segunda-feira, 10 de junho de 2024

Terrível Ancião - a verdade sobre o Capitão Richard Holt

A cidade de Kingsport é um lugar de muitos segredos, mas um de seus maiores mistérios diz respeito a um Ancião que vive numa antiga casa próximo da orla marinha.

Chamado por alguns de "O Velho Ruim" e por outros de "O Terrível Ancião", o homem de longos cabelos grisalhos e aspecto desgrenhado passa a imagem de ser um eremita inofensivo. Mas aqueles que cresceram temendo as lendas sobre seus feitos e desfeitos, sabem que aparências podem enganar.

Os mais antigos residentes afirmam que o Terrível Ancião atende pelo nome de Richard Holt e que ele foi um Capitão de Clipper quando as rápidas embarcações mercantis cruzavam a Baía rumando para portos no outro lado do mundo. 

Ele teria servido a Companhia das Índias Orientais e empreendido inúmeras viagens pelos mares do sul. Nessas ele conseguiu acumular um tesouro considerável em dobrões de ouro espanhóis que supostamente ainda guarda em algum lugar de sua casa. A prova disso é que até hoje ele costuma abastecer sua despensa com provisões pagas em ouro cunhado no século XVII.

Até onde se sabe, Holt nunca casou ou teve filhos. Não há herdeiros para sua casa e coleção de tranqueiras exóticas. Haviam alguns Holt que viviam em Kingsport, mas quando perguntados sobre parentesco, se apressaram em negar qualquer ligação com o Velho. Como se eles quisessem se distanciar o máximo possível desse ramo genealógico. Os últimos da família deixaram Kinsgport ou morreram faz tempo. Hoje o velho é o único com esse sobrenome na cidadezinha. 

A razão para renegar qualquer laço de sangue com o velho pode ter origem em preconceito. Muito se falava que o capitão teria absorvido a cultura ímpia de certos povos do Pacífico. Ele teria entrado em contato direto com tribos selvagens na Polinésia que lhe confiaram rituais secretos de origem diabólica.

Esse seria o segredo por trás de sua longevidade, pois alguns supõem que o Capitão passou, e muito, dos cem anos. Para outros, isso é um exagero e ele não seria mais que um octogenário. 

Discute-se aos sussurros o preço que o velho lobo do mar teria pago para viver tanto tempo. Garantem alguns que o astuto Capitão teria vendido a alma ao diabo em troca de imortalidade, mas que achou uma forma de enganá-lo. A punição destinada a ele no inferno será tão terrível que ele não ousa morrer e descobrir o que o aguarda.

Além da vida extremamente longa, o Velho Ruim teria aprendido portentos de feitiçaria, convivendo entre os ilhéus dos mares do sul. Há testemunhos que dizem tê-lo visto com amuletos e patuás místicos, além de tatuagens intrincadas desenhadas em sua pele enrugada. As estátuas em seu quintal suscitam dúvidas, se seriam meras carrancas ou ídolos pagãos de deuses e demônios marinhos.

Nesse contexto, falam ainda de sua bizarra coleção de garrafas azuladas que emitem um tilintar como se respondessem aos solilóquios do velho. Quem assistiu a essas entusiasmadas conversas se reserva ao direito de dizer que o Velho Ruim se refere a cada vasilhame incongruente por um nome próprio. Outros vão mais longe afirmando que os nomes correspondem ao de antigos companheiros do velho em seus dias de capitão.   

Também há rumores sobre o notável vigor do Terrível Ancião, de uma centelha de energia que trai a imagem de que ele seria um velho frágil em idade avançada. Ele não faz questão de demonstrar tal coisa, mas para alguns seu andar manquitolante e modos débeis são um engodo. O mesmo pacto blasfemo que lhe conferiu tantos anos de vida o teriam abençoado com uma saúde de ferro. Não há doença ou moléstia que o tenha acometido e seus pés jamais pisaram num hospital.

Poucos anos atrás, foi comentado à boca miúda que o Ancião atraiu a atenção de três notórios criminosos de Kingsport. Estes teriam ouvido as histórias sobre o tesouro guardado pelo velho capitão em algum lugar de sua casa decrépita. Pensavam que seria fácil adentrar a mansão situada na isolada Rua da Água e aliviar o velho de suas riquezas. Pensaram errado!

Lenda ou boato, fato é que os três ladrões, todos eles bandidos infames no cais do porto, gente da pior laia, sumiram misteriosamente. Deles não se soube mais e provável que jamais há de se saber.

Para o bem ou para o mal, o velho Capitão Holt é tratado como uma espécie de indesejável celebridade em Kingsport. Não há ninguém que não o conheça ou não tenha alguma história a contar sobre ele. Essas fofocas de viúvas parecem ser um passatempo comum entre os moradores do balneário. Mas apesar de sua fama, não são muitos os residentes que visitaram a casa e tiveram um dedo de prosa com seu vetusto habitante.

É sabido que ele costuma selecionar sua companhia e que tem por hábito afastar os curiosos. Não é estranho, contudo que ele receba forasteiros e visitantes que vão até ele com o intuito de ouvir seu aconselhamento. 

O Capitão Holt parece ser um conhecedor profundo de antigos mistérios tanto de terra quanto de mar. Quando está disposto a compartilhar seu saber, ele se mostra uma valiosa fonte de informações, convidando indivíduos para ter com ele um convescote. As reuniões ocorrem em sua casa, diante da coleção de garrafas pousada sobre a mesa na sala. Quando não quer ser incomodado, ele expulsa aos berros os que batem sua porta. Os que insistem, descobrem que o Velho Ruim, dado a excentricidades, pode ser bastante irascível e até belicoso em seus modos.

Um dos temas favoritos dele são os sonhos, afinal, o cenário idílico de Kinsport favorece experiências oníricas bastante reais. Ou assim dizem! Quem visita o balneário relata ser arrebatado por sonhos (e também pesadelos) muito reais. Os antigos culpam as névoas oceânicas que proporcionam esse sono agitado, mas quem pode saber ao certo?

O Capitão Holt é um personagem único, um indivíduo peculiar que se converteu em parte do folclore de Kingsport. 

A VERDADE

Por vezes lendas não passam de uma coleção de histórias construídas sobre o disse me disse do exagero. Um rumor é aumentado, acrescido de boatos infundados e tolices sem nexo. Contudo, há casos em que as histórias não apenas têm base em fato, mas são dolorosamente reais. E isso é verdade no que diz respeito ao Capital Richard Holt de Kinsgsport.

Por mais incríveis que possam ser os relatos sobre sua origem, quase todas as histórias são verdadeiras.

Holt tem 125 anos de idade e provavelmente viverá por muitos outros anos. Sua longevidade, como muitos supõem decorre do sobrenatural que lhe agraciou também com força e vitalidade.

Não foi um pacto diabólico que lhe conferiu esses predicados, mas a feitiçaria dos mitos ancestrais. Desde jovem, o Capitão temia as limitações da idade avançada: perder o vigor e descobriu-se frágil, eram perspectivas que o atormentavam.

Nos Mares do Sul, Holt descobriu a solução. Ao visitar tribos isoladas famosas pela longevidade de seus membros, ele desejou conhecer seus segredos. Um feiticeiro que afirmava ter mais de 300 anos aceitou compartilhar como tal milagre era possível. 

O método envolvia a obtenção de energia vital através de um feitiço pérfido que drena a vida de alguém e a passa para o utilizador. Quanto mais jovem e forte a vítima, mais energia é transmitida para o realizador em detrimento do alvo. Alguém drenado até o limite teria uma existência miserável dali em diante, podendo até ser completamente exaurido, morrendo no processo. Em contrapartida, o realizador ganha saúde e longevidade.

O processo embora funcional, tem suas limitações. O feitiço não confere juventude eterna, a pessoa continua a envelhecer ainda que não possa morrer por idade avançada, outrossim, ele recebe energia vital que lhe garante saúde plena.

Além do segredo da longevidade, o Velho conhece um feitiço aterrador que lhe permite extrair a alma imortal (ou essência) e capturá-la em garrafas. Em algum momento de seu comando como capitão, Holt teria enfrentado uma tentativa de motim e resolvido a questão removendo a alma dos amotinados e as lançando em garrafas de cristal azulado. O feitiço lhe garante a faculdade de se comunicar com as vítimas feitas prisioneiras. O mesmo encantamento lhe permite libertar temporariamente essas almas e forçá-las a defender sua casa. Uma palavra de poder, conhecida apenas pelo Velho Ruim, permite a ele conjurar esses espíritos até três vezes. Eles se manifestam como bem preservados cadáveres de marujos portando facas, ganchos e porretes.

Embora seja um homem sinistro e cheio de histórias perturbadoras, o Capitão Richard Holt não é necessariamente maligno. Dono de um senso de justiça único e de um código de conduta particular, ele pode ser surpreendentemente honrado. Através da conversa com seus marujos capturados ele parece ter aprendido muito sobre os segredos da vida após a morte e sobre os sonhos.

Aqueles que conseguem convencer o Terrível Ancião a revelar alguns desses segredos, podem ter um aliado valioso. Por outro lado, qualquer tentativa de logro, em especial no que diz respeito aos seus tesouros (tanto seu ouro quanto suas garrafas) atrai sua ira, e essa faz jus às lendas que o cercam.

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