Não dá para dizer que Distrito 9 (District 9) seja um filme de alguma forma Lovecraftiano.
Trata-se de algo bem diferente e com uma concepção que foge à temática dos contos de Lovecraft, contudo trata-se de um filme que vale a pena ser comentado nesse blog, não apenas por ser provocante e inteligente, mas pela combinação de gêneros conduzidos com maestria. Distrito 9 consegue ser uma obra que agrega ficção científica, horror e crítica social. E num momento em que Transformers desponta como o representante mais popular da atual Ficção Científica, é importante relembrar que o gênero pode ser mais do que explosões, carros que viram robôs e cenas de ação. Ficção em sua gênese visava provocar questionamentos no público e criar uma reflexão, e é exatamente isso que Distrito 9 se propõe a fazer.
Para quem não sabe nada a respeito da estória pode ficar calmo, não vou entregar nada a não ser o básico da trama que é bem mais intrincada do que poucas frases podem resumir. O filme acompanha os acontecimentos posteriores a chegada à Terra de uma nave espacial. Ela surge em um belo dia sobre os céus de Johanesburgo, uma das maiores cidades da África do Sul. Quando ela é abordada descobre-se que está apinhada de alienígenas insectóides.
Vinte anos mais tarde, os aliens ainda se adaptam ao mundo onde chegaram. Passada a surpresa inicial, eles acabaram confinados nos limites de uma espécie de favelão, um gueto chamado Distrito 9. O lugar é o próprio inferno: sujo, coberto de miséria, doença, crime e degradação. Os alienígenas conviem com o que existe de pior e são odiados pelos seus vizinhos humanos.
Pior ainda, a população do Distrito 9 não para de crescer, chega um momento em que ninguém mais sabe quantos aliens vive ali e é então que os problemas começam. Uma companhia privada é contratada para relocar a população indesejada em um lugar distante da cidade. O filme acompanha em tom de documentário a desapropriação do Distrito 9 e as implicações diretas dessa ação sobre o encarregado da tarefa, um burocrata chamado Wilkus van de Merwe (Sharlto Copley).
Wilkus é um personagem interessante, um anti-herói cujo objetivo não é salvar o mundo, mas que quer apenas fazer o seu trabalho seguindo as normas de seus superiores à risca. Ele esconde seu próprio preconceito por trás de uma máscara de funcionário dedicado. Fica claro que Wilkus se acha superior aos alienígenas dada a forma condescendente com que ele os trata. Os alienígenas não são mais do que um bando de infelizes com quem ninguém parece se importar. Porém esses "infelizes" possuem algo que desperta o interesse de corporações ao redor do mundo. Eles possuem uma tecnologia estranha que ironia das ironias, funciona apenas nas mãos das próprias criaturas.
No decorrer da desapropriação que vai se tornando cada vez mais brutal, Wilkus é exposto a um composto alienígena e passa apresentar estranhas mudanças em seu DNA que marcam a virada no enredo. Não vou além daqui para não estragar as surpresas.
O horror do filme nada tem de sobrenatural, mas transborda numa sensação de claustrofobia cada vez que a câmera adentra um dos casebres e encontram em seu interior um dos alienígenas. A aparência bizarra dos insetos humanóides causa um misto de repulsa e pena já que as criaturas são tratadas com total descaso. A maioria dos personagens humanos consideram os alienígenas como inferiores e incapazes de se encaixar na sociedade moderna. A metáfora com o regime do Apartheid na mesma África do Sul é evidente, bem como o tratamento dos habitantes do gueto que evoca ecos da Varsóvia ocupada pelos nazistas.
O filme é uma produção conjunta da Nova Zelândia/Africa do Sul que teve um orçamento considerado modesto para um filme repelto de efeitos especiais CGI. Segundo consta o filme custou US$ 30 milhões e contou com atores iniciantes e voluntários. Já se fala em uma continuação para breve.
Embora eu tenha dito que o filme não tem nada de Lovecraftiano, é possível traçar um paralelo entre o gueto do conto "Horror em Red Hook" e o Distrito 9. A visão dos habitantes indesejáveis estrangeiros e o tratamento preconceituoso presente no filme se assemelha ao de certas obras de Lovecraft. O próprio protagonista é um tipo que remete a Lovecraft: um intelectual, socialmente inepto, ciente de sua "superioridade" racial que de um momento para o outro se vê confrontado por uma mudança chocante.
Outros temas recorrentes na obra de Lovecraft também encontram espaço em Distrito 9. Miscigenação, alienação e a estranheza diante de costumes alienígenas se sobresaem no filme e mostram que esses assuntos sempre serão atuais.
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DISTRITO 9
(District 9)
(District 9)
Nova Zelândia/África do Sul 2009 – 112 min
Ficção Científica
Direção Neill Blomkamp
Com Sharlto Copley, Jason Cope,Nathalie Boltt e Sylvaine Strike
Este blog é excelente. Tem tanta coisa legal que a gente fica meio sem saber o que ler primeiro. Parabens! Fantástico blog!
ResponderExcluirAchei curioso o seu comentário na abertura do texto, porque na minha concepção, a segunda metade do filme é, em suma, Transformers! :)
ResponderExcluirLuciano, cabe uma menção ao "The Mist" aqui no espaço cinema? Achei totalmente HPL.
ResponderExcluirSem dúvida que cabe uma menção a "The Mist". Eu achei tudo a ver.
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