quarta-feira, 9 de julho de 2025

Cinema Tentacular: "Faça Ela Voltar" um filme angustiante sobre perda e tragédia


Em 2022, Danny e Michael Philippou se tornaram nomes conhecidos entre os fãs do Terror com o sucesso inesperado de Fale Comigo, um filme assombroso sobre luto que acabou se tornando a produção de maior bilheteria da produtora A24 até então. Em Fale Comigo, o longa-metragem de estreia dos irmãos, a dupla ofereceu uma combinação impressionante de imagens bizarras ​​e momentos chocantes, tudo enquanto contava uma história sobre tragédia e luto. Foi assustador com certeza, mas o que realmente tocou o espectador foi a maneira como o filme lidou com o trauma de perder alguém tão próximo que não haveria limites para tentar tê-lo de volta, nem que por alguns instantes.

Em seu aguardado segundo filme, "Faça Ela Voltar" (Bring Her Back, 1925), os irmãos Philippou abordam novamente o trauma da perda. No entanto, enquanto Fale Comigo se concentrava nesse sentimento em um mundo de festas adolescentes e brincadeiras divertidas, Faça Ela Voltar é muito mais sério e perturbador. Em vez de adolescentes em busca de emoções fortes, a dor da perda se torna o cerne do segundo filme, deixando a dor se infiltrar em cada cena. Do início perturbador, com imagens caseiras granuladas, até a conclusão de tirar o fôlego, o filme tem o efeito de um soco na boca do estômago. 

Embora ambos os filmes explorem a natureza da perda, Faça Ela Voltar adota uma abordagem muito mais crua, que se deleita com a escuridão de maneira ainda mais assombrosa do que Fale Comigo. Juntos, esses dois filmes criam uma mistura fascinante de tristeza e terror que consegue ser enervante e trágica na medida certa.

Mas do que trata Faça Ela Voltar?

Podem ficar tranquilos, nada do que vou escrever aqui contém SPOILERS e não vai estragar sua (bem, digamos), diversão. 


(Aqui é interessante abrir um parênteses e falar sobre as situações perturbadoras que esse filme vai oferecer ao público. Não se trata de um filme palatável e imagino que muita gente vai ficar legitimamente incomodada com ele. Não me entendam mal, esse é em excelente filme, mas também é uma experiência indigesta e agonizante, para dizer o mínimo, portanto, estejam avisados).

Na trama, o adolescente Andy (Billy Barratt) e sua meio-irmã Piper (Sora Wong) voltam da escola um dia e descobrem que seu pai morreu no chuveiro. Em três meses, Andy terá idade suficiente para se tornar tutor legal de Piper, mas até lá, os dois serão enviados para morar com uma mãe adotiva, Laura (Sally Hawkins), e seu filho, Oliver (Johan Wren Phillips) que os recebem. Laura age de forma excêntrica, também está de luto pela morte acidental da filha, mas se apega a Piper imediatamente. As duas meninas tem em comum a deficiência visual e ela parece ver em Piper o reflexo de sua falecida filha.

Andy sente que há alguma coisa estranha com sua nova guardiã, para dizer o mínimo. Laura tem pensamentos estranhos sobre a morte e frequentemente se refugia em seu quarto onde assiste a vídeos perturbadores de um ritual aterrorizante. O pequeno Oliver também é muito estranho, ele anda por aí ou fica trancado em seu quarto por horas a fio, sem falar e aparentemente sem comer. Enquanto Piper se adapta ao novo arranjo, Andy percebe que algo estranho está acontecendo, ou será que o trauma da perda do pai o está fazendo ver coisas que não existem?

Aos poucos a aura de estranheza vai se intensificando a medida que segredos aterradores vem à tona.


Danny e Michael Philippou mostram que o talento apresentado no primeiro filme não é obra do acaso. A atmosfera lúgubre ajuda a criar um ar incômodo, mantendo certos detalhes ocultos do público para maximizar o terror de cada descoberta. Em "Faça Ela Voltar", o expectador é compelido a juntar as peças do quebra-cabeça para entender o que exatamente Laura está planejando. As pistas são oferecidas através de imagens borradas das fitas VHS, onde algo monstruoso e difícil de entender acontece. Fica claro que é algum tipo de cerimônia, mas o verdadeiro teor horrendo só irá se revelar no desfecho, e acredite, não será nada bonito.

O tema central do filme, a PERDA é mesclada com um terror, profundo, físico e por fim, corporal. Desde Hereditário eu não tinha uma reação tão visceral a um filme de terror. 

Laura, Andy e Piper são personagens muito bem construídos. Os três estão intimamente unidos pela tragédia e isso impacta em suas vidas cotidianas todo dia, toda hora, a cada segundo. O peso da perda de Laura é uma luta constante, fica claro que ela nunca a deixou ir. Já Andy se esforça ao máximo para preservar Piper e fazê-la superar, a um elevado custo emocional. O drama do trio protagonista vai se desenvolvendo em cenas que alternam estranheza e crueldade num ritmo vertiginoso. 

Faça Ela Voltar é realmente arrepiante, repleto de momentos surpreendentes que ficarão na sua memória coçando por baixo da pele. A dupla de diretores consegue manter o espectador na beira da poltrona com trechos inesperados e sombrios. Assustadora também é a maneira como eles manipulam o público com o mínimo de informação para que não possam fazer suposições razoáveis sobre o que está acontecendo. 

Não é exagero dizer que esse filme contém algumas das cenas mais surpreendentes que você verá em um filme de horror neste ano, contudo não é no susto e no choque que reside seu maior mérito. É a sensação tangível de desconforto, que faz nossa mente vagar para lugares escuros, que torna o filme uma experiência angustiante.


Sally Hawkins está fantástica como a mãe adotiva, Laura, que parece estar presa numa cápsula temporal: isso se reflete nas roupas que ela veste, nos vídeos que assiste em seus momentos de privacidade e por sua incapacidade geral de superar a morte da filha. Hawkins interpreta Laura com um nível compreensível de tristeza, uma mulher que faria de tudo para reaver a pessoa que mais ama. Sua vida foi arruinada e ela está desesperada para voltar a ser feliz. Isso não a impede de ser um monstro. É o tipo de atuação que só uma indicada duas vezes ao Oscar poderia retratar, e ela equilibra com perfeição tudo o que a personagem precisa ser.

Traga Ela de Volta também apresenta uma das melhores atuações de ator infantil dos últimos anos, com Jonah Wren Phillips como Oliver. Em um papel predominantemente silencioso, Phillips faz de seu personagem uma presença assombrosa, pairando como uma sombra excruciante sempre que está presente. Sem dizer nada, ele torna as coisas especialmente desconfortáveis com seu olhar vazio.

Em meio a tudo isso, Billy Barratt e Sora Wong, são o coração dessa fábula distorcida, conduzindo através de sua tortuosa jornada os acontecimentos mais infames. O roteiro nos faz torcer para que eles sobrevivam e que possam começar uma nova vida juntos e longe de seu passado. Os dois formam uma dupla adorável pela qual torcemos. Os papéis de Barratt e Wong são muito mais contidos, mas eles são a essência que faz o filme funcionar.

Filmes de terror sobre tragédia familiar e perda parecem estar em alta, mas inegavelmente coube a Danny e Michael Philippou dirigir os dois melhores exemplares sobre o tema. Assista a esse filme e prepare-se para ver algo que vai ficar com você por uns bons dias.

Trailer:


Poster:




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