Semana passada escrevi uma resenha a respeito de It na qual falava a respeito de minha experiência lendo a novela de Stephen King. Quem leu o artigo deve ter percebido o quanto eu adoro IT e o quanto eu estava ansioso pelo lançamento dessa nova versão para o cinema.
Foi com um misto de expectativa e ansiedade que fui assistir o filme, tentando equilibrar esses dois elementos que não raramente tendem a arruinar a experiência cinematográfica. A seguir estão minhas impressões a respeito do filme com poucos ou quase nenhum Spoiler, portanto, leiam sem medo.
Filmes baseados em trabalhos escritos por Stephen King tendem a dividir opiniões. Na mesma medida em que filmes como Louca Obsessão, Conta Comigo, Um Sonho de Liberdade e A Espera de um Milagre se tornam sucessos imediatos, outros como a última versão de Carrie, Janela Secreta e Apanhador de Sonhos são fracassos retumbantes. É estranho, mas as adaptações de King baseadas em seu arroz com feijão - o terror, dificilmente conseguem se firmar, resultando em produções medianas como Cemitério Maldito (não um filme ruim, mas também não um bom filme), 1408 (que é bem ruim) e O Nevoeiro (que eu adoro, mas que está longe de ser uma unanimidade). Não vou nem citar O Iluminado, já que a diferença entre o filme e a novela é tão gritante que King por muito tempo chegou a renegar a autoria. Tampouco vou mencionar os vários filmes baratos produzidos nos anos 80, que nos deram bobagens como Colheita Maldita, Christine e Firestarter, apenas para citar três. Mais recentemente, a obra mais ambiciosa de King chegou aos cinemas e a reação do público foi quase glacial. A Torre Negra, que era aposta para se tornar uma franquia das mais lucrativas, não deu em nada.
Talvez seja por conta dessa inconstância cinematográfica que a notícia de que IT seria adaptado para o cinema gerou enorme repercussão. IT talvez seja o livro mais debatido e comentado de Stephen King e um dos mais celebrados por aqueles que se consideram fãs hardcore de sua obra. Para alguns, ele é o ápice de sua bibliografia, o auge da carreira de um dos novelistas mais lidos da atualidade. Um verdadeiro clássico do gênero HORROR (com letras maiúsculas).
O problema é que não seria nada fácil levar esse filme para a tela grande já que IT é um tijolo com mais de 1000 páginas. Claro, existem as dificuldades em adaptar uma novela de tamanho e complexidade monumentais, mas o principal problema reside nos temas espinhosos contidos na obra. Não me refiro apenas à violência gráfica, mas aos elementos de racismo, sadismo, abuso sexual e o pior de tudo, um trecho inteiro de crianças participando ativamente de uma orgia infantil.
Não que o livo já não tenha sido adaptado. Em 1987, IT se tornou uma mini-série que foi ao ar na televisão americana em duas partes de uma hora e meia cada. O roteiro foi bastante diluído, com as partes mais polêmicas devidamente limadas da versão final. No fim, essa versão é lembrada quase que exclusivamente pela performance magistral de Tim Curry que criou um Pennywise digno de pesadelos. Podemos dizer sem medo de errar que Curry deu vida a um dos monstros mais aterrorizantes da época e que sozinho foi responsável por traumatizar toda uma geração que passou a temer palhaços. Mas se o vilão foi marcante, o mesmo não se pode dizer do restante do filme que sofria dos típicos problemas das produções "feitas para a TV" do período. Atuações fracas, direção frouxa e um final atropelado e pouco convincente deixaram o filme datado e restrito ao público que consumia filmes de terror. Com tantos problemas, nem mesmo Tim Curry conseguiu salvar IT de ser apenas mais um filme mediano baseado na obra de Stephen King.
O tempo passou e por vezes, IT chegou a ser cogitado como candidato a uma refilmagem. Em algumas ocasiões o rumor ganhou fôlego, mas na hora de dar o sinal verde parecia faltar um produtor com coragem para bancar a encrenca. Curiosamente, o projeto IT só foi desengavetado e passou a ser discutido por conta da crescente onda de nostalgia a respeito dos saudosos anos oitenta. Não deixa de ser irônico que a geração que provavelmente assistiu ao telefilme estrelado por Curry, ainda criança, em pleno ano de 1987, tenha tido a ideia de adaptá-lo para essa época.
Os primeiros rascunhos de IT, escritos em 2010 contemplavam uma mudança de época. Na obra original, King recorreu às suas lembranças de infância para situar a trama no ano de 1957 dando destaque a uma época que muitos consideravam idílica e cheia de inocência para contrapor o terror reinante. Para o filme, a ideia era aproximar o espectador na casa dos 30-40 anos da trama, recorrendo ao clima de nostalgia oitentista. Faltava entretanto alguma coisa para impulsionar o projeto e esse "algo mais" surgiu por conta do sucesso de "Stranger Things", uma série que bebia direto da fonte do período. Os Irmãos Duffer, criadores de Stranger Things chegaram a ser cogitados para dirigir IT, mas no fim das contas, Andy Muschietti, do filme Mama, acabou ficando responsável pela direção.
Uma das primeiras medidas do novo diretor foi brigar para que o filme fosse dividido em duas partes, cada uma com duas horas de duração. Uma estratégia pra lá de arriscada já que pressupunha que a primeira parte precisaria ser um sucesso para justificar uma continuação. Por sorte, os produtores acabaram concordando, depois que os dois roteiros foram escritos por Cary Fukunaga, escritor de True Detective.
O passo seguinte foi contratar um grupo de jovens talentos já que os protagonistas deveriam ter no máximo 12 anos de idade. O elenco reúne alguns dos astros mirins mais promissores de Hollywood, liderados por Jaeden Lieberhere (de Diário de Henry) e Finn Wolfhard (de Stranger Things). O elenco é um dos trunfos de IT, as crianças são incrivelmente naturais e a química entre elas é tão perfeita que a gente acredita que aqueles moleques são realmente os membros do "Losers Club". Os atores tem espaço para brilhar tanto individualmente, quanto em grupo, como um círculo de amigos. É impossível não associar o elenco com outros filmes de "garotos correndo em bicicletas" como Goonies, E.T. e o próprio Strange Things. Sophia Lillis, que interpreta a única menina do grupo, Beverly também é perfeita, parece ter nascido para o papel.
Com tudo caminhando, faltava apenas um "pequeno" detalhe: quem ficaria com o papel de Pennywise?
Uma das maiores preocupações desde o início era escolher um ator capaz de ao menos igualar a performance surreal de Tim Curry. Entre os candidatos estavam nomes de peso como Hugo Weaving (O agente Smith de Matrix), Tom Hiddleston (o Deus Loki dos filmes da Marvel) e Johnny Depp (o Capitão Jack Sparrow), mas no fim, o diretor preferiu optar por um nome não tão conhecido e com uma idade mais próxima das crianças.
A escolha recaiu sobre o sueco Bill Skarsgard, ator de apenas 27 anos, conhecido pela série Hemlock Grove. No início muitos fãs torceram o nariz para a escolha, mas no fim das contas ela se mostrou muito acertada. Skarsgard decidiu que sua versão de Pennywise seria bem diferente da encarnada por Tim Curry. Só assim ele não seria uma simples cópia. Enquanto o Pennywise de Curry era diabólico mas até certo ponto engraçado, assumindo os trejeitos de um Bozo demoníaco, o de Bill é bem mais soturno e inumano. Uma diferença fundamental é que o Pennywise de Bill está apenas parcialmente interessado em se passar por humano, ele é em essência uma abominação perversa, interessada em aterrorizar e devorar suas vítimas inocentes. Logo na primeira e chocante cena percebemos o quanto Pennywise é cruel e impiedoso e essa cena estabelece o tom sinistro do personagem ao longo de todo filme. Para os fãs que ficaram preocupados com a "cara de anjo" do ator, basta um sorriso maligno para assegurar que o personagem está em boas mãos. A voz esganiçada, a maquiagem e roupa bizarras, além da risada maníaca ficaram perfeitas. Há algo de pervertido e profundamente incômodo nessa encarnação de Pennywise, sobretudo quando os olhos do monstro insistem em não piscar e focam em dois pontos diferentes ao mesmo tempo.
O fato do filme ter uma classificação R (de Restricted) garante que não vão faltar cenas sangrentas e grotescas, algumas delas bastante perturbadoras. O filme, por vezes recorre ao "jump scare", a técnica de aumentar o som da música de fundo para potencializar ao máximo o susto, mas em um filme como IT isso é perfeitamente compreensível para criar um efeito de montanha russa. IT possui várias cenas impactantes, com litros de sangue pintando o set inteiro de vermelho, membros sendo decepados e imagens distorcidas. O som e a música complementam as imagens perfeitamente e o resultado deixa o público na ponta da poltrona. Os risos nervosos e a quantidade de pessoas colocando as mãos na frente dos olhos, são prova inequívoca de que o objetivo do filme é causar uma sucessão de sustos. Não se trata de um horror denso ou psicológico, mas de um filme de terror honesto que em alguns momentos vai pregar um susto até nos fãs mais familiarizados com o gênero.
A maioria dos efeitos especiais foram criados seguindo a cartilha dos truques práticos de cena e tudo funciona muito bem. Mas em alguns momentos o diretor se rendeu às comodidades do CGI, recorrendo a alguns efeitos mirabolantes. As diferentes formas adotadas pelo monstro permitem que ele seja assustador de várias maneiras, seja como um leproso, uma pintura expressionista distorcida ou como um palhaço aterrorizante.
Os ambiente claustrofóbicos, em especial os cenários da casa assombrada que é o covil lúgubre da criatura e o labirinto que forma o sistema de esgoto e leva até o local onde as crianças flutuam são especialmente eficazes. O cenário da cidade fictícia de Derry, também é espetacular. Para quem leu o romance, a recriação da fantasmagórica cidadezinha parece perfeitamente condizente, tanto nos cenários urbanos quanto nos arredores das florestas e estradas de terra. Derry é aliás uma parte essencial do romance, um lugar em que as crianças estão sempre em perigo, ignoradas pelos adultos ou ameaçadas pelos adolescentes capazes de horrível brutalidade. Nada em Derry é bom, a presença da Coisa corrompe tudo e todos, transformando pais em pedófilos, mães em bruxas super-protetoras e delegados em sádicos. Os monstros humanos em IT, em alguns momentos são tão terríveis, ou até mais medonhos que a própria Coisa. Em um lugar desses não é de se surpreender que as crianças tenham de recorrer umas às outras para sobreviver. Nenhuma delas estaria à salvo por conta própria.
Dado o formato escolhido para contar a história, em duas partes, é razoável que o primeiro filme explique muito pouco a respeito da origem da Coisa e o que ela representa. Tudo isso estará na continuação. A primeira vista, isso pode ser um pouco frustrante, já que não existe um fechamento e a porta para a segunda parte fica propositalmente aberta com a certeza de que o monstro pode ter sido derrotado, mas que definitivamente não foi morto.
O sucesso do filme em seu fim de semana de estréia garante que a continuação de IT está mais do que certa. O filme fez bonito nas bilheterias, estabelecendo um novo recorde pra o mês de setembro, o que é especialmente surpreendente considerando que se trata de um filme adulto. Tendo custado modestos 35 milhões (uma cifra baixa no mundo dos blockbusters), IT arrecadou mais de 110 milhões em sua abertura, tornando-o um dos filmes mais rentáveis da temporada. Nada mal para um filme baseado num livro escrito há 31 anos. Prova inquestionável da longevidade e atualidade das obras de Stephen King.
O primeiro capítulo de IT desponta como o melhor filme de terror do ano, e sinaliza com uma continuação sólida se a premissa for mantida. Como os melhores trabalhos assinados por Stephen King, IT consegue conjugar horror de verdade com temas mais leves, no caso a força da amizade, do companheirismo e a perda da inocência.
Se eu gostei? Com certeza!
Se vale a pena assistir no cinema? Sem dúvida!
TRAILERS:
Trailer #1:
Se vale a pena assistir no cinema? Sem dúvida!
TRAILERS:
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Trailer #3
Sobre o filme de 1990, eu particularmente, não vi nada de atterorizante no palhaço. Ele era engraçado, mas o filme me deixou com sono. Nem mesmo na cena de morte de George, eu reagi com susto. O remake deste ano superou minhas expectativas em relação a um novo Pennywise, totalmente macabro e que tem prazer pelo medo no rosto das crianças, além da atuação impecável dos atores mirins. O som já causa desconforto e o final fechou com chave de ouro. Espere que na parte 2 eles não pisem na jaca rs
ResponderExcluirFilmaço, também fui na expectativa alta, mas esperando um filme sobre crianças e uma dark fantasy contida, mas me surpreendi muito. Sem dúvida vai ficar no hall dos filmes de terror, e as técnicas de jump scare foram muito bem utilizadas, ri de nervoso e foi uma ótima experiência
ResponderExcluirNa verdade este remake foi um filme muito bom, mas poderia ter sido um clássico se não fosse para apelar para jumpscares baratos e enfadonhos, perdeu uma oportunidade. No entanto me surpreendeu!! superou de longe o original.
ResponderExcluirEu já quero ver o segundo filme desta adaptação. Eu amei porque eu gosto dos livros de Stephen King. Conheço o trabalho desse escritor já faz um tempo, na verdade é um dos meus preferidos. Faz pouco tempo também vi o trailer A Torre Negra e fiquei surpresa. Vi no cinema e gostei, mais acho que deve ter sido também uma saga de filmes porque essa obra é muito longa. Você já viu? Se vocês são amantes dos filmes de Stephen King este é um filme que não devem deixar de ver para conhecer a historia. Vale a pena.
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