segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Dagon - Conto original de Lovecraft narrado em português



Olá cultistas,

Nosso colega Juliano Barbosa Alves (do blog Criador de Mundos) fez esse vídeo com o conto Dagon de H.P. Lovecraft.

Com uma montagem perfeita integrando som e imagem, música muito bem escolhida e uma narrativa firme, o vídeo ficou excelente. 

Vale muito a pena assistir esse trabalho, nas palavras do autor "um tributo a obra de H.P. Lovecraft".

Dagon é um dos contos seminais de Lovecraft, escrito em 1919. Nele, um protagonista não identificado narra a jornada de horror e loucura que se seguiu ao naufrágio de seu navio durante a Grande Guerra e como ele escapou dos inimigos apenas para encontrar uma bizarra ilha de sargaços na qual coisas que o homem não deveria conhecer espreitavam.

Dagon é considerado um dos grandes contos de Lovecraft, um trabalho que celebra o horror e a ficção no seu estado mais puro.

Então, diminua as luzes, ajuste o som e deixe-se levar pela narrativa hipnótica de um dos grandes contos do Cavalheiro de Providence.

   

domingo, 23 de agosto de 2015

A Ciência do Abismo II - Analisando os Abissais de um ponto de vista Biológico


Com o mencionado anteriormente, a metamorfose de humanos em abissais apresenta um considerável grau de variação dentre a população. As alterações são diferentes de um indivíduo para o outro: na medida que algumas pessoas apresentam mudanças graduais que podem levar anos para serem sequer percebidas, outras no curso de poucos meses já apresentam mudanças profundas e impossíveis de serem escondidas.

Além disso, o tipo de transformação também varia. Algumas das filhas da decadente Família Marsh tinham uma aparência reptiliana, enquanto outros possuíam aspectos típicos de batráquios (sapos). Lovecraft cita em seu conto, outras possíveis variações no processo de metamorfose dos híbridos, mas estes não aparecem diretamente na estória.

No filme Dagon, de Stuart Gordon (inspirado no conto de Lovecraft) temos uma grande quantidade de híbridos com óbvias variações:   

Algumas curiosas variações incluem a ausência completa de cabelos e pelos, a pele macilenta e sempre úmida, a ausência de orelhas e a presença de dentes afiados. Os olhos não são necessariamente grandes ou incomuns. Seria esse um estágio da transformação ou uma variação na população de híbridos?
O gerente da Pousada Gilman. Os olhos não são particularmente arregalados, mas durante a sequência em que aparece esse indivíduo não pisca. Trata-se de um homem com cerca de 50 anos, mas as mudanças físicas são sutis evidenciando que o processo de transformação pode agir de maneira mais lenta em alguns indivíduos. É possível que alguns híbridos simplesmente não passem pela metamorfose no final da puberdade e que as mudanças significativas só comecem muito mais tarde. 
Na cena acima, vemos uma fêmea híbrida que aparenta ter poucas alterações físicas. À primeira vista ela sequer parece ser uma híbrida abissal...

...contudo, os genes claramente manifestam um fenotipo octopode, não de répteis ou batráquios como usual. Seriam esses os "outros residentes" aludidos por Lovecraft em The Shadow Over Innsmouth? Haveriam outros exemplos de híbridos detentores de variações ainda mais bizarra? Seria possível que abissais pudessem se reproduzir com outras formas de vida encontradas em alto mar? Se aceitarmos isso, porque há poucos menções a abissais com característicasde tubarões, golfinhos ou baleias?

Além da variação fenotípica demonstrada nos híbridos, existirua uma variação na hibridação durante o cruzamento com humanos? Por que alguns indivíduos passam pela metamorfose completa e outros não? O que causa o início da metamorfose? Existem alguns grupos humanos mais facilmente hibridizados com Abissais do que outros? Por exemplo, as populações da Polinésia e da região costeira da Nova Inglaterra seriam mais aptos a receber hibridização? Outros povos, digamos, da América Central, América do Sul ou da África Ocidental teriam o mesmo resultado? São questões intrigantes abertas a exame e investigação.

Para solucionar essas questões se faz essencial definir qual a origem dos abissais. Infelizmente, Lovecraft jamais foi tão longe... ele nunca disse de onde vieram os abissais, apenas que eles estavam entre nós.  

Para traçar as possíveis origens dos abissais é interessante analisar as hipóteses de surgimento de vida no planeta conforme o cânon de Lovecraft. Todas essas hipóteses assumem que a Raça Anciã (Elder Things) são os criadores de todas as formas de vida complexas em nosso planeta (de acordo com At the Mountains of Madness).

Vejamos então as possíveis origens dos abissais:

1. Os Abissais são membros menores das Crias de Cthulhu – Sob essa hipótese os abissais não são nativos do planeta Terra, eles teriam vindo para cá junto com as Crias de Cthulhu em sua migração da distante Xoth. Enquanto as terríveis Crias de Cthulhu podem ser consideradas como membros da aristocrática "Corte de R’lyeh”, os Abissais sempre foram considerados "seguidores" de Cthulhu. Sob essa hipótese, os abissais seriam, tão somente, alienígenas, assim como as demais entidades ligadas a Cthulhu, e é claro, o próprio Grande Cthulhu. Eu não creio que essa é uma hipótese válida, uma vez que humanos e abissias são capazes de cruzar entre si. Novamente, se abissais e humanos fazem parte do mesmo genus é por que são compatíveis e tem uma origem semelhante. Eles precisam ter um nível genético bastante similar para permitir a reprodução. Além disso, tal grau de ligação existe na Terra, e não há qualquer base para acreditar que formas de vida alienígena teriam condições de procriar com seres humanos.


É interessante comparar essa noção com o que vemos na concepção de Lavinia Whateley, dando a luz a seus filhos Wilbur e o "gêmeo monstruoso" no conto "The Dunwich Horror". O ato sexual, nascimento e procriação nessa estória são muitíssio diferentes e em nada similares aos mecanismos biológicos terrestres. Portanto, ainda que Yog-Sothoth possa ter gerado um "híbrido” com uma fêmea humana esse é um evento extremamente raro. O cruzamento entre seres inter-dimensionais, não obedece a qualquer padrão ou regras biológicas da Terra. 

Sendo assim, me parece adequado desconsiderar essa hipótese e assumir que os abissais são de origem terrestre e não alienígenas. Isso exclui também a origem deles proveniente de outras dimensões ou realidades.

2 - Os Abissais foram resultado de engenharia genética (possivelmente pelas Crias de Cthulhu) - Não se sabe ao certo qual o grau de desenvolvimento científico das Crias de Cthulhu, mas há razões para se acreditar que eles possuem domínio sobre avançada ciência.

Se esse é o caso, poderiam as criaturas de Cthulhu utilizar seus conhecimentos para construir toda uma raça de seres aquáticos? Seria possível que os abissais foram construídos pelos seres de Xoth para serem "seus serviçais"? Se esse é o caso, haveria uma explicação razoável para os abissais venerarem o Grande Cthulhu como um Deus. Ele, afinal de contas, os teria criado e se o criador equivale ao "todo poderoso", tudo se encaixa. Lembre-se também de que os abissais habitam as cidades submersas que um dia foram o lar das Crias de Cthulhu.

No entanto, essa hipótese esbarra no fato dos humanos serem uma raça que sabidamente foi geneticamente criada, por acidente pela Raça Anciã. As Crias de Cthulhu eram inimigos naturais da Raça Anciã, então com que motivo eles criariam uma raça que poderia procriar com uma espécie por sua vez construída pelos seus inimigos?

Além disso, humanos e abissais fazem parte do mesmo genus. As Crias jamais demonstraram qualquer vocação para criar algo, nem remotamente humano. Seu desprezo para com as formas de vida terrestre é muito conhecido, eles são demasiadamente alienígenas para criar qualquer coisa remotamente terrestre.

3. Os Abissais foram resultado de Engenharia Genética da Raça Anciã – A Raça Anciã é responsável pelo surgimento das formas de vida na Terra. Seus "experimentos falhos" se arrastaram para fora de seus avançados laboratórios e evoluíram, tornando-se aquilo que chamamos de "seres vivos da Terra". 

O "ápice" das criações terrestres, ao menos do ponto de vista da Raça Anciã, são os Shoggoths, que podem ser compreendidos como organismos capazes de se adaptar a qualquer ambiente e sobreviver em qualquer condição não importa o quão adversas. Por mais alienígenas que sejam os Shoggoth, eles são criaturas similares aos seres vivos da Terra.

Novamente, eu não fico satisfeito com essa hipótese em face do fato que humanos e abissais serem capazes de reproduzir. Se a Raça Ancestral criou os abissais em um experimento completamente diferente, eles não seriam capazes de cruzar com humanos. Shoggoths e seres humanos não reproduzem (ao menos até onde sabemos), bem como abissais e Shoggoths.
4. Os Abissais e os Humanos compartilham de um mesmo ancestral, assim como ocorre entre os Humanos e os Grandes Macacos - Eu encaro essa hipótese como mais plausível, já que humanos e abissais podem se reproduzir entre si. Na natureza, temos animais como as éguas e os jumentos que podem se reproduzir, e cuja diferença genética não é tão distante. 

No esquema abaixo, vemos como os humanos estão próximos dos Grandes Macacos em se tratando de compatibilidade genética. Apenas duas substituições críticas no código genético nos separa dos chimpanzés por exemplo, nosso "parente" mais próximo. 

A figura mostra como a taxonomia entre humanos e macacos é aproximada. Se os abissais compartilham da mesma herança genética, eles estariam ainda mais próximos da humanidade do que os macacos já que humanos e macacos não podem se reproduzir, já abissais e humanos podem. 

Isso significaria dizer que nosso parentesco com os abissais seria incrivelmente próximo. 

4. Humanos são parte do Ciclo de Vida dos Abissais - Ainda que essa hipótese possa parecer muito estranha, ela poderia explicar a facilidade como ocorre a reprodução entre humanos e abissais. Isso também poderia explicar, porque não há qualquer registro de reprodução entre abissais. Não há nenhum caso documentado de fêmeas abissais prenhas. Da mesma maneira, não se sabe de filhotes de abissais com características e peculiaridades totalmente desenvolvidas. 

Se levarmos em consideração essa hipótese, os abissais realizam uma bizarra forma de metamorfose na qual eles precisam ir para a terra a fim de acasalar e então voltar para o mar (de forma inversa ao que ocorre com os anfíbios). 

Se essa hipótese é válida, e não há por que não ser, os humanos não seriam mais do que um estágio do ciclo de vida dos abissais. Nesse caso expresso, todos humanos são Abissais e todos abissais são humanos. Não há híbridos – os humanos que iniciam a metamorfose simplesmente retornam para o mar para completar o seu ciclo de vida.
Humanos, abissais, híbridos...

Talvez o próprio Lovecraft não tenha contemplado todas as implicações genéticas de sua criação, mas é inegável que o gênio do autor dá margem para inúmeras interpretações.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Armas Lendárias - Cinco espadas famosas do passado

Eu sei que não tem nada de Lovecraftiano, mas achei a descrição dessas espadas, verdadeiros artefatos, tão interessante que valia a postagem aqui no Blog.

Espadas não são apenas armas, elas são símbolos de poder, usadas ao longo dos séculos como oferendas, em cerimônias para investir pessoas com títulos, para coroações reais, e como preciosos objetos de troca. Ao longo dos anos, certas espadas foram encontradas ou desenterradas, trazendo com elas séculos de lendas e histórias incríveis. Elas são a ligação entre figuras famosas que realmente existiram e as lendas que se formaram ao redor desses personagens.

Aqui estão dez espadas do mundo antigo e algumas lendas a respeito delas.

JOYEUSE

A Legendária Espada de Carlos Magno
Joyeuse: The Legendary Sword of Charlemagne
A Espada de Joyeuse, que atualmente se encontra no Museu do Louvre em Paris, é uma das mais famosas espadas de todos os tempos. 
Registros históricos relacionam a espada com o reinado de Charlemagne (Carlos Magno), o Grande, Rei dos Francos. Se ela realmente pertenceu ao famoso Rei que governou a França há cerca de 1200 anos atrás não é possível precisar, mas sem dúvida é uma arma digna de um monarca. A Espada de Joyeuse teria sido usada em incontáveis cerimônias de coroação, sua lâmina tocando o ombro e a testa de monarcas franceses, como uma forma de trasmitir o direito de governar com o aval de Deus. A espada é cercada por mitos e lendas ancestrais que atestam ser ela dotada de muitos poderes mágicos.
A mais antiga menção a Joyeuse data do ano de 802. Segundo a lenda a espada, cujo nome significa "Rejubilante" em francês, foi forjada pelo famoso ferreiro Galas, que levou três anos para completar seu trabalho. Durante a construção, Galas teria recebido em sua oficina indivíduos que supostamente infundiram no metal propriedades místicas que tornaram a arma mágica. As lendas sobre essas propriedades mágicas são muitas. Uma das mais antigas estórias afirma que a lâmina quando erguida por um rei valoroso resplandece com um brilho tão forte que é capaz de cegar os inimigos em batalha. "O brilho de uma dúzia de sóis", escreveu um cronista medieval. Há também a crença que a espada protege seu portador contra venenos e doenças tanto naturais quanto mágicas. A espada seria capaz de romper maldições e malefícios e apontar na direção de qualquer um que conspira contra o rei. 
O Imperador Charlemagne, teria recebido a espada como presente quando retornava da Espanha. Ele foi procurado por Galas e outros três homens misteriosos que desejavam uma reunião particular com o rei. Os homens teriam feito algumas perguntas para avaliar a honra e a lealdade do monarca e uma vez satisfeitos com as respostas, lhe entregaram a espada como presente. 
Charlemagne (742-814), também chamado de Carlos Magno, foi o governante dos Francos e um dos mais influentes Imperadores Cristãos do Ocidente. Ele foi uma das principais personalidades de sua época, ajudando a definir o formato da Europa Medieval ao presidir o período que ficou conhecido como Renascimento Carolíngeo. Após a queda do Império Romano, ele foi o primeiro a reunir a Europa Ocidental sob um mesmo Império. Carlos Magno governou um vasto reino que incluía terras nas atuais França, Alemanha, Itália, Austria e os Países Baixos, foi ele quem consolidou o cristianismo ao longo de seu império, empreendendo para isso conversões forçadas. Suas realizações no campo militar frequentemente envolviam extrema brutalidade, como por exemplo a ordem de decapitar mais de 2,500 chefes tribais francos e saxões. 
Uma balada do século XI, escrita por Roland, narra a épica Batalha de Roncevaux em 778, e descreve o Rei cavalgando para o combate com Joyeuse:
"(Charlemagne) vestia uma armadura brilhante e uma tabarda branca imaculada com seu símbolo de armas no peito. Na cabeça um elmo com pedras incrustadas e filigramas de ouro; na cintura pendia Joyeuse, a espada inigualável. Quando tirada da bainha, sua lâmina mudava de cor. Os homens bradavam confiantes quando ele passava à caminho da guerra". 
Certo dia, durante uma grande batalha, Charlemagne alegadamente perdeu Joyeuse e prometeu uma recompensa para quem a encontrasse. Após várias buscas infrutíferas, empreendidas por nobres e cavaleiros, um humilde soldado descobriu a arma caída no campo coalhado de mortos. Ele a trouxe para o Rei e prostado de joelhos a entregou. Na ocasião, o Imperador teria feito um juramento solene: "Neste local será construída uma cidade da qual você será o lorde e senhor, e seus descendentes receberão o nome de minha magnífica espada". Em seguida, Charlemagne teria ordenado a construção de uma cidade naquele ponto. De acordo com as lendas, essa é a origem da cidade francesa de Joyeuse in Ardéche, nomeada dessa forma por decreto do rei. 
|Não existem registros históricos que atestem o que aconteceu com a Espada Joyeuse após a morte de Charlemagne. Entretanto em 1270, uma espada identificada como a verdadeira Joyeuse foi usada na cerimônia de coroação do Rei francês Phillip, o ousado, que foi sagrado na Catedral de Reims. A espada teria ficado sob a proteção do Monastério de Saint-Denis, que possui um famoso cemitério que recebe os restos mosrtais dos Monarcas Franceses. Lá ela teria permanecido sob a proteção dos monges até 1505.
Joyeuse foi levada para o Louvre em 1793, após a Revolução Francesa. Ela teria sido encontrada nas câmaras do tesouro do Palácio Real e reclamada pelas autoridades revolucionárias com um símbolo. Rumores atestam que ela por pouco não foi destruída, visto que representava um símbolo da monarquia recém derrubada, mas ao invés disso ela foi posta em exposição. Ela foi usada novamente em 1824 na coroação de Carlos X e é a única espada utilizada oficialmente para a coroação de Reis da França desde os tempos medievais.  
Atualmente, a arma que acredita-se ser Joyeuse está em exposição no Louvre atrás de uma parede de vidro à prova de balas. Ela é uma típica espada de lâmina larga, condizente com as armas que eram forjadas no século XII. Há no entanto algumas partes que datam de outros períodos: a empunhadura por exemplo é do século X ou XI, a bainha de veludo é do século XII e a cruz dourada usada como guarda mão é reminiscente do século XIII. É provável que a espada tenha recebido o acréscimo de partes de outras espadas ao longo dos séculos, uma prática relativamente comum. As pedras e jóias cravejadas que adornam a espada e sua bainha foram inseridas por diferentes governantes.
A espada de Joyeuse talvez seja uma das armas mais famosas do mundo, um artefato excepcional ligado intimamente a história da França. Visualmente deslumbrante, a espada se tornou o modelo padrão de espada que se imagina, quando se fala de espadas medievais.  
A ESPADA DAS SETE RAMIFICAÇÕES

A Mítica Espada Cerimonial do Japão 
The Seven-Branched Sword: The Mystical Ceremonial Sword of Japan

Acredita-se que o Templo Shinto de Isonokami foi construído no século IV da Era Cristã. Localizado no sopé da Montanha Tenri no distrito de Nara, no Japão, este templo possui um importante significado cultural já que guarda vários tesouros nacionais. Dentre estes tesouros inestimáveis encontra-se uma lendária espada que é tratada como uma regalia imperial do Japão. Ela é chamada de Nanatsusaya no Tachi, ou "Espada das Sete Ramificações".
A espada é assim chamada porque sua lâmina possui ramificações, semelhantes a protusões que se projetam de seu corpo principal. Juntas com a ponta da lâmina principal, elas totalizam sete ramificações. A espada mede 74.9 cm de comprimento, e é feita totalmente de ferro. Uma vez que as ramificações parecem ser muito delicadas, e sua funcionalidade em combate parece duvidosa, é pouco provável que a Espada das Sete Ramificações tenha sido forjada com fins militares. Ao invés disso, ela provavelmente tinha função cerimonial. Uma inscrição gravada em ouro na lâmina central também depõe a favor dessa suposição.
De um lado está escrito:
"Em 16 de maio, no quarto ano de Tae-hwa, no final da tarde do dia de Byeong-O, esta espada de sete ramificações foi forjada com ferro revestido uma centena de vezes. Uma vez que a espada possui poderes mágicos, capazes de indicar a presença de inimigos, ela foi presenteada a um rei por um vassalo”.

Do outro lado, lê-se o seguinte:

"Nunca uma espada como essa foi forjada. Para que haja paz e prosperidade entre os Reinos de Baekje e Wa".
Esta é a grande polêmica. A inscrição não deixa claro qual é o estado suserano e qual o estado dominado.
Baekje é um antigo nome de um reino localizado na Península da Coréia, quanto a Wa, é uma antiga designação do Império do Japão. O artefato é bastante importante pois atesta o contato entre Baekje e o Japão em tempos antigos. Isso não é exatamente uma novidade, já que é consenso para muitos historiadores que estudiosos de Baekje levaram o budismo, confucionismo e o sistema de escrita chinês para o Japão. Mais importante, entretanto é que a inscrição lança uma luz sobre a natureza da relação estabelecida entre os reinos. 
De acordo com alguns estudiosos (japoneses em sua maioria), a espada teria sido ofertada como uma espécie de tributo, uma vez que Baekje seria um reino vassalo do Império do Japão. Outros pesquisadores (coreanos obviamente), afirmam que o sentido da inscrição é inverso e que o Japão seria o reino vassalo de Baekje. Uma vez que os dois reinos alternaram momentos de poder e sujeição um sobre o outro, não há como dizer ao certo qual dos dois está certo em suas suposições.
De acordo com o Nihon Shoki, tido como o segundo livro mais antigo escrito no Japão, a espada de sete ramificações, bem como vários outros tesouros teria sido presenteada ao Imperador como tributo de Baekje no quinquagésimo segundo ano de reinado de Jingu. Após essa oferta, Baekje teria acertado entregar um tributo anual. Os historiadores coreanos no enatnto contestam essa afirmação e dizem que a espada foi feita pelos japoneses e entregue como presente ao seu rei, um monarca de direito que extendia seu poder além do Mar até o Japão.
Essa discussão vigora há séculos e foi motivo de muita polêmica tanto no Japão, quanto na Coréia e um motivo de discórdia entre os dois países que vigorou até o século XX. 
Ao longo da história Japão e Coréia tiveram períodos conturbados e guerras ocasionais. Durante esses enfrentamentos, a espada era sempre o pomo da discórdia com soldados de ambos os lados afirmando que a história da espada os favorecia. 
Quando o Japão invadiu a Península da Coréia pouco antes do início oficial da Segunda Guerra Mundial, uma de suas motivações de seus generais era provar de uma vez por todas que o Império do Japão era o suserano do antigo reino de Baekje. Muitos militares japoneses, movidos pelo patriotismo alardeavam que era questão de honra provar que o Japão era o verdadeiro Senhor da Coréia. Incontáveis jovens se alistaram no exército imperial apenas com o intuito de invadir a Coréia e provar seu ponto. A maneira brutal como o Japão invadiu a Coréia na década de 1930, se deve, em parte, a essa longa disputa. As tensões entre Coréia e Japão perduraram por muito tempo e a dúvida sobre a espada veio à tona inúmeras vezes. Mesmo hoje, a Coréia do Norte, não considera o Japão uma nação amiga.
Em tempo, a espada alegadamente encontra-se em poder do Japão desde o século V. Os japoneses afirmam que a espada pertence a eles uma vez que foi ofertada por Baekje. Já os historiadores coreanos continuam afirmando que a espada foi roubada pelos japoneses em uma guerra e levada como espólio. Essa disputa aparentemente, jamais terá fim...
SAN GALGANO

A lendária espada na Pedra
The Legendary Sword in the Stone of San Galgano
Uma das mais famosas lendas britânicas diz que o jovem Arthur Pendragon sagrou-se Rei ao remover uma espada presa em uma pedra. De acordo com várias versões da estória, a espada só poderia ser removida da rocha pelo único e verdadeiro rei da Inglaterra. Uma estória similar, mas muito menos conhecida, pode ser encontrada na Itália, mais especificamente na região da Toscana, e para alguns estudiosos poderia até mesmo ser a fonte de inspiração para a lenda inglesa. Esta é história da Espada de San Galgano.
San Galgano ficou conhecido por ter sido o primeiro santo cuja canonização se deu através do processo formal realizado pela Igreja Católica até os dias atuais. Muito da vida de San Galgano é sabido através de documentos sobre seus milagres que teriam ocorrido em meados de 1185, apenas alguns anos após a sua morte. Alguns historiadores escreveram a respeito de sua história e de suas realizações. 

San Galgano nasceu em 1148 na cidade de Chiusdino, na moderna província italiana de Siena. Sua mãe Dionisia e seu pai Guidotti pertenciam a nobresa de Siena e tinham uma vida confortável. Na juventude, San Galgano se preocupava apenas com os prazeres da vida. Na qualidade de nobre, ele recebeu treinamento de guerra e se tornou cavaleiro, ele era descrito como um rapaz arrogante e violento. Tudo isso mudou quando ele experimentou uma visão que mudaria sua vida para sempre.
A conversao se deu quando Galgano foi derrubado de seu cavalo em uma disputa e desmaiou. Ele alegava que enquanto estava ferido foi protegido pelo Arcanjo Miguel - que incidentalmente é um padroeiro dos guerreiros. O arcanjo disse que ele deveria mudar sua vida dramaticamente, abandonar os exageros e se tornar um eremita em busca de iluminação. Recobrado de seus ferimentos, San Galgano abandonou suas armas e passou a viver em uma caverna isolada. Como seria de se esperar, Galgano foi ridicularizado pelos seus amigos e família, que acreditavam que ele havia simplesmente enlouquecido. Sua mãe Dionísia chegou a visitar o filho e tentou convencê-lo a retornar para casa e por um curto período ele acabou cedendo aos pedidos da família.
Meses depois, Galgano passava pelo vale de Montesiepi, que fica próximo de Chiusdino. Ele teve uma nova visão na qual ouviu uma voz dizer que ele deveria escalar a montanha e chegar ao topo. Lá, experimentou uma visão com uma Grande Igreja e os Santos Apóstolos. A misteriosa voz o comandou a abandonar a vida frívola e se tornar um eremita cuja existência seria devotada a religião. Galgano respondeu que não tinha forças para tanto e que mudar dessa maneira era virtualmente impossível, tanto quanto partir uma rocha com um golpe de espada. A voz o comandou então a sacar sua espada e desferir um ataque na rocha mais próxima. Atendendo a ordem, Galgano investiu contra um pedregulho e para sua surpresa, a lâmina não se partiu, mas penetrou na rocha enterrando-se em seu interior mantendo-se entretanto intacta. Caindo de joelhos diante do milagre, Galgano se dedicou a construir uma igreja naquele exato local.
Por séculos, a espada na pedra permaneceu no alto de Montesiepi como uma atração para a Igreja que posteriormente foi erguida. Ela era considerada uma farsa moderna bem engendrada. Contudo, uma pesquisa recente atestou que a espada realmente é do século XII, baseada em sua composição de metal e estilo da lâmina. Os pesquisadores também descobriram com o auxílio de um radar de profundidade, que existe um nicho a aproximadamente dois metros de profundidade e um metro abaixo da espada, onde alegadamente foi depositado o corpo de San Galgano. Por fim, um exame de radio-carbono descobriu outra curiosidade na Igreja - um par de mãos mumificadas, também do século XII, guardadas em um nicho da parede da igreja. De acordo com uma lenda muito difundida, o diabo enviou um assassino disfarçado de monge até Montesiepi com o intuito de roubar a espada e incendiar a Igreja quando esta estava sendo construída. San Galgano teria sido avisado pelo Anjo Miguel, e para se defender do criminoso recebeu a permissão de remover a espada presa na rocha. De posse da arma, cujo fio ainda estava perfeito, ele deu cabo do assassino cujas mãos foram decepadas e expostas na Igreja ao longo dos anos.
Após a morte de San Galgano, a obra da Igreja foi concluída por alguns seguidores que criaram uma Ordem de Cavalaria devotada a ajudar os pobres e necessitados. No século XIII, um dos descendentes de Galgano teria sido investido pelo Arcanjo Miguel a remover a espada da pedra e usá-la na Cruzada para libertar a Terra Santa. A espada teria sido retornada após a jornada e conquista de Jerusalém.
Hoje em dia, a espada permanece na igreja construída por Galgano atraindo inúmeros fieis. Diferente de outras relíquias sacras, até pouco tempo atrás, indivíduos que aformavam terem experimentado visões com o Arcanjo tinham permissão para tentar remover a espada da rocha. Até onde se sabe, ninguém conseguiu repetir a façanha.
GOUJIAN

A Espada Chinesa que desafia o tempo
Goujian: The Ancient Chinese Sword that Defied Time

Cinquenta anos atrás, uma rara e misteriosa espada foi encontrada em uma tumba na China. A despeito de ter mais de dois mil anos de idade, a lâmina, conhecida como Goujian, não apresentava qualquer traço de ferrugem. A lâmina estava em tão boas condições que o arqueólogo que a testou produziu um corte no próprio dedo ao testar o fio. Ela estava em perfeito estado, a despeito de tanto tempo ter passado. A qualidade da arma era tão superior a qualquer outra criada na mesma época, que os pesquisadores cogitaram que ela havia sido coocada na tumba como uma espécie de farsa. Tratada como um tesouro nacional, a espada é tão lendária para o povo da China quanto a Excalibur para os ocidentais.

Goujian foi encontrada em um complexo subterrâneo de ruínas Jinan, próximo da cidade de Chu, junto com ela foram desenterrados mais de dois mil outros itens de grande valor arqueológico. A espada estava em uma cripta, guardada em um estojo de madeira laqueado no colo de um esqueleto trajando roupas nobres e uma armadura. Os arqueólogos ficaram sem palavras ao se deperar com a arma, cuja lâmina de bronze estava intacta, preservada em uma bainha de pele. Um teste conduzido pelos pesquisadores constatou que a espada era reminiscente dos demais itens descobertos na tumba. 

A Espada de Goujian é a mais antiga Espada Jian encontrada até hoje. Esse estilo de lâmina reta com fio duplo foi largamente usada na China há pelo menos 2500 anos. As espadas Jian estão entre as mais antigas utilizadas e são intimamente associadas ao folclore nacional. Segundo as lendas, a espada é tratada como "a arma preferida dos heróis", considerada como a ferramenta dos grandes guerreiros junto com o cajado, a lança e o sabre leve.

Relativamente mais curta quando comparada a outras peças do mesmo período, Goujian possui uma alta concentração de cobre na sua liga, fazendo com que ela seja muito mais resistente. Os fios da lâmina são revestidos com uma camada de latão que a torna mais dura e permite manter sua borda muito mais afiada. Há também uma pequena concentração de ferro, chumbo e enxofre na espada, e uma análise mais elaborada conclui que havia Sulfito de Cobre, responsável por garantir as propriedades anti-oxidação. Na empunhadura, Goujian possui uma turquesa engastada e um fio de metal para não escorregar. A espada mede 55 centímetros de comprimento e tem uma lâmina com 4,5 centímetros de largura. Ela pesa apenas 875 gramas.

Ao longo da lâmina, há uma inscrição em caracteres chineses arcaicos que foram traduzidos como "O Rei de Yue ordenou a criação dessa espada para seu uso pessoal" e a abaixo o nome do ferreiro responsável pela magnífica obra. Desde seu surgimento em 510 aC, até sua destruição pelo Império Chu em 334 dC, nove reis governaram Yue, incluindo um que era chamado Goujian e que foi apontado como o dono original da espada.

Goujian foi um famoso imperador conhecido pelas suas expedições militares nas quais ele próprio tomava parte. Conhecido com um governante audacioso, Goujian travava as suas próprias lutas, cavalgava, disparava arco e flecha, dominava as artes da esgrima e outras perícias marciais. Incorporado ao folclore chinês, Goujian se tornou um personagem recorrente em várias estórias admirado pelo seu heroísmo, representado como um guerreiro poderoso e implacável. Apesar de ter sido derrotado pela Dinastia Zhou, Goujian retornou dez anos mais tarde a frente de um exército para retomar o seu trono e matar seus inimigos. Segundo as lendas, a mítica espada do Imperador tinha propriedades sobrenaturais: ela não podia ser retirada da bainha a não ser pelo Imperador ou por alguém de sua confiança, além disso a arma era tão afiada que podia cortar através de metal como se fosse seda, finalmente, a arma depois de provar o sangue de um inimigo adquiria vida própria, controlando o braço de seu portador desempenhando uma dança fatal.

Não à toa, a descoberta de uma lendária espada que pode muito bem ter pertencido a um herói igualmente lendário, é tida como uma das maiores descobertas arqueológicas da China. A espada é o mais importante item do Museu da Província de Hubei, atraindo milhares de visitantes anualmente. 

Nesse caso, é possível ver com os próprios olhos uma arma que faz parte das lendas. 

MURAMASA

A Maldição das Espadas do Mestre Armeiro 
The Curse of the Samurai Muramasa Blades
Bushido, o famoso livro escrito por Nitobe Inazo em 1899 explora o mito dos samurais. Em um dos capítulos ele diz que a espada é a "alma do samurai", a ferramenta através da qual o guerreiro comunga com espíritos superiores. Com tamanha importância dispensada a essas magníficas armas, não é de se estranhar que o ofício de construtor de espadas gozasse de enorme influência. Mestres armeiros, em especial, aqueles que se dedicavam a criação de espadas para samurais eram tidos como verdadeiros artistas.

No Capítulo XII, Nitobe escreve: 

"O construtor de espadas não é um mero artesão, mas um artista; sua oficina é seu santuário. O mestre inicia seu dia de trabalho com uma oração e um ritual de purificação, neste compromete sua alma e seu espírito na tarefa árdua de temperar o aço e forjar uma arma mortal nas mãos de um guerreiro. Cada golpe de martelo, cada mergulho na água, cada fricção na mesa de afiar não é um ato gratuito, está mais para uma atividade religiosa".

Alguns construtores de espadas se tornaram tão famosos quanto os próprios samurais. Seus nomes sendo compartilhados com um misto de admiração e reverência. Um dos maiores construtores foi Muramasa Sengo, que em importância no seu ramo de trabalho só era comparado a Muramasa Goro

Muramasa Sengo viveu durante o período Muramachi (entre os séculos XIV e XVI). Em algumas lendas, Muramasa é descrito como um discípulo do lendário armeiro Masamune, ainda que historicamente seja impossível, já que o segundo viveu muitos séculos antes de seu alegado aluno. Segundo as lendas, Muramasa era um verdadeiro gênio no ramo, responsável por criar espadas quase perfeitas. Infelizmente, como muitos virtuosos, Muramasa tinha um gênio difícil... na verdade ele é retratado como um louco varrido, capaz de atos de violência extrema. Muramasa teria matado vários de seus ajudantes que falharam em atingir seu elevado grau de perfeição. Mais do que isso, ele exigia completa dedicação de cada aprendiz, chegando ao extremo de assassinar a noiva de um de seus empregados para que o rapaz não dividisse sua atenção entre o trabalho e a vida pessoal.

Muramasa era um verdadeiro maníaco: trabalhava de sol a sol, não dormia, comia pouco e passava os dias e noites na oficina em sua busca insana pela espada perfeita. Suas qualidades destrutivas, segundo as lendas, eram transmitidas para as espadas que ele temperava exaustivamente. As lâminas acabavam contaminadas pela loucura de Muramasa, embora fossem magníficas. Os samurais que as empunhavam terminavam se tornando desnecessariamente violentos, sanguinários, vingativos... para alguns as lâminas de Muramasa eram malditas, transmitiam parte de sua loucura para quem ousava empregá-las. 

A despeito da má reputação e da superstição, mais e mais lâminas foram forjadas, tornando-as extremamente populares no Japão. Foi apenas durante o reinado da Dinastia Togugawa Ieyashu, o primeiro Shogun do período Edo, que as espadas Muramasa começaram a perder a sua influência. O pai do shogun, Matsudaira Hirotada, e seu avô, Matsudaira Kiyoyasu, foram mortos por assassinos portando lâminas Muramasa. O próprio shogun foi ferido (supostamente) por uma espada criada por Muramasa enquanto inspecionava o yari (lança japonesa) de um dos seus generais.

Essa série de coincidências envolvendo espadas Muramasa fez com que surgisse o rumor de que uma espada Muramasa estava destinada a matar o shogun e toda sua família. Convencido dessa estória, o shogun ordenou que todo samurai detentor de espadas Muramasa entregassem suas armas. Muitos guerreiros se negaram a entregar suas espadas e enfrentaram o édito imperial. O caso mais famoso de um samurai que se negou a entregar as armas foi o de Takanak Ume, o Magistrado de Nagasaki. Em 1634, foram encontradas nada menos do que 24 espadas Muramasa em sua casa. Como castigo Takanak foi obrigado a cometer seppuku (ritual de suicídio). A despeito das sérias punições, alguns samurais continuaram usando as espadas proibidas.

Quanto a Muramasa, ele acabou sendo preso depois de escorraçar os emissários do Shogun da sua oficina. Negando-se a encerrar seus trabalhos, o shogun ordenou que ele fosse preso e jogado na masmorra. Ainda assim, o armeiro disse que não deixaria seu trabalho de lado e como retribuição, o shogun ordenou que seus olhos fossem furados para ele não poder construir mais nenhuma espada. Supostamente, Muramasa ainda conseguiu criar outras espadas clandestinamente, algumas tão, ou até mais perfeitas, do que as forjadas quando ele enxergava.

Hoje em dia, as espadas criadas por Muramasa Sengo estão entre as mais raras e valiosas podendo atingir enormes somas em casas de leilão especializadas. Durante a Segunda Guerra mais de cinquenta dessas espadas lendárias foram recolhidas como espólio de guerra por soldados americanos, algumas delas foram compradas pelo governo do Japão em uma tentativa de reaver esse importante tesouro nacional.

domingo, 16 de agosto de 2015

"Nós temos o mundo que merecemos" - Uma breve resenha da segunda Temporada de True Detective


Então foi assim que uma das mais comentadas, examinadas e debatidas séries  terminou - com balas, corações partidos e sobrevivência.

A Segunda Temporada de True Detective chegou ao fim.

Imagino que muitos devem ter ficado satisfeitos com a maneira como as coisas seguiram, do início conturbado até a amarga conclusão, com os detetives sendo esmagados pelo tamanho do caso, tentando sobreviver a perseguição implacável de seus inimigos. Suponho que muitos devem ter ficado um tanto frustrados com o final que exterminou personagens de modo impiedoso. Mas já havíamos previsto que um final feliz para os protagonistas parecia altamente improvável. Partindo do pressuposto que essa segunda temporada de True Detective manteve um estilo noir, um final feliz parecia fora de cogitação. 

Eu particularmente gostei muito da temporada e da conclusão dada a ela. 

True Detective conquistou um lugar permanente na minha grade de programação e é provável que eu volte a assistir a segunda temporada em sequência para prestar atenção nos detalhes sutis costurados na trama destilada pelo seu autor, Nic Pizzolatto. Tenho certeza que vou achar muita coisa que passou batida, ainda que eu tenha tentado pescar todas referências possíveis para escrever os recaps. Aliás, essa é uma das coisas que me atraíram em True Detective, a forma como o próprio espectador se torna um "detetive" ao esquadrinhar as cenas em busca de pequenos detalhes, dissecar os testemunhos a procura de indícios e encontrar referências ocultas. True Detective me lembra muito Twin Peaks, no qual por vezes era necessário anotar a relação entre os personagens para entender os elos existente entre eles. Assim como acontecia em Twin Peaks, a série era muito mais sobre os personagens da cidadezinha do que sobre o crime que os reunia e os tornava suspeitos. Os segredos pessoais e os esqueletos escondidos nos armários eram muito mais interessantes do que solucionar as clássicas questões: "Quem matou?" e "Por que matou?" 

Nesse pormenor, é bom abrir um parenteses e falar da trama.


Muitos reclamaram da ausência do tal "componente sobrenatural" que foi a marca registrada da primeira temporada de True Detective (doravante TD1). Tivemos a caçada a um mítico Rei Amarelo e ao Culto formado por "homens poderosos" e "caipiras místicos" nas profundezas do Sul, gente metida com feitiçaria, rituais e sacrifícios. Alguns (eu inclusive) esperavam que a segunda temporada (daqui pra frente TD2) seguisse uma premissa semelhante, com algum envolvimento de ocultismo na trama. Eu adoraria que tivesse sido feita essa conexão. Mas é preciso lembrar que esse não é o foco da série. True Detective se concentra em analisar como casos complicados e diligências policiais intrincadas afetam os detetives envolvidos em uma investigação. Como detetives calejados mudam seu ponto de vista e se deixam corromper pelo sistema em que estão inseridos na busca pela solução de um mistério que altera o curso de suas carreiras para sempre. 

O elemento sobrenatural em TD1, ao meu ver foi uma feliz coincidência, mas dificilmente será a regra para a série. Talvez no futuro até possamos ver algo nesse sentido, mas a série é em essência um programa policial com os pés no chão. Ele se esmera em examinar a maldade e a perversidade humana de uma maneira muito particular, até incômoda. Os vilões de True Detective são especialmente amorais, cruéis em suas motivações, detestáveis em seus atos. Eles são monstros no pior sentido da palavra, mas mesmo assim, a série não os julga, apenas mostra do que eles são capazes. Assim aconteceu com os caipiras homicidas da Louisiana, assim ocorreu com os corruptos da sombria Califórnia. Em TD1 a motivação dos vilões era a loucura consanguínea e o desejo de exercer controle por intermédio de tradições antigas, em TD2 a coisa era menos esotérica, ambição e sede de poder alimentavam o grupo de Vinci.

Mas essas diferenças não impediram que a segunda temporada apresentasse elementos que poderiam facilmente ser inseridos em um mundo contaminado por ocultismo - máscaras de animais, o caráter ritualístico da morte de Caspere, as festas regadas a sexo, os encontros de homens poderosos sem ética em uma mansão na lua cheia... tudo apontava na direção do sobrenatural, mas não seguiu nesse caminho. Até o último episódio parecia que algo sobrenatural iria acabar saltando aos nossos olhos. Talvez Nic Pizzolatto tenha flertado com essa possibilidade, possivelmente ele até escreveu o roteiro dessa maneira para deixar o público com a pulga atrás da orelha.


Muitos dos que criticaram a segunda temporada reclamaram da complexidade da trama. E dou a mão à palmatória, concordando que não havia necessidade de tantas idas e vindas no roteiro. Profusão de personagens, sequências sem um propósito aparente e elementos estranhos se multiplicavam. A intrincada relação dos poderosos com o Corredor Ferroviário, a morte do capanga de Frank, Stan, as maracutaias da organização criminosa... Até o quarto episódio tinhamos uma sucessão de acontecimentos que não se encaixavam de forma nenhuma. Eram muitas pontas soltas e lacunas a serem preenchidas. Mas a partir do quinto episódio - que marcou o início da segunda metade da trama, as coisas começaram a entrar nos trilhos. O violento tiroteio em Vinci serviu para colocar a estória novamente em ordem e forneceu as peças para montar o quebra-cabeças.   

Mas apesar de dar muitas voltas para contar uma estória desnecessariamente confusa, é inegável que a segunda temporada de True Detective atingiu seu objetivo: ela foi envolvente, densa e instigante. Se o mistério não foi tão excitante quanto na primeira temporada, a segunda se esmerou em apresentar personagens com inúmeras facetas e que ganharam a simpatia dos espectadores (apesar, ou mais provavelmente, por causa de seus muitos defeitos).
 
Muitos vão ponderar que o trio de detetives protagonistas de TD2 (e mais o gangster Frank Semyon) não se comparam a dupla Hart e Cohle, que ganharam a devoção dos fãs. Eu acho que comparações nesse sentido são um tanto injustas, Matthew McConaughey e Woody Harrelson estavam em estado de graça, e se os astros da última temporada não conseguiram igualar esse nível, eles certamente não decepcionaram. Muito pelo contrário! 

Colin Farrel (Ray Velcoro), Rachel McAdams (Ani Bezzerides) e Taylor Kitch (Paul Woodruff) brilharam intensamente com seus personagens. Colin Farrel talvez tenha obtido o melhor trabalho de sua carreira com as muitas faces do detetive Velcoro. McAdams e Kitch também foram perfeitos. E não se pode esquecer de Vince Vaugn (egresso de comédias boçais) que mostrou ser um excelente ator dramático e desmontou os muitos questionamentos sobre sua escalação para o papel.


Os personagens de True Detective sem dúvida foram o ponto alto da série. Eles sustentaram ao longo 
de oito episódios uma trama complexa que poderia não funcionar com outra escalação de atores. Nic Pizzolatto por sua vez deu uma mostra de sua habilidade inquestionável de contar estórias sórdidas, mas é possível que ele tenha de fazer alguns ajustes. Uma comedimento na hora de escrever a trama e uma economia em reviravoltas talvez fosse o ideal. A audiência se manteve alta e é praticamente certo que teremos uma terceira temporada.     

No fim, a série cumpriu a proposta de ser diferente, e mesmo aqueles que não gostaram da pegada, acabaram assistindo - nem que fosse para reclamar das loucuras e bizarrices. Mesmo os detratores da segunda temporada, tem que admitir que a série teve um crescimento na sua segunda metade e que o episódio final amarrou as pontas soltas de uma maneira satisfatória. 

Como será a terceira temporada? 

Que comecem as especulações.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

A Ciência do Abismo - Analisando os Abissais de um ponto de vista biológico

Este artigo é do excelente blog Lovecraftian Science e foi traduzido com a permissão de seus autores.


Dentre as horrendas criaturas imaginadas por H.P. Lovecraft, os Deep Ones (Abissais) estão entre aqueles que mais causam arrepios. Não por serem especialmente medonhos ou assustadores, mas pelo fato de serem tão parecidos com os humanos. De fato, um dos fatores que contribuem para tornar essa raça marinha tão aterrorizante é o fato de muitos deles terem nascido humanos e ao longo de suas existências terem se tornado algo muito diferente... a metamorfose humana, a transformação final em algo diverso do que somos e daquilo que nos identifica como parte da humaniadde é um tema recorrente na literatura de horror. 

Os Abissais são uma raça de criaturas marinhas humanóides, encontradas em vários oceanos do mundo. Além de se referir a essa Raça Aquática, o termo "Abissal" também é utilizado para nomear as entidades que são um produto genético da hibridização de humanos (Homo sapiens) e Abissais puros (Homo aquatium). É matéria de controvérsia incluir humanos e abissais dentro do mesmo genus, entretanto, o fato de que essas duas espécies possam experimentar cruzamento e gerar crias, constitui uma forte evidência favorável a essa decisão taxonômica.

Esse artigo reúne várias discussões a respeito do ciclo de vida dos Abissais, com um ênfase na descrição da metamorfose de híbridos em abissais, em quais aspectos os híbridos se diferenciam de abissais "puros", e teorias que tentam lançar uma luz sobre as razões para essa hibridização ocorrer (ela é algo decorrente da seleção natural ou parte de um experimento artificial?). Outros temas como a biologia geral e as práticas religiosas também serão examinadas no artigo.
É importante perceber que embora o termo "Deep One" (Abissal) tenha sido criado por H.P. Lovecraft em seu conto pioneiro The Shadow Over Innsmouth, ele é usado apenas duas vezes na estória e em ambos os casos nos três últimos parágrafos. Esta é uma demonstração da poderosa habilidade de HPL capturar nossa imaginação através de sua narrativa. Os monstros apresentados na estória não tem nome até os momentos finais, quando alguém se refere a eles de uma maneira genérica que denota a incapacidade de precisar um nome, por isso, cria-se algo que se adapta às suas características gerais.

O que sabemos sobre os Deep Ones é que eles constituem uma raça de seres marinhos, espalhados por todos os oceanos da Terra, presentes também em alguns rios e lagos. 

As crias nascidas entre Humanos e Abissais passam por uma metamorfose que é ao seu modo, única resultando em híbridos. De um ponto de vista puramente biológico o termo metamorfose se refere a uma mudança substancial e relativamente rápida na morfologia (aparência geral) a medida que o animal cresce de um estado mais jovem ou larval para o adulto. Esse processo é bastante comum nas formas animais da Terra. Um exemplo do filo Arthropoda é concedido abaixo:
No caso da Borboleta da espécie Monarca, uma lagarta emerge do ovo. A lagarta é muito limitada em mobilidade e precisa utilizar sua camuflagem natural ou a produção de compostos químicos em seu organismo para gerar um gosto repulsivo afim de não ser vítima de predadores. O único propósito da lagarta é comer (sem parar!). Ela é adaptada para essa função, alimentando-se continuamente de vegetação até atingir uma forma intermediária, a crisálida. Nesse estágio suas células irão se dividir, mudar e reorganizar para que no fim surja uma borboleta. Em contraste com a lagarta, a borboleta é um animal de grande mobilidade que se alimentará de uma dieta diferente de seu estágio anterior, consumindo seiva das flores ao invés das folhas. O propósito principal da borboleta é reproduzir e colocar ovos para a próxima geração de borboletas.

Um exemplo mais apropriado de metamorfose, dentro de nossa discussão, é o sapo-boi.
No exemplo do sapo-boi, o animal deposita os seus ovos na água fresca, tipicamente em um riacho ou em um lago. Os ovos irão se romper em girinos. Estes são muito bem adaptados a vida aquática; eles são capazes de nadar, respiram através de guelras e se alimentam de algas presas às pedras e outras superfícies. Entretanto, em uma forma gradual de metamorfose os girinos eventualmente se tornam sapos adultos adaptados a vida na terra. É nela que eles passam a viver, respirando ar (através de respiração cutânea) fora da água e se alimentando quase que exclusivamente de insetos e pequenos invertebrados. Entretanto, o sapo-boi, como os demais anfíbios, devem permanecer próximos da água onde ele deverá se reproduzir e disseminar seus ovos.

A vantagem evolucionária dessa metamorfose é que tanto o girino quanto o sapo-boi podem ocupar diferentes nichos ecológicos. Enquanto os girinos são herbívoros aquáticos, o sapo-boi adulto é um carnívoro terrestre. Dessa maneira, se uma parte do ecossistema for seriamente danificado ou alterado (um lago se tornando seco em um dia muito quente) e parte do ciclo de vida for impactado, a outra parte ainda terá a chance de sobreviver e posteriormente reestabilizar sua população.
Conduzindo esse exemplo para a metamorfose de humanos em Abissais, a evolução batráquia levanta algumas questões: qual seria a vantagem evolutiva de um humano se converter em um abissal? Se é que existe alguma vantagem prática nessa transformação. 
Com base no conto de HPL, The Shadow Over Innsmouth, aparentemente há vantagens biológicas e, possivelmente mais significativas vantagens culturais em se tornar um híbrido Abissal. Um híbrido que nasce com a aparência humana passa os primeiros 20 ou 30 anos de sua vida na sociedade dos seres humanos uma vez que sua aparência não é estranha a ponto de chamar a atenção dos demais não híbridos. Nesse período, o indivíduo tem a oportunidade de obter uma experiência de vida e estudar em meio a espécie na qual está inserido. Saber onde os humanos vivem e onde eles pescam fornece informações úteis a respeito de onde os abissais podem se fixar ou se reunir. Um aspecto interessante nesse pormenor é que os híbridos parecem guiados por um instinto natural que faz com que eles se mantenham próximos ao mar. Isso se reflete no fato de muitos híbridos escolherem, ainda que inconscientemente, profissões como marinheiros, pescadores, oceanógrafos etc...
Sabe-se que os Abissais costumam interagir com determinados grupos de humanos ou populações selecionadas por fatores geograficos (sendo proximidade da costa um dos principais) e que essa escolha deriva de reconhecimento e observação. A opinião de híbridos que viveram na sociedade humana e reconhecem suas práticas e costumes é levada em consideração quando os abissais desejam estabelecer contato.
Outra vantagem evolutiva diz respeito a colonização. Possuir indivíduos em estágio larval (no caso híbridos), inseridos nas comunidades humanas por um período substancial de tempo, permite que os abissais realizem, quando necessário, uma rápida invasão e conquista. O conto The Shadows Over Innsmouth exemplifica exatamente essas circunstâncias, quando o velho Capitão Marsh retorna da Polinésia na companhia de abissais que se fixam na Costa da Nova Inglaterra. Nessa caso, Marsh foi quem possibilitou a vinda dos Abissais e a tomada de Innsmouth.   
Finalmente, uma possível vantagem evolutiva seria a introdução de uma variação genética na piscina de genes dos abissais para maximizar a sua adaptabilidade em diferentes condições ambientais. Entretanto tal vantagem só seria transferida para as crias se os próprios híbridos pudessem se reproduzir, o que nem sempre ocorre na natureza.
Além do conceito de metamorfose, hibridação é outro fator quando examinamos os Abissais. Hibridação pode ser definida de maneira muito superficial como a mistura de indivíduos de espécies diferentes. Entretanto, a clássica definição de uma espécie é uma população de indivíduos capazes de se reproduzir livremente uns com os outros mas não com outras populações (ou seja, outra espécie). Hibridação não parece algo permitido pela natureza, contudo, ela ocorre tanto de maneira artificial quanto natural constituíndo um testamento de que o conceito de espécie não é tão claro e perfeitamente definido quanto imaginamos. Ao invés disso, espécies é um termo mais dinâmico e fluido usado para auxiliar a taxonomia a classificar vários grupos de organismos. Como será descrito a seguir, esse é um importante conceito para mantermos em mente quando discutimos os Abissais.

Um exemplo de hibridização com o qual a maioria de nós estamos familiarizados é o cruzamente entre uma égua (Equus caballus) e um burro (Equus asinus) resultando em um híbrido - a mula (Equus asinus x Eqqus caballus). Cavalos e burros não pertencem ao mesmo genus, portanto, não é de se surpreender que as mulas sejam estéreis.  
deepone_john_cebolleroOutro exemplo: No ramo de consulta ambiental, especialistas realizam o levantamento de espécies para administrar a população de peixes em um lago. Um importante componente disso inclui o desenvolvimento de um programa de estoque. É comum obter um estoque de percas listradas (Morone saxatilis x Morone chrysops), para possibilitar a pesca recreativa e melhorar a qualidade da água em lagos e reservatórios. Uma vez que se trata de uma espécie híbrida, a perca listrada, é estéril o que permite que a população seja facilmente controlada.


Tanto a mula quanto a perca listrada exemplificam animais obtidos a partir da hibridização. Quanto mais próximas as populações se encontrem, espacialmente, psicologicamente e geneticamente, maiores as chances de haver uma compatibilidade e o cruzamento delas gerar uma prole. Além disso, duas espécies próximas podem não apenas vir a gerar uma prole, mas podem vir a produzir crias capazes de se reproduzir por conta própria. Um exemplo disso são os peixes ciclídeos do Lago Tanganika (ou Lago Victoria) na África. O alto nível de diversidade aquática em seu habitat, acrescido da rapidez reprodutiva dos ciclídeos, resultou em uma proliferação de espécies híbridas compatíveis.

Essas peixes ciclídeos frequentemente realizam cruzamento entre espécies, resultando em fertilização de inúmeros híbridos. Se a prole de híbridos não cruza com sua própria espécie, cruzando apenas com outros híbridos, uma nova espécie potencialmente pode emergir.

Para resumir, hibridação tem o potencial para gerar indivíduos férteis ou estéreis. Indivíduos híbridos férteis tem o potencial de se reproduzir e gerar uma espécie totalmente nova. Fica então a questão: É isso o que acontece quando humanos e Abissais procriam?
Como disse anteriormente, me parece adequado colocar humanos (Homo sapiens) e Abissais (Homo aquatium) no mesmo genus (Homo) uma vez que eles são capazes de procriar entre si. Isso não é algo sem precedentes na ciência e na taxonomia. Por exemplo: estudos realizados em 2010 sugerem que Humanos e Neandertais (Homo neanderthalensis) podem ter procriado em algum ponto entre 80,000 e 50,000 anos atrás. Baseado em algumas análises de DNA, humanos eurasianos e Neandertais podem compartilhar algo entre 1% e 4% dos mesmos genes. Se essa hipótese (publicada na conecituada revista Nature) que resultou no Neandertal/Humano Eurasiano estiver correta, então os humanos "verdadeiros" ou "puros" seriam apenas aqueles que surgiram na África.
Lovecraft identifica algumas vezes em The Shadow Over Innsmouth que existe um certo fator de variação associada a metamorfose de humanos para abissais híbridos. Em geral, a metamorfose se apresenta como um processo lento, que se inicia no final da puberdade até o início dos vinte anos. A medida que a pessoa envelhece, as peculiaridades da aparência de Innsmouth vão se acentuando.
"...profundas rugas nos lados do pescoço faziam com que ele parecesse mais velho quando alguém observava sua face entediada e sem expressão. Ele tinha um rosto estreito, bojudo, com olhos azuis pálidos que raramente piscavam, um nariz chato, uma testa larga e um queixo recuado, além de orelhas singularmente mal formadas. Seus lábios eram grossos com um aspecto abrutalhado, as bochechas cinzentas cavadas quase sem barba exceto por alguns poucos fios amarelados crescendo ondulados em pontos irregulares".
Entretanto, ainda que as peculiaridades dos híbridos se tornem mais pronunciadas com a idade, mesmo as crianças híbridas possuem uma aparência curiosa que chama a atenção; Lovecraft descreve os pequenos habitantes de Innsmouth como "sujos e de aparência simiesca".

(cont...)


terça-feira, 11 de agosto de 2015

"The New Annotated H.P. Lovecraft" - Antologia com os principais contos vem com notas e comentários


Mais uma antologia com os contos de H.P. Lovecraft.

"Outra? Sério? Mais um livro contendo os contos principais do escritor, sua biografia e alguns extras"...

Foi isso o que eu pensei ao saber do lançamento desse livro, intitulado "The New Annotated H.P. Lovecraft", um tremendo volume (quase um tomo, no melhor sentido da palavra) com nada menos do que 850 páginas, capa dura, sobrecapa, papel de alta qualidade e acabamento de luxo.

Mas apesar de ser um belo livro, essa não é a única antologia disponível.

Existem várias outras antologias dedicadas a Lovecraft, com destaque para a edição da Gollancz (com capa preta imitando couro) e a da Barnes and Noble (com a capa roxa), as duas muito bonitas e previamente resenhadas aqui no Mundo Tentacular. Além de terem um acabamento caprichado, elas podem ser encontradas com relativa facilidade na internet com um preço até acessível.

Com isso em mente, nem pensei muito a respeito de adquirir mais uma "coleção completa" de contos, já que isso pareceria não apenas redundante, mas um desperdício. Afinal, o que uma antologia poderia oferecer que já não tivesse sido visto anteriormente nas demais edições, que francamente, são lindas?

A resposta está no próprio título: "Annotated" (anotado), algo que faz toda a diferença. O fato desse livro conter notas de roda-pé, fornece uma série de interessantes comentários a respeito da obra, da vida e de curiosidades sobre Lovecraft e sua época. As anotações são muito bem vindas, fornecendo um colorido diferente a estórias que muitos leitores já conhecem de cor e salteado. É interessante descobrir as fontes de inspiração usadas por Lovecraft, o nome de artistas que ele admirava, as estórias que ele leu e em quais conceitos ele se baseou para escrever determinados trechos de suas estórias.

Não bastasse esses detalhes, essa antologia possui um diferencial diante das outras citadas anteriormente. Ela é ricamente ilustrada com fotografias, desenhos, capas de livros e trechos contendo a intrincada caligrafia do autor. A variedade de fotografias (mais de 200!) torna o simples ato de folhear as páginas um prazer que nenhum bibliófilo deveria se furtar. Melhor ainda, as ilustrações são em sua grande maioria coloridas e com uma resolução excelente.

Esses fatores talvez tornem Lovecraft Annotated a melhor antologia dentre as que foram lançadas até o momento. Uma obra de respeito sobre o Cavalheiro de Providence e suas mais famosas narrativas. Se você for um grande fã, eu indico dar preferência a essa antologia, sobre todas as outras, já que ela possui não apenas as melhores estórias, mas uma fartura de detalhes únicos. 

Outra boa adição a essa antologia é a introdução escrita por ninguém menos do que Alan Moore que tece comentários muito elogiosos a respeito de Lovecraft e sobre como sua obra foi decisiva para construir a sua própria identidade como escritor. É um relato muito interessante de um dos mais celebrados autores de ficção dos dias atuais a respeito de um escritor do início do século, que continua, nas suas palavras "incrivelmente contemporâneo e atual".
   
Resta então a pergunta: "E quanto aos que já possuem uma das outras antologias? Vale a pena comprar mais essa?"

A resposta não é muito fácil e depende do grau de devoção e interesse do leitor na obra de H.P. Lovecraft. Há de se considerar ainda, o preço elevado do dólar. O que posso dizer é que essa é uma excelente coleção que deixará mesmo os leitores mais exigentes plenamente satisfeitos. Ela não contém TODAS as estórias escritas pelo autor, mas estão lá seus trabalhos quintessenciais, apresnetados de uma maneira muito competente e em uma embalagem irretocável. 

Eu acabei não aguentando e cedi à tentação de comprar, mas não me arrependo. Essa é de longe a melhor antologia.


Para complementar essa pequena resenha, incluí uma série de fotografias da antologia que mostram alguns detalhes internos.

Julguem por conta própria:

O tamanho do livro e seu peso tornam um tanto difícil manuseá-lo. Não é um livro que sairá de sua casa ou será levado por aí, o lugar dessa antologia é na estante, saindo de lá para eventuais consultas.


Aqui podemos ver o índice e a introdução:


Logo em seguida, temos uma introdução do editor Leslie S. Klinger na qual ele fala sobre a vida e a época de Lovecraft. Não se trata de uma biografia muito extena, mas é bastante completa, ainda que concisa.


Aqui podemos ver as anotações de rodapé, no caso, as anotações (em vermelho) ficam nas margens do texto (na cor preta). O leitor encontra frequentes comentários nas margens que ajudam a compreender mais detalhadamente os contos.


As imagens são excelentes. Algumas são bastante conhecidas dos fãs, fotos e ilustrações encontradas na maioria dos livros dedicados ao Cavalheiro de Providence, mas existem algumas mais raras e curiosas, bem como desenhos e anotações feitas pelo próprio Lovecraft.


É uma maneira bem envolvente de dar um enfoque diferente e mais profundo aos contos que todos nós já conhecemos.


Aqui estão as anotações sobre "Nas Montanahs da Loucura", uma das estórias centrais:


Abaixo podemos ver o rascunho do manuscrito original - repleto de correções e notas, feito por Lovecraft enquanto ainda estava imaginando o final da estória.



... vemos ainda desenhos feitos por colegas de correspondência de Lovecraft que tentaram dar vida às terríveis criaturas e às cenas contidas nas estórias.

... descobrimos quando cada estória foi publicada originalmente, em que revista e como ficaram as ilustrações feitas pelos artistas da época, bem como, os comentários de Lovecraft a respeito dos desenhos.


Além disso, temos no final do livro uma série de apêndices que fecham com chave de outro o volume. O primeiro apêndice apresenta uma completa cronologia de "eventos lovecraftianos".


Os demais se dedicam a elementos recorrentes da ficção de Lovecraft, como a Universidade Miskatonic, a história do Necronomicon e outros documentos manuscritos.


Há ainda uma lista da cosmologia e das principais entidades que compõem os Mitos de Cthulhu, uma cronologia das estórias por ele publicadas e de suas revisões:


Finalmente temos um capítulo dedicado a influência de Lovecraft na cultura popular, onde o autor analisa como Cthulhu e demais criações lovecrafianas se tornaram populares entre leitores de todo o mundo.  


Quadrinhos, filmes, RPG, seriados, tirinhas... o livro analisa como Lovecraft deixou de ser um autor obscuro e se converteu em objeto de culto.


Em resumo, "The Complet Anotated Lovecraft" é um livro muito interessante para quem tem curiosidade em se aprofundar na obra do autor e conhecer mais detalhes. A quantidade de informações e curiosidades é enorme e sem dúvida vão fazer a festa dos leitores mais devotados.