quarta-feira, 19 de junho de 2024

Cidade do Demônio - A Cidadela criada pelo Vento no coração da Mongólia


O gigantesco e aparentemente interminável Deserto de Gobi, na Mongólia Central, é um lugar assustador e perigoso.

Trata-se de uma vasta extensão inóspita, formada por nada além de areia, vento e um calor infernal. Na antiguidade, os exploradores que ousaram vagar por seu interior comparavam o Gobi como o Fim do Mundo. Outros o chamavam de "o lugar onde Deus abandonava a Terra", pois não podia haver local mais hostil ao homem na criação.

Se você caminhasse por suas extensões remotas, poderia acreditar que nada seria capaz de se estabelecer naquelas estepes. Nada exceto escorpiões e espíritos malignos. No entanto, nômades garantiam existir em seu interior implacável estranhas construções projetando-se no horizonte árido - enormes castelos, grandes monumentos e formações incomuns. Muitos acreditavam que essas narrativas alucinantes não passavam de meras lendas ou devaneios causados pelo esmagador sentimento de isolamento. O calor do deserto, afinal de contas, podia mexer com a percepção de um homem e fazê-lo acreditar em visões e miragens.

O rico folclore das tribos mencionavam povos ancestrais que ali viveram muito antes do homem. Seria uma raça de gigantes com pele cor de cobre que ergueram construções imponentes que lhes servia de lar. Seriam eles os antepassados dos homens, contudo, maiores, mais poderosos e implacáveis. Segundo a cultura local, esses gigantes escravizaram os homens antigos e os obrigaram a construir suas cidades de pedra. Em algum momento, os gigantes deixaram de existir, mas suas cidadelas rochosas permaneceram para sempre. Tamerlão, o terrível conquistador mongol, que levou a morte ao ocidente afirmava que em suas veias corria o sangue desses gigantes.

Ao longo dos séculos, a crença de que as ruínas eram habitadas por fantasmas e espíritos malignos se espalhou. Não por acaso a ruína tornou tabu para os viajantes do deserto cujas caravanas passavam ao largo, evitando até mesmo olhar na sua direção. Nem mesmo uma tempestade de areia faria com que eles buscassem proteção nesses redutos malignos. 

Chamavam o lugar de Cidade do Demônio e a evitavam a todo custo.


As lendas se mantiveram intactas por gerações, e apenas quando estrangeiros e forasteiros vieram explorar o interior insalubre da Mongólia é que a cidadela foi enfim vasculhada.

As tribos das estepes que habitam a orla possuíam muitas histórias sobre as formas surreais na paisagem agreste. Além do mito dos gigantes de cobre, alguns acreditavam que aquelas estruturas colossais estavam fadadas a um dia se erguer e andar e que quando o fizessem, destruiriam o mundo com sua fúria.

Os contadores de historias também afirmavam ouvir vozes fantasmagóricas vindas do coração do deserto. Elas cantavam, gemiam e lamentavam com uma voz inumana proveniente do vazio. Essas palavras podiam levar um homem à loucura, obrigá-lo a vagar pelo deserto e até forçá-lo a matar seus amigos e a si mesmo. Para espantar essa força maligna os locais estalam os dedos e repetem mantras para nublar o chamado.

Mas qual a origem da Cidade do Demônio? De onde vieram essas enormes formações rochosas únicas no mundo?

Foi o vento selvagem que varre o Gobi o responsável por criar a cidadela. Ele soprou sobre os montes de terra, dilapidando as ravinas e moldando as enormes rochas. Lentamente elas foram transformadas, dando forma a estruturas massivas que lembravam castelos, animais e até os tão temidos demônios que atormentavam o sonho dos locais. 

Localizada atualmente na Reserva Geológica de Yadan, a Cidade do Demônio fica a 180 quilômetros de Dunhuang, o assentamento mais próximo. A paisagem poeirenta é marcada por algo conhecido como Relevo de Yadan, formações criadas ao longo de milhões de anos por erosão éolica, clima seco e terríveis tempestades. Essas condições são essenciais para esculpir as pedras gerando suas formas desconcertantes. 


Pesquisadores acreditam que durante o Período Cretáceo, há cerca de 100 milhões de anos, o lugar não era um deserto, mas sim um enorme lago de água doce. Com o tempo, este lago recuou para expor rochas sedimentares, pedregulhos e desfiladeiros originalmente submersos, que então foram transformadas pelas forças da natureza no impressionante conjunto de esculturas espalhadas pela reserva. Acredita-se que os acidentes geográficos de Yadan em seu estado atual tenham sido formados durante um período de 300 a 700 mil anos. A reserva possui o maior número de formações desse tipo no mundo.

Alguns relevos tem até 20 metros de altura e foram esculpidos de tal maneira que é difícil acreditar que não foram feitos por mãos humanas e por um engenhoso senso artístico.

Nos anos 1920, expedições estrangeiras que estiveram na Mongólia descreveram as Estruturas de várias maneiras. Elas foram chamadas de castelos, de escadas, templos, pagodes e palácios. A Expedição americana liderada pelo famoso arqueólogo Roy Chapman Andrews, explorou o lugar cuidadosamente entre 1921 e 1930. Eles chegaram a anunciar a descoberta de uma civilização desconhecida responsável por erigir aqueles monumentos. Em seus diários, Andrews citou monumentos em que era possível distinguir rostos humanos, animais estranhos e criaturas aterrorizantes. 

A suspeita era de que o lugar seria um sítio arqueológico ancestral, um dia habitado por povos com enorme sensibilidade artística e conhecimentos de arquitetura e engenharia, capazes de moldar os monólitos daquela maneira. Expedições posteriores, no entanto concluíram a origem natural das "obras de arte", desacreditando a hipótese delas serem resultado de alguma ação humana. De fato, não havia sinal de ocupação da área em momento algum da história humana, quase corroborando as lendas de que ali "o mundo terminava".


Em meio aos acidentes geográficos mais impressionantes encontra-se a infame Moguicheng, a esplanada principal da Cidade do Demônio. A área possui enorme concentração de Estruturas de Yadan que realmente criam a ilusão de ser uma cidade abandonada com edifícios, praças e monumentos deliberadamente esculpidos.

As mais notáveis formações são aquelas que as tribos reconheciam como demônios. É fácil entender porque os nativos supersticiosos temiam esses megálitos imponentes. Não é preciso usar de muita imaginação para enxergar a face aterrorizante de bestas gigantes, com presas recurvadas e prontas para atacar. Essas feras assustadoras pairam sobre a paisagem como sentinelas vigiando seus domínios. Numerosas pedras multicoloridas nas colinas que cercam a área contribuem para o efeito surreal e místico. Parece um outro planeta, uma realidade paralela de estranheza alienígena. 

Um dos aspectos mais bizarros da Cidade do Demônio são os sons misteriosos e inexplicáveis ​​que parecem emanar da área circundante. Os sons tem muitas variações. Diz-se que durante o dia pode-se ouvir sons de cordas de violão sendo dedilhadas, o toque de sinos e vozes humanas sussurrando, gritando e até cantando. Ainda mais assustador, há momentos em que esses sons que permeiam o ar assumem a qualidade de gemidos, gritos, brigas ou o choro de bebês. À noite e quando os frequentes ventos que açoitam a região sopram areia e cascalho pelo ar, os sons misteriosos transformam-se numa cacofonia assustadora que é descrita como uma reminiscência de leões rugindo, lobos uivando, elefantes trombeteando e porcos sendo abatidos.

A origem desses sons estranhos não são claras e, na maioria das vezes, dizem que parecem vir de todas as direções ao mesmo tempo, como se se materializassem no próprio ar. É provável que os sons sejam algum efeito ainda pouco compreendido do vento passando pelas formas incomuns de Relevo de Yadan. Mas o estranho fenômeno acústico ainda é muito debatido e os testes para explicar sua origem se mostraram inconclusivos. Finalmente, a área também exibe um nível incomum de magnetismo que sugere haver grandes depósitos de ferro e hematita. Não é estranho que bússolas falhem e que objetos de metal se mostrem estranhamente imantados.


A Reserva Geológica de Yadan e sua Cidade do Demônio estão abertos a visitação de turistas, muitos dos quais vêm na esperança de vivenciar o estranho fenômeno dos ruídos por si próprios. Ele é bastante comum e muitos saem impressionados pelo efeito bizarro.

O parque é alcançado após uma viagem de cerca de duas horas saindo de Dunhuang em um ônibus operado por várias empresas de turismo localizadas lá. Os visitantes dessa região castigada pelo vento e pelo sol encontram um lugar cheio de beleza natural e mistério inescrutável. É um sítio antigo que inspira um profundo sentimento de admiração e apreço pelas forças poderosas que moldaram o nosso planeta. Mais do que isso, muitos mencionam uma sensação de esmagadora insignificância, quase como se os Gigantes de Cobre ou Demônios do Deserto, realmente os estivessem observando.

E quem duvida que realmente estejam?

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Terrível Ancião - a verdade sobre o Capitão Richard Holt

A cidade de Kingsport é um lugar de muitos segredos, mas um de seus maiores mistérios diz respeito a um Ancião que vive numa antiga casa próximo da orla marinha.

Chamado por alguns de "O Velho Ruim" e por outros de "O Terrível Ancião", o homem de longos cabelos grisalhos e aspecto desgrenhado passa a imagem de ser um eremita inofensivo. Mas aqueles que cresceram temendo as lendas sobre seus feitos e desfeitos, sabem que aparências podem enganar.

Os mais antigos residentes afirmam que o Terrível Ancião atende pelo nome de Richard Holt e que ele foi um Capitão de Clipper quando as rápidas embarcações mercantis cruzavam a Baía rumando para portos no outro lado do mundo. 

Ele teria servido a Companhia das Índias Orientais e empreendido inúmeras viagens pelos mares do sul. Nessas ele conseguiu acumular um tesouro considerável em dobrões de ouro espanhóis que supostamente ainda guarda em algum lugar de sua casa. A prova disso é que até hoje ele costuma abastecer sua despensa com provisões pagas em ouro cunhado no século XVII.

Até onde se sabe, Holt nunca casou ou teve filhos. Não há herdeiros para sua casa e coleção de tranqueiras exóticas. Haviam alguns Holt que viviam em Kingsport, mas quando perguntados sobre parentesco, se apressaram em negar qualquer ligação com o Velho. Como se eles quisessem se distanciar o máximo possível desse ramo genealógico. Os últimos da família deixaram Kinsgport ou morreram faz tempo. Hoje o velho é o único com esse sobrenome na cidadezinha. 

A razão para renegar qualquer laço de sangue com o velho pode ter origem em preconceito. Muito se falava que o capitão teria absorvido a cultura ímpia de certos povos do Pacífico. Ele teria entrado em contato direto com tribos selvagens na Polinésia que lhe confiaram rituais secretos de origem diabólica.

Esse seria o segredo por trás de sua longevidade, pois alguns supõem que o Capitão passou, e muito, dos cem anos. Para outros, isso é um exagero e ele não seria mais que um octogenário. 

Discute-se aos sussurros o preço que o velho lobo do mar teria pago para viver tanto tempo. Garantem alguns que o astuto Capitão teria vendido a alma ao diabo em troca de imortalidade, mas que achou uma forma de enganá-lo. A punição destinada a ele no inferno será tão terrível que ele não ousa morrer e descobrir o que o aguarda.

Além da vida extremamente longa, o Velho Ruim teria aprendido portentos de feitiçaria, convivendo entre os ilhéus dos mares do sul. Há testemunhos que dizem tê-lo visto com amuletos e patuás místicos, além de tatuagens intrincadas desenhadas em sua pele enrugada. As estátuas em seu quintal suscitam dúvidas, se seriam meras carrancas ou ídolos pagãos de deuses e demônios marinhos.

Nesse contexto, falam ainda de sua bizarra coleção de garrafas azuladas que emitem um tilintar como se respondessem aos solilóquios do velho. Quem assistiu a essas entusiasmadas conversas se reserva ao direito de dizer que o Velho Ruim se refere a cada vasilhame incongruente por um nome próprio. Outros vão mais longe afirmando que os nomes correspondem ao de antigos companheiros do velho em seus dias de capitão.   

Também há rumores sobre o notável vigor do Terrível Ancião, de uma centelha de energia que trai a imagem de que ele seria um velho frágil em idade avançada. Ele não faz questão de demonstrar tal coisa, mas para alguns seu andar manquitolante e modos débeis são um engodo. O mesmo pacto blasfemo que lhe conferiu tantos anos de vida o teriam abençoado com uma saúde de ferro. Não há doença ou moléstia que o tenha acometido e seus pés jamais pisaram num hospital.

Poucos anos atrás, foi comentado à boca miúda que o Ancião atraiu a atenção de três notórios criminosos de Kingsport. Estes teriam ouvido as histórias sobre o tesouro guardado pelo velho capitão em algum lugar de sua casa decrépita. Pensavam que seria fácil adentrar a mansão situada na isolada Rua da Água e aliviar o velho de suas riquezas. Pensaram errado!

Lenda ou boato, fato é que os três ladrões, todos eles bandidos infames no cais do porto, gente da pior laia, sumiram misteriosamente. Deles não se soube mais e provável que jamais há de se saber.

Para o bem ou para o mal, o velho Capitão Holt é tratado como uma espécie de indesejável celebridade em Kingsport. Não há ninguém que não o conheça ou não tenha alguma história a contar sobre ele. Essas fofocas de viúvas parecem ser um passatempo comum entre os moradores do balneário. Mas apesar de sua fama, não são muitos os residentes que visitaram a casa e tiveram um dedo de prosa com seu vetusto habitante.

É sabido que ele costuma selecionar sua companhia e que tem por hábito afastar os curiosos. Não é estranho, contudo que ele receba forasteiros e visitantes que vão até ele com o intuito de ouvir seu aconselhamento. 

O Capitão Holt parece ser um conhecedor profundo de antigos mistérios tanto de terra quanto de mar. Quando está disposto a compartilhar seu saber, ele se mostra uma valiosa fonte de informações, convidando indivíduos para ter com ele um convescote. As reuniões ocorrem em sua casa, diante da coleção de garrafas pousada sobre a mesa na sala. Quando não quer ser incomodado, ele expulsa aos berros os que batem sua porta. Os que insistem, descobrem que o Velho Ruim, dado a excentricidades, pode ser bastante irascível e até belicoso em seus modos.

Um dos temas favoritos dele são os sonhos, afinal, o cenário idílico de Kinsport favorece experiências oníricas bastante reais. Ou assim dizem! Quem visita o balneário relata ser arrebatado por sonhos (e também pesadelos) muito reais. Os antigos culpam as névoas oceânicas que proporcionam esse sono agitado, mas quem pode saber ao certo?

O Capitão Holt é um personagem único, um indivíduo peculiar que se converteu em parte do folclore de Kingsport. 

A VERDADE

Por vezes lendas não passam de uma coleção de histórias construídas sobre o disse me disse do exagero. Um rumor é aumentado, acrescido de boatos infundados e tolices sem nexo. Contudo, há casos em que as histórias não apenas têm base em fato, mas são dolorosamente reais. E isso é verdade no que diz respeito ao Capital Richard Holt de Kinsgsport.

Por mais incríveis que possam ser os relatos sobre sua origem, quase todas as histórias são verdadeiras.

Holt tem 125 anos de idade e provavelmente viverá por muitos outros anos. Sua longevidade, como muitos supõem decorre do sobrenatural que lhe agraciou também com força e vitalidade.

Não foi um pacto diabólico que lhe conferiu esses predicados, mas a feitiçaria dos mitos ancestrais. Desde jovem, o Capitão temia as limitações da idade avançada: perder o vigor e descobriu-se frágil, eram perspectivas que o atormentavam.

Nos Mares do Sul, Holt descobriu a solução. Ao visitar tribos isoladas famosas pela longevidade de seus membros, ele desejou conhecer seus segredos. Um feiticeiro que afirmava ter mais de 300 anos aceitou compartilhar como tal milagre era possível. 

O método envolvia a obtenção de energia vital através de um feitiço pérfido que drena a vida de alguém e a passa para o utilizador. Quanto mais jovem e forte a vítima, mais energia é transmitida para o realizador em detrimento do alvo. Alguém drenado até o limite teria uma existência miserável dali em diante, podendo até ser completamente exaurido, morrendo no processo. Em contrapartida, o realizador ganha saúde e longevidade.

O processo embora funcional, tem suas limitações. O feitiço não confere juventude eterna, a pessoa continua a envelhecer ainda que não possa morrer por idade avançada, outrossim, ele recebe energia vital que lhe garante saúde plena.

Além do segredo da longevidade, o Velho conhece um feitiço aterrador que lhe permite extrair a alma imortal (ou essência) e capturá-la em garrafas. Em algum momento de seu comando como capitão, Holt teria enfrentado uma tentativa de motim e resolvido a questão removendo a alma dos amotinados e as lançando em garrafas de cristal azulado. O feitiço lhe garante a faculdade de se comunicar com as vítimas feitas prisioneiras. O mesmo encantamento lhe permite libertar temporariamente essas almas e forçá-las a defender sua casa. Uma palavra de poder, conhecida apenas pelo Velho Ruim, permite a ele conjurar esses espíritos até três vezes. Eles se manifestam como bem preservados cadáveres de marujos portando facas, ganchos e porretes.

Embora seja um homem sinistro e cheio de histórias perturbadoras, o Capitão Richard Holt não é necessariamente maligno. Dono de um senso de justiça único e de um código de conduta particular, ele pode ser surpreendentemente honrado. Através da conversa com seus marujos capturados ele parece ter aprendido muito sobre os segredos da vida após a morte e sobre os sonhos.

Aqueles que conseguem convencer o Terrível Ancião a revelar alguns desses segredos, podem ter um aliado valioso. Por outro lado, qualquer tentativa de logro, em especial no que diz respeito aos seus tesouros (tanto seu ouro quanto suas garrafas) atrai sua ira, e essa faz jus às lendas que o cercam.