Este artigo é do excelente blog Lovecraftian Science e foi traduzido com a permissão de seus autores.
Dentre as horrendas criaturas imaginadas por H.P. Lovecraft, os Deep Ones (Abissais) estão entre aqueles que mais causam arrepios. Não por serem especialmente medonhos ou assustadores, mas pelo fato de serem tão parecidos com os humanos. De fato, um dos fatores que contribuem para tornar essa raça marinha tão aterrorizante é o fato de muitos deles terem nascido humanos e ao longo de suas existências terem se tornado algo muito diferente... a metamorfose humana, a transformação final em algo diverso do que somos e daquilo que nos identifica como parte da humaniadde é um tema recorrente na literatura de horror.
Os Abissais são uma raça de criaturas marinhas humanóides, encontradas em vários oceanos do mundo. Além de se referir a essa Raça Aquática, o termo "Abissal" também é utilizado para nomear as entidades que são um produto genético da hibridização de humanos (Homo sapiens) e Abissais puros (Homo aquatium). É matéria de controvérsia incluir humanos e abissais dentro do mesmo genus, entretanto, o fato de que essas duas espécies possam experimentar cruzamento e gerar crias, constitui uma forte evidência favorável a essa decisão taxonômica.
Esse artigo reúne várias discussões a respeito do ciclo de vida dos Abissais, com um ênfase na descrição da metamorfose de híbridos em abissais, em quais aspectos os híbridos se diferenciam de abissais "puros", e teorias que tentam lançar uma luz sobre as razões para essa hibridização ocorrer (ela é algo decorrente da seleção natural ou parte de um experimento artificial?). Outros temas como a biologia geral e as práticas religiosas também serão examinadas no artigo.
É importante perceber que embora o termo "Deep One" (Abissal) tenha sido criado por H.P. Lovecraft em seu conto pioneiro The Shadow Over Innsmouth, ele é usado apenas duas vezes na estória e em ambos os casos nos três últimos parágrafos. Esta é uma demonstração da poderosa habilidade de HPL capturar nossa imaginação através de sua narrativa. Os monstros apresentados na estória não tem nome até os momentos finais, quando alguém se refere a eles de uma maneira genérica que denota a incapacidade de precisar um nome, por isso, cria-se algo que se adapta às suas características gerais.
O que sabemos sobre os Deep Ones é que eles constituem uma raça de seres marinhos, espalhados por todos os oceanos da Terra, presentes também em alguns rios e lagos.
As crias nascidas entre Humanos e Abissais passam por uma metamorfose que é ao seu modo, única resultando em híbridos. De um ponto de vista puramente biológico o termo metamorfose se refere a uma mudança substancial e relativamente rápida na morfologia (aparência geral) a medida que o animal cresce de um estado mais jovem ou larval para o adulto. Esse processo é bastante comum nas formas animais da Terra. Um exemplo do filo Arthropoda é concedido abaixo:
No caso da Borboleta da espécie Monarca, uma lagarta emerge do ovo. A lagarta é muito limitada em mobilidade e precisa utilizar sua camuflagem natural ou a produção de compostos químicos em seu organismo para gerar um gosto repulsivo afim de não ser vítima de predadores. O único propósito da lagarta é comer (sem parar!). Ela é adaptada para essa função, alimentando-se continuamente de vegetação até atingir uma forma intermediária, a crisálida. Nesse estágio suas células irão se dividir, mudar e reorganizar para que no fim surja uma borboleta. Em contraste com a lagarta, a borboleta é um animal de grande mobilidade que se alimentará de uma dieta diferente de seu estágio anterior, consumindo seiva das flores ao invés das folhas. O propósito principal da borboleta é reproduzir e colocar ovos para a próxima geração de borboletas.
Um exemplo mais apropriado de metamorfose, dentro de nossa discussão, é o sapo-boi.
No exemplo do sapo-boi, o animal deposita os seus ovos na água fresca, tipicamente em um riacho ou em um lago. Os ovos irão se romper em girinos. Estes são muito bem adaptados a vida aquática; eles são capazes de nadar, respiram através de guelras e se alimentam de algas presas às pedras e outras superfícies. Entretanto, em uma forma gradual de metamorfose os girinos eventualmente se tornam sapos adultos adaptados a vida na terra. É nela que eles passam a viver, respirando ar (através de respiração cutânea) fora da água e se alimentando quase que exclusivamente de insetos e pequenos invertebrados. Entretanto, o sapo-boi, como os demais anfíbios, devem permanecer próximos da água onde ele deverá se reproduzir e disseminar seus ovos.
A vantagem evolucionária dessa metamorfose é que tanto o girino quanto o sapo-boi podem ocupar diferentes nichos ecológicos. Enquanto os girinos são herbívoros aquáticos, o sapo-boi adulto é um carnívoro terrestre. Dessa maneira, se uma parte do ecossistema for seriamente danificado ou alterado (um lago se tornando seco em um dia muito quente) e parte do ciclo de vida for impactado, a outra parte ainda terá a chance de sobreviver e posteriormente reestabilizar sua população.
Conduzindo esse exemplo para a metamorfose de humanos em Abissais, a evolução batráquia levanta algumas questões: qual seria a vantagem evolutiva de um humano se converter em um abissal? Se é que existe alguma vantagem prática nessa transformação.
Com base no conto de HPL, The Shadow Over Innsmouth, aparentemente há vantagens biológicas e, possivelmente mais significativas vantagens culturais em se tornar um híbrido Abissal. Um híbrido que nasce com a aparência humana passa os primeiros 20 ou 30 anos de sua vida na sociedade dos seres humanos uma vez que sua aparência não é estranha a ponto de chamar a atenção dos demais não híbridos. Nesse período, o indivíduo tem a oportunidade de obter uma experiência de vida e estudar em meio a espécie na qual está inserido. Saber onde os humanos vivem e onde eles pescam fornece informações úteis a respeito de onde os abissais podem se fixar ou se reunir. Um aspecto interessante nesse pormenor é que os híbridos parecem guiados por um instinto natural que faz com que eles se mantenham próximos ao mar. Isso se reflete no fato de muitos híbridos escolherem, ainda que inconscientemente, profissões como marinheiros, pescadores, oceanógrafos etc...
Sabe-se que os Abissais costumam interagir com determinados grupos de humanos ou populações selecionadas por fatores geograficos (sendo proximidade da costa um dos principais) e que essa escolha deriva de reconhecimento e observação. A opinião de híbridos que viveram na sociedade humana e reconhecem suas práticas e costumes é levada em consideração quando os abissais desejam estabelecer contato.
Outra vantagem evolutiva diz respeito a colonização. Possuir indivíduos em estágio larval (no caso híbridos), inseridos nas comunidades humanas por um período substancial de tempo, permite que os abissais realizem, quando necessário, uma rápida invasão e conquista. O conto The Shadows Over Innsmouth exemplifica exatamente essas circunstâncias, quando o velho Capitão Marsh retorna da Polinésia na companhia de abissais que se fixam na Costa da Nova Inglaterra. Nessa caso, Marsh foi quem possibilitou a vinda dos Abissais e a tomada de Innsmouth.
Finalmente, uma possível vantagem evolutiva seria a introdução de uma variação genética na piscina de genes dos abissais para maximizar a sua adaptabilidade em diferentes condições ambientais. Entretanto tal vantagem só seria transferida para as crias se os próprios híbridos pudessem se reproduzir, o que nem sempre ocorre na natureza.
Além do conceito de metamorfose, hibridação é outro fator quando examinamos os Abissais. Hibridação pode ser definida de maneira muito superficial como a mistura de indivíduos de espécies diferentes. Entretanto, a clássica definição de uma espécie é uma população de indivíduos capazes de se reproduzir livremente uns com os outros mas não com outras populações (ou seja, outra espécie). Hibridação não parece algo permitido pela natureza, contudo, ela ocorre tanto de maneira artificial quanto natural constituíndo um testamento de que o conceito de espécie não é tão claro e perfeitamente definido quanto imaginamos. Ao invés disso, espécies é um termo mais dinâmico e fluido usado para auxiliar a taxonomia a classificar vários grupos de organismos. Como será descrito a seguir, esse é um importante conceito para mantermos em mente quando discutimos os Abissais.
Um exemplo de hibridização com o qual a maioria de nós estamos familiarizados é o cruzamente entre uma égua (Equus caballus) e um burro (Equus asinus) resultando em um híbrido - a mula (Equus asinus x Eqqus caballus). Cavalos e burros não pertencem ao mesmo genus, portanto, não é de se surpreender que as mulas sejam estéreis.
Outro exemplo: No ramo de consulta ambiental, especialistas realizam o levantamento de espécies para administrar a população de peixes em um lago. Um importante componente disso inclui o desenvolvimento de um programa de estoque. É comum obter um estoque de percas listradas (Morone saxatilis x Morone chrysops), para possibilitar a pesca recreativa e melhorar a qualidade da água em lagos e reservatórios. Uma vez que se trata de uma espécie híbrida, a perca listrada, é estéril o que permite que a população seja facilmente controlada.
Tanto a mula quanto a perca listrada exemplificam animais obtidos a partir da hibridização. Quanto mais próximas as populações se encontrem, espacialmente, psicologicamente e geneticamente, maiores as chances de haver uma compatibilidade e o cruzamento delas gerar uma prole. Além disso, duas espécies próximas podem não apenas vir a gerar uma prole, mas podem vir a produzir crias capazes de se reproduzir por conta própria. Um exemplo disso são os peixes ciclídeos do Lago Tanganika (ou Lago Victoria) na África. O alto nível de diversidade aquática em seu habitat, acrescido da rapidez reprodutiva dos ciclídeos, resultou em uma proliferação de espécies híbridas compatíveis.
Essas peixes ciclídeos frequentemente realizam cruzamento entre espécies, resultando em fertilização de inúmeros híbridos. Se a prole de híbridos não cruza com sua própria espécie, cruzando apenas com outros híbridos, uma nova espécie potencialmente pode emergir.
Para resumir, hibridação tem o potencial para gerar indivíduos férteis ou estéreis. Indivíduos híbridos férteis tem o potencial de se reproduzir e gerar uma espécie totalmente nova. Fica então a questão: É isso o que acontece quando humanos e Abissais procriam?
Como disse anteriormente, me parece adequado colocar humanos (Homo sapiens) e Abissais (Homo aquatium) no mesmo genus (Homo) uma vez que eles são capazes de procriar entre si. Isso não é algo sem precedentes na ciência e na taxonomia. Por exemplo: estudos realizados em 2010 sugerem que Humanos e Neandertais (Homo neanderthalensis) podem ter procriado em algum ponto entre 80,000 e 50,000 anos atrás. Baseado em algumas análises de DNA, humanos eurasianos e Neandertais podem compartilhar algo entre 1% e 4% dos mesmos genes. Se essa hipótese (publicada na conecituada revista Nature) que resultou no Neandertal/Humano Eurasiano estiver correta, então os humanos "verdadeiros" ou "puros" seriam apenas aqueles que surgiram na África.
Lovecraft identifica algumas vezes em The Shadow Over Innsmouth que existe um certo fator de variação associada a metamorfose de humanos para abissais híbridos. Em geral, a metamorfose se apresenta como um processo lento, que se inicia no final da puberdade até o início dos vinte anos. A medida que a pessoa envelhece, as peculiaridades da aparência de Innsmouth vão se acentuando.
"...profundas rugas nos lados do pescoço faziam com que ele parecesse mais velho quando alguém observava sua face entediada e sem expressão. Ele tinha um rosto estreito, bojudo, com olhos azuis pálidos que raramente piscavam, um nariz chato, uma testa larga e um queixo recuado, além de orelhas singularmente mal formadas. Seus lábios eram grossos com um aspecto abrutalhado, as bochechas cinzentas cavadas quase sem barba exceto por alguns poucos fios amarelados crescendo ondulados em pontos irregulares".
Entretanto, ainda que as peculiaridades dos híbridos se tornem mais pronunciadas com a idade, mesmo as crianças híbridas possuem uma aparência curiosa que chama a atenção; Lovecraft descreve os pequenos habitantes de Innsmouth como "sujos e de aparência simiesca".
(cont...)
(cont...)
Vantagens evolutivas para humanos consistiriam de poder colonizar 70% da superfície terrestre ao invés de 30%, mesmo sem considerar que essa nova área é tridimensional ao invés de só uma superfície. E Pai Dagon e Mãe Hydra, dois deuses dos abissais, seria dois deles, incrivelmente antigos e gigantescos. Abissais aparentemente não sofrem com velhice, e nunca param de crescer, como lagostas e répteis. E vivendo na água, poderiam atingir as proporções de baleias.
ResponderExcluirQuanto a estar no mesmo genus me parece improvável. Especulo que as tais "relações" entre humanos e abissais envolvam transmitir um vírus que realçe as porções pré-mamíferas do dna, de nossos ancestrais aquáticos. Acho que daí poderia ser um sistema de reprodução artificial. Como Y'ha-nthlei seria uma cidade que foi continuamente habitada desde 80.000 anos atrás, eles podem ter uma ciência genética bem sofisticada mesmo se avançarem mais devagar que a humanidade.
http://oleniski.blogspot.com.br/2011/05/breve-analise-da-simbologia-dos-deuses.html
ResponderExcluirCerta vez comprei um livro explorando a filosofia por trás do filme "Matrix". Fiquei desapontado quando vi que ao invés de explorar o filme, os diversos autores o usavam para inserir e explorar as suas próprias idéias. Tive a mesma sensação no seu artigo. Outra sensação é a de haver um cadeia de associações de idéias que talvez sejam óbvias ou claras no seu contexto, mas me pareceram tão desconexas quanto certas teorias conspiratórias que já li.
ExcluirA escrita é bem complicada, poderia ser apenas complexa para intimidar menos um leitor. "Individulidade" seria na realidade "individualidade"?
Por último, foi bizarro a postagem terminar com uma vaga crítica a uma interpretação psicológica não-especificada, uma inserção de opinião pessoal totalmente desnecessária, e que compromete o teor acadêmico e profissional do restante. Também espero que não seja uma forma de desvalidar o fato de que Lovecraft tinha um pavor do oceano e as profundezas que vai contra a idéia da obra ser um "elogio".
Arrepiante
ResponderExcluirArrepiante mas bem interessante
Excluir