Todos nós somos produto de nossa origem e daqueles que nos criaram. Existem famílias equilibradas em que os valores de amor e compreensão são transmitidos através das gerações. As crianças aprendem essas lições e depois as levam adiante com seus próprios filhos.
Mas existem pessoas que só conhecem o abuso e negligência ao longo de toda vida. Elas aprendem desde cedo que o mundo é um lugar cruel e que a existência não passa de uma luta constante, árdua e assustadora pela sobrevivência. Enquanto muitos conseguem superar e ter uma vida saudável, outros acreditam que machucar pessoas é algo natural. Para aqueles que se voltam para uma existência mais sombria, causar sofrimento, é tudo que importa.
Peter Kurten, o monstro que ficaria conhecido como O Vampiro de Dusseldorf, nasceu na pequena cidade de Monhein, na Alemanha em 1883. Seu pai era um alcoólatra abusivo e sua mãe uma mulher tímida, incapaz de se impor diante dele. O pai, um sujeito abrutalhado, era um operário que gastava a maior parte de seu salário com bebida, o que forçava a família a procurar alguma forma de garantir seu sustento. Além disso era um bêbado raivoso. Muitas vezes retornava de suas noitadas embriagado e batia na esposa e nos dez filhos, sobretudo Peter, que era o mais velho.
Seu pai era um homem sádico, além das surras violentas, se deleitava forçando os filhos a assistir ele fazer sexo com a mãe. Com os frequentes abusos, Peter começou a fugir de casa aos oito anos. O garoto ficava na escola até que o mandassem embora ou se escondia na floresta onde ficava sozinho por dias. Durante esse período se sustentava roubando nas feiras e mercados da cidade. O menino foi pego repetidas vezes e devolvido ao pai que retribuía suas fugas com surras cada vez mais brutais. Em uma dessas o deixou tão ferido que foi preciso interná-lo num hospital.
Através da violência, Peter desenvolveu uma predisposição para retribuir da mesma maneira. Ele sentia que a violência era a única forma de interagir com o mundo e desejava causar às pessoas a mesma dor que sentia. Na tenra idade de nove anos, ele teria cometido seu primeiro assassinato. Peter e seus amigos costumavam brincar nas margens do Rio Monhaim, construíndo jangadas com troncos para flutuar na água. Um dia, ele e dois amigos saíram para brincar, mas em determinado momento Peter foi tomado de um pensamento perverso que dominou suas ações. Ele empurrou na água um dos meninos, sabendo que ele não sabia nadar. O outro prontamente tentou puxa-lo de volta para a jangada, mas Peter também o empurrou. Em seguida, usando um remo ele impediu que os dois voltassem para a embarcação. Os dois acabaram se afogando. Peter sentiu uma estranha satisfação, diferente de tudo que havia experimentado até então. Aquilo lhe dava um poder especial que ele jamais havia sentido.
O assassinato ensinou a ele uma lição valiosa: matar não era apenas excitante, mas fácil. Assim como era fácil escapar das consequências de seus atos. O jovem Peter alegou que as mortes foram decorrentes de um trágico acidente e ninguém duvidou dele.
As mortes deixaram o jovem Peter Kurten cheio de confiança para tentar novamente.
Um ano mais tarde, ele e um amigo navegavam novamente em uma jangada improvisada. Dessa viagem apenas Peter retornou, contando de forma muito convincente que o colega havia caído nas águas e levado pela correnteza sem que ele pudesse fazer qualquer coisa. O acontecido levantou algumas suspeitas, mas ninguém chegou a acusar o menino formalmente. Seria monstruoso demais...
No ano seguinte, quando Peter tinha 11 anos, a família decidiu se mudar para uma cidade maior onde poderiam encontrar melhores condições de vida. Decidiram se estabelecer em Dusseldorf, uma metrópole às margens do Reno, lá o pai encontrou emprego como metalúrgico. Mas apesar disso, todos continuavam sendo vítimas dos abusos do patriarca da família. Adicionando um componente sexual a sua rotina, o pai passou a violentar uma das filhas de 13 anos, conduta que eventualmente o levou a prisão em 1897.
Dusseldorf desempenhava um sentimento conflitante na mente perturbada do rapaz. Ele se sentia mais livre do que nunca em um ambiente enorme e populoso, mas ao mesmo tempo, sentia que havia algo maligno na cidade. Uma presença invisível que ele alegava compelir suas atitudes e moldar seu comportamento cada vez mais limítrofe. Kurten contaria mais tarde que a cidade exercia sobre ele uma força quase sobrenatural, como se ela o forçasse a se tornar o assassino apelidado de Vampiro em face de seus atos hediondos.
Com o pai condenado por incesto, coube a Peter, o mais velho, sustentar os demais. Ele conseguiu um emprego na mesma indústria e desempenhava o papel de aprendiz. O adolescente, entretanto era estranho e impopular, preferia ficar sozinho, não se misturava com ninguém e guardava para si suas próprias fantasias. Estas iam muito além dos sonhos e da curiosidade natural sobre garotas. Peter havia desenvolvido uma fixação por animais e visitava as estrebarias em busca de cabras e ovelhas. A bestialidade concedeu algum alívio para suas fantasias doentias, mas logo aquilo começou a se tornar cansativo. Peter precisava de algo mais do que o sexo com animais, e ele acabou encontrando esse "algo mais" através da violência. A tortura era muito mais gratificante e ele começou a ferir e mutilar os animais da fazenda. Posteriormente Peter conheceu um vizinho que tinha por ofício apanhar cães de rua. Ele se juntou ao homem em uma rotina que envolvia torturar os animais capturados e eventualmente matá-los com requintes de crueldade.
O sadismo deu um novo ânimo ao rapaz e isso o levou de volta às fazendas. Em dado momento em meio ao ato sexual, ele apunhalou uma ovelha com uma faca. O sangue quente escorrendo da garganta e os balidos frenéticos do animal lançaram uma onda de energia que o deixou extasiado. Peter descobriu que o sofrimento era o elemento que faltava, e aquele que o deixava mais excitado. Dali em diante ele ligaria para sempre o prazer sexual com o sangue de seus parceiros. Nenhum prazer poderia ser obtido sem um componente sangrento.
Eventualmente, o pai de Peter Kurten foi solto da prisão, retornando ainda mais violento do que antes. Mas Peter estava perto de completar a maioridade, e assim que atingiu 18 anos, roubou dinheiro da fábrica e da família, fugindo sem pensar duas vezes. Peter se estabeleceu no vilarejo de Cobling, vivendo com uma prostituta, dois anos mais velha que ele. O rapaz deu início a um relacionamento baseado no abuso, semelhante ao que o pai infligia na família. O prazer só era atingido mediante tortura e sadismo que se tornavam cada vez mais intensos. Em dado momento, ele foi longe demais e acabou sendo denunciado pela namorada.
Peter foi detido em 1903 e em seguida expulso de casa. Vivendo nas ruas, ele começou a roubar para se sustentar e acabou sendo preso e condenado por furto. Enviado para uma prisão em Dusseldorf, Peter conheceu vários prisioneiros que haviam sido condenados por crimes graves e se tornou amigo de assassinos e estupradores com quem dividia histórias. Ele ouvia com atenção as narrativas detalhadas que alimentavam suas fantasias doentias.
Quando enfim foi libertado, Peter estava ansioso para colocar em prática aquilo que havia ouvido. Uma de suas curiosidades era à respeito de arsonismo, um crime que ele ainda não havia tentado. Logo ao ser liberado da cadeia ele incendiou um galpão, sentindo enorme satisfação ao ver as chamas dançando e devorando a estrutura de madeira.
Pouco tempo depois, Peter procurou alguma atividade onde pudesse se enquadrar. Ele acabou se alistando no Exército, sendo mandado para treinamento na França. Mas obviamente, a vida dura de recruta não o agradou e ele acabou desertando. Sua transgressão acabou sendo descoberta após nova prisão por roubo, o que acarretou em uma pena de oito anos numa severa prisão na Alemanha. Durante o cumprimento de sua pena, Peter se envolveu em muitas brigas, sendo mandado para a solitária repetidas vezes. Numa cela pequena e escura ele se desesperava, tendo como único alívio as memórias de seus crimes e as fantasias perversas que desejava realizar. Na solidão total ele sentia algo crescendo, um ódio e um ressentimento que não cabia em seu peito.
O assassino estava no último estágio de gestação.
Aos 30 anos, Peter Kurten enfim foi libertado e ansiosamente colocou em ação um de seus sonhos. Ele invadiu uma casa na sua cidade natal em Monhaim com o plano de roubar o lugar, mas se deteve ao encontrar os membros da família dormindo em seus quartos. Ele se interessou especialmente por uma menina de 10 anos chamada Kristin Klein e foi até sua cama. Ele passou alguns momentos observando a criança, pensando no que fazer e em seguida deixou seus instintos assassinos virem à tona. Peter a esganou com as mãos, mas foi só quando produziu uma faca e cortou seu pescoço que se sentiu plenamente realizado. A visão do sangue vertendo da ferida fez com que ele sentisse alívio sexual imediato.
No dia seguinte Peter assistiu a polícia investigar a cena do crime, acompanhou a família no enterro e até visitou a sepultura na calada da noite. Estar perto da sua vítima o deixava excitado. Peter não foi considerado suspeito e se sentiu livre para prosseguir em seus experimentos com assassinato. Ele arranjou um pequeno machado e usando essa arma, vagava pela cidade em busca de alguma vítima. Seu método de ataque era sempre o mesmo, ele carregava a arma escondida em um saco, se aproximava por trás e desferia um golpe certeiro no crânio da pessoa. Homens, mulheres ou crianças... ele não escolhia as vítimas, atacava sempre que surgia a oportunidade e fugia. Peter também se dedicava a incendiar prédios e casas, escondendo-se na mata para ver os lugares ardendo. Tanto os ataques quanto os incêndios despertavam um furor sexual, mas ele sentia que precisava mais do que aquilo - ele ansiava por proximidade com suas vítimas.
Kurten escolheu sua vítima seguinte com cuidado, uma jovem de 17 anos chamada Gertrude Franken. Ele arrombou a porta da frente da casa e se esgueirou até o quarto da garota observando-a dormindo tranquilamente. O monstro não perdeu tempo e agiu, apertando a garganta dela até partir seu pescoço - ela não teve a chance de gritar. Excitado ele saiu do quarto alegremente.
Peter continuou explorando a região, produzindo incêndios criminosos até ser capturado pela polícia. Ele acabou sendo mandado novamente para a cadeia, cumprindo pena de seis anos numa prisão militar ao lado de outros desertores, assassinos e facínoras que cometeram crimes na Grande Guerra. Peter se deleitava com as histórias de veteranos embrutecidos que descreviam os cadáveres, o horror e a violência das trincheiras. Ele desejava ser liberado para lutar, mas os médicos julgaram que seria uma temeridade dar uma arma a um sujeito tão problemático.
Quando ele foi solto em 1920, a Guerra havia terminado e a Alemanha estava despedaçada. Ele se mudou para Altemberg onde tencionava reconstruir sua vida ao lado da irmã que lhe deu acolhimento. Peter conseguiu um emprego estável e chegou a casar, construindo uma fachada de homem sério e cidadão exemplar. Em 1925 ele convenceu a esposa a mudar para Dusseldorf. Peter contou mais tarde que ainda sentia que alguma força na cidade o chamava, quase que como um canto sedutor para que ele retomasse sua rotina criminosa. Em Dusseldorf ele experimentava sonhos alucinantes em que praticava assassinato, estupro e tortura. Ele acordava banhado de suor, agarrando a esposa, a agredindo repetidas vezes como se fosse uma continuidade de seus sonhos febris.
Kurten acreditava que os espíritos malignos ou o demônio em pessoa o tentavam. Queriam que ele espalhasse violência pela cidade. Ele eventualmente acabou cedendo a esses anseios e buscou mulheres que aceitavam se sujeitar às suas vontades hediondas. Ele também deu vazão a uma onda de incêndios criminosos em fazendas e celeiros da cidade, tentando até atear sem sucesso fogo a um orfanato com o intuito de ouvir os gritos de crianças inocentes. Apesar de ainda fantasiar com assassinato, ele não havia matado ninguém em mais de uma década. Mas isso estava prestes a mudar.
No fatídico ano de 1929, a situação econômica em Dusseldorf se deteriorou a ponto de deixar a maioria das pessoas sem emprego e famintas. Era a Grande Depressão que havia se instalado no mundo todo. Não se sabe ao certo se foi o stress social ou algum outro fator particular que despertou novamente a sanha assassina de Kurten, mas ele estava prestes a iniciar o período mais sanguinolento de sua carreira homicida.
Ele começou a vagar pelas ruas escuras de Dusseldorf ouvindo a voz sedutora de seus muitos demônios internos garantindo que a sensação de matar era a mais doce de todas. Em uma noite particularmente propícia, iluminada por um céu avermelhado, que ele julgou ser um sinal, Peter Kurten deu início a mortandade que colocaria seu nome no rol dos assassinos mais perversos da história.
Ele seria para sempre o Vampiro de Dusseldorf.
Mas esse é assunto para a continuação desse artigo.
Nunca tinha ouvido falar desse serial killer
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