quinta-feira, 16 de maio de 2024

Infestação Voluntária - A bizarra Dieta da Solitária na Era Vitoriana


Da medonha prática de amarrar os pés em bandagens na China Imperial, passando pelos complexos rituais de escarificação nas tribos da África, até as radicais cirurgias plásticas da atualidade, a humanidade sempre esteve engajada em uma busca pela beleza. Não raramente isso envolveu alguma modificação extrema na anatomia.

Torcendo, invertendo, cortando ou alterando, a procura incessante da forma ideal é uma história de dor, sofrimento e angústia. Até que ponto as pessoas estão dispostas a ir para atingir a aparência almejada?

A Era Victoriana, não foi exceção.

O período que cobre o intervalo entre 1830 até 1900, é infame por ter estabelecido bizarras metas de beleza, e ainda mais bizarros métodos para alcançá-los, muitas vezes causando danos permanentes e até a morte.

O ideal da época era que as mulheres tivessem predicados específicos: a pele bem pálida, olhos dilatados, lábios vermelhos, bochechas coradas e a cintura, quanto mais fina melhor. Chegar a essa combinação não era nada fácil. Do consumo de amônia até banhos de arsênico- que eles sabiam ser venenoso, até o uso de espartilhos capazes de bloquear a circulação e causar falta de ar, a meta de 35 centímetros de cintura era uma fixação. Assim como aventureiros da época desejavam explorar cada centímetro do planeta, as mulheres vitorianas estavam dispostas a tudo para atingir o quase inalcançável ideal de beleza ditado pela moda.

Tudo mesmo!



Uma ilustração vitoriana que mostra como deveria ser a anatomia interna das mulheres. 

Muitas dessas praticas felizmente saíram de moda e foram abandonadas por uma questão de saúde e bom senso. Dentre os medonhos métodos de emagrecimento empregado pelos vitorianos, um é especialmente aterrorizante, asqueroso e impensável. Tirem as crianças da sala pois vamos falar da Dieta da Solitária (tapeworm diet).

O conceito era simples, e repulsivo. A pessoa engolia uma pílula contendo um ovo de solitária. Uma vez no intestino, o parasita podia crescer em seu hospedeiro, consumindo parte do alimento do qual ele se alimentava. Em teoria, isso permitia que a pessoa perdesse peso podendo continuar comendo sem medo de exagerar nas calorias. 

A ideia se encaixa a perfeitamente na mentalidade vitoriana que tinha uma visão prática a respeito do uso do mundo natural na solução de problemas do cotidiano. Uma das mais populares revistas para senhoritas da época dizia claramente em um de seus artigos: "Constitui uma obrigação de cada jovem buscar a beleza". Tal busca era um esforço contínuo que carecia de uma disciplina constante, mas apenas isso lhe permitiria encontrar um bom partido. Ninguém queria, afinal de contas, ser uma solteirona de 18 anos.

A Dieta da Solitária era portanto uma maneira válida (e natural) de encontrar a solução perfeita. Supostamente a mulher não sentiria mais fome, poderia comer uma quantidade maior e mesmo assim continuaria perdendo peso. 

Parecia bom demais para ser verdade, certo? E de fato era.

Uma propaganda da época garante que é fácil de seguir e fácil de engolir.

Nem é preciso dizer que parasitas como as solitárias podem ser um risco para a saúde, ainda mais quando você ao invés de querer se livrar delas decide mantê-las no seu organismo como seu bichinho de estimação. Claro, de um ponto de vista prático a coisa parecia funcionar as pessoas perdiam peso, mas o custo logo se provava alto demais.

Entre os sintomas mais brandos da presença do parasita estavam dores intestinais, vômito, diarreia, fadiga permanente, insônia, etc... mas em casos graves a coisa podia ser muito mais séria. A tênia solus, nome científico do verme que era a espécie favorita prescrita pelos médicos que apoiavam essa insanidade, podia se tornar um grande problema. Um problema capaz de atingir quatro metros de comprimento. 

Além disso, ovos ingeridos podiam ir parar em lugares indesejados, viajando pela corrente sanguínea eles podiam se alojar no cérebro causando algo de nome complicado chamado neurocisticercose o que desencadeava danos severos no sistema nervoso central e ocasionava convulsão, epilepsia cegueira, meningite e até hidrocefalia.

Mas hei, a pessoa ao menos ficava magrinha.

Quando os muitos problemas relacionados à Dieta da Solitária começaram a vir à tona, os médicos passaram a empregar métodos experimentais para remover os vermes do trato intestinal. Na Inglaterra Vitoriana isso podia envolver uma série de fórmulas, misturas e gororobas recebidas por meio oral. Algumas até podiam dar resultado, mas no geral era uma questão de tentativa e erro. 

Era isso que as pessoas colocavam conscientemente para dentro de seus corpos

É claro, alguns métodos pouco ortodoxos também foram desenvolvidos com o intuito de se livrar do inconveniente parasita. Um destes métodos foi criado pelo Doutor Meyers de Sheffield, que utilizava uma espécie de anzol preso a uma corda para tentar fisgar a solitária no estômago da vítima. Para isso ela tinha de engolir a coisa toda e esta era arrastada de um lado para o outro afim de pescar o bicho. Não causa surpresa alguma que pacientes simplesmente se engasgaram ou tiveram o estômago perfurado pela engenhoca. Outras curas populares envolviam segurar um copo perto da boca ou sentar numa bacia com leite e aguardar que a tênia fosse atraída pelo cheiro do leite e saísse por conta própria. Se isto realmente tem alguma validade permanece uma questão de debate, mas era uma crença bastante popular.

Há relatos bizarros de intervenções cirúrgicas desastrosas em uma época em que anestesia e desinfeção eram palavras pouco compreendidas. Um número considerável de mulheres (e também de homens, pois a estupidez não reconhece gênero) morreu nesse procedimento que visava a remoção da tênia de qualquer maneira. Em alguns casos, espécimes de até três metros foram removidos, ainda que em geral, o hospedeiro tenha sucumbido ao procedimento sanguinário ou ao pós-operatório. 

A situação foi tão traumatizante para a sociedade inglesa que entre 1870 e 1890 um dos principais terrores entre as mulheres era o de se ver infestada por vermes. A simples possibilidade de se ver contaminado causava terror, tanto que a Scolecephobia se tornou extremamente comum no período. Finalmente a adoção de substâncias eficazes ajudou a combater as infecções e salvar os pacientes.  

O que é mais assustador nesta dieta bizarra é que ela costuma ressurgir em vários momentos ao longo da história e continua a existir. Há rumores de que a cantora lírica Maria Callas fez uso dessa dieta. A sua existência é evidenciada mesmo hoje em dia em fóruns online dedicados à questão da eficiência da dieta e pelos relatórios (bastante duvidosos) de clínicas modernas que conduzem o tratamento que custa alguns milhares de dólares.

Houve um tempo em que pessoas estavam dispostas a engolir parasitas e deixar que vermes gigantes crescessem dentro de si. Tudo para ficar magra e esbelta... esse tipo de coisa diz muito sobre a humanidade e sua incrível capacidade de fazer besteira.

3 comentários:

  1. Por essas e outras não há outra possibilidade imaginável para o destino da humanidade a não ser a auto extinção.

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