sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Pennywise - A Face mais terrível do Horror de Derry


Tudo a respeito da adaptação de IT de Stephen King é monstruoso, inclusive o recorde de maior estréia para essa época do ano, na casa dos 117 milhões (agora o filme já contabiliza 260 M e caminha para se tornar o filme de Horror mais rentável da história). O público está correndo para os cinemas doido para ser aterrorizado pelo monstro que dá nome ao filme, A Coisa (IT) . Também conhecido como Pennywise o Palhaço Dançarino, a entidade maligna muda de formas e assombra a cidade de Derry, no Maine. Um grupo de crianças chamadas de Clube dos Perdedores tem que enfrentar a aberração, sem serem capazes de descobrir a origem da criatura. A história de Pennywise o Palhaço permanece um mistério para as crianças e para o público que não leu o romance que deu origem ao filme. 

Com isso em mente, que tal mergulharmos na história e natureza de Pennywise conforme definido no trabalho seminal de Stephen King para explicar exatamente o que é a criatura e por que ela aterroriza as crianças de Derry.

*     *     *


A criatura chamada de COISA não é obviamente um palhaço como sua imagem pode sugerir. Ela utiliza esse disfarce para se aproximar de seus alvos prediletos, crianças, acreditando que a aparência do palhaço pode convence-las a confiar e baixar a guarda na sua presença.

A COISA é uma entidade ancestral que talvez tenha mais de um bilhão de anos de idade e talvez seja mais velha do que o próprio universo. Ela é original de um vazio dimensional que contém todo um universo chamado Macroverso (também conhecido como a Escuridão Todash). A dimensão original em que a Coisa surgiu é uma dimensão habitada por Luzes Mortas, estranhas criaturas percebidas como luzes que estão vivas e que possuem consciência própria ainda que inumana. Essas entidades são absolutamente letais e o mero vislumbre delas é suficiente para destruir a sanidade de uma pessoa a ponto de deixá-la em choque catatônico, condição da qual, alguns nunca se recuperam. Uma descrição simplória das Luzes Mortas citam coisas gigantescas, que se arrastam ou flutuam e que emitem um halo alaranjado pulsante. A visão, no entanto, é tão devastadora que ninguém jamais foi capaz de descrevê-las de forma coerente, uma vez que a mente humana não encontra nada que sirva como referencial.

O nome verdadeiro da COISA não é mencionado no romance, "coisa" (It), é um termo genérico pelo qual as crianças se referem ao monstro que as aterroriza. De um modo geral a COISA é tratada como tendo o gênero masculino, muito embora, ela provavelmente não esteja sujeita a essas convenções. Em determinado momento do romance uma personagem menciona que a COISA seria uma fêmea pelo fato dela perceber a existência de ovos depositados pelo monstro - que seriam suas crias não nascidas. Não está certo se essa suposição é verdadeira ou se esta foi uma mera ilusão.


A COISA possui um inimigo natural que também vem do Macroverso. Este é conhecido apenas como a Tartaruga, embora um de seus nomes possa ser Maturin. A Tartaruga é um dos Guardiões do Raio, seres que protegem os limites do Macroverso e impedem que as Luzes Mortas deixem sua dimensão de origem. Não se sabe ao certo porque Maturin e os demais Guardiões exercem essa função, mas uma vez que as Luzes Mortas são vistas como entidades malignas, assume-se que os Guardiões estão de alguma maneira dispostos a proteger a humanidade que é diretamente afetada por elas. Existe a possibilidade ainda de que a COISA seja uma espécie de emissário das Luzes Mortas que conseguiu escapar e cuja função é abrir a passagem para outras Luzes Mortas. Finalmente é possível que a COISA seja uma Luz Morta que assumiu na nossa realidade a faculdade de mudar de formas ao seu bel prazer. Qual o requisito para abrir a passagem para o Macroverso ou se isso é possível constitui mera conjectura. No romance, a COISA diz que ela própria é uma entidade "superior" se comparada a Tartaruga em poder, percepção e capacidade.

A COISA chegou a Terra após um evento cataclísmico milhões de anos no passado, possivelmente o choque de um asteróide ou meteoro de proporções consideráveis que abalou o tecido dimensional e permitiu a ela passar para nossa dimensão. No momento em que a COISA passou para "nosso lado" ela sofreu um choque que a forçou a hibernar por milhões de anos até se recuperar. O exato local da entrada da COISA é desconhecido, mas pressupõe-se que ele seja em algum ponto onde a cidade de Derry, Maine seria um dia construída. A essência da entidade conspurcou o próprio solo formando um ambiente propício para seu desenvolvimento e proteção. Assume-se que a COISA tenha despertado de seu estado hibernante quando Derry foi fundada em 1715. Até então, os habitantes nativos do Maine evitavam a região e a consideravam assombrada por espíritos e divindades malignas. Também existe a possibilidade da Tartaruga ter abençoado alguns nativos com o conhecimento da ameaça que a COISA representava. O Ritual de Chüd, uma espécie de cerimônia de suor que a partir da desidratação do corpo causa alucinações e permite visões proféticas pode ter sido ensinado pela Tartaruga aos xamãs nativos.

Quando a COISA despertou de seu estado hibernante ela sentiu imediatamente a presença da humanidade e compreendeu que seres humanos, dotados de consciência constituíam uma fonte de alimento e prazer. A criatura não precisa de alimento para sobreviver, contudo ela sente um profundo prazer em se alimentar de criaturas dotadas de inteligência. Um fator interessante a respeito da COISA é que ela apenas se alimenta de indivíduos aterrorizados. O medo é uma espécie de afrodisíaco que atrai a coisa e permite que ela se alimente de suas vítimas. Um indivíduo que não sente medo não serve, via de regra, como alimento para ela. É por essa razão que a criatura utiliza de disfarces para aterrorizar suas vítimas. Dotada de capacidades psíquicas latentes, a COISA é capaz de sondar a mente dos seres humanos e encontrar seus medos mais profundos com o objetivo de personificá-los e instaurar assim um pavor extremo. Crianças são seus alvos prediletos, não apenas por serem mais fáceis de serem coletadas, mas porque estas possuem medos latentes considerados mais "puros".


A COISA é virtualmente imortal por idade, ela não envelhece ou está sujeita a qualquer detrimento pelo correr dos séculos ou milênios. Ela desperta apenas em curtos períodos de tempo (de quatro a seis meses) a cada 27 ou 30 anos de inatividade. Nesse período a criatura é especialmente consciente de seus arredores e passa a sondar a mente de todos os habitantes que residem sobre o seu ninho localizado nas profundezas da cidade e conectado ao labiríntico sistema de esgotos. Não se sabe quais as condições que forçam a COISA a hibernar, mas estas regras parecem ser impossíveis de serem preteridas por ela. Não se pode afastar a teoria de que conjunções astrais e o alinhamento de estrelas sejam fatores vitais para o despertar.

IT passou a utilizar a forma do Palhaço Dançarino Pennywise, em algum momento do século XVIII. É possível que ela tenha, de alguma maneira se identificado pela representação circense ou pelo fato dela ser de alguma forma atraente para as crianças. Na novela, Pennywise está associado ao nome Bob Gray e é possível que esse seja o nome do artista ou indivíduo que construiu a identidade do palhaço. Durante meados de 1750 até 1850, espetáculos circenses costumavam se apresentar em povoados isolados como Derry. Grey pode ter sido um humano que atraiu a COISA e a impressionou a tal ponto que ele decidiu usar sua imagem ao longo dos séculos seguintes. Não existem informações a respeito de um palhaço chamado Pennywise ou o nome Robert Grey disponíveis em arquivos ou registros atuais.

A COISA é capaz de influenciar a atitude de seres humanos, sobretudo aqueles que tenham desejos e vontades ulteriores que possam ser manipuladas. Ela possui um extenso conhecimento da natureza humana e sabe como estimular instintos de crueldade, sadismo e perversão. É através dessa influência pérfida que a COISA consegue influenciar adultos em Derry e fazer com que eles ignorem a presença dela própria e a ameaça que ela impõe às crianças. A COISA é capaz de fomentar em adultos o interesse por comportamentos considerados decadentes, degenerados e imorais, instaurando um ambiente que privilegia a violência e agressividade que não raramente descamba para crimes de violência doméstica, assassinatos, estupros, linchamentos e pedofilia. Os adultos de Derry muitas vezes desenvolvem essa "mácula"  que é decorrente da presença da COISA. Não por acaso a média de violência na cidade é muito mais alta do que no restante do Estado e do País. Estudos e pesquisas nos anos 1970 apontam para um severo quadro de sociopatia e psicose entre a população residente em ambos os sexos. A taxa de suicídio também é alta, oito vezes maior do que no restante do país.


No romance, o personagem Ben, descobre pesquisando na biblioteca local, que a história de Derry está intimamente ligada ao terror e morte provocados pela COISA. Ela foi a causadora de grandes tragédias no passado da cidade. A explosão na Kitchener Iron Works que matou 108 pessoas, incluindo 88 crianças. O incêndio que consumiu a Casa de Dança Black Spot e fez inúmeras vítimas. Um violento tiroteio no qual boa parte da população tomou a justiça com as próprias mãos e executou uma quadrilha de assaltantes de banco. Todos esses acontecimentos de alguma forma foram apoiados ou influenciados pela presença da COISA nutrindo os sentimentos prementes de raiva, preconceito e desespero.

Existe a possibilidade de que a COISA possa despertar quando atos de violência extrema são praticados. No romance, um menino chamado Dorcey Corcoran é surrado pelo padrasto até a morte em 1957, fazendo com que a COISA acorde de seu sono antes da hora. Uma vez que a entidade manipula a mente dos habitantes de Derry, eles não reagem de maneira convencional diante das tragédias que ocorrem na cidade. Os habitantes de Derry tendem a ter uma existência fatalista, triste e desesperançosa. A empatia não parece se estabelecer entre as pessoas. É por esse motivo que apesar da quantidade absurda de desaparecimentos de crianças, adultos se limitem a criar toques de recolher e colar cartazes de desaparecidos sobre os anteriores como se nada estivesse errado.

Como uma entidade sobrenatural de maldade latente, a COISA dispõe de uma abundância de poderes e capacidades notáveis.


Primeiro, a COISA é capaz de assumir a forma que bem entender, dando preferência para aquelas que provocam os medos mais profundos nas suas vítimas. A mudança da forma é imediata e a COISA pode escolher ao seu bel prazer o disfarce que irá usar. Pennywise é, no entanto, sua personificação favorita. Como é visto no filme, a COISA pode assumir outras formas como o leproso que aterroriza Eddie e a Mulher Surrealista vista no quadro temido por Stan. Na novela, a COISA assume muitas outras formas, como os monstros clássicos do Estúdio Universal (o Lobisomen, a Criatura da Lagoa Negra, o Monstro de Frankenstein). Além desses disfarces, a COISA também pode assumir a forma de criaturas maiores como pássaros imensos, sanguessugas voadoras e uma aranha gigantesca. 

O poder de alteração corporal também pode ser direcionado a partes distintas, criando amalgamas conforme o necessário. Ao enfrentar as crianças, a COISA muda de forma repetidas vezes, usando patas de inseto para atacar seus oponentes e com isso conseguir força extra. Ela também pode aumentar de tamanho, expandir braços e pernas, escancarar a boca como uma cobra e criar dentes tão afiados que podem arrancar membros com uma única mordida. Graças a essas capacidades, ele pode se mover com uma rapidez desconcertante dando a impressão de estar em todo canto.  

A COISA é capaz de criar ilusões e gerar manifestações sensoriais que são percebidas como reais. Usando esse artifício, ela pode construir cheiros, sabores, sons, temperaturas, texturas e é claro, imagens. Projetando essa capacidade ela pode aparecer em slides, por exemplo. Ou estar presente em vários lugares simultaneamente, mesmo que invisível para outras pessoas.


O poder ilusório da COISA é devastador, ao criar um ambiente propício para nutrir o medo de suas vítimas a entidade afeta seu alvo psicologicamente e o desestabiliza. Ela pode influenciar e controlar aquilo que as pessoas vêem, o que explica por que Alvin Marsh, o pai abusivo de Beverly, é incapaz de ver um banheiro coberto de sangue depois dela fazer surgir um gêiser de sangue na pia. A Ilusão também pode ser direcionada fazendo com que algumas pessoas simplesmente ignorem sua presença e não enxerguem suas predações.

A COISA possui poderes telepáticos latentes e é capaz de ler a mente das pessoas ao seu redor ou se comunicar mentalmente. O uso principal dessa faculdade é sondar os medos e compreender aquilo que mais aterroriza o indivíduo. Quando a COISA projeta seus pensamentos na mente de uma pessoa esta experimenta um incômodo indescritível. A sensação é comparável a ser invadido por uma presença amoral e repulsiva que não pode ser repelida. Psiquicamente, a COISA se deleita com esse contato íntimo, embora ela saiba que não pode usufruir dele por muito tempo, sob risco de enlouquecer sua vítima.

A COISA é capaz de conjurar um vislumbre do Macroverso em seus olhos, fazendo com que qualquer pessoa encarando-a seja afetada pela horrenda visão das Luzes Mortais. Um indivíduo submetido a essa visão perde os sentidos e se torna catatônico. Ela reserva essa capacidade apenas contra oponentes que ela detesta ou de quem deseja se vingar.


A despeito de seus enormes poderes e capacidades, a COISA não é imune a dano físico ou ferimentos diretos. Ela pode, entretanto, regenerar seus ferimentos em poucos segundos e reformar os danos sofridos como se eles não existissem. Uma quantidade maciça de ferimentos pode colocar a COISA fora de combate por alguns instantes, mas nem mesmo isso pode destruí-la permanentemente. Quando as crianças conseguem atravessar a cabeça do monstro com uma lança, a COISA precisa de alguns segundos para se reformar. O mesmo ocorrendo quando ela é atingida pela pistola de pressão.

Se por acaso a COISA receber ferimentos suficientes, ela tende a retroceder para seu covil subterrâneo com o intuito de "lamber suas feridas" e se regenerar. Essa regeneração pode demandar que ela entre em modo de hibernação por um período de no mínimo 27 anos. Ao despertar desse período de recuperação, a COISA ressurge em perfeitas condições, como se nada tivesse acontecido.

A COISA, entidade única, forma de Pennywise o Palhaço Dançarino

FORça                  70
CONstituição       90
TAManho             80
INTeligência        300
PODer                  400
DEStreza              95

Pontos de Vida: 16
Bônus de Dano: +1d4


Habilidades: Psicologia 70%, Sondar Medos 99%, Localizar 80%, Ouvir 80%, Persuadir 60%, Intimidar 90%, Conhecer os Subterrâneos de Derry 98%, História de Derry 95%   

Ataques: Pennywise prefere não atacar fisicamente seus inimigos, a nãos er que se veja forçado a fazê-lo. Nessas circunstâncias ele é mais do que preparado para enfrentar oponentes recorrendo a força bruta e a suas habilidades de mudar de forma. Uma vez levado ao combate ele pode usar seus punhos, garras ou presas formadas especialmente com o propósito de ferir.


Ataques por rodada: 1

Lutar 80% (40/16), 1d4+Bonus de dano (garras, punhos ou mordida)

Ataques Especiais: Ao paralisar ou se aproximar o suficiente de um oponente, Pennywise tende a mordê-lo, usando dentes extremamente afiados que podem arrancar membros com facilidade. Em caso de Impale, a mordida consegue arrancar um pedaço inteiro da vítima, o que obriga a vítima a um teste de Sorte. Em uma falha, a mordida causa a amputação de um membro.

Mordida 70% (34/14), dano 1d6 + Bônus de dano

Olhos das Luzes Mortas: Pennywise é capaz de conjurar uma visão aterrorizante das Luzes Mortas que habitam o Macroverso. Qualquer pessoa sujeita a encarada da Coisa enquanto ela conjura o vislumbre se torna sujeita aos seus efeitos. Pennywise costuma usar esse poder aterrorizante em indivíduos que estão paralisados ou incapazes de escapar.

Vislumbre do Macroverso 60%, dano 3d10 pontos de PODer.

Se o PODer do investigador for reduzido a zero, ele se torna catatônico, um estado normalmente irreversível. A vítima se perde em seus próprios devaneios, incapaz de agir ou reagir, sua expressão perdida para todo sempre. Os pontos drenados são perdidos para sempre.

Conjurar Medos: Não um ataque propriamente dito, mas Pennywise é capaz de sondar a mente de uma pessoa com o objetivo de emular seus medos mais profundos. Se a criatura tiver tempo de sondar a mente de um indivíduo, ela usará seus próprios medos contra ela. Nesse caso expresso, a perda de sanidade é integral, não havendo a necessidade de rolar dados.

Armadura: Nenhum. Pennywise regenera 8 pontos de vida por rodada, contanto que ele tenha ao menos um ponto. Ao chegar a zero pontos de vida, Pennywise colapsa no chão e começa a sofrer uma mudança física que facilita sua fuga para os subterrâneos de Derry. 

Feitiços: A Coisa conhece todos os feitiços que o Guardião julgar adequados, embora raramente faça uso deles.

Sanidade: 0/1d6 por ver Pennywise em sua forma de Palhaço Dançarino. 
Dependendo da forma utilizada pela Coisa, a perda de sanidade pode variar entre 1/1d3 até 1d3/1d10, sendo que o poder de conjurar medo torna essa perda de sanidade integral.  

A COISA ABOMINÁVEL, Manifestação do Macroverso 

Esta é uma das formas mais abomináveis escolhidas pela Coisa para aterrorizar as crianças de Derry. A criatura é uma mistura de caranguejo, inseto e aranha gigante, um horror com oito pernas, garras prenseis e aparência digna de pesadelos. A criatura inteira é coberta por placas quitinosas de cor marrom ou vermelho acobreado, ela mede quase quatro metros de altura e pesa mais de 500 quilos. A coisa conjurada essa forma abominável apenas quando esta está em seu covil nas profundezas de Derry. 



FORça                  200
CONstituição       250
TAManho             150
INTeligência        300
PODer                  400
DEStreza              75

Pontos de Vida: 40
Bônus de Dano: +3d6

Habilidades: Escalar 85%, Localizar 80%, Ouvir 80%, Intimidar 90%, Conhecer os Subterrâneos de Derry 98%, História de Derry 95%   

Ataques: A Coisa em sua forma abominável é um oponente formidável. Seus ataques podem ser divididos entre vários oponentes simultaneamente afim de produzir o maior dano possível em seus adversários e colocá-los fora de ação. Ela prefere atacar aqueles que tenham sido paralisados ou que estejam aterrorizados demais para reagir. Suas patas e quelíceras produzem um dano considerável.


Ataques por rodada: 1d4+1

Lutar 80% (40/16), 1d6 +1/2 Bônus de Dano

Ataques Especiais: 

Despedaçar: Se a Coisa Abominável conseguir executar dois ataques bem sucedidos contra um mesmo investigador, o corpo deste, vivo ou morto, será agarrado pelas pinças e despedaçado causando um dano adicional de 3d6. Investigadores testemunhando esse ataque brutal perdem 1/1d6 pontos de sanidade. A Coisa utiliza esse ataque devastador da maneira mais gráfica possível com intuito de aterrorizar os oponentes e fazer com que eles fujam.

Armadura: 5 pontos de quitina endurecida. Imune a ataques normais exceto prata ou mágicos. Ataques realizados por indivíduos que superam seus medos diante da Coisa são mais efetivos e causam o dobro do dano. 

Feitiços: A Coisa conhece todos os feitiços que o Guardião julgar adequados, embora raramente faça uso deles.



Sanidade: 1d6/1d20

E tem esse resumo que eu achei arrepiante:


quarta-feira, 27 de setembro de 2017

O Senhor do Formigueiro - O Culto aterrorizante de Roch Thériault


Cultos podem ser coisas realmente assustadoras. Eles são a prova que o ser humano é capaz de coisas terríveis em nome de suas crenças. Em casos onde existe um líder carismático e seguidores fiéis dispostos a tudo para provar sua devoção, não é raro que as coisas terminem de maneira trágica. E sempre fica a pergunta: "como pôde chegar a esse ponto"? 

Esse caso, ocorrido no Canadá, está entre os mais perturbadores flagrantes de Culto de todos os tempos.

Dada a natureza perturbadora de certos trechos, recomenda-se ao leitor mais impressionável discrição.

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Roch Thériault era um homem com uma missão: salvar a si mesmo e aos seus seguidores de um Apocalipse que estava para chegar a qualquer momento.

Ainda criança, Thériault largou a escola e se deixou fascinar pelos ensinamentos da Bíblia. Ele implorou aos pais que permitissem a ele responder o que chamava de "chamado divino" e que lhe permitiria cumprir a missão sagrada que Deus havia lhe entregue. Os pais acabaram concordando e a partir dos 12 anos de idade Roch passou a se dedicar exclusivamente ao estudo do Antigo Testamento. Aos 18, Thériault já havia escrito um livro repleto de ideias controversas a respeito do que Deus desejava para a humanidade. Ele estava convencido de que uma guerra entre o Bem e o Mal estava para começar, e que desse conflito viria o Fim dos Tempos. O Apocalipse Bíblico no qual a Terra seria destruída e apenas alguns eleitos conseguiriam sobreviver.

Aos 20 anos ele se juntou a Igreja Adventista do Sétimo Dia e passou a seguir suas regras de maneira estrita: nada de tabaco, nada de álcool, nada de drogas ou mesmo alimentos processados. Ele rezava dia e noite e pedia para que o momento de enfrentar as adversidades viesse logo. Thériault mal podia esperar para o início de seu grande teste. 

Thériault era um sujeito extremamente carismático e persuasivo. Abençoado com uma oratória sedutora e uma maneira de se fazer ouvir, ele sabia realmente se comunicar com as outras pessoas. Discursos que na boca de qualquer outra pessoa pareceriam as palavras de um lunático, quando proferidos por Thériault pareciam verdadeiras. As pessoas se juntavam para ouvi-lo e sempre havia alguém disposto a acreditar em tudo que ele falava. Suas profecias a respeito do Apocalipse eram vívidas, ele recorria a encenação e recursos dramáticos para contar como seria o Fim dos Tempos. Suas palavras eram delirantes, mas não menos sedutoras e impressionantes. Ele falava de fogo caindo do céu, de campos de extermínio, de mortes sem fim e de exércitos dedicados ao Anticristo. As pessoas ouviam e muitas passavam a acreditar nas previsões apavorantes. 


Enquanto organizava um seminário de Adventistas, ele convenceu um grupo inteiro de pessoas a largar seus empregos e formar uma religião em torno de suas crenças excêntricas. Roch se desligou dos Adventistas que a essa altura tinham dúvidas a respeito da própria sanidade dele. O consideravam instável, sobretudo depois que ele entrou em um templo aos berros interrompendo um culto e chamando o ministro de "Satã Personificado". Ameaçou lançar sobre ele o poder de Deus que emanava de suas mãos. Sua performance foi tão convincente que o próprio pastor se viu acometido de um ataque epilético que a congregação entendeu como uma manifestação sobrenatural. Os adventistas ficaram furiosos e o expulsaram, mas ele não se abalou em absoluto.

Com base nesse primeiro grupo de seguidores fiéis ele criou as Crianças do Formigueiro (Children of the Ant Hill), um nome que simbolizava um dos aspectos fundamentais da comunidade que ele planejava construir do zero. As Crianças trabalhariam incansáveis como formigas para criar seu próprio ambiente e fazer com que ele prosperasse diante das adversidades e assim sobrevivesse ao Apocalipse vidouro. Quando a comunidade se formou, Roch decidiu assumir o nome de "Moses" (Moisés), um título que parecia condizente com a imagem que ele pretendia personificar. Como o Profeta Bíblico, ele deixou crescer os cabelos e a barba, vestia uma espécie de toga com sandálias e carregava um cajado de pastor nas mãos. A imagem do homem era de autoridade quase divina, com olhos ferinos de um azul vibrante, quase dois metros de altura e uma voz possante. Ele era o próprio Moisés encarnado.

O ano era 1977 e Theriault junto com seus seguidores deram início a construção de sua utopia religiosa na Província de Quebec, no Canadá. Na sua concepção inicial, as Crianças seriam livres do pecado e teriam igualdade e unidade, os princípios norteadores da Seita.  As nobres metas, no entanto, foram traídas logo no início. 

Os seguidores eram orientados a abandonar tudo que os ligava a suas vidas anteriores, renunciavam não apenas a suas famílias, amigos e conhecidos, mas aos bens materiais e ao modo de vida de até então. Tornavam-se renascidos graças a um estranho Ritual de Batismo realizado pelo próprio Moses no qual ele realizava cortes no corpo dos candidatos e bebia seu sangue. Nesse renascimento espiritual, recebiam um novo nome escolhido pelo Profeta. Não podiam jamais voltar a suas vidas pregressas, "apenas a morte os liberta da escolha feita". O clima era de paranoia desde o primeiro dia, momento em que recebiam advertência para jamais usar ou atender ao nome que tinham renunciado após o batismo. Os demais seguidores os testavam, chamando-os pelos nomes originais, e quando estes respondiam, acabavam punidos severamente.


Ganhavam uma roupa simples de linho colorida semelhante a uma bata e tinham de zelar por ela, mantendo-a imaculada e limpa para os rituais diários. Sujar esse traje resultava em punição. Recebiam ainda um traje de trabalho e sandálias simples que tinham de ser usadas sempre que iam ao campo. As mulheres não podiam cortar o cabelo, os homens tinham de deixar a barba crescer à imagem do líder. Não se tomava banho, não era permitido falar sem autorização, não era permitido rir, não era permitido comer fora do horário, não era permitido se abster das reuniões e dos cultos de Moisés. 

O regime imposto na Comunidade era espartano para dizer o mínimo.

As Crianças do Formigueiro plantavam e colhiam. Viviam da terra e vendiam quase tudo aquilo que produziam em uma fazenda que havia sido comprada por Thériault com as doações daqueles que se juntavam à Seita. Não podiam desfrutar do resultado de seu trabalho. Tudo que era produzido pertencia ao Coletivo e Moses decidia qual fim dar às verduras e legumes, ao pão que era preparado e ao leite que era ordenhado. As rações eram mínimas e as punições impostas diminuíam ainda mais a parte de cada um. O grupo trabalhava de sol a sol, às vezes até mesmo à noite. Aravam e labutavam sem descanso pois na concepção do Profeta a preguiça era o primeiro sinal do pecado. Por vezes, o esforço era tamanho que as pessoas caíam desmaiadas com esgotamento físico e nervoso.

A essa altura, você deve estar se perguntando por que essas pessoas simplesmente não partiam ou abandonavam o Culto? A resposta para isso é que o regime imposto por Moses e seus seguidores criava uma dependência total e fazia uma lavagem cerebral nos membros. As pessoas eram condicionadas a acreditar que não havia mais nada fora do Formigueiro e que o Mundo exterior seria ainda mais terrível do que aquela realidade na qual eles estavam inseridos. Além disso, dentro do grupo reinava a paranoia. Haviam espiões e informantes em cada canto. Aqueles que entregavam as transgressões alheias ganhavam benefícios - que podiam ir de uma ração extra de comida, até uma palavra simpática do Profeta. E as pessoas entregavam umas às outras, aceitando a punição, acreditando que essa punição os tornaria mais fortes e puros. O resultado é que o ciclo se repetia até que cada membro se tornava totalmente condicionado naquela engrenagem que esmagava a vontade própria e sacrificava qualquer senso de individualismo em nome da comunidade. Moses havia realmente construído um Formigueiro habitado por seres humanos. 


Thériault era extremamente inteligente e conseguia recrutar novos seguidores para a Seita mostrando uma imagem dela, totalmente diferente para o mundo exterior. Ele escolhia com cuidado as pessoas que o acompanhavam ao "Mundo Pecaminoso" e as instruía para jamais revelar como era a vida dentro da comunidade. Os limites dela eram isolados por cercas e ninguém podia deixar ou entrar o local sem a autorização expressa. Ele se apresentava como um líder gentil e amigável, um homem disposto a trazer iluminação e isso continuava atraindo incautos. 

Certo dia, Moses reuniu sua congregação e revelou que havia tido uma nova visão na qual o Fim dos Tempos estaria ainda mais próximo que ele imaginava. Com efeito, os trabalhos teriam de se intensificar para que tudo estivesse pronto à tempo. Isso significava mais trabalho, menos rações e punições ainda mais severas. Se uma pessoa falhava em uma tarefa recebia uma chibatada na frente de todos. Se demonstrava cansaço podia ser arrastado para uma cabana onde ficava presa em uma jaula. Falar contra ou se rebelar contra o Profeta podia significar uma punição ainda mais violenta como ser amarrado e suspenso no teto, ter os cabelos arrancados por puxões ou ser jogado em uma fossa onde os dejetos eram estocados. 

As punições mais brutais, contudo, eram reservadas aos que tentavam escapar ou deixar o Formigueiro. Os seguidores mais fanáticos de Moses levavam em seus cintos martelos e estes eram usados para disciplinar os que pensavam em deixar a Comunidade. Segundo pessoas que viviam no Formigueiro, mais de um membro da Seita teve pés ou mãos esmagadas pelas pesadas marretas que quebravam-lhes os ossos e deixavam horríveis ferimentos. Para quem ousasse tentar fugir, reservavam outra tortura, empregada para punir os escravos rebeldes. Amarravam a pobre pessoa e colocavam entre suas canelas um toco de madeira que servia de escora. Em seguida, uma pessoa armada com uma marreta desferia um potente golpe que partia o osso do pé de tal forma que andar se tornava impossível por meses. Com a pessoa imobilizava seguia-se nova lavagem cerebral para que ela se adequasse a rotina do Formigueiro.

Depois que um dos membros da Seita quase conseguiu escapar da Comunidade, Moses decidiu que ela teria de ser movida para outro local. Ele justificou a mudança com uma nova Profecia: o mundo acabaria em 1979. Quebec segundo ele seria devastada por fogo e enxofre e eles estavam próximos demais do local da destruição. Era preciso transplantar toda a comunidade para o interior do Canadá em uma região chamada Burnt River, ainda mais distante em Ontário.


1979 veio e o mundo surpreendentemente não terminou. Therioult explicou que isso havia acontecido apenas por que ele havia falado pessoalmente com Deus para que os pecadores fossem poupados e que recebessem uma segunda chance. Ele incutiu na mente dos seguidores a ideia de que se o Formigueiro fosse bem sucedido talvez, apenas talvez, o Mundo pudesse ser poupado. A essa altura, a Comunidade já havia se estabelecido em Ontário. Abastecida pela outra fazenda que passou a dar lucro, Roch tinha recursos para manter o Formigueiro auto-suficiente. 

Gradualmente Moses começou a alterar um pouco a doutrina do Tabernáculo Sagrado. Ele passou a conceder alguns benefícios aos seguidores que se mostravam mais fiéis e a casar com as mulheres da Comunidade que o agradavam. Ele passou também a se identificar não apenas como um Profeta ungido, capaz de falar com Deus, mas como o próprio filho Dele. Nas suas palavras, "nada mais correto e justo do que Ele, como Filho de Deus, deixar herdeiros que seriam o início de uma Linhagem Sagrada após o Apocalipse". Com isso, Moses passou a desfrutar de um verdadeiro harém de concubinas, muitas delas casadas com outros membros da congregação que não se importavam de ceder suas esposas para a "missão sagrada". Estima-se que Roch Therault  teve pelo menos 26 filhos com as mulheres da Seita.

Pior do que isso, ele também abusava sexualmente de menores de idade, tanto meninas quanto meninos. Sua autoridade era tamanha que ele chegava a casar com crianças e tinha relação com estas perante a congregação que era forçada a observar. Se houvesse alguma interrupção ou contestação, a pessoa era levada para fora e punida. Os seguidores mais próximos passaram a receber benefícios semelhantes ao do Profeta, podiam casar várias vezes e tomar a esposa e filhos de quem se rebelava.

Depois que a previsão do Apocalipse falhou, alguns membros da Seita questionaram as visões do líder. Quando ele descobriu, a reação foi brutal. Vários membros foram dominados e amarrados, em seguida, conduzidos até uma cabana construída com o propósito exclusivo de impor as punições. Lá dentro, Moses assumia o papel de cirurgião. Os "pacientes" eram imobilizados, e totalmente conscientes e sem anestesia, sofriam "operações" nas mãos do próprio Therault. Há testemunhas e sobreviventes que afirmavam que durante esses expurgos, Moses usava facas, serrotes, alicates e até maçaricos. Muitos perdiam dentes, orelhas ou dedos, outros, no entanto, tinham braços e pernas amputados violentamente. A punição era decidida pelo próprio Líder que pesava a transgressão caso a caso. Para quem tentasse escapar podia haver a amputação do pé com um serrote. Para quem roubasse comida, a mão era cortada. Para os que falavam demais, a língua podia ser arrancada com um alicate em brasas. E para quem comia demais, colocavam-lhe na boca um funil e derramavam garganta adentro excremento.


A loucura não parava de crescer, Theriáult teria ordenado que crianças fossem pregadas em árvores, besuntadas com mel e deixadas à mercê de insetos. Pessoas eram testadas até as raias da loucura, forçadas a provar sua devoção atirando no próprio ombro com uma espingarda ou vazando o olho com um prego. Seguidores eram obrigados a sentar em ferros quentes. No inverno, uma adolescente foi punida por não conceder filhos a Moses. Sua pena foi ser lançada repetidas vezes em um lago congelado. Nada era cruel demais para ser usado como punição.

O pior entretanto ocorreu quando uma das concubinas de Theriáult se negou a ceder aos seus avanços, reclamando de dores abdominais. O líder forçou a mulher a se despir, deitou-a em um altar, e socou seu estômago repetidas vezes. Em seguida realizou um enema enfiando um tubo de ferro em seu reto o enchendo com azeite de oliva. Ele cortou seu estômago, removeu partes inteiras com as próprias mãos e ordenou que ela fosse costurada por um assistente. É claro, a mulher morreu no dia seguinte, mas Moses tranquilizou a todos afirmando que podia trazê-la de volta com seus poderes de Ressurreição. Essa "ressurreição" consistia em fazer furos na cabeça da mulher com uma broca e obrigar os homens da comunidade a ejacular dentro dela. A mulher permaneceu morta. 

Outras vítimas de culto incluíam pessoas que também morreram em face das punições desumanas impingidas nos membros da Seita. Crianças mortas em operações mau sucedidas, circuncisões ou pelas péssimas condições de vida. Os funerais aconteciam num cemitério improvisado sem que ninguém de fora percebesse.

Em 1988, Gabrielle Lavallée tentou escapar do Formigueiro. Ela havia sido duramente punida por "falhas em sua conduta". Seus genitais foram queimados, oito de seus dentes foram arrancados com alicates e uma agulha hipodérmica foi quebrada em sua coluna. Por milagre ela aproveitou uma oportunidade e conseguiu escapar do Formigueiro. Uma vez livre, ela contou sua história para alguns amigos que a acolheram, mas a maioria das pessoas não acreditava. Tudo aquilo era surreal e assustador demais para ser verdade, além disso ela parecia muito confusa. Por fim Lavallée acabou voltando para a Seita e foi recebida por Moses de braços abertos. No entanto, quando ela cometeu uma falha, o Profeta a puniu de maneira exemplar arrancando-lhe um dedo, pregando sua mão em uma mesa e amputando seu braço direito com um serrote. Alguns amigos que haviam ouvido a história de Gabrielle começaram a imaginar se a história dela era ou não verdadeira e resolveram procurar a polícia e contar o que ela havia relatado. Dessa forma, parentes conseguiram um mandato para que Gabrielle fosse liberada da Comunidade e apresentada para um exame médico com intuito de averiguar se ela havia sofrido algum ferimento. Quando ela enfim foi liberada do Formigueiro, as pessoas ficaram chocadas: além dos ferimentos que ela havia sofrido parte de seus seios foram amputados e ela tinha um ferimento na cabeça - causado, soube-se mais tarde por um golpe de machado cujo propósito era decepá-la.


Em 1989, a Comunidade dos Filhos do Formigueiro foi invadida por agentes policiais que tomaram o local de surpresa e fizeram os seguidores remanescentes prisioneiros. Temia-se que eles tentassem cometer suicídio se fossem avisados previamente. A Fazenda foi revistada e descobriu-se as condições desumanas em que muitos dos seguidores viviam, alguns deles acreditavam que o Mundo havia sido destruído conforme Thériault lhes contou. A maioria ainda professava os ensinamentos do Profeta alegando que não eram coagidos ou forçados a nada, mas estava claro para qualquer um o horror daquela comunidade maldita.

Thériault foi preso e condenado por seus muitos crimes. O julgamento chamou a atenção da opinião pública, sobretudo pela maneira como o Profeta se comportava na Corte alegando ser superior a todos que o acusavam e dizendo que não tinham o direito de julgá-lo. A sentença foi unânime e ele foi condenado a prisão perpétua em uma instituição de segurança máxima. 

Em 2011, um prisioneiro caminhou tranquilamente até o Falso Profeta e cortou sua garganta com uma lâmina improvisada. Ao se entregar para o carcereiro ele teria dito: "Esse lixo está caído no pátio. Aqui está a faca, eu o matei, porque ele não merecia viver". Roch "Moses" Thériault tinha 63 anos de idade e não morreu como havia imaginado, como um Profeta sendo arrebatado rumo ao Paraíso pelo próprio Deus.

O mais bizarro é que alguns seguidores de Thériault, aqueles que não foram considerados culpados de crimes, compareceram ao seu funeral. Houve inclusive três tentativas de suicídio de ex-membros da Seita transtornados ela morte de seu messias. Alguns outros, ainda na cadeia, continuam esperando que Moses entre em contato com eles para que eles sejam chamados ao Paraíso e continuem a servi-lo com a mesma devoção. 

É difícil aceitar o que aconteceu na Comunidade Crianças do Formigueiro, ainda mais entender a motivação das pessoas que de bom grado aceitam servir a um monstro desumano como Roch Thériault. São indivíduos comuns, pessoas muitas vezes desesperadas que concordam em passar por horrendas torturas e privações na esperança vã de receber uma recompensa espiritual em outro mundo onde a dor e o sofrimento não mais existem.

É aterrorizante ver o que carisma maligno e fanatismo cego são capazes de alcançar.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Klarkash-Ton - A vida e Obra de Clark Ashton Smith


com base no artigo de Donald Wandrei.

Clark Ashton Smith (CAS) nasceu em 13 de janeiro de 1893, em Long Valley, California. Ele começou a escrever de forma profissional na tenra idade de onze anos. Independentemente de seus cinco anos em uma escola de gramática, Smith aprendeu tudo sobre escrita por conta própria. Isso não significa que ele tenha recebido uma educação negligente, mas, não é exagero dizer que ele nasceu com um soberbo talento para o mundo da literatura, dominando muito cedo técnicas de verso, prosa e poesia. Smith era acima de tudo um artista, que enveredou ainda pelos caminhos da pintura e escultura.

Aos 17 anos, Smith já vendia alguns de seus contos fantásticos para a Black Cat e Overland Monthly, além de outras publicações. Sua primeira coleção de versos foi publicada apenas dois anos mais tarde em uma antologia com as melhores poesias de novos talentos. Saudado como um prodígio, ele recebeu elogios de críticos e comparações com Chatterton, Rossetti e Bryant. Ele assumiu a vida de autor e começou a escrever estórias curtas profissionalmente. Disputado por revistas que dominavam o mercado editorial de Pulp Fictions, tornou-se expoente nos gêneros fantasia e ficção.

O sucesso de suas estórias inspiraram outros. Suas narrativas estranhas, fantásticas e pseudo-científicas, fascinava os leitores e escancaravam as portas para mundos de imaginação, nos quais a criatividade de CAS fornecia a própria essência dos sonhos. Ao mesmo tempo, ele continuava escrevendo poesia de alta qualidade, com trabalhos publicados na Yale Review, The London Mercury, Wings, Magazine of Verse e no Mencken Smart Set. Suas poesias foram incluídas em dezenas de antologias, e suas traduções da obra de Charles Baudelaire foram usadas na coleção The Flowers of Evil do Clube Limited Editions.

Além de sua prosa e poesia, Smith era ainda um pintor e escultor, que exibiu suas obras estranhas e cheias de mistério em galerias na Costa Oeste. Suas esculturas, consideradas especialmente poderosas e fascinantes, eram talhadas em materiais estranhos incomuns o que as tornava comparáveis a arte primitiva. Embora jamais tenham sido reproduzidas em grande quantidade, as peças originais de CAS encontraram vários interessados que as arremataram em leilões de arte. Suas pinturas também encontraram grande aceitação e foram comparadas às obras do francês Odilon Redon. 

Ao longo de sua vida, esse incansável californiano se envolveu em muitas atividades além do mundo das artes: foi jornalista, catador de frutas, motorista de caminhão, lenhador, misturador de cimento, jardineiro, mineiro de carvão e pescador. Todas as ocupações usadas para conhecer o mundo e colecionar histórias que foram sem dúvida incorporadas a sua produção literária.

De ascendência Franco-Normanda, sua família tinha parentesco com condes e barões de Lancashire e com Cavaleiros que participaram das Cruzadas. Um de seus antepassados pelo lado dos Ashton foi decapitado por ter participado da famosa Conspiração da Pólvora. A família de sua mãe, os Galards, vieram para a Nova Inglaterra em 1630. Eram huguenotes franceses em busca de terras mais tolerantes onde pudessem se estabelecer após sofrerem perseguições pela revogação do Édito de Nantes. O pai de Smith, Timeus Smith foi, ele próprio, um viajante, assim como o filho. Cruzou a América de ponta a ponta e chegou ao Alasca onde participou da Corrida do Ouro. Estabeleceu-se em Auburn onde morreu com mais de 100 anos de idade. 

É provável entretanto que o legado de Clark Ashton Smith seja mais lembrado pela sua amizade e cooperação com outro monstro sagrado da ficção fantástica, H.P. Lovecraft. A arte de Smith não inspirou apenas os simbolistas franceses, mas teve enorme influência sobre Lovecraft. 

A amizade entre Ashton Smith e Lovecraft começou em 1922 e progrediu ao longo dos anos a medida que o nome de ambos ganhava fama entre os leitores da Weird Tales e outras revistas pulps da época. HPL tomou conhecimento da obra de CAS através de um amigo que lhe apresentou sua poesia. Imediatamente, Lovecraft sentou em sua escrivaninha e redigiu uma carta elogiosa endereçada da seguinte maneira: "Para Clark Ashton Smith, Esq., a respeito de suas Fantásticas Histórias, Versos, Ilustrações, e Esculturas".

HPL se sentiu atraído pelo estilo poético de CAS, pelo teor macabro de seus contos e pela sua sagacidade. CAS por sua vez procurou ler tudo que HPL publicava. Ele admirava a criatividade do colega, seu "domínio de noções de tempo e espaço" e, sobretudo,  a filosofia do que ele chamava "indiferença cósmica" (a crença de que a humanidade era tão insignificante no universo quanto um grão de areia numa praia). HPL acreditava que seu colega poderia contribuir com a mitologia em que ele vinha delineando. Para tanto, encorajou CAS a se aventurar mais a fundo no gênero Horror Cósmico. Por alguns meses, as cartas de ambos trataram do tema e vislumbraram uma espécie de parceria na qual os dois poderiam expandir a mitologia.

Não é incomum para autores criarem uma série de contos usando o mesmo protagonista ou situar suas histórias em uma terra fictícia. No entanto, era bastante incomum um autor utilizar o protagonista e as terras fictícias de algum colega com sua permissão - quanto mais se este ainda estava vivo e trabalhando nesses conceitos. Lovecraft acreditava que sua mitologia poderia se beneficiar de outros pontos de vista que somariam às suas ideias e ajudariam os mitos ancestrais a crescer. Dessa maneira ela seria algo sempre em expansão. De fato, Lovecraft convidava seus colegas a experimentar com suas ideias originais, emprestando os seus conceitos. Também os incentivava a acrescentar suas próprias criaturas, deuses, terras e personagens a coleção de seres que compunham os Mythos de Cthulhu.

O termo Cthulhu Mythos - que se popularizou apenas após a morte de Lovecraft, congregava todas as obras criadas a respeito dessa mitologia específica. Eles eram o que autores atuais chamam de "mundo compartilhado", no qual vários escritores unem esforços para expandir uma mesma criação através de histórias independentes.  

Foi Smith quem criou a fabulosa terra medieval de Averoigne, que fascinou inúmeros leitores e incendiou sua imaginação com lendas de Druidas, seres mitológicos e criaturas mágicas. Ele também idealizou as terras lendárias de Hyperborea, Atlantis e Poseidonis, situadas num passado remoto em que magia, misticismo e fantasia se misturavam para criar um ambiente que mais tarde serviria de inspiração para a Era Hiboriana de Robert E. Howard e a Terra Média (de J.R.R. Tolkien). Invertendo esse conceito, Ashton idealizou o continente perdido de Zothique, uma terra num futuro distante em que a decadência lançou a humanidade em um nova Idade das Trevas com a redescoberta da magia e volta a barbárie.

Além de lugares mágicos, CAS também contribuiu para os Mythos de Cthulhu, acrescentando sua própria hoste de Deuses e Monstruosidades onde se destacavam Aboth, Atlach-Nacha, Quachil-Uttaus, Ubbo-Sathla, o ancestral Povo-Serpente e é claro, Tsathoggua sua criação mais marcante. Também foi o responsável por um dos tomos mais famosos dos Mythos, o célebre Livro de Eibon (também conhecido como Liver Ivonis).

Autores dentro do círculo de amigos de Lovecraft, aproveitaram essas idéias para seus próprios ciclos de histórias. Assim, a Hyperborea se tornou um dos Reinos Hiborianos, enquanto o Povo Serpente passou a figurar como inimigo mortal do Rei Kull. O próprio Lovecraft aproveitou Tsathoggua em suas histórias, citando o Deus-Sapo no Necronomicon e relacionando Averoigne em mais de um conto. Mais do que admirar Clark Ashton Smith, Lovecraft tratou de imortalizá-lo, nomeando o Sumo Sacerdote de Tsathoggua com o sugestivo nome de "Klarkash-Ton".

Clark Ashton Smith imaginado como Klarkash-Ton
Após a morte de Lovecraft em 1937, CAS continuou escrevendo ficção fantástica mas sem o mesmo ímpeto ou interesse. Ele foi contatado por August Derleth que havia criado a editora Arkham House que o incentivou a prosseguir, contribuindo para expandir os Mythos de Cthulhu. Infelizmente, em 1953, após um ataque cardíaco, sua saúde se deteriorou e ele entrou em uma semi-aposentadoria na qual passava os dias cuidando do jardim e de seus netos.

Em agosto de 1961, Clark Ashton Smith faleceu tranquilamente enquanto dormia.

Ele tinha 68 anos de idade.

Alguns entretanto asseguram que ele apenas retornou para a Hyperborea, para ser saudado como o mestre escriba que sempre foi. 

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Canibais, zumbis e Maldições contra Hitler - A vida no limite de William Seabrook


Em 22 de Janeiro de 1941, um grupo de pessoas se trancou em uma cabana nas florestas do estado norte-americano de Maryland com uma importante missão: eles tentariam matar Adolf Hitler.

Seu método e a escolha das armas era no mínimo curiosa. Um manequim, um uniforme nazista, alguns machados, uma caixa de pregos, bebida alcoólica suficiente para embriagar um exército e uma forte crença nos poderes da Magia Negra. 

Hoje em dia, a história continua sendo das mais estranhas, e entre os participantes desse peculiar ritual estava uma das figuras mais estranhas da História dos Estados Unidos. Hoje pode parecer apenas uma excentricidade, mas para os indivíduos que tomaram parte do experimento, não foi nenhuma brincadeira. Eles realmente acreditavam que os poderes envolvidos da magia negra invocada conseguiriam amaldiçoar Hitler e enviar sua alma gritando para o inferno. E para mostrar que falavam sério, eles convidaram um fotógrafo e repórter da Revista LIFE para documentar todos os acontecimentos. 

Quem conduziu o experimento ritualístico de magia negra foi ninguém menos do que William Seabrook um dos mais polêmicos e influentes jornalistas do período. Isso talvez explique a credibilidade de uma loucura desse tamanho ganhar as páginas da mais importante publicação da época.

Atualmente poucas pessoas sabem quem era ele, mas Seabrook foi muitas coisas durante sua vida: Autor, pesquisador, viajante, explorador, ocultista e membro de uma Geração Perdida. Um homem estranho mesmo entre os estranhos, capaz de testar os limites da civilização e quebrar tabus que a maioria das pessoas viraria o rosto nauseadas. Ah, sim, Seabrook foi entre outras coisas, ao menos uma vez, um canibal.


Foi durante uma viagem pelo continente africano em 1935, onde Seabrook trabalhava como correspondente internacional, que ele conseguiu fazer contato com a perigosa Tribo Guéré. Os nativos habitavam uma região selvagem na então colônia francesa da Costa do Marfim. Eles eram hostis e atacavam qualquer um que ousasse adentrar seu território. Meses de negociação permitiram ao repórter e um pequeno grupo, não apenas encontrar o líder Guéré, mas negociar com ele. Dizem que Seabrook presenteou o Chefe Tribal com uma caixa de rifles e munição para ganhar sua atenção. Ainda assim, o presente não garantia que ele, ou seus companheiros, conseguiriam sair de lá com vida.

O objetivo da expedição, era ainda mais ousado. Seabrook queria encontrar verdadeiros canibais e registrar sua sociedade para um livro que ele planejava escrever, "Jungle Ways" (Costumes da Selva). Mas como sempre, ele esperava ir além, desejava comungar com os nativos e experimentar sua cultura ao máximo para assim compreender seu comportamento. Queria ser um deles, e para isso teria de se alimentar como eles... de carne humana. Os Guéré, no entanto, o enganaram e embora tenham lhe oferecido uma refeição afirmando se tratar de carne humana, na verdade lhe entregaram carne de gorila. Furioso o repórter partiu da aldeia por pouco não causando a morte de toda expedição. De lá seguiu para o Sudão onde conheceu um feiticeiro tribal que também era cozinheiro, um homem que prometeu saciar sua obsessão pelo canibalismo. O feiticeiro cumpriu sua parte no acordo e como resultado, o explorador escreveu um parágrafo sobre a bizarra experiência culinária:

"A carne humana crua, em aparência, era firme, um tanto quanto densa quando comparada a outras carnes de animais próprias para o abate. A textura dela, crua, tanto aos olhos quanto ao toque, lembra um bife normal. Na cor, entretanto, ela era um pouco menos vermelha do que carne de gado. Ainda assim tinha um vermelho sangrento. Ela não era cinzenta ou rosada como a carne de carneiro ou porco".

De acordo com o livro de Seabrook, publicado no ano seguinte, carne humana tinha gosto "de um bom pedaço de vitela" e de fato "nenhuma pessoa com um paladar além do ordinário, e dos sentidos normais, seria capaz de distinguir essa carne em especial, da vitela que pode ser comprada em qualquer açougue no mundo civilizado". Embora apenas uma pequena parte de "Jungle Ways" tratasse do mergulho do repórter em um dos maiores tabus da humanidade, seu livro ficou conhecido como uma obra medonha, proibida em vários países. O livro talvez não definisse a carreira do jornalista, mas dizia muito a respeito dele.

Em vida, William Seabrook era ao mesmo tempo um homem notável e uma caricatura do ridículo. O Rei das Viagens Impossíveis e dos livros sobre povos e civilizações perdidas. Desde sua morte, a obra de Seabrook desapareceu e se tornou obscura. Recentemente, um de seus livros, Asylum foi republicado, lançando uma luz sobre a vida e obra desse cronista do absurdo.



Nascido em Maryland em 1884, Seabrook iniciou sua vida como um homem de respeito. Ele cursou a universidade e recebeu um cargo importante no semanário August Chronicle, que lhe garantiu uma vida de viagens pela Europa. Ele casou com a filha de um importante executivo da Coca-Cola e fundou uma agência de propaganda. Mas essa vida convencional logo se tornou uma espécie de inferno particular para Seabrook. Ele desejava algo mais em sua existência, embora a essa altura não 
soubesse exatamente o que.

A resposta veio em 1916, quando a Europa já mergulhava no segundo ano de uma catastrófica Guerra em que milhares de homens morriam diariamente. Seabrook deixou uma carta para esposa e colegas de trabalho alegando que precisava tomar parte no acontecimento que nas suas palavras "iriam moldar o século XX". Ele não esperou pelos Estados Unidos e antes desse se juntar ao esforço de Guerra, alistou-se como voluntário na França e recebeu a incumbência de dirigir uma ambulância no fronte. A adrenalina e o caos fizeram seu sangue fluir mais rápido do que ele poderia imaginar, dali em diante ele estava contaminado pela excitação da vida no limite.


Depois da Guerra, Seabrook fez uma séria tentativa de entrar no mundo da Literatura e passou a conviver com os círculos de boêmios do Greenwich Village. Um desses boêmios era Tony Sarg, que apresentou o jornalista a Deborah Luris a mulher que por sua vez introduziu Seabrook ao mundo proibido do sado-masoquismo. Mas para a maioria dos críticos literários, ele não passava de um repórter marginal que atraia um nicho muito específico de pessoas com histórias sobre crimes, ocultismo e sobrenatural. Ele era um jornalista que pertencia a Imprensa Marrom, um grupo que não era levado à sério.

Embora seu tempo no Greenwich Village não tenha trazido grandes benefícios para sua carreira literária, Seabrook conheceu pessoas interessantes como o estudante libanês Daoud Izzedin que encantava seus colegas da Universidade de Columbia com narrativas do Mundo Árabe. Izzedin e Seabrook se tornaram bons amigos e quando o primeiro o chamou para uma viagem até Beirute, este aceitou de pronto. Alguns meses depois, Seabrook estava vivendo entre os beduínos do Deserto da Arábia, participando de cerimônias envolvendo dervishes turcos e vagando pelo deserto no norte do Iraque sob a influência de drogas exóticas, ópio e coisas piores.

Ele retornou de suas peregrinações com histórias empolgantes a respeito de terras exóticas onde homens brancos raramente eram vistos ou apreciados. Trabalhando como correspondente, Seabrook não tinha ideia do quanto suas narrativas eram populares. Nem mesmo sabia que elas estavam sendo publicadas em várias revistas. Ele era tratado então como uma espécie de celebridade, um herói que explorava os mundos proibidos da África do Norte e do Oriente Médio trazendo para a "civilização ocidental suas experiências pessoais com os povos mais estranhos do globo" - ou assim prometiam as revistas que publicavam suas aventuras.  


Com o passar dos anos, a fama de Seabrook crescia e quando finalmente ele retornou a América encontrou um público que queria ouvir ainda mais a respeito de suas jornadas. Ele foi convidado para presidir palestras em grandes universidades. Em uma dessas palestras ouviu falar pela primeira vez das religiões africanas praticadas no Haiti e se surpreendeu com o Vodu.

Não demorou até que o obstinado jornalista conseguisse patrocínio para sua próxima aventura. Ele havia ouvido falar de um curioso mito envolvendo o folclore caribenho e que havia se firmado durante o comércio colonial de escravos. Zumbis ainda eram pouco conhecidos na época e Seabrook foi um dos primeiros americanos a se interessar pelos rumores de mortos que caminhavam. O zombi cadavre imediatamente atraiu a sua atenção e ele partiu para Port au Prince disposto a explorar a origem da lenda.

Através de um coletor de impostos mulato chamado Constant Polynice, Seabrook ouviu falar de um feiticeiro vodu (um bokor) que trabalhava para uma companhia açucareira americana. O sujeito supostamente criava zumbis para servir de mão de obra barata para a plantação. O jornalista viajou até a região e entrevistou o feiticeiro, na verdade, ele e sua esposa, que eram os responsáveis por criar os zumbis e negociar com os empresários estrangeiros. Seabrook conseguiu convencer o casal a mostrar como eles criavam os zumbis. Ele os acompanhou até uma visita a um cemitério e assistiu um cadáver ser exumado e preparado para o ritual. O morto recebeu uma pitada de sal sob a língua e foi "batizado" com um novo nome a fim de esquecer quem ele era anteriormente. Segundo a narrativa de Seabrook ele ficou na companhia dos feiticeiros por alguns dias, mas teve de fugir às pressas quando um grupo de aldeões furiosos invadiu a casa onde os bokor viviam e os massacraram.

Ainda no Haiti ele visitou o vilarejo de La Gonave, onde esteve cara a cara com outro bokor que controlava zumbis e os "alugava para trabalho escravo". Seabrook participou de um "ritual de criação de zumbis"  no qual descreveu o uso de substâncias entorpecentes cujo propósito era deixar a pobre vítima dócil e suscetível a comandos. As explorações do jornalista pelo Haiti se tornaram um livro lançado em 1929 e intitulado "In the Magic Island" (Na Ilha Mágica) que se tornou um bestseller. É possível que esse tenha sido um dos primeiros trabalhos a respeito do mito dos zumbis e vodu publicados nos Estados Unidos. É provável ainda que o livro tenha sido usado como base para a utilização de zumbis em filmes e histórias de horror ao longo da década de 1930.


O livro tornou Seabrook ainda mais popular e permitiu a ele participar de novas aventuras. Em 1933, ele esteve no Norte da África na companhia da recém criada Força Aérea Francesa em uma campanha cartográfica para mapear essa parte do continente. Foi nessa época que ele participou de sua famosa jornada pela Costa do Marfim que o tornou persona non grata e lhe valeu a fama de canibal e o apelido "Abominável Seabrook". A vida intensa de viagens e empolgação cobrou um preço alto do jornalista. Adepto de drogas experimentais e quantidades devastadoras de álcool, Seabrook mergulhou em um acentuado declínio antes de chegar aos 50 anos. 

Para combater sua dependência química e psíquica ele aceitou se internar em um asilo e enfrentar uma longa terapia que durou mais de sete meses. Ao fim do tratamento ele já tinha um novo livro pronto, "Asylum" (Asilo) que tratava de seu período sob "tutela de médicos psiquiatras e na companhia de notórios insanos". O livro foi visto com curiosidade e se mostrou um de seus últimos trabalhos que alcançou o público. Mas algumas críticas negativas tiveram um efeito devastador e ele voltou a beber. Ainda assim ele continuava a pesquisar e escrever cada vez mais interessado em temas incomuns e bizarros: Percepção extra-sensorial, reencarnação, bruxaria, satanismo e viagens astrais se tornaram parte de sua literatura especulativa e renderam mais quatro livros. 

Em 1941, Seabrook voltou a ganhar exposição ao tentar seu ritual para assassinar Hitler utilizando o Vodu. Estranho como possa parecer, ele ainda tinha seus fãs, entre eles, um grupo de jovens que vivia em Washington D.C e que havia lido o livro "Witchcraft: It's power in the World Today" (Bruxaria: Seu poder no mundo atual) e estavam interessados em aprender com ele métodos de encantamento e magia negra. O grupo contatou Seabrook e pediu a ele que os liderasse em uma tentativa de matar o líder nazista através de feitiços. Sabendo que aquilo traria alguma atenção da mídia, ele aceitou.

"Feitiços Vodu", ele explicou na entrevista publicada na revista LIFE, "funcionam apenas quando a vítima do malefício sabe que está sendo atacada pelo feiticeiro". Por essa razão, ele convidou a Revista para documentar todo o experimento.

Seguindo as instruções de Seabrook, um manequim foi vestido com um uniforme nazista. Um ajudante usou um chocalho sobre a cabeça do manequim, enquanto o grupo repetia as palavras em uníssono: "Você é Hitler! Hitler é você!"


O grupo então começou a martelar pregos em uma foto de Hitler colocada sobre o peito do manequim ao mesmo tempo que repetia as palavras: "Nós estamos enfiando pregos e agulhas no coração de Adolf Hitler". Para terminar o ritual, um grupo recebeu machados e fez o boneco representando o ditador nazista em pedaços. 

"Istam!" gritou Seabrook afirmando que a palavra invocava uma entidade pagã, "Envie 99 gatos pretos para arranhar seu coração e 99 cães negros para comer o coração de Adolf Hitler".

Quando o ritual terminou, Seabrook e seus colegas enterraram o manequim em uma vala. Ali os vermes deveriam devorá-lo, até que o homem amaldiçoado encontrasse seu fim. Os fotógrafos fizeram a festa e detalharam todo o processo. A reportagem foi publicada na Revista LIFE com o título "Feitiço para Amaldiçoar Hitler e terminar com a Guerra". No artigo Seabrook garantia que até o final do ano o líder alemão estaria morto e o conflito terminado.

Hitler é claro não morreu em 1941. Ele viveria por mais três anos antes de morrer em um bunker de Berlin em 30 de abril de 1945.

William Seabrook morreria um ano depois de Hitler, também pelas suas próprias mãos ingerindo uma dose maciça de pílulas para dormir. Ele deixou para trás, uma das vidas mais bizarras e incomuns que um homem poderia desejar.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Cinema Tentacular: IT - A Coisa - "Você também vai flutuar"


Semana passada escrevi uma resenha a respeito de It na qual falava a respeito de minha experiência lendo a novela de Stephen King. Quem leu o artigo deve ter percebido o quanto eu adoro IT e o quanto eu estava ansioso pelo lançamento dessa nova versão para o cinema.

Foi com um misto de expectativa e ansiedade que fui assistir o filme, tentando equilibrar esses dois elementos que não raramente tendem a arruinar a experiência cinematográfica. A seguir estão minhas impressões a respeito do filme com poucos ou quase nenhum Spoiler, portanto, leiam sem medo. 

Filmes baseados em trabalhos escritos por Stephen King tendem a dividir opiniões. Na mesma medida em que filmes como Louca Obsessão, Conta Comigo, Um Sonho de Liberdade e A Espera de um Milagre se tornam sucessos imediatos, outros como a última versão de Carrie, Janela Secreta e Apanhador de Sonhos são fracassos retumbantes. É estranho, mas as adaptações de King baseadas em seu arroz com feijão - o terror, dificilmente conseguem se firmar, resultando em produções medianas como Cemitério Maldito (não um filme ruim, mas também não um bom filme), 1408 (que é bem ruim) e O Nevoeiro (que eu adoro, mas que está longe de ser uma unanimidade). Não vou nem citar O Iluminado, já que a diferença entre o filme e a novela é tão gritante que King por muito tempo chegou a renegar a autoria. Tampouco vou mencionar os vários filmes baratos produzidos nos anos 80, que nos deram bobagens como Colheita Maldita, Christine e Firestarter, apenas para citar três. Mais recentemente, a obra mais ambiciosa de King chegou aos cinemas e a reação do público foi quase glacial. A Torre Negra, que era aposta para se tornar uma franquia das mais lucrativas, não deu em nada.


Talvez seja por conta dessa inconstância cinematográfica que a notícia de que IT seria adaptado para o cinema gerou enorme repercussão. IT talvez seja o livro mais debatido e comentado de Stephen King e um dos mais celebrados por aqueles que se consideram fãs hardcore de sua obra. Para alguns, ele é o ápice de sua bibliografia, o auge da carreira de um dos novelistas mais lidos da atualidade. Um verdadeiro clássico do gênero HORROR (com letras maiúsculas).  

O problema é que não seria nada fácil levar esse filme para a tela grande já que IT é um tijolo com mais de 1000 páginas. Claro, existem as dificuldades em adaptar uma novela de tamanho e complexidade monumentais, mas o principal problema reside nos temas espinhosos contidos na obra. Não me refiro apenas à violência gráfica, mas aos elementos de racismo, sadismo, abuso sexual e o pior de tudo, um trecho inteiro de crianças participando ativamente de uma orgia infantil.

Não que o livo  já não tenha sido adaptado. Em 1987, IT se tornou uma mini-série que foi ao ar na televisão americana em duas partes de uma hora e meia cada. O roteiro foi bastante diluído, com as partes mais polêmicas devidamente limadas da versão final. No fim, essa versão é lembrada quase que exclusivamente pela performance magistral de Tim Curry que criou um Pennywise digno de pesadelos. Podemos dizer sem medo de errar que Curry deu vida a um dos monstros mais aterrorizantes da época e que sozinho foi responsável por traumatizar toda uma geração que passou a temer palhaços. Mas se o vilão foi marcante, o mesmo não se pode dizer do restante do filme que sofria dos típicos problemas das produções "feitas para a TV" do período. Atuações fracas, direção frouxa e um final atropelado e pouco convincente deixaram o filme datado e restrito ao público que consumia filmes de terror. Com tantos problemas, nem mesmo Tim Curry conseguiu salvar IT de ser apenas mais um filme mediano baseado na obra de Stephen King.


O tempo passou e por vezes, IT chegou a ser cogitado como candidato a uma refilmagem. Em algumas ocasiões o rumor ganhou fôlego, mas na hora de dar o sinal verde parecia faltar um produtor com coragem para bancar a encrenca. Curiosamente, o projeto IT só foi desengavetado e passou a ser discutido por conta da crescente onda de nostalgia a respeito dos saudosos anos oitenta. Não deixa de ser irônico que a geração que provavelmente assistiu ao telefilme estrelado por Curry, ainda criança, em pleno ano de 1987, tenha tido a ideia de adaptá-lo para essa época.

Os primeiros rascunhos de IT, escritos em 2010 contemplavam uma mudança de época. Na obra original, King recorreu às suas lembranças de infância para situar a trama no ano de 1957 dando destaque a uma época que muitos consideravam idílica e cheia de inocência para contrapor o terror reinante. Para o filme, a ideia era aproximar o espectador na casa dos 30-40 anos da trama, recorrendo ao clima de nostalgia oitentista. Faltava entretanto alguma coisa para impulsionar o projeto e esse "algo mais" surgiu por conta do sucesso de "Stranger Things", uma série que bebia direto da fonte do período. Os Irmãos Duffer, criadores de Stranger Things chegaram a ser cogitados para dirigir IT, mas no fim das contas, Andy Muschietti, do filme Mama, acabou ficando responsável pela direção. 

Uma das primeiras medidas do novo diretor foi brigar para que o filme fosse dividido em duas partes, cada uma com duas horas de duração. Uma estratégia pra lá de arriscada já que pressupunha que a primeira parte precisaria ser um sucesso para justificar uma continuação. Por sorte, os produtores acabaram concordando, depois que os dois roteiros foram escritos por Cary Fukunaga, escritor de True Detective.


O passo seguinte foi contratar um grupo de jovens talentos já que os protagonistas deveriam ter no máximo 12 anos de idade. O elenco reúne alguns dos astros mirins mais promissores de Hollywood, liderados por Jaeden Lieberhere (de Diário de Henry) e Finn Wolfhard (de Stranger Things). O elenco é um dos trunfos de IT, as crianças são incrivelmente naturais e a química entre elas é tão perfeita que a gente acredita que aqueles moleques são realmente os membros do "Losers Club". Os atores tem espaço para brilhar tanto individualmente, quanto em grupo, como um círculo de amigos. É impossível não associar o elenco com outros filmes de "garotos correndo em bicicletas"  como Goonies, E.T. e o próprio Strange Things. Sophia Lillis, que interpreta a única menina do grupo, Beverly também é perfeita, parece ter nascido para o papel.

Com tudo caminhando, faltava apenas um "pequeno" detalhe: quem ficaria com o papel de Pennywise? 

Uma das maiores preocupações desde o início era escolher um ator capaz de ao menos igualar a performance surreal de Tim Curry. Entre os candidatos estavam nomes de peso como Hugo Weaving (O agente Smith de Matrix), Tom Hiddleston (o Deus Loki dos filmes da Marvel) e Johnny Depp (o Capitão Jack Sparrow), mas no fim, o diretor preferiu optar por um nome não tão conhecido e com uma idade mais próxima das crianças.


A escolha recaiu sobre o sueco Bill Skarsgard, ator de apenas 27 anos, conhecido pela série Hemlock Grove. No início muitos fãs torceram o nariz para a escolha, mas no fim das contas ela se mostrou muito acertada. Skarsgard decidiu que sua versão de Pennywise seria bem diferente da encarnada por Tim Curry. Só assim ele não seria uma simples cópia. Enquanto o Pennywise de Curry era diabólico mas até certo ponto engraçado, assumindo os trejeitos de um Bozo demoníaco, o de Bill é bem mais soturno e inumano. Uma diferença fundamental é que o Pennywise de Bill está apenas parcialmente interessado em se passar por humano, ele é em essência uma abominação perversa, interessada em aterrorizar e devorar suas vítimas inocentes. Logo na primeira e chocante cena percebemos o quanto Pennywise é cruel e impiedoso e essa cena estabelece o tom sinistro do personagem ao longo de todo filme. Para os fãs que ficaram preocupados com a "cara de anjo" do ator, basta um sorriso maligno para assegurar que o personagem está em boas mãos. A voz esganiçada, a maquiagem e roupa bizarras, além da risada maníaca ficaram perfeitas. Há algo de pervertido e profundamente incômodo nessa encarnação de Pennywise, sobretudo quando os olhos do monstro insistem em não piscar e focam em dois pontos diferentes ao mesmo tempo. 

O fato do filme ter uma classificação R (de Restricted) garante que não vão faltar cenas sangrentas e grotescas, algumas delas bastante perturbadoras. O filme, por vezes recorre ao "jump scare", a técnica de aumentar o som da música de fundo para potencializar ao máximo o susto, mas em um filme como IT isso é perfeitamente compreensível para criar um efeito de montanha russa. IT possui várias cenas impactantes, com litros de sangue pintando o set inteiro de vermelho, membros sendo decepados e imagens distorcidas. O som e a música complementam as imagens perfeitamente e o resultado deixa o público na ponta da poltrona. Os risos nervosos e a quantidade de pessoas colocando as mãos na frente dos olhos, são prova inequívoca de que o objetivo do filme é causar uma sucessão de sustos. Não se trata de um horror denso ou psicológico, mas de um filme de terror honesto que em alguns momentos vai pregar um susto até nos fãs mais familiarizados com o gênero.


A maioria dos efeitos especiais foram criados seguindo a cartilha dos truques práticos de cena e tudo funciona muito bem. Mas em alguns momentos o diretor se rendeu às comodidades do CGI, recorrendo a alguns efeitos mirabolantes. As diferentes formas adotadas pelo monstro permitem que ele seja assustador de várias maneiras, seja como um leproso, uma pintura expressionista distorcida ou como um palhaço aterrorizante. 

Os ambiente claustrofóbicos, em especial os cenários da casa assombrada que é o covil lúgubre da criatura e o labirinto que forma o sistema de esgoto e leva até o local onde as crianças flutuam são especialmente eficazes. O cenário da cidade fictícia de Derry, também é espetacular. Para quem leu o romance, a recriação da fantasmagórica cidadezinha parece perfeitamente condizente, tanto nos cenários urbanos quanto nos arredores das florestas e estradas de terra. Derry é aliás uma parte essencial do romance, um lugar em que as crianças estão sempre em perigo, ignoradas pelos adultos ou ameaçadas pelos adolescentes capazes de horrível brutalidade. Nada em Derry é bom, a presença da Coisa corrompe tudo e todos, transformando pais em pedófilos, mães em bruxas super-protetoras e delegados em sádicos. Os monstros humanos em IT, em alguns momentos são tão terríveis, ou até mais medonhos que a própria Coisa. Em um lugar desses não é de se surpreender que as crianças tenham de recorrer umas às outras para sobreviver. Nenhuma delas estaria à salvo por conta própria.


Dado o formato escolhido para contar a história, em duas partes, é razoável que o primeiro filme explique muito pouco a respeito da origem da Coisa e o que ela representa. Tudo isso estará na continuação. A primeira vista, isso pode ser um pouco frustrante, já que não existe um fechamento e a porta para a segunda parte fica propositalmente aberta com a certeza de que o monstro pode ter sido derrotado, mas que definitivamente não foi morto. 

O sucesso do filme em seu fim de semana de estréia garante que a continuação de IT está mais do que certa. O filme fez bonito nas bilheterias, estabelecendo um novo recorde pra o mês de setembro, o que é especialmente surpreendente considerando que se trata de um filme adulto. Tendo custado modestos 35 milhões (uma cifra baixa no mundo dos blockbusters), IT arrecadou mais de 110 milhões em sua abertura, tornando-o um dos filmes mais rentáveis da temporada. Nada mal para um filme baseado num livro escrito há 31 anos. Prova inquestionável da longevidade e atualidade das obras de Stephen King.



O primeiro capítulo de IT desponta como o melhor filme de terror do ano, e sinaliza com uma continuação sólida se a premissa for mantida. Como os melhores trabalhos assinados por Stephen King, IT consegue conjugar horror de verdade com temas mais leves, no caso a força da amizade, do companheirismo e a perda da inocência.   

Se eu gostei? Com certeza!

Se vale a pena assistir no cinema? Sem dúvida!

TRAILERS:

Trailer #1:


Trailer #2


Trailer #3