Por Clayton Mamedes
Recordo-me como se tivesse acontecido ontem. Em meados de 1988 (quando
eu tinha uns 12 anos) estava andando pelo pátio da escola onde estudava, quando
me deparei com o seguinte anúncio:
FESTIVAL DE FILMES NA
ESCOLA – PROJEÇÃO EM TELÃO
Nesta época não existia TV-a-cabo e o costume de ir ao cinema era pouco
difundido (principalmente devido ao preço e a qualidade das salas – não existia
Cinemark e correlatos). Como os aparelhos de videocassete eram caríssimos, era
muito comum as escolas organizarem estas mostras de cinema, utilizando fitas
obtidas nas escassas locadoras da época. Adquiri assim, feliz da vida, um
ingresso para a exibição de um filme chamado “A Alvorada dos Mortos Vivos”, que
seria realizada em um sábado à tarde. Não imaginava que minha vida mudaria pra
sempre...
O filme era assustador. Aquela horda de mortos-vivos sufocando as pessoas no shopping center, devorando-as, intimidando-as...foram horas de horror e diversão, concluídas com um final excelente.
Após este evento, acabei tornando-me um fã assíduo deste gênero de
filme. Credito a esta obra, exibida no pátio da minha escola de primeiro grau,
toda a minha paixão por estas coisas desagradáveis e torpes, que nos perseguem
em sonhos.
Com o tempo (e o advento da Internet) consegui mais informações sobre
este horrendo filme de Zumbis. Qual foi a minha surpresa ao saber que este que
eu assistira há alguns anos era somente o segundo de uma trilogia. Uma trilogia
mórbida que eu consumi ao longo dos anos e que, com toda a certeza, não se
tratava de filmes de horror comuns, criados por um gênio da 7ª Arte: George
Andrew Romero.
Creio que uma discussão sobre a obra do veterano diretor mereça um outro
e longo artigo. Neste momento, é a vez de falar sobre uma das várias obras que
incluem zumbis que, obviamente, foram inspiradas pelos trabalhos seminais de
Romero.
Devido ao sucesso alcançado na mídia, creio que todos já ouviram falar
em The Walking Dead, seja a HQ ou série televisiva. Gostando ou
não, é impossível negar os expressivos números e prêmios obtidos pela franquia.
Como fã do gênero, acompanho as HQs há um bom tempo, e também não perco um
episódio sequer do seriado da Fox, que está encaminhando para o desfecho da
terceira temporada. Como veredicto rápido, posso acrescentar que a série
televisiva tem os seus méritos, porém prefiro a HQ.
Contudo, não é sobre seriados e nem HQs que escrevo hoje, mas sim sobre
outra ramificação deste império dos mortos. O livro The Walking Dead:
A Ascensão do Governador, publicado aqui no Brasil pela Editora Record, agora
em 2012. Nesta obra assinada por Robert Kirkman (a mente por trás de todo o
universo de TWD) e Jay Bonansinga (de quem sinceramente nunca ouvi falar), é
mostrada a trajetória de Philip Blake, o homem mais conhecido como Governador.
O livro de 360 páginas é dividido em três grandes partes: na primeira –
Os Homens Ocos – um pequeno grupo de sobreviventes busca abrigo na periferia de
Atlanta, logo nos primeiros dias da explosão da praga zumbi. O grupo composto
pelo forte e ágil Philip Blake, sua pequena filha Penny, seu fracote irmão mais
velho Brian Blake e seus dois amigos Bobby e Nick, se aventura em um condomínio
de luxo em busca de um pouco de paz e alimento, em meio à horda de devoradores
de homens. A segunda parte é chamada de Atlanta e, obviamente, cobre as ações
do trôpego grupo na cidade mais famosa da ambientação de TWD. A terceira e
última parte chama-se Teoria do Caos, e relata a inevitável e previsível
chegado dos personagens à Woodbury, peça central no arco de histórias que
envolvem o Governador.
Como o título já entrega, este livro é totalmente dedicado ao processo
de criação e fortalecimento de Philip Blake, e como ele chegou ao seu “posto”
de Governador. Para quem é fã das HQs, será uma leitura mais satisfatória,
tendo em vista que alguns elementos das duas mídias se fundem, mesmo que de
forma bem superficial. Para quem nunca leu a HQ e acompanha o seriado, a
leitura deixará aquele gosto de “e agora?”.
Apesar de a premissa ser interessante, é na execução que A Ascensão do
Governador falha. As primeiras páginas parecem se arrastar, devido à ausência
de situações realmente interessantes ou tensas. Aqueles velhos clichês de
histórias de zumbis aparecem a todo o momento, acompanhados de descrições
pífias, repletas de analogias sem a mínima inspiração, tais como:
“...quando ouve o PÉIM de mais uma machadada do lado de fora do armário,
arrebentando a membrana de uma cabeça, atingindo um crânio duro, atravessando
as camadas de dura-máter e indo parar na gelatina cinzenta e polpuda do lóbulo
occipital. O som é igual ao de um taco de beisebol acertando uma bola molhada –
e o jato de sangue é como um pano de chão batendo no assoalho – seguido por um
baque surdo, molhado e tenebroso.” Página 14. Ou ainda:
“O lado afiado da machadinha de Philip aterrissa perfeitamente a cabeça
do monstro, quebrando o crânio velho como se fosse um coco, rasgando a membrana
densa e fibrosa de dura-máter e afundando no gelatinoso lóbulo parietal. O som
é parecido como o de um aipo sendo partido e lança um coagulo de fluido
asqueroso no ar.” Página 24.
Algumas frases de efeito são repetidas à extrema exaustão ao longo do
livro, evidenciando a falta de talento literário mais apurado de ambos os
autores. Realmente, um repertório de palavras e expressões bem escasso.
As coisas começam a ficar mais interessantes a partir da parte dois, com
a chegada do grupo a Atlanta, onde as situações de conflito social (uma marca
da séria) ganham força e destaque. Por coincidência, o vocabulário utilizado
enriquece um pouco, mas não muito. E as repetições ainda insistem em aparecer.
Sim, isso irrita.
O final da parte dois e a parte três mudam um pouco o panorama. Alguns
acontecimentos realmente interessantes vêm à tona, principalmente com a chegada
a Woodsbury. É nítida a alteração no clima da obra. Uma melhoria bem vinda,
devido à já comentada maior ênfase nos conflitos sociais.
Já o final do livro reserva uma surpresa muito agradável. Um verdadeiro twist digno
das obras da fase inspirada de M. Night Shyamalan que, apesar de não ser
inédito (os fãs dos quadrinhos da Marvel irão reconhecer), foi realmente
surpreendente. E não é a primeira vez que o universo de TWD busca inspiração em
outros para as suas cenas. É fácil admitir que a seqüência do despertar de Rick
sozinho no hospital (TWD #1, outubro de 2003) é muito parecida com a que ocorre
no filme 28 Days Later (Extermínio, 2002), com o personagem
Jim, do talentoso Cillian Murphy.
Em resumo, The Walking Dead: A Ascensão do Governador
passa a impressão de uma obra amadora. Ou até mesmo um verdadeiro caça-níquel,
buscando alçar vôo no vácuo de seus irmãos mais famosos e muito, mas muito mais
competentes. O ritmo arrastado e o péssimo estilo literário conduzem, aos
tropeços, o leitor a um surpreendente final, que apesar de não ser inédito, é
cativante. Vale para quem é fã da série.
The Walking Dead: A Ascensão do Governador
Robert Kirkman e Jay Bonansinga
Editora Record, 2012
361 páginas
The Walking Dead: A Ascensão do Governador
Robert Kirkman e Jay Bonansinga
Editora Record, 2012
361 páginas
Ótima resenha para quem considerava a possibilidade de lê-lo. Eu particularmente, já me decepcionei com o estilo narrativo de Assassins Creed, imagino que ficaria entendiado ad eternun com esta "obra".
ResponderExcluirÉ um pena. Um universo com tanto potencial e este livro é um perfeito caça-niqueis. Porém, darei uma chance para o outro volume...
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