Doors to Darkness: Five Scenarios for Beginning Keepers (Portas para a Escuridão: Cinco Cenários para Guardiões Iniciantes) tem a distinção de ser a primeira antologia publicada pela Chaosium para a Sétima Edição de Call of Cthulhu que não é custeada por uma campanha de Financiamento Coletivo.
Como o título sugere, ela contém cinco cenários desenhados para funcionar como apresentação do jogo a novos jogadores, conduzidas por novos Mestres de Call of Cthulhu (chamados de Keepers ou, Guardiões). Mas nem por isso ela fica devendo nos quesitos horror, mistério, investigação, monstros assustadores, magia negra, e segredos ancestrais. Os cinco cenários são planejados para oferecer desafios, sem serem necessariamente letais, e introduzem conceitos chave a Call of Cthulhu, através de exemplos e sugestões. Para esse fim, cada cenário inclui seções especialmente marcadas com Conselhos para os Guardiões de primeira viagem, a respeito de tudo; desde como conduzir as pesquisas até como estabelecer as motivações que vão impelir o grupo ao longo da investigação. Além disso, o suplemento também serve como um guia básico sobre como escrever cenários para Call of Cthulhu.
Apesar dos cinco cenários serem claramente voltados para novatos, eles também são ótimos para mestres veteranos com anos nas demais edições e que ainda estão se acostumando com os conceitos e regras da sétima edição.
O primeiro capítulo de Doors to Darkness apresenta uma seção chamada "Sharing Nightmares: Tips for Gamemastering and Playing Call of Cthulhu" (Compartilhando Pesadelos: Dicas para Conduzir e Jogar Chamado de Cthulhu). Escrito por Kevin Ross, um veterano do sistema, conhecido pelo cenário "Tell me, have you seen the Yellow Sign?", originalmente publicado na década de 1990 na antologia The Great Old Ones, e mais recentemente pela coleção Tales of the Crescent City da Golden Goblin Press. Em aproximadamente dez páginas o capítulo oferece conselhos a respeito de uma série de tópicos, desde diferentes estilos de jogo, passando por como construir uma atmosfera tipicamente Lovecraftiana, até como memorizar as regras e oferecer um mistério de forma atraente. Esta é uma excelente introdução para muitos temas e elementos comuns no jogo, elegantemente construído na forma de dicas valiosas. Guardiões veteranos também irão se beneficiar com a leitura, nem que seja como reforço para as diretrizes da ambientação.
Pessoalmente eu achei o capítulo bem interessante e mesmo estando acostumado a Call of Cthulhu, nunca é demais ouvir os comentários de outro veterano, nem que seja para uma espécie de reciclagem de conceitos.
Todos os cinco cenários apresentados em Doors to Darkness se passam no período clássico de Call of Cthulhu, os Loucos Anos 1920 quando o Jazz estava no auge, os bares vendiam whiskey contrabandeado e o mundo estava mudando em velocidade acelerada. Todos eles também se passam na Nova Inglaterra, a região lovecraftiana por excelência. Isso significa dizer que os cenários podem se converter facilmente em uma pequena campanha no quintal Lovecraftiano. É claro, há dicas e sugestões para transferir a ação para outros lugares ou adaptá-los para os dias modernos com relativa facilidade.
O primeiro cenário do livro tem o título "The Darkness Beneath the Hill" (A Escuridão sob o Monte) e foi escrito por Christopher Smith Adair. A história se passa na raramente visitada cidade de Providence, no estado de Rhode Island, a terra natal de H.P. Lovecraft. Os investigadores são convocados por um velho amigo em comum chamado Josh Winscott (numa das premissas mais batidas para reunir um grupo). Ele os chama para sua casa que está passando por obras. Winscott descobriu uma série de túneis no subsolo de sua propriedade e ele quer que seus amigos o ajudem a explorar essas passagens e determinem quem os construiu, quando e com que objetivo. Antes de concluir as pesquisas e preparativos para iniciar a exploração, Winscott simplesmente desaparece. O que teria acontecido com o sujeito?
"The Darkness Beneath the Hill" é incrivelmente simples e direto. Confesso que quando li pela primeira vez achei até bobo. A aventura soa realmente básica em vários detalhes - um amigo em perigo os chama, há um complexo subterrâneo a ser explorado, existem coisas espreitando na escuridão, e um inimigo traiçoeiro espera tirar vantagem da curiosidade dos investigadores. O cenário oferece poucas pistas e relativamente poucas pesquisas que possam auxiliar o grupo a completá-lo em segurança. A aventura se resume a uma exploração.
De certa forma, "The Darkness Beneath the Hill" parece com uma aventura no estilo "dungeon crawl", uma espécie de cenário muito mais adequado a jogos de aventura e exploração (cof, cof, D&D). Ainda assim, a simplicidade e a natureza direta do cenário não tornam o desenvolvimento ruim. O roteiro é bem explicado e a ausência de complexidade não significa em absoluto que a aventura será resolvida facilmente. De fato, essa talvez seja a história com maior grau de ameaça e perigo para os personagens, uma maneira interessante de mostrar que os Mythos podem se manifestar de várias maneiras, nem sempre, intrincadas. Para jogadores que jamais jogaram Call of Cthulhu e que querem fazer uma transição lenta e gradual, da boa e velha masmorra dos finais de semana, para um típico mistério, essa história será uma ótima opção.
De certa forma, "The Darkness Beneath the Hill" parece com uma aventura no estilo "dungeon crawl", uma espécie de cenário muito mais adequado a jogos de aventura e exploração (cof, cof, D&D). Ainda assim, a simplicidade e a natureza direta do cenário não tornam o desenvolvimento ruim. O roteiro é bem explicado e a ausência de complexidade não significa em absoluto que a aventura será resolvida facilmente. De fato, essa talvez seja a história com maior grau de ameaça e perigo para os personagens, uma maneira interessante de mostrar que os Mythos podem se manifestar de várias maneiras, nem sempre, intrincadas. Para jogadores que jamais jogaram Call of Cthulhu e que querem fazer uma transição lenta e gradual, da boa e velha masmorra dos finais de semana, para um típico mistério, essa história será uma ótima opção.
O segundo cenário foi escrito por Brian Courtemanche e tem o título "Genius Loci". Ele se passa no lendário Manicômio Municipal de Danvers. Um amigo dos investigadores, Lawrence ‘Larry’ Croswell, um excêntrico escritor local e folclorista, se interna voluntariamente para descansar e se recuperar após uma traumática pesquisa no campo do sobrenatural. Mas então, ele envia uma carta para seus amigos afirmando que há algo de errado no asilo. A carta não da detalhes, mas é enfática sinalizando com algo terrível acontecendo atrás das paredes.
Uma das medidas mais óbvias para qualquer mestre interessado em transformar a história em uma sequência do primeiro cenário é alterar a identidade do amigo internado para a de outro personagem. Possivelmente Josh Winscott do cenário anterior ou quem sabe um colega que tenha sofrido um colapso nervoso na primeira aventura.
Após a primeira aventura, este soa como um cenário bem mais tradicional - ele envolve mais investigação, preparativos, e consequências, caso o grupo não deseje investigar as pistas e compreender os indícios. Os antagonistas também oferecem um desafio à altura, escondendo suas ações e protegendo seus segredos. O resultado é um cenário sinistro e com enormes desafios. Jogadores veteranos talvez consigam determinar o que está acontecendo no asilo, ainda que seja difícil estabelecer um curso a seguir ou traçar planos para lidar com a situação. Não é uma aventura simples e a resolução pode ser um tanto frustrante já que as chances dela resultar em desastre são imensas, sobretudo se o grupo ignorar alguns avisos implícitos.
Eu achei essa aventura um tanto previsível, sobretudo na maneira como as pistas são entregues. Não há muito espaço para o grupo chegar a conclusão por conta própria e os Handouts se esforçam demais para colocar o grupo no caminho para a resolução, quase os empurrando nessa direção. A despeito disso, há boas ideias e o fato dela se passar em um ambiente incomum, um manicômio onde um amigo está em perigo oferece uma boa dose de imediatismo e urgência. Talvez essa seja a aventura mais fraca da coleção, mas nem por isso ela é impraticável.
"Servants of the Lake" (Servos do Lago) por Glynn Owen Barrass é o terceiro cenário e envolve outra clássica premissa em Call of Cthulhu, o caso do desaparecimento de uma pessoa. Essa provavelmente é a aventura mais curta e com menos cenas, dependendo em extensão quase que exclusivamente do que os jogadores planejam fazer. Me parece que uma única sessão será o bastante para concluir o mistério.
Na trama, um estudante da Universidade Miskatonic, James Frazer, desaparece e seu pai, um banqueiro local oferece aos investigadores uma recompensa se estes conseguirem determinar seu paradeiro. A trilha de pistas levará o grupo até um motel de beira de estrada no caminho para Kingsport onde coisas estranhas parecem estar acontecendo. Será que James se hospedou nesse lugar?
O ambiente restrito obriga os personagens a interagir uns com os outros e procurar informações, privilegiando furtividade e entrevistas, acima de pesquisas. O Guardião vai encontrar boas oportunidades de interpretar pessoas estranhas cheias de segredos e que parecem culpadas de algo, embora a explicação só venha a tona no final. É mais um cenário interessante que lembra um bocado o filme Psicose. Imagino que se os jogadores "comprarem" essa ideia, o cenário vai funcionar muito melhor.
"Ties That Bind" (Nós que prendem) por Tom Lynch é o quarto cenário da antologia e marca o retorno de um dos responsáveis pela Miskatonic River Press, editora que infelizmente fechou suas portas ano passado. Os investigadores - policiais, investigadores particulares ou repórteres atrás de uma história, são convocados para a mansão da Sra. Enid Carrington, a viúva de um ricaço que está renovando sua propriedade. Infelizmente, algum vândalo causa danos a propriedade e provoca sua ira. Em contrapartida, os operários acabam encontrando estranhos objetos que podem ou não ter algum valor. A Sra. Carrington, é claro, quer os responsáveis presos e precisa descobrir a origem dos misteriosos objetos.
A história é bem construída, um cenário que embora simples oferece opções e uma pegada interessante. A motivação do antagonista talvez seja a parte mais bacana da história e prever os seus passos será a maneira de detê-lo. Isso, combinado a reação dos NPCs e a forma como eles irão tratar os acontecimentos, tornam esse cenário algo bem movimentado e com uma dose inerente de perigo. Se o grupo não tomar cuidado, a possibilidade deles serem massacrados existe.
O último cenário da antologia é de Brian M. Sammons e tem como título "None More Black" (Nada mais Negro). Ele tem lugar em Arkham, o coração da terra lovecraftiana e começa com a trágica morte de Walter Resnick, um estudante da Universidade Miskatonic. Originalmente um rapaz de futuro brilhante, inteligente e amigável, que semanas antes de ser encontrado morto se comportava de maneira incomum, como se algo muito ruim estivesse acontecendo em sua vida. Os investigadores podem ser amigos, parentes ou policiais em busca de algum crime, todos preocupados com a causa da morte. O que eles descobrem é que Resnick parece ter morrido por causa de uma droga desconhecida cujos efeitos são devastadores. A questão é: de onde veio essa droga?
"None More Black" também é um cenário bem direto, que lida com crime, violência e abuso de drogas, temas que parecem mais indicados a grupos com maturidade para lidar com esses assuntos. Ele é mais orientado para a ação do que os demais cenários e o climax é potencialmente mortal se o grupo tentar resolver as coisas no mano a mano. Ainda assim, essa parece ser a aventura mais equilibrada e dentro da proposta dos suplementos da Chaosium.
O livro possui um apêndice com os Handouts para serem copiados e cerca de dez páginas com personagens prontos que podem ser empregados nas aventuras. Os Handouts são bem feitos e apresentados em um formato que podem ser entregues diretamente aos jogadores. Eu francamente prefiro quando os Handouts não são copiados duas vezes no livro, parece ser um gasto de páginas desnecessário, mas dada a qualidade do material compreendo que eles sejam reproduzidos nas páginas finais. Não gostei muito dos personagens pré-gerados, me pareceram um pouco sem graça, meio cliche... Mas a ideia é que o jogador simplesmente escolha um deles e possa começar a jogar imediatamente, então, eles cumprem seu propósito.
Fisicamente, Doors to Darkness é muito bem produzido. A capa de Victor Manuel Leza Moreno é imponente, linda mesmo! O interior acompanha a qualidade da imagem exterior, as ilustrações são detalhadas, bem feitas e se ajustam perfeitamente ao texto. Há várias imagens de página inteira que o Guardião vai querer mostrar para os jogadores afim de complementar a sua descrição dos acontecimentos. A cartografia é ótima, com alguns desenhos que remetem ao estilo Old School. De forma geral, o livro está entre os mais bonitos dessa retomada da Chaosium, um produto de altíssima qualidade gráfica que vale cada centavo - como vocês podem ver nas fotos que ilustram essa resenha.
Como se trata de uma antologia de cenários com uma progressão de complexidade, Doors to Darkness pode ser usado como uma mini-campanha introduzindo os conceitos de investigação para novos grupos. O que são os Mythos? Qual a sua interação com a humanidade? O que eles representam? O que significa enfrentar esses horrores? Tudo isso faz parte da antologia e é tratado de uma maneira até didática.
Muitas pessoas reclamam que as aventuras de Call of Cthulhu são, por vezes, complicadas e que precisam de um Guardião experiente para que funcionem. Doors to Darkness é uma ótima oportunidade para se familiarizar com o estilo de jogo proposto, antes de alçar vôos mais ambiciosos rumo a campanhas como Horror on the Orient Express ou Masks of Nyarlathotep. O livro oferece grande diversão em narrativas curtas das quais o mestre poderá aproveitar alguma coisa.
É exatamente o que jogadores e mestres iniciantes precisavam. Utilizando essa antologia eles terão uma introdução perfeita, direcionada para aqueles que jamais perderam um ponto sequer de sanidade ou que tem dúvidas a respeito da maneira correta de pronunciar "Cthulhu" (que conste, é ku-FÚ-lo).
É um livro com ares de antigo, mas com uma pegada moderna e cheia de conselhos úteis, tudo no mesmo produto. Para quem está começando, pode até ser essencial, para os que já conhecem do riscado, pode parecer meio simples à princípio, mas com certeza, vale a pena.
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