quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Cthulhu 101-b - O Quebra Cabeça, da obtenção a análise das pistas


OBTENDO AS PEÇAS DO QUEBRA CABEÇA

Imediatamente depois de ter contato com a Premissa do Mistério, o grupo de investigadores já formado dá início ao processo de obtenção de pistas.

Um cenário investigativo envolve a procura e descoberta de pistas que ajudem a resolver o mistério.

O que não falta em Chamado de Cthulhu são pistas a serem seguidas e fontes a serem consultadas. O grupo pode ter que revistar os bolsos de um cadáver, verificar a origem da faca encontrada nas costas de um sujeito assassinado, revistar o porão de uma casa assombrada, vasculhar uma biblioteca em busca de um tomo, pesquisar os registros gerais da cidade, procurar uma passagem secreta na velha igreja...

Um dos princípios de CdC é que todo mistério deixa um rastro que precisa ser seguido. Documentos antigos, anotações de rodapé em livros, rascunhos de experimentos, recortes de jornal, páginas de diário, fotografias...


Nesse estágio do cenário, os personagens se debruçam sobre uma infinidade de pistas e se dividem em grupos para coletar informações em vários lugares. Não é raro que uma das ações do grupo seja distribuir tarefas: enquanto uma parte deles segue para a biblioteca a fim de examinar livros, outros interrogam uma testemunha central e alguns vão até o jornal local consultar os arquivos em busca de notícias que possam lançar uma luz sobre o caso.

Cada investigador tenta reunir a maior quantidade possível de informações. É como se cada investigador obtivesse duas ou três peças do quebra cabeças, que só vão fazer sentido quando elas forem colocadas lado a lado com o que os outros apuraram.

Em cenários mais longos o processo de obtenção de pistas pode ser extensivo e complexo, demandando várias cenas para ser concluído. Em campanhas, podem haver sessões inteiras devotadas a encontrar um importante fragmento de informação que ajudará a resolver o mistério. Para ser bem sucedido o grupo tem de lidar com diferentes personalidades e superar obstáculos, desviar a atenção das autoridades, rivais e inimigos, se agarrar com unhas e dentes a cada pista.


Em nossos exemplos de cenário, as primeiras pistas encontradas ou pesquisadas poderiam ser:

a) O grupo vasculha o quarto de hotel ocupado pelo arqueólogo. Encontram um diário com várias páginas faltando, uma agenda com algumas anotações sobre contatos pessoais e um documento de importação do porto relativo a entrada de itens trazidos do Egito. Acham também uma fotografia tirada na expedição mostrando um curioso templo em ruínas.

As primeiras pistas irão fornecer a base para uma investigação mais ampla. Elas são valiosas para entender no que Grant estava trabalhando e com quem ele se encontrou recentemente. Já os documentos de importação vão conceder pistas ainda mais interessantes para saber o que ele trouxe da expedição.  

b) Os investigadores fazem uma pesquisa sobre os membros da expedição e constatam que alguns deles tem experiência com o estudo do sobrenatural. O líder da expedição chefiou uma espécie de sociedade devotada ao estudo do oculto. Descobrem também que a expedição levou uma grande quantidade de rifles e munição. Qual seria o real objetivo deles?

Antes mesmo de seguir viagem para a Antártida, o grupo já inicia sua investigação traçando quais foram os planos e preparativos da expedição que os precedeu. O que eles estavam buscando, quem eram os membros, qual a área especialidade de cada um, alguém já explorou aquela região, o que descobriram por lá? Mais estranho, porque eles estariam levando tantas armas?  

c) O grupo de investigadores primeiro ouve o depoimento de Gerald West. Ele compartilha a história da família, o background de seus antepassados e permite que eles tenham acesso a sua biblioteca. Alguns se concentram em entrevistar os empregados (quem sabe a governanta saiba de algo?). Pesquisando os papéis encontram uma Bíblia Sagrada contendo a árvore genealógica dos West anotada na contra-capa, algumas fotos amareladas de gente muito estranha, um velho diário que menciona o julgamento da feiticeira Black Nellie e a existência de uma casa onde ela vivia, destruída num incêndio.

Nem todas as pistas são físicas, algumas decorrem de entrevistas com pessoas que ouviram boatos, interrogatórios de gente envolvida ou testemunhas oculares dos fatos. Descartar mentiras deslavadas, separar as informações dúbias e se ater a verdade (nada mais que a verdade) é de suma importância para o investigador de CdC.

ANALISANDO AS PEÇAS DO QUEBRA CABEÇA


As pistas obtidas abrem opções para analisar o problema sob uma nova ótica. Dificilmente uma pista encontrada nessa altura da investigação será suficiente para desvendar o caso. O mais provável é que os indícios coletados nesse primeiro momento sirvam para estabelecer um foco e indiquem quais os passos seguintes a serem dados e em que direção.

Não raramente uma pista obtida terá de ser confirmada. O que o grupo tem em seu poder é apenas um fragmento que não se sabe onde pode ser encaixado. Apenas ampliando as pistas os investigadores conseguirão entender o panorama geral e a medida que eles se inclinam sobre um indício outros começam a surgir. É uma espécie de encadeamento no qual uma pista conduz a outra e assim por diante. 

O livro básico de Chamado de Cthulhu compara essa fase da investigação com o processo de remover as camadas de uma cebola. Quando os investigadores removem uma camada, eles encontram outra logo em baixo. Essas camadas podem se suceder indefinidamente, mas em algum momento eles irão conduzir ao que está no centro.

Removendo as camadas, ou seja processando as pistas, os investigadores avançam em sua investigação:

a) O grupo descobre onde Grant concentrou as escavações no Egito; uma área distante do Vale dos Reis evitada por outros arqueólogos. Ficam sabendo que uma outra expedição esteve na mesma região anos atrás e que apenas alguns sobreviveram a uma revolta logo após a descoberta de um templo. A caderneta de notas indica que Grant se encontrou com um dos sobreviventes dessa expedição antes de partir e que tencionava encontrá-lo novamente. No porto, ficam sabendo que o arqueólogo trouxe um enorme caixote de madeira do Egito. Um dos estivadores que ajudou a desembarcar os objetos dá com a língua nos dentes e conta que viu no interior da caixa um tipo de sarcófago com uma múmia. No museu descobrem que o sarcófago foi roubado na noite anterior!


Com base na análise dos primeiros indícios, surgem várias questões que precisam ser respondidas para a investigação seguir adiante: O plano de Grant era assumir a pesquisa da expedição anterior? Eles tiveram sucesso na empreitada? O que motivou a revolta? Onde ficava o templo e o que aconteceu com ele? Sobre o que o arqueólogo conversou com os sobreviventes? O que havia dentro do sarcófago trazido no navio? onde foi parar esse caixote?


b) Seguindo para a Antártida (após uma longa viagem que deixa margem para muita ação!) os investigadores encontram a estação de ciências em ruínas. O lugar parece ter sido devastado por uma terrível tempestade de neve. Embora hajam alguns corpos, a maioria dos cientistas simplesmente desapareceu. O grupo vasculha o local e encontra papéis que relatam o dia a dia das pesquisas, acham uma gravação do líder da expedição e mais importante: um mapa que mostra onde um grupo avançado estava acampando com o intuito de explorar uma passagem subterrânea repleta de fósseis.

O grupo tem a chance de processar várias pistas físicas. Talvez eles localizem os diários de mais de um cientista, documentos oficiais contendo planos, ordens, leituras de instrumentos técnicos e científicos. Com certeza eles não poderão entrevistar ninguém (a não ser que encontrem um sobrevivente escondido) mas poderão realizar uma autópsia nos mortos e saber o que os matou. Também é possível haver espécimens recolhidos, os tais fósseis mencionados que lançam uma luz sobre os objetivos da expedição. Quem sabe os cientistas tenham lutado e usado os rifles para abater uma das criaturas que os atacou, talvez ela esteja meramente ferida, rondando a base, espreitando os corredores apertados, disposta a eliminar quem quer que se aproxime dela.

c) De posse das pistas, o grupo vai a campo. Eles entrevistam uma velha criada que sabe de estórias de fantasmas e que menciona a maldição dos West. Ficam sabendo que outros membros da família teriam simplesmente desaparecido sem deixar vestígios. Explorando o vilarejo descobrem que as pessoas na cidade não gostam da família West e que vários túmulos no cemitério local vem sendo escavados por ladrões. O grupo vai até a biblioteca e o arquivo geral tentando descobrir a localização da cabana que se incendiou e que supostamente pertenceu a feiticeira Black Nellie. Descobrem que ela se localiza em algum lugar dentro da floresta.

O roteiro se aprofunda a medida que o grupo apura a possibilidade da maldição ser verdadeira e ter atingido vários membros da família. Eles também são confrontados por informações desconcertantes sobre túmulos violados, seria o caso de vigiar o cemitério? A descoberta de que a cabana que pertenceu a bruxa se localizava na floresta pode motivar uma visita ao local em busca das ruínas da cabana. Que tipo de preparativos o grupo precisa realizar antes de se embrenhar na mata?

É possível que nessa etapa ocorra um pequeno vislumbre do horror ou uma ameaça aos investigadores. Um ataque por parte dos antagonistas é plenamente justificável uma vez que o grupo está se aproximando da verdade. Esses obstáculos entretanto, jamais podem ser mais significativos do que o encontro climático reservado para o fim do cenário.

Seja como for, a coleta de pistas acaba por levar os investigadores a uma conclusão e ao confronto que serão comentados na terceira (e última parte) dessa série.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Cthulhu 101-a - Analisando a estrutura de um Cenário Lovecraftiano


Dado o interesse despertado pelo artigo que tratava dos aspectos centrais de Chamado de Cthulhu, pensei em aprofundar um pouco as coisas. Para isso, vou escrever um pouco sobre como é um típico cenário usando para isso três exemplos.

A primeira coisa que o pessoal que está tendo o primeiro contato com o jogo deve ter em mente é que Chamado de Cthulhu (daqui em diante CdC) é um jogo investigativo de horror. Em geral, os cenários apresentam um acontecimento inexplicável que atrai os personagens e acaba abrindo as portas para uma revelação envolvendo a verdade sobre os Mythos de Cthulhu

Como mencionado anteriormente, em CdC os jogadores interpretam indivíduos absolutamente comuns que se vêem de um momento para o outro atraídos (ou pior, arrastados) para situações em que entram em contato com um mundo secreto de absoluto terror. Seja a famosa diletante e socialite, o recluso professor dado a teorias peculiares, o audaz piloto condecorado da grande guerra, o curioso médico-pesquisador em busca da lendária fórmula de regeneração universal... todas essas pessoas comuns, notáveis talvez em sua área de especialidade, acabam cruzando o caminho de algo bizarro para o qual eles não estão preparados. 

São poucos os investigadores que adentram esse mundo aterrorizante sabendo dos riscos. Boa parte nem imagina o tamanho da encrenca em que está se metendo quando aceita tomar parte em uma investigação. De fato, muitos mistérios se iniciam de forma bastante convencional, banal até, mas progridem para uma espiral de loucura à medida que se descobre coisas perturbadoras, assustadoras e perigosas.

Em um bom cenário de Cthulhu lá pela metade da investigação, os personagens começarão a encaixar as pistas coletadas que os levará a alguma descoberta espantosa. A maneira como eles irão lidar com essa verdade os colocará frente a frente com situações limítrofes que irão consumir a sua sanidade e colocar em risco sua integridade física.

Há, é claro, casos em que os personagens, imbuídos de um clamor desbravador ou adeptos de questionamentos procuram conscientemente obter conhecimento, fama, poder... Mas mesmo esses indivíduos agem quase às cegas, sem saber exatamente o que está diante deles.

Um cenário de Chamado de Cthulhu pode ser dividido em cinco partes:

- A Premissa do Mistério
- Obtendo as Pistas
- Juntando as peças do Quebra-Cabeça
- A Descoberta
- A Confrontação

A PREMISSA DO MISTÉRIO


Toda estória, via de regra, se inicia com um acontecimento prévio que repercute ao longo do cenário servindo como fio condutor para o narrador e para as ações dos personagens. A Premissa é aquele acontecimento que desperta a curiosidade dos personagens, que une o grupo ao redor de um objetivo comum, que faz com que os investigadores perguntem: "O que aconteceu?", "Como aconteceu?" e "Por que aconteceu?".

Em geral, a premissa é um acontecimento alheio a ação dos investigadores, é algo do qual eles não tomaram parte direta, sobre o qual não dispõem de todas informações e que eles se sentem compelidos a analisar. A Premissa do Mistério muitas vezes sequer faz parte na narrativa, ela ocorre antes de se iniciar o cenário e apenas o narrador do jogo, o Guardião, possui informações a respeito.

Para expor as partes constitutivas de um cenário, vou usar três exemplos de narrativas tipicamente lovecraftianas. As Premissas do Mistério poderiam ser: 

a) O desaparecimento do famoso arqueólogo, Malcolm Grant que sumiu pouco depois de retornar de uma expedição ao Egito, onde ele realizou escavações.

b) A perda de contato com uma equipe de cientistas da Universidade Miskatonic vivendo em uma estação de pesquisa na Antártida.

c) A suposta maldição de Gerald West, vítima dos ataques de uma bruxa ancestral que torna seus sonhos cada vez mais assustadores e lentamente vem arruinando sua saúde física e mental.

Em cada um desses exemplos, o Guardião propõe uma estória de mistério aos jogadores. Um acontecimento incomum e estranho que precisa ser resolvido. Apenas o Guardião sabe de antemão o que aconteceu em cada situação e os eventos que se juntaram e evoluíram para criar o mistério. O Guardião saberia, por exemplo, que:

a) Grant foi sequestrado por cultistas, membros de uma sociedade secreta chamada Discípulos do Faraó Negro, furiosos com a remoção de um artefato retirado de um templo. Como punição, eles pretendem usar o arqueólogo para que o espírito de um sacerdote (morto há milênios) possa ocupá-lo.

b) os cientistas foram mortos em um brutal ataque de seres da Raça Ancestral que estavam enterrados no gelo e que foram despertados quando a equipe dinamitou uma passagem subterrânea.

c) a maldição foi lançada por uma feiticeira chamada Black Nellie, pouco antes dela ser executada durante a Caça às Bruxas em Salem, no século XVII. Seus fiéis serviçais ghouls, que vivem no subsolo da floresta, desejam levar à cabo a vingança contra todos os descendentes da família West.

No início do cenário, os personagens só tem uma visão parcial dos acontecimentos. A premissa tem que ser atraente a ponto de fazer personagens comuns se tornarem investigadores. Ela tem que desafiar, criar dúvida, suscitar uma expectativa e um desejo de desvendar os fatos, entender cada detalhe e preencher as lacunas.

A premissa nesse caso é a proverbial cenoura agitada na ponta da varinha que faz o cavalo puxar a carroça.

O grupo de personagens precisa ser motivado por fatores aleatórios que estabelecem um elo pessoal entre o grupo e o mistério. Sem uma forte razão para impulsionar as ações dos personagens eles provavelmente não iriam se envolver na estória, deixariam que a polícia, as autoridades ou terceiros fizessem o serviço sujo.

Em nossos exemplos, os grupos de investigadores poderiam ser formados por personagens como:

a) Elvira Bryce, patrocinadora da expedição de Grant ao Egito e rica herdeira com um gosto por aventura. Juntam-se a ela Alfred Jansen, estudante em graduação que tem no arqueólogo um mentor, Henry Pierce, bom amigo e companheiro de Grant em outras aventuras e Alexander Bennet, um obscuro autor que deseja encontrar o arqueólogo, pois este é a chave para concluir seu livro a respeito de Deuses Egípcios. 

Nesse exemplo, cada membro do grupo tem uma razão justificável para se unir e investigar o mistério, mas apenas uma relação já seria suficiente; por exemplo: Elvira, quer saber o que aconteceu com Malcolm Grant, o arqueólogo que conduziu uma expedição ao Egito patrocinado por sua fortuna. Para auxiliar nesse objetivo, ela convoca seus amigos Alfred, Henry e Alexander (que poderiam ter qualquer ocupação e sequer conhecer o desaparecido) para ajudá-la nessa empreitada.

Em nosso segundo exemplo, o grupo poderia ser formado por:

b) Uma equipe de salvamento formada às pressas que deve viajar até a Antártida, descobrir o que aconteceu e prestar socorro. A equipe é formada por George Baker, um especialista em resgate polar, o alpinista Thomas Malone que participou de uma expedição na mesma região anos atrás e conhece a área como ninguém, o jornalista aventureiro Peter McGuiness que está em busca de uma estória para o Boston Globe e finalmente, Susan Petigrew que deseja provar seu valor para a comunidade científica, como bióloga.

Uma das maneiras mais confiáveis de formar um grupo de investigadores é fazer com que cada personagem seja responsável por uma área de especialização dentro da equipe. As credenciais do personagem fazem com que ele seja aceito pelos demais uma vez que a investigação carece de alguém com suas habilidades. Grupos montados dessa maneira são excelentes, sobretudo, em cenários one-shot.

Finalmente no terceiro exemplo, o grupo seria formado por: 

c) Amigos de Gerald West que tentariam resolver o mistério e determinar se há realmente uma maldição. Seu sobrinho, o ex-soldado Alvin Archer que retornou deprimido da Guerra após ter servido nas Ardenas se oferece para ajudar. Ele se une a Marge Schroder, uma poetisa que tem interesse pelo ocultismo, o parapsicólogo Leopold Von Shaw um expert em paranormalidade e finalmente, o antiquário Paul Carill que conhece melhor do que ninguém os segredos da Nova Inglaterra.

Família, parentes distantes, colegas de trabalho, parceiros de serviço, veteranos, alguém que lhe deve um favor... todo tipo de pessoa com um mínimo vínculo com as pessoas centrais no mistério podem ser levados a participar da investigação.


Nessa altura, o grupo de investigadores recém formado precisa entrar em contato com o mistério. É como se houvesse uma espécie de convite para que eles assumam seu lugar na estória; a bandeirada de largada para que a investigação tenha início. 

Há muitas maneiras desse contato acontecer, senão vejamos em nossos exemplos de cenários:

a) Grant deveria comparecer a uma palestra organizada por Elvira Bryce no auditório da Sociedade Histórica, mas ele falta ao encontro. O grupo vai até o quarto de hotel onde o arqueólogo estava hospedado, encontra a porta arrombada, sinais de luta e o aposento revirado. Alguém precisa descobrir o paradeiro do arqueólogo, quem o raptou e porque. Assim se inicia o cenário.

b) O reitor da Universidade Miskatonic reúne os investigadores em seu escritório e conta o que sabe a respeito da expedição. Ele relata que os cientistas estavam buscando por fósseis e que o último contato foi feito há uma semana, ocasião em que alguém informou pelo rádio que a expedição estava em sério perigo. Desde então não houve nenhum outro contato. Alguém precisa ir até lá e descobrir o que aconteceu. Assim se inicia o cenário.  

c) Gerald West envia uma carta para seu sobrinho, Alvin pedindo ajuda diante dos acontecimentos. Alvin, um cético por natureza acaba buscando ajuda de especialistas em sobrenatural reunidos pela Srta Schroder. Leopold e Paul que já se conhecem aceitam ajudar, todos combinam fazer uma visita a propriedade da família West na Nova Inglaterra. Uma vez lá West dá as boas vindas ao grupo e conta o que sabe. Assim se inicia o cenário.

Geralmente, quando o grupo entra em contato com o mistério, ele recebe as primeiras informações, coleta as pistas iniciais, obtém dados e indícios suficientes para começar a investigação. É possível que essas informações sejam fornecidas por alguma pessoa afetada pelo mistério, por alguém que tem interesse em resolver o caso ou por uma testemunha preocupada.

Nesse momento o grupo passa para outra parte de um cenário de Chamado de Cthulhu: "Obtendo as pistas" e "Juntando as peças do Quebra Cabeça".

(cont...)

domingo, 24 de novembro de 2013

Tesouro Excêntrico - Estranhas notas encontradas no Lixo falam de deuses alienígenas


No clássico conto "Call of Cthulhu", escrito por H.P. Lovecraft, o Professor Angel começa a investigar os indícios de que um culto blasfemo está se organizando com o objetivo de despertar uma entidade ancestral que dorme nas profundezas do Pacífico Sul. Angel conduz pesquisas, percorre lugares distantes em busca de testemunhas das ações desse culto, troca farta correspondência, avalia histórias estranhas, mergulha em lendas e discorre sobre a fronteira entre o folclore e as religiões primitivas.

O seu incansável esforço resulta em um farto material: vários cadernos com anotações, documentos, fotografias, recortes de jornal e até uma estatueta resgatada do tal culto. Os objetos são reunidos e quando o Professor Angell morre em circunstâncias suspeitas eles acabam sendo enviados para um herdeiro. É com base nessas pistas que o narrador do conto começa a investigar por conta própria os acontecimentos dramáticos que quase resultaram no retorno do Grande Antigo e toma ciência de que "viver em uma plácida ilha de ignorância" é uma verdadeira benção, uma vez que o conhecimento se mostra algo extremamente perigoso.
Não por acaso, o nome do jogo inspirado nas estórias imortais de Lovecraft chama-se "Call of Cthulhu". É esse conto que traduz de forma mais completa o que é uma legítima investigação lovecraftiana. 


Os objetos na Coleção do Professor Angell
Aqueles que conhecem bem o universo de Chamado de Cthulhu RPG, sabem que vários cenários e campanhas se iniciam exatamente com essa premissa:
Um investigador brilhante começa a pesquisar por conta própria as ramificações de alguma conspiração em escala global. Ele se depara com um intrincado complô envolvendo pessoas malignas que planejam utilizar os Mythos de Cthulhu em benefício próprio. Trabalhando solitariamente esse indivíduo reúne provas, colhe indícios e faz anotações sobre cada passo dessas pessoas, sabendo que eles precisam ser detidos, do contrário, o mundo estará em sério perigo.
Eventualmente esse personagem junta as pistas necessárias para que a conspiração seja reconhecida e com sorte desbaratada. Infelizmente, antes de poder agir por conta própria, o sujeito acaba sendo descoberto pelos seus antagonistas e é eliminado. A tarefa acaba recaindo sobre os ombros de outros investigadores trazidos à situação pela sua proximidade com o pesquisador original. Eles recebem as informações e tem que lidar com elas, em uma corrida desesperada para salvar o mundo e a própria raça humana de um destino aterrador.
Ok, parece muito legal na ficção... e de fato é!
Mas o que dizer, quando alguém encontra uma coleção de excêntricas anotações, documentos e papéis a respeito de uma alegada ligação entre Deuses Ancestrais e Seres Alienígenas, no mundo real?
Parece loucura, mas foi justamente o que aconteceu com um sujeito que assina o nickname TranStopDan2.
Dan, postou na internet um longo artigo acompanhado de várias fotografias mostrando o que ele e alguns amigos afirmam ter encontrado em uma caixa de madeira (essa no alto do artigo) que estava prestes a ser recolhida pelo serviço de limpeza urbana da cidade de Michigan.
Ao abrir a enorme caixa medindo 29 por 38 polegadas, Dan e seus colegas se depararam com uma curiosa coleção de textos, ilustrações, mapas, desenhos técnicos e objetos pessoais que pertenceram a alguém obcecado com a noção de que os deuses reverenciados pelos povos da antiguidade eram na verdade astronautas vindos de outros planetas e que visitavam a Terra regularmente. A noção de "Deuses Astronautas" não é exatamente nova. Apesar dela ter se popularizado a partir dos best-sellers do autor suiço Erich Von Daniken, ela já era explorada por vários outros escritores, como o próprio Lovecraft em sua ficção. Apenas na década de 1950, as teorias controversas de Von Doniken ganharam o mundo, convertendo-se em febre nos anos 1970.
Poderiam estes documentos ter pertencido a um pesquisador que levava as teorias de "Deuses Astronautas" muito a sério? Especulando a respeito de quem pode ter sido o dono desses objetos, Dan escreveu: 
"Sem dúvida, alguma coisa aconteceu com esse cara, algo memorável! A caixa contém muitos desenhos, modelos e mapas muito bem feitos... a pessoa dedicou muito tempo e trabalho para produzir todo esse material e realmente acreditava na importância dele. A disposição desse acervo sugere que seu dono estava montando um tipo de apresentação. (Por que ou para que eu não faço ideia). Há partes numeradas nas várias instruções/explicações remetem a uma ordem cronológica a ser seguida, como se ele estivesse disposto a passar o material adiante. Entregar o trabalho de sua vida nas mãos de outra pessoa disposta a dar prosseguimento ao seu legado". 
Não deixa de ser triste saber que todas essas coisas, não importando o fato delas serem absolutamente excêntricas, terem quase ido parar no lixo. Trata-se da paixão da vida de alguém, coisas que alguém reuniu ao longo de muito tempo e que fazia um profundo sentido para ela.
Segundo Dan, o material na caixa pode ser dividido em cinco categorias. Essas são algumas fotos das coisas que estavam dentro da misteriosa caixa separadas nas categorias que ele mesmo definiu:
1 - PÁGINAS DATILOGRAFADAS: 

Até o momento, Dan teve tempo de ler apenas parte desse material. Na sua contagem são mais de 200 folhas de papel amareladas e datilografadas reunindo testemunhos de acontecimentos espantosos e avistamentos de objetos voadores não-identificados e sua correlação com trechos da Bíblia e outros livros religiosos importantes. 
Esse trecho é especialmente interessante pois fala a respeito de um OVNI fotografado no Brasil, sobre a cidade de Santos no ano de 1967. Logo em seguida, ele relaciona esse avistamento com outros similares ocorrido em outras partes do mundo na antiguidade.
Há vários apontamentos e trechos encaixados, o que denota que essas páginas eram apenas o rascunho para um trabalho mais completo.
2 - MAPAS:
Dentro da caixa haviam MUITOS mapas, mas de 40 em todos os tamanhos e formas. Alguns deles apresentam curiosos símbolos, anotações de rodapé e rotas assinaladas que à primeira vista não fazem o menor sentido.
A coisa no entanto, vai ficando cada vez mais estranha. Há uma grande quantidade de mapas feitos à mão, desenhados com canetas especiais em superfície de plástico recortada em formato circular. Esses mapas possuem um furo no centro como se eles devessem ser afixados sobre outro mapa e então movidos para formar algum tipo de gráfico transferível.

Através da superfície transparente, mais de um mapa poderia ficar sobreposto permitindo que informações fossem lidas simultaneamente.

Outros mapas são desenhados em papel vegetal quase transparente que pode ser colocado sobre outros mapas com o mesmo efeito. O nível de detalhamento desses mapas é impressionante e embora eles não façam sentido, parece existir algum padrão na maneira como eles foram concebidos.
Há outros mapas desenhados sobre superfícies curiosas, costurado com linha.
A pessoa que produziu esses mapas parece ter um conhecimento considerável de geografia, cartografia e navegação. Dada a disposição geo-política das nações representadas nos mapas, o período em que eles foram desenhados compreende os anos entre 1952 e 1978.
Há seis desses discos com informações escritas em padrão circular. Um deles possui vários números que parecem se referir a latitude, longitude e posições cardiais.
3 - DESENHOS TÉCNICOS:
Além de possuir um conhecimento geográfico, a pessoa que produziu esse material também tinha noções de física e engenharia como atestam alguns de seus documentos técnicos, muito detalhados para terem sido feitos por um leigo.



Os desenhos técnicos contém explicações que foram anotadas com uma caligrafia bastante parecida ao restante dos documentos.
Segundo Dan, esses desenhos (em número de meia dúzia) seriam especificações de um equipamento submetidos a lei de patentes e criação científica (na forma de plantas de projeto). É como se a pessoa em questão tivesse desenhado esses componentes de forma muito detalhada com o intuito de apresentá-las formalmente para obtenção de uma patente registrada. Apesar de ser extremamente detalhado, não há uma explicação a respeito do que são esses desenhos, o que faz ou mesmo o que é essa máquina.

4 - ITENS PESSOAIS:

Há um grande número de papéis de cunho pessoal, cartas e rascunhos de correspondência guardados em envelopes que foram remetidos para diferentes endereços em várias partes do mundo. Alguns desses envelopes contém endereços de universidades e institutos de pesquisa astronômica.

A pessoa em questão parece ter se correspondido com indivíduos de vários países. Os envelopes possuem endereços e selos postais da Holanda, Suécia, Alemanha Ocidental, Itália, Grã-Bretanha e Canadá.

A maioria dessas cartas foram escritas com uma letra quase indecifrável, que não corresponde à caligrafia dos demais documentos. Mais curioso ainda, a grande maioria dessas cartas estão escritas em outros idiomas, o que sugere que o dono desse material era capaz de se corresponder nessas outras línguas com certo grau de desenvoltura.

5 - COISAS ESTRANHAS

Segundo Dan, essa é a categoria mais numerosa, compreendendo mais de 70 desenhos incrivelmente estranhos guardados em envelopes de papel pardo sem uma aparente ordem.

Os desenhos sugerem em sua maioria avistamentos de OVNIs em vários lugares e contém explicações do que supostas testemunhas teriam visto.

Esse desenho por exemplo se refere a um incidente em Tampa, Flórida envolvendo o avistamento de um objeto voador em forma de disco que sobrevoou a cidade e teria pousado nos arredores.

Em outro desenho feito a mão livre, o autor se refere a um contato com seres alienígenas que teriam saído de dentro de objetos em forma de disco. Na anotações, a pessoa comenta que são seres alados semelhantes a anjos das Antigas Escrituras da Bíblia.

Aparentemente, o sujeito começou a associar uma série de passagens bíblicas com avistamento de naves espaciais que teriam deixado alienígenas na Terra como mensageiros das estrelas. 

Dan escreveu: "Aparentemente o sujeito ficou obcecado com a noção de que "anjos" e "mensageiros alados dos deuses" seriam na realidade seres alienígenas, exploradores de planetas distantes que tentavam conhecer a Terra.   

Uma passagem bíblica no livro de Ezequiel, versículo 10, descreve uma criatura com quatro faces: "a primeira face era a de um querubim, a segunda face de um homem, a terceira face de um leão e a quarta face de uma águia". Esse trecho parece ter causado grande fascínio na pessoa que reproduz essa criatura em vários desenhos como se ele fosse um astronauta alienígena. 


Esse desenho parece ser central na crença e na pesquisa realizada. Ele se repete várias vezes em diferentes padrões, sempre remetendo a noção de que esse "ser alienígena" seria considerado pelos povos da antiguidade como um emissário dos deuses superiores.

Há uma grande quantidade de desenhos ilustrando máquinas (semelhantes aos vimanas indianos) voando pelo espaço e pelo céu. Alguns desenhos fazem alusão a deuses mesopotâmicos, cananitas, egípicos e pré-colombianos.

Nessa concepção, os "astronautas alienígenas" parecem ter visitado vários lugares do mundo antigo e se revelado como verdadeiros deuses que foram venerados e se tornaram patriarcas das principais civilizações.

*     *     *

Bom, o que dizer dessas coisas?

Provavelmente esses papéis não passam de um estudo altamente delirante, empreendido por alguém disposto a acreditar em teorias controversas e aceitar noções polêmicas com a mente aberta.

É inegável entretanto que essa coleção de excêntricos papéis desperta fascínio em qualquer um com curiosidade e imaginação, e nos faz perguntar... E se?

Achou interessante? Leia também:

Lovecraft e a Teosofia

Eram os deuses... Cthulhu?

Artefatos Misteriosos


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

"O Espírito com Dentes de Faca" - Uma lenda do folclore Cherokee


Enquanto pesquisava internet informações para o artigo sobre o Túnel Sensabaugn, acabei esbarrando em uma outra estória sinistra na mesma região.

De fato, o Tennessee pelo que encontrei, desponta como um dos estados mais assombrados de todos os Estados Unidos. O que não falta são estórias a respeito de lugares macabros sob a influência de aparições, criaturas bizarras vagando em florestas e pântanos, fantasmas vingativos querendo sangue e espíritos de assassinos em série ainda atrás de vítimas. Lugar pitoresco esse.

A estória que mais me chamou a atenção, no entanto, se refere a uma assombração diferente, algo que os habitantes locais chamam de "Long Dog" (Cachorro grande). 

Olha só que gracinha:

Em meio às estradas que cortam o Tenessee, margeando florestas fechadas e regiões pantanosas tão ermas e densas que até hoje algumas não foram inteiramente exploradas, persistem estórias muito antigas. O Long Dog é uma delas. 

O primeiro registro moderno a respeito dele consta em um jornal da cidade de Knoxville há mais de 150 anos atrás (mais especificamente 1847). A notícia é sobre um corpo horrivelmente mutilado, achado em um pântano. O cadáver retalhado e mordido a ponto de se tornar quase irreconhecível teria sido encontrado em uma estrada por viajantes. Embora as autoridades tenham responsabilizado bandidos pelo horrível crime, testemunhas especularam se aquele não seria na verdade trabalho do Long Dog.

Em meados de 1888, na região de Piney Flats, condado de Sullivan, ocorreu algo semelhante. Dois corpos pertencentes a um homem e uma mulher, foram achados próximos a uma estrada que margeava um pântano. Os dois pareciam ter sido atacados por cães selvagens (chamados mongrels) dada a quantidade de ferimentos condizentes com mordidas e garras impingidas aos cadáveres. A suspeita novamente foi que eles teriam sido mortos por ladrões e que posteriormente um bando de cães tivesse encontrado os restos. Mas não foi isso que disse o exame cadavérico. As evidências apontavam para o fato de que os dois haviam sido mortos por cães, ou até por apenas um cão, ambos com ferozes mordidas no pescoço. 

Os jornais exigiram medidas urgentes. Ataque de cães selvagens não podiam acontecer em uma região dita civilizada, quanto mais ataques com vítimas fatais. As autoridades nomearam qualquer um interessado como delegado temporário e pagaram 15 centavos por cada cachorro selvagem abatido. Basicamente todos que tinham uma espingarda responderam ao "chamado cívico" e inúmeros animais foram mortos. Apesar da campanha, houve o boato de que o responsável pelas mortes não era um mongrel, menos ainda uma matilha, mas um único animal, o Long Dog.

Há outros relatos equivalentes e até os dias atuais, mortes inexplicáveis acabam sendo tratadas como ataques dessa entidade sobrenatural.


A lenda sobre essa criatura está inserida no folclore do sul dos EUA e se espalha por vários estados, sendo contudo mais forte no Tennessee. Ela  teve origem entre os nativos americanos que viviam na região, muito antes da chegada dos primeiros colonos brancos.

Os índios Cherokee chamavam esse monstro de "Oolonga-daglalla", que pode ser traduzido como "espírito com dentes de faca". Ele era considerado como um tipo de monstro que vagava pelas pradarias seguindo o curso de rios ou se embrenhava ocasionalmente nos pântanos. O som de seu uivo podia ser ouvido à noite, um lamento longo de gelar o sangue nas veias. O espirito, segundo a lenda tinha um ódio mortal de seres humanos, sendo ele uma força primal de vingança e selvageria, um predador feroz que caçava e matava quem quer que ele encontrasse em seu caminho. Para alguns xamãs ele simbolizava a vingança da natureza e dos animais caçados pelo homem.

Com o tempo, o nome foi corrompido pelos brancos deixando de ser "Oolonga-daglalla" e passando a ser chamado de "long dog". O título se encaixou perfeitamente no inconsciente coletivo dos colonos, e parecia adequado aos olhos daqueles que alegavam ter visto a criatura e que sobreviveram a experiência.
   
O long dog é descrito como um animal extremamente rápido que salta grandes distâncias enquanto corre nas quatro patas. Ele podia saltar e sempre cair de pé ou alcançar uma presa tão velozmente que de nada adiantava ela tentar fugir de sua perseguição. Quando o monstro escolhia seu alvo ele nunca o perdia de vista, mesmo que este corresse para um lugar com outras pessoas, a criatura não desistia da vítima escolhida. Além da velocidade atordoante, outra característica do long dog era sua crueldade. As lendas relatam que o animal capturava suas presas e as torturava com as garras afiadíssimas causando ferimentos dolorosos mas que não eram suficientes para matar. Após rasgar a carne da vítima, o monstro se deliciava lambendo o sangue que escorria das feridas. Por vezes, o espírito chegava ao ponto de deixar a presa escapar fingindo desinteresse nela, apenas para empreender uma nova perseguição, capturá-la e atormentá-la uma vez mais. Quando finalmente se cansava da brincadeira, o long dog simplesmente matava, geralmente com uma mordida dilacerante no pescoço.

Diferente de outros animais selvagens, o Long Dog das lendas não matava para se alimentar ou defender seu território. Pelo contrário, ele sentia um prazer quase humano na caçada e na matança. Os Cherokee o temiam de tal maneira que evitavam certas partes da floresta e entalhavam símbolos de proteção nas cascas das árvores a fim de mantê-lo afastado. Aqueles que sofriam ferimentos, mas conseguiam escapar do monstro eram banidos da tribo, pois seria questão de tempo até o Oolonga-Daglalla vir até eles completar o serviço. Os caçadores marcados pelo monstro, recebiam uma faca ou lança e eram obrigados a entrar na mata fechada onde deveria ficar por 7 dias. Se nesse período o monstro não atacasse eles podiam retornar, sabendo que estaria relativamente seguros. 

Segunda a descrição tradicional, o Long Dog seria um animal bastante grande, com cinco ou seis pés (entre 1,50 m e 1,80 m) de comprimento, as mesmas dimensões de uma pantera ou de um puma. Seu corpo seria musculoso e ágil, as patas traseiras muito compridas e a cabeça relativamente pequena, com focinho chato e orelhas erguidas. A boca comprativamente seria grande, repleta de dentes afiados. O long dog era uma mistura de wolverine, pantera e lobo, com as piores características de cada um desses animais. Ainda segundo a tradição, os olhos da fera, em uma cor vermelha-amarelada, brilhavam no escuro como dois carvões incandescentes. O hálito quente da fera teria o cheiro acre de enxofre e podia cegar. Sua pelagem era rala, bastante rente ao corpo, com uma qualidade brilhante oleosa, quase fluida. Os rastros que ele deixava, quando estes eram encontrados, evidenciavam uma pata colossal dotada de enormes garras. 


Mas as estórias sobre o Long Dog não se limitam às suas habilidades como caçador e matador. As lendas dão conta que a criatura também tinha capacidades sobrenaturais. Ele seria capaz de assumir uma forma incorpórea (os Cherokee mencionam que ele se tornava fumaça) e dessa maneira atravessava árvores, vegetação e até surgia diretamente do solo ou no próprio ar. Para outros ele teria a capacidade de ficar invisível ou ao menos se camuflar na floresta de tal maneira que não podia ser visto, pelo menos até ser tarde demais.

Outra horrível capacidade do Long Dog envolve o poder de escravizar aqueles que ele matou e de quem ele provou sangue e carne.

Algumas vezes, a vítima do Long Dog desaparecia e nada era encontrado no lugar do ataque além do fedor de enxofre, terra revirada e rastros de sangue. Segundo a lenda, o Long Dog era capaz de devorar o espírito de sua presa e depois de mastigá-lo o soprar de volta em seu corpo feito em pedaços. Como resultado, a presa se levantava e era capaz de andar novamente, embora ficasse claro que não se tratava mais de uma pessoa, mas de uma abominação nem viva e nem morta. Nessa condição, a vítima se tornava incontrolável e perigosa. Como se tomada por uma fúria cega, ela investia contra qualquer um que encontrasse, tentando morder e esganar. Nas descrições do povo cherokee, a vítima não era mais uma pessoa e sim um "escravo da fúria", que gradualmente ia se tornando menos humano até se converter em uma coisa perversa com olhos injetados, baba escorrendo do canto da boca e que corria de quatro.

Como não poderia deixar de ser, existe uma relação entre a lenda do Long Dog e as estórias macabras relatadas sobre o Tunel Sensabaugn. 

Uma dessas estórias conta que durante a construção do Túnel foram contratados muitos operários imigrantes, chineses e italianos, principalmente. Como ocorria quase sempre nessa época, as condições de trabalho beiravam a desumanidade e acidentes aconteciam frequentemente no local da obra. 

Segundo a lenda urbana, um desses "acidentes", no qual vários operários foram vitimados (no mínimo três conforme algumas fontes) estaria ligado ao "Long Dog". Quando o túnel ainda estava em construção no ano de 1920, a região era bastante isolada e para facilitar o progresso, os empreiteiros montavam um acampamento e dormiam no local em barracas improvisadas. Há boatos de que os operários ouviram repetidas vezes estranhos ruídos na mata próxima, uivos e rosnados, além de um cheiro de enxofre que deixava os homens com os nervos à flor da pele.

Não demorou para que os operários descobrissem as lendas sobre o Long Dog e temessem se afastar do acampamento. Alguns desistiram do trabalho, mas outros persistiram achando que aquilo não passava de superstição e tolice dos nativos que há muito tempo haviam partido. Mesmo assim, toda noite acendiam uma grande fogueira que queimava até o amanhecer.


A despeito das estórias, o trabalho continuou até que meses depois, o túnel ficou pronto, bastando apenas alguns retoques para ele ser inaugurado. A maioria dos operários foi dispensada e aliviados ganharam seus salários e deixaram a área. Alguns poucos homens ficaram para concluir os detalhes que faltavam. A tragédia teria acontecido uma noite, quando os homens que ficaram no acampamento estavam descontraídos e haviam baixado a guarda. Dizem que o capataz da construção os havia presenteado com um engradado de cerveja e que eles beberam além da conta e por isso, esqueceram de acender a fogueira. A verdade ninguém sabe ao certo...

Na manhã seguinte, o capataz foi até o acampamento e se deparou com uma coisa medonha, um verdadeiro massacre que remetia aos ataques sangrentos que colonos sofriam nas mãos de nativos. Os homens não tinham apenas sido assassinados, seus corpos foram retalhados selvagemente. 

O capataz voltou para a cidade e procurou os responsáveis pela obra, entre os quais, o Sr. Sensabaugn que o acompanhou até o lugar, junto com alguns homens de sua inteira confiança. Constataram a tragédia e ficaram espantados pela selvageria do ataque e pelo fedor residual de enxofre que ainda permeava no lugar. Sensabaugn, no entanto era um homem prático: ele sabia que a construção não poderia ter mais atrasos e um escândalo daquele tamanho seria um problema. Ele também sabia que os mortos eram imigrantes, homens sem família cuja falta não seria sentida por ninguém. Ponderando que cães selvagens eram os culpados, o engenheiro ordenou que os homens recolhessem os corpos e os carregassem até o Túnel. Lá dentro havia uma parte profunda que ainda seria lacrada com concreto. Foi ali que Sensabaugn teria ordenado que os homens fossem sepultados em segredo.

Diz a lenda que as vítimas do Long Dog, não ficariam para sempre confinadas naquele lugar. Os corpos estavam fadados a se levantar como "escravos da fúria" e encontrariam uma maneira de escapar de seu confinamento para causar mais tristeza. E de alguma forma, isso que teria acontecido... 

Teria o Oolonga-daglalla libertado os "escravos da fúria" para que andassem em busca de vingança? Seriam esses mortos-vivos os responsáveis pelas tragédias que se transformaram em lenda urbana na área e que contribuíram para a fama do Túnel Sensabaugn? O vagabundo que teria roubado o bebê do Sr. Sensabaugn e o atirado em um buraco no Túnel poderia ser algo mais terrível? Ou quem sabe, a chacina promovida na casa dos Sensabaugn poderia ter sido causada por outra pessoa, que não o engenheiro?

Quem pode saber ao certo onde se inicia uma lenda urbana e começa a verdade?

Nesse caso, há muitas estórias e nenhuma delas tem um final feliz.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Ouçam o Chamado IV - Entrevista com Walter Pax ilustrador de Chamado de Cthulhu



Uma das grandes novidades da edição brasileira de Chamado de Cthulhu que se encontra em Financiamento Coletivo é o fato do livro ter um estilo próprio que se difere da edição que o originou. Ainda que muitos desenhos do livro original estejam presentes, há muitas novidades no que diz respeito a arte e diagramação.

O pessoal da Terra Incógnita já revelou que a parte interna do livro será bastante diferente, remetendo a um livro de notas (scrapbook) onde informações importantes sobre uma investigação em curso seriam anotadas. Uma excelente sacada! 

Quanto as novidades na arte, estamos em boas mãos, a tarefa insana (!!!) recaiu sobre os ombros do gaúcho Walter Pax que nessa entrevista exclusiva para o Mundo Tentacular responde algumas questões sobre como foi dar uma face aos horrores do Mythos de Cthulhu.  




1 - Como foi feito o convite para você trabalhar no projeto da adaptação brasileira do livro Call of Cthulhu? 

O convite partiu do Kairam Hamdan, um dos editores da TERRA INCÓGNITA. Depois de dar uma olhada nas páginas de um projeto meu em homenagem ao H.P. Lovecraft, ele me perguntou se eu gostaria de ilustrar a versão nacional do CHAMADO DE CTHULHU

Grande honra ter sido convidado pra esse projeto.Os Grandes Anciões me estenderam seus tentáculos...



2 - Você já conhecia alguma coisa a respeito do universo criado por H.P. Lovecraft e sobre o Mythos de Cthulhu? Se sim: Quais os seus contos favoritos? Se você fosse convidado para ilustrar um conto de Lovecraft e pudesse escolher qualquer um, qual seria e porque? À propósito, você já jogou o RPG Chamado de Cthulhu? Se sim: O que achou do jogo?

Sketch para o Fungo de Yuggoth
Sou fã da obra de Lovecraft desde minha adolescência, quando li pela primeira vez  SONHOS NA CASA DA BRUXA e NAS MONTANHAS DA LOUCURA, logo seguidos daquela que considero a maior história de horror de todos os tempos: O CASO DE CHARLES DEXTER WARD. Desde então, todo meu trabalho tem sido permeado pelas “criaturas inomináveis” de Lovecraft e seu mundo sombrio.

Penso  que, se tivesse de escolher um conto pra ilustrar, seria NAS MONTANHAS DA LOUCURA. Acho que muitos elementos que definem o estilo de Lovecraft estão nesse texto, além de ter influenciado outra referência importantíssima na minha formação: o filme O ENIGMA DE OUTRO MUNDO, de John Carpenter. Passei minha adolescência inteira desenhando criaturas gosmentas que saiam do gelo...

Sempre fui fascinado pelas ilustrações fantásticas nos livros de RPG, mas tenho de confessar que nunca  joguei. Eu iria ficar babando nos desenhos e me perderia completamente...shame on me.


3 - O livro original americano (no caso estou me referindo a Sexta Edição) conta com algumas excelentes ilustrações, outras nem tanto. Você se espelhou em algum conceito do livro original ou noção norteadora para o projeto? 

Confesso que não me baseei no livro original, pois a idéia do pessoal da TERRA INCÓGNITA era dar uma identidade própria pra adaptação feita aqui no Brasil, então partimos diretamente dos conceitos traduzidos do livro original.

Claro que algum trabalho de pesquisa foi necessário pra aproximar ao máximo as referências e personagens já conhecidos pelo público do jogo e pelos fãs de Lovecraft. Também foi ótimo conhecer a versão de outros artistas para as mesmas criaturas que eu iria desenhar...



O sketch do Povo Serpente
4 - O pessoal da Editora Terra Incógnita participou de alguma maneira do processo criativo para a arte? Qual o grau de liberdade que você teve no projeto?  

Os caras me fornecem todas as descrições das criaturas e, depois de analisarem meus layouts da versão de cada uma, sugerem as alterações finais, se existir necessidade, e só então passo à finalização das ilustrações. Eles tem mantido as correntes razoavelmente frouxas ...


5 - As criaturas que figuram no Universo de Lovecraft em geral são tratadas como "impensáveis", "indescritíveis", "inimagináveis"... suponho que não deve ter sido tarefa fácil criar a imagem de algumas delas. Em algum momento você se pegou pensando "como é que eu vou desenhar essa coisa"? 

 O desafio de representar as criaturas “indescritíveis” do Lovecraft, sempre me fascinou. Para mim, é como um passeio num parque de diversões assombrado: divertido e assustador! Eu penso “como é que eu vou desenhar essa coisa ?” o tempo inteiro... e não paro de achar isso o máximo!


6 - Quantas ilustrações você apresentou para o livro "Chamado de Cthulhu"? Qual foi a que deu mais trabalho e qual foi aquela que você parou, olhou e disse: "Uau! Essa ficou realmente legal!"

Ainda estamos no processo de criação das ilustrações do livro. Algumas já estão prontas mas, temos muito trabalho pela frente. O processo já está bem acelerado e devo dizer que fiz vários desenhos que me deixaram bem orgulhoso, mas não sei dizer se há algum favorito. Estou curtindo muito cada um deles...


Abdul Al-Hazred e o blasfemo Necronomicon

7 - Fale a respeito da capa de "Chamado de Cthulhu". Como foi o processo de criação da capa em aquarela? No que você se inspirou para compor essa imagem? 


Antes de me tornar fã do Lovecraft, eu era um fanático pelas aventuras do Conan, o Bárbaro, desenhadas pelo mestre John Buscema. Muitas das cenas mais atrozes de terror Lovecraftiano que povoam a minha mente, vem dos desenhos do cara. Quis evocar a atmosfera das grandes aventuras do Conan pra essa ilustração de capa, com umas cores ao estilo Frank Frazetta, outro artista do qual sou grande admirador. 

No  processo, as referências se misturam e o resultado acaba ficando mais orgânico, bem diferente do que eu havia planejado inicialmente...mas eu acho ótimo!



8 - Uma das recompensas do Financiamento Coletivo é o livro "A Arte de Chamado de Cthulhu". O que você pode nos dizer a  respeito desse livro? Ele vai trazer imagens que não chegaram a entrar no Chamado de Cthulhu? 

O livro vai trazer ilustrações inéditas sim. Vários sketches à lápis e alguns dos desenhos de produção que fiz durante o processo de composição do CHAMADO. Eu estava muito afim de fazer um making of do projeto e os caras da editora  toparam  oferecer o livro pra custear o financiamento. Imagina se eu não estou feliz...


9 - Onde podemos ver um pouco mais do trabalho de Walter Pax? Quais são suas principais inspirações e os artistas que você admira? Você usou algum deles como referência para esse projeto?

Cthulhu
Nos últimos anos , publiquei alguns trabalhos bem legais que me deram uma boa visibilidade no meio editorial. Ilustrei A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA, pela LEYA/BARBA NEGRA ,LEONARDINHO-MEMÓRIAS DO PRIMEIRO MALANDRO BRASILEIRO, pela editora SARAIVA, e fui convidado a participar das antologias IRMÃOS GRIMM EM QUADRINHOS pela editora DESIDERATA e 24 SEVEN-Vol2, da editora americana IMAGE (que concorreu ao Prêmio Eisner como melhor antologia). Ainda criei juntamente com os amigos João “Azeitona” Vieira e Mateus Santolouco, a trilogia ZINE SUPREME, com quadrinhos autorais do trio, que rendeu um bom destaque nas ultimas convenções internacionais de quadrinhos aqui no Brasil, e nos levou a concorrer ao troféu HQMIX (não levamos, mas foi ótimo ter participado).

Bom, quanto aos artistas que me inspiram, além do  Buscema (adoro esse nome!) e  Frazetta, curto muito o trabalho do H.R.Giger, que tem um jeito inacreditável de retratar os pesadelos do Lovecraft. Tem os demônios do Gustave Doré. Os desenhos do Dr.Seuss, o traço sofisticado do Philippe Druillet. Os experimentalismos do Breccia. O virtuosismo do Wrightson... um sem número de gente boa,que sempre influenciou e inspirou o meu traço pra ele ser como é hoje. Devo muito da inspiração do meu trabalho à todos esses mestres do desenho. Espero prestar um tributo apropriado nas páginas de CALL OF CHTULHU (aí vem a música do Tenacious D bater na minha mente..."It is just a tribute,you gotta believe me...”).

Ah...sempre que cito os artistas que admiro, esqueço de mencionar um monte de gente muito boa daqui do Brasil, que também me inspira muito. Gosto do trabalho do Rafael Sica, Mateus Santolouco (Teenage Mutant Ninja Turtles), Danilo Beyruth e seu Necronauta, os caras da revista SAMBA, Rodrigo Rosa e seu traço clássico, João Ruas (maldito!), Davi Calil (mestre da aquarela), Vitor e Lu Cafaggi...enfim,uma penca de gente que também tem me influenciado muito, profissional e criativamente.

Os meus desenhos  podem ser vistos no blog maquinafantasma.wordpress.com no meu portfólio Deviantart, que é walterpax.daportfolio.com e na minha página no Facebook.

Deem uma olhada lá. Tem umas coisas que eu gosto bastante e que dão uma geral no meu trabalho, para a galera que não conhece minha arte ir se familiarizando.


10 - Uma última e importante pergunta: Você sabe que alguns desses desenhos são imagens de entidades cujo mero vislumbre causam insanidade. Você não se sente nem um pouco culpado em desenhar coisas que são matéria prima para alimentar nossos pesadelos? 

Culpado, eu? Eu sou somente o mensageiro...abro o portão e convido a entrar. Só que tem uma placa onde tá escrito :

“Antes de mim não foram coisas criadas
  Senão eternas,e eu eterna duro.
  Deixai toda  esperança vós que entrais.”

Bem vindos!

W.Pax

A entrevista foi feita através de perguntas enviadas. Obrigado ao Walter Pax pela gentileza de ter nos atendido.