O hábito de homenagear entes queridos que partiram, sempre acompanhou a humanidade. Uma das formas principais de prestar homenagem, era salvaguardar uma imagem de como era o indivíduo em vida.
Na Roma Antiga, era muito comum às famílias de posse contratar um artista para que retratasse o morto em uma tela, painel ou quem sabe até que esculpisse uma estátua. Isso permitia que, de certa forma, o falecido fosse "imortalizado", oferecendo uma lembrança constante de como o indivíduo era em vida.
Esse costume não era tão difundido, por uma série de razões. Nem todos tinham meios de pagar a um artista para pintar um retrato. Além disso, o resultado podia demorar semanas e resultar em algo que não era exatamente aquilo que a família esperava. Alguns artistas podiam ter uma concepção que não se enquadrava no que a família desejava ver retratado. Finalmente, nem todos os artistas desejavam trabalhar em uma atividade que muitos poderiam considerar... tétrica.
Na Renascença a prática foi trazida de volta e realmente, alguns importantes artistas se especializaram em criar imagens de gente morta. Membros do clero eram retratados logo após a morte para que a aparência deles fosse preservada para a posteridade. Na Espanha, na mesma época, oferecia-se a chance de imprimir a silhueta de pessoas mortas em panos de linho, em uma arte semelhante a que criou o Santo Sudário. O hábito evoluiu para as máscaras mortuárias, que surgiram na França e que até hoje são comuns, sobretudo quando o falecido é alguém ilustre cujas feições são preservadas em gesso.
Após a invenção do daguerreótipo (o precursor da fotografia), o hábito de criar imagens duradouras dos entes queridos mudou drasticamente. As pessoas que não tinham acesso a artistas, passaram a usar um método mais barato e cujos resultados eram semelhantes. A partir da Era-Vitoriana, o mundo viu surgir um promissor mercado de fotos post-mortem, obtidas por uma classe de profissionais que se esmerava em conceder uma "aparência de vida" a corpos já inanimados.
A atividade ficou conhecida como "Memento Mori", expressão que pode ser traduzida com "Lembrança dos Mortos" e encontrou grande aceitação na Europa e no Novo-Mundo.
É provável que em nenhuma outra época da história as pessoas estivessem tão preocupadas com a aparência dos mortos quanto no século XIX. Foi durante esse período que a fotografia post-mortem (também chamada de memorial fotográfico e imagem lamentosa) ganhou fama. De fato, entre 1860 e 1880, esse tipo de fotografia converteu-se na modalidade mais usada para registro de imagens - e tristemente pessoas que jamais foram fotografadas com vida, deixavam instruções para sê-lo após a morte.
Os primeiros memento-mori surgiram logo depois da invenção do processo fotográfico em 1839. Já em 1848 existiam profissionais especializados em oferecer seus serviços para famílias que desejavam ter uma imagem de seu ente querido. A fama destes fotógrafos como verdadeiras "aves negras" em busca de pessoas prestes a morrer a fim de oferecer seus serviços, chegou a conceder uma má-fama aos profissionais da fotografia. Por algum tempo, fotógrafos chegaram a ser comparados a coveiros e agentes funerários.
O memorial era uma peça bastante decorativa. A imagem era captada em uma folha de cobre prateado que por sua vez era transferida para uma película de vidro emoldurada. Era comum que ele fosse colocado sobre lareiras ou na parede. Ainda que fosse mais barato que o trabalho de um artista, uma fotografia ainda custava o equivalente a semanas de salário.
Especialmente comuns eram os memento-mori de crianças e bebês. Os índices de mortalidade infantil extremamente altos, faziam com que muitas famílias encomendassem fotos de seus filhos falecidos, para que a breve passagem delas pelo mundo fosse lembrada.
Em 1854 a qualidade das fotografias passou por melhorias que permitiam incluir cores e tonalidades às fotos. Incorporando cores, alguns fotógrafos post-mortem começaram a fazer experiências com as fotografias a fim de conceder aos modelos uma "aura de vida". O resultado foram fotografias de aparência que para nós, podem parecer mórbidas e até macabras, mas que para os vitorianos eram louváveis expressões artísticas e de respeito.
As primeiras fotos post-mortem eram tradicionalmente close-ups da face e raramente incluíam caixões. O modelo geralmente era colocado em uma posição que sugerisse estar dormindo ou repousando, mas outras posições também começaram a ser utilizadas. Em alguns casos usava-se estruturas de madeira onde o cadáver era fixado para que ficasse de pé ou na posição desejada. Em certas fotos podem ser vistas pessoas da família posando ao lado de indivíduos mortos suspensos por cabos. Crianças deitadas em sofás ou segurando brinquedos também forneciam um background comum. Adultos sentados em cadeiras ou em poses formais eram uma preferência. Em certos casos, haviam estúdios fotográficos que ofereciam opções para retratar os mortos em alguma atividade em especial.
Em 1859, as chamadas "cartes de visite" se tornaram algo muito comum. Elas eram memento-mori impressos em papel, produzidos em grande quantidade para serem presenteados a parentes próximos ou amigos como uma lembrança do falecido. Por volta de 1870, as "Cabinet Cards" substituíram as "cartes de visite" oferecendo uma imagem cartonada que podia ser enquadrada como uma pintura, colocada em um camafeu, tampa de relógio ou no interior de caixas e penteadeiras.
A prática da fotografia post-mortem começou a desaparecer no início do século XX. É possível que o horror das fotografias de cadáveres obtidas em guerras e revoluções passou a ofuscar a prática, tornando-a indesejada. Ao invés de abraçar a mortalidade, a sociedade começou a considerar o falecimento como algo pessoal que não devia ser divulgado ou maquiado com uma aparência de vida.
Por volta de 1915, a atividade já havia desaparecido na maior parte da Europa.
Aqui estão mais alguns Memento Mori de mortos queridos na companhia de seus parentes:
Aqui estão mais alguns Memento Mori de mortos queridos na companhia de seus parentes:
Eu sei que cada época tem seus costumes e eles são reflexos do tempo em que se vivia.
Mas nesse caso específico... fico muito feliz do costume ter sido deixado para trás.
está voltando a moda no facebook, é so procurar q vc acha povo tirando foto em velorio com morto e escrveendo "saudades eternas"
ResponderExcluirPost mais que conveniente, para mim. Não por eu ser fã da Memento Mori, mas por eu estar escrevendo um jogo narrativo sobre os mortos - e creio que essas fotos serão muito inspiradoras no processo... :D
ResponderExcluirDe fato, ainda bem que já se foi. Muito bom o post!
ResponderExcluirAinda não li o Rastro, so comecei...
ResponderExcluirMas todo horror de RdC vem do Mythos?
Ou outros males mais "comuns" podem assolar os jogos?
Luciano e amigos do Blog...
ResponderExcluirAcabando de ler Guerra dos Tronos... Aos que o já leram, não notaram o fato dos Starks esculpirem seus mortos em estátuas de pedra em sua cripta um "Memento Mori"?
Ótimo post!
Eu mesmo vi na minha familia um album com fotos de pessoas falecidas... meeeedo.
ResponderExcluirEstômago embrulhado...
ResponderExcluirNão ficou para trás não. Onde resido ainda tem gente com esse costume
ResponderExcluirÓtima matéria, parabéns
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