quarta-feira, 3 de junho de 2015

Desmascarando o Spring-heeled Jack - A suspeita sob o Marquês Louco


Alguns dias atrás, eu escrevi sobre a lenda do Spring-heeled Jack, o misterioso criminoso ou fantasma que apavorou a capital do Império Britânico no século XIX.

Não há um consenso sobre quem ou o que ele era, então que tal nos apropriar das informações que dispomos e adaptar essa figura enigmática para o universo de Chamado de Cthulhu? Transformá-lo em um tipo de investigador devotado a enfrentar/combater mal feitores e manifestações tenebrosas na Londres Victoriana.

Bem, vejamos o que temos:

Para alguns, o Spring-heeled Jack era uma espécie de fantasma, um ser sobrenatural, mas para a maioria dos habitantes de Londres, mais pragmáticos em suas suspeitas, ele era um homem com habilidades notáveis. Alguém que teria criado um par de botas dotadas de molas que podiam impulsioná-lo a longas distâncias e impressionante altura. Essa invenção lhe rendeu o apelido pelo qual ele ficaria conhecido: o Jack, mola nos calcanhares.

A aparência intimidadora do criminoso também é famosa. As testemunhas que o viram em ação o descrevem como uma figura grande e forte, vestida com um manto ou sobretudo escuro fechado. Sua face permanece oculta por uma máscara diabólica, os olhos protegidos por lentes de vidro com uma coloração avermelhada e da boca escapa um tipo de fumaça mefítica. Nas mãos, a figura carregava uma lanterna com um brilho doentio e suas luvas possuem garras afiadas como navalhas. Suas botas de cano longo chegando aos joelhos se assemelham aquelas usadas por cavalheiros e são dotadas de molas metálicas espiraladas.  


Se era de fato uma pessoa por trás da fantasia, o que motivava esse sujeito a atacar pessoas sem um padrão? De fato, suas vítimas pareciam ser escolhidas ao acaso, a despeito de gênero ou idade. Homens, mulheres, velhos, adolescentes; qualquer um podia ser alvo de seu ataque, bastando estar no lugar errado, na hora errada...

O roubo jamais parece ter sido o objetivo do Spring-heeled Jack, muito embora um dispositivo dessa natureza pudesse facilitar muito a vida de um ladrão. Até onde se sabe, não houve qualquer relato dele ter subtraído dinheiro ou jóias de suas vítimas. Talvez, por isso existisse a suspeita de que ele fosse alguém com posses, talvez até mesmo um nobre interessado em pregar uma peça nas pessoas. Uma brincadeira inconsequente e de péssimo gosto que deixou um rastro de feridos. Apesar de existir uma quantidade significativa de relatos sobre ataques fatais, não há consenso de que ele tenha realmente matado alguém. As agressões, no entanto foram bem documentadas, produzidas por socos, carga nas costas e cortes.

A mais notável característica do Spring-heeled Jack era sua habilidade sobrenatural de saltar e se mover em alta velocidade. Segundo testemunhas, a misteriosa figura conseguia transpor muros de seis metros de altura e alcançar mais de 20 metros de distância em um único pulo. Seu método favorito de deslocamento era através dos telhados das casas, onde ele dificilmente podia ser perseguido. Para atacar, ele simplesmente saltava sobre a vítima escolhida com uma precisão assustadora, transferindo seu peso sobre as costas do alvo. Em geral esse ataque era suficiente para colocar seus oponentes fora de ação, mas quando estes resistiam, ele alternava uma sucessão de golpes até levá-lo a inconsciência.

Henry Beresford em um quadro de época
O que poucos sabem é que algumas pessoas chegaram a ser investigadas como sendo a real identidade de Spring-heel Jack. Sem dúvida, um dos suspeitos mais fascinantes de usar a fantasia Henry de La Poer Beresford, o terceiro Marquês de Waterford. Conhecido como "The Mad Marquis" (O Marquês Louco) ele fazia jus ao apelido. O nobre de origem irlandesa era famoso por ser irascível e briguento, se orgulhava de ter aprendido a boxear nas ruas de Londres, pagando a lutadores profissionais para lhe ensinar os seus truques. Dizem que adorava provocar brutamontes em tavernas e desafiá-los a lutar. Também havia brigado com um policial e para se vingar do sujeito, o raptou uma noite, o deixou inconsciente, removeu suas roupas e o pintou com tinta vermelha. Foi processado e ameaçado de prisão, mas se livrou das acusações alegando que havia agido para lavar a sua reputação. Desde então "pintar a cidade" se tornou uma expressão comum na língua inglesa. 

Beresford era também um galanteador, com a ideia fixa de salvar donzelas em perigo. Não bastasse seu interesse peculiar pela nobre arte do pugilismo, ele também era um entusiasta da esgrima, da ginástica e da equitação. Além disso, tinha tendência a jogar, beber e executar bem planejadas brincadeiras em seus amigos.  Em uma ocasião teria contratado bandidos para assaltar alguns colegas, apenas para "salvá-los" usando um florete e partes de armadura medieval, detalhe, os rufiões foram contratados achando que o "trabalho era legítimo". Beresford chegou a ser interrogado por um dos detetives encarregados do caso, mas nenhuma queixa foi apresentada contra ele.

Em se tratando de candidatos para vestir a máscara de Spring-heeled, ele seria perfeito: Rico, influente, audacioso e um tanto inconsequente dos seus atos. Talvez a intenção dele não fosse assustar as pessoas e se tornar "O Terror de Londres" (como a figura chegou a ser chamada), mas agir à margem da sociedade como uma espécie de justiceiro mascarado, talvez até um declarado arqui-inimigo de cultos e sociedades secretas agindo clandestinamente em Londres. É possível que ele tenha sido difamado e desacreditado pelos seus inimigos, transformado em um criminoso pela mídia sensacionalista. De fato Beresford era uma figura pública que frequentava as páginas dos jornais da época, chamado de impetuoso e considerado um baderneiro capaz de qualquer coisa para vencer uma aposta ou desafio. Em meados de 1840, ele estava em Londres como atestam manchetes de jornal que noticiaram uma briga na qual ele tomou parte em agosto de 1840, ocasião em que ele foi chamado pelos jornalistas de "nobre turbulento".

O "Marquês Louco" morreu em 1859, na sua propriedade em Curraghmore na Irlanda, em um acidente de montaria. A lenda sobre ele ser o Spring-heeled Jack o acompanhou mesmo após sua morte, muitos achavam que ele havia simulado o acidente para escapar das obrigações e do tédio. 

Quem sabe... 

Se considerarmos o Spring-heeled Jack dessa forma, podemos utilizar as estatísticas publicadas no livro Cthulhu Gaslight e construir um perfeito anti-herói no melhor estilo pulp:

SPRING-HEELED JACK, o Terror de Londres

Henry Beresford, 28 anos, nobre entediado e justiceiro mascarado

FORça 15
CONstituição 17
TAManho 15
INTeligência 14
PODer 15
DEStreza 17
APArência 14
EDUcação 15

SANidade 75
Pontos de Vida (PV) 16
Bônus de Dano (bd): +1d4

Ataques: Salto 65% (é necessário um mínimo de 3 metros de distância), dano 1d6 +bd, Soco/Punho 65%, dano 1d3 +bd, Luva com Navalha 55%, dano 1d4 +1+db, Bengala Espada 55%, dano 1d6 +1 +db

Habilidades: Arte Marcial (Boxe) 70%, Cavalgar 55%, Escalar 65%, Disfarce 60%, Esquiva 75%, Inglês 75%, Esconder 60%, Saltar 95%, Ouvir 75%, Chaveiro 50%, Conhecer Londres 65%, Geografia Urbana 80%, Química 45%, Furtividade 80%, Localizar 75%, Arremessar 60%, Rastrear 80%, Intimidar 85%

Armadura: 2 pontos concedidos por um manto reforçado de couro

Sanidade: 0/1d4 por ver o Spring-Heeled Jack devidamente fantasiado pela primeira vez.

Notas: Beresford possui um sortimento de cápsulas que ele leva ocultas em compartimentos acolchoados de seu sobretudo. Cápsulas de enxofre concentrado e fósforo branco (que se acendem quando em contato com o ar produzindo um clarão cegante), cápsulas de fumaça e pequenos frascos contendo ácido sulfúrico (dano de 1d8). Esses recursos são usados para intimidar os oponentes, mas também constituem um artifício para as mais variadas situações. Além dessas cápsulas, o Spring-heeled Jack carrega uma corda para escalada com gazua, uma bengala espada, uma lanterna portátil e um kit de arrombamento.

*     *     *

Tudo bem. 

As chances de Beresford realmente ter sido o Spring-heeled Jack são ínfimas. As chances do próprio criminoso mascarado ter existido também são mínimas. Contudo, a história desse sujeito é bacana demais para ser ignorada e a mera suposição de alguém ter vestido uma fantasia para sair pelas ruas de Londres fazendo loucuras é divertida demais para deixar de lado.

E antes que perguntem: sim, eu estou ciente da "coincidência" do sobrenome "de la Poer". O mesmo sobrenome de Edward de la Poer, um personagem clássico da literatura de H.P. Lovecraft apresentado no conto "The Rats in the Walls". Se Lovecraft conhecia ou não a estória dessa família e do Marquês Louco, talvez não venhamos a saber, mas considerando seu interesse por genealogia e história britânica quem pode dizer ao certo.

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