror) começa com um objeto sobrenatural que acaba caindo nas mãos dos investigadores por acaso. Os investigadores então se descobrem cercados por inimigos, quando autoridades locais e outras organizações, mundanas e monstruosas, começam a seguir seus passos. A busca por pistas irá levar o grupo a conhecer o submundo da cidade e sua faceta mais perversa. Se passando durante a eleição que levou os nazistas ao poder, existe um senso de fatalismo e pavor em toda narrativa. ‘Schreckfilm’, é uma excelente conclusão para a campanha, deixando em aberto o destino dos envolvidos.


Os três cenários são bastante extensos e fazem um excelente uso do cenário da cidade, tornando difícil adaptá-los em qualquer outro lugar. Eles também espelham temas presentes na década sejam eles a opressão, a violência e a instabilidade que iriam ensejar pouco tempo depois na tomada do Regime Nazista. Como dito, os cenários possuem forte conteúdo adulto e são mais indicados para grupos que possam lidar com esses temas.  

Berlim é um suplemento completo e fechado em sua proposta de explorar um ambiente diferente do convencional ainda que no familiar período dos anos 1920. Juntando a esse ambiente insalubre um toque de Horror cósmico, temos algo igualmente fascinante e perturbador.


Fisicamente o livro, Berlin: The Wicked City adere ao estilo e layout das demais publicações da Chaosium nessa retomada de Chamado de Cthulhu. São livros de alto padrão gráfico, inteiramente coloridos e muito bem acabados, ilustrado com uma boa mistura de fotografias de época, peças de arte e ilustrações belíssimas. A cartografia é excelente, com um mapa destacável que divide a cidade em seus distritos e áreas de interesse. A capa maravilhosa trás mais uma ilustração do talentoso artista francês Löic Muzy.

O suplemento consegue equilibrar muito bem o conteúdo informativo e entretenimento, oferecendo aventuras prontas que funcionam perfeitamente. O Guardião encontrará material de sobra para escrever seus próprios cenários e situar histórias nesse ambiente decadente misturando a influência dos Mythos a uma década de perigo, decadência e corrução como nenhuma outra antes ou depois.