terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Quebrando Convenções - Oito ideias para adaptar Vampirismo no Horror Cósmico

 

Vampiros estão entre os monstros mais conhecidos do Horror Gótico.

Eles são protagonistas em incontáveis romances, inúmeras histórias e contos, quadrinhos, RPG, isso sem contar filmes e seriados de televisão.

Diante de tudo isso é virtualmente impossível ignorar tudo o que sabemos sobre vampiros. Todos sabem como eles surgem, todos sabem como eles se alimentam, onde eles dormem, o que os fere, quais seus poderes e qual é a melhor maneira de destruí-los.

Fazê-lo não é fácil, mas o acesso às informações já ajuda muito.

Em uma campanha basta mencionar a descoberta de um corpo cujo sangue foi drenado para que os jogadores desconfiem do culpado. Basta envolver na investigação um nobre do Leste Europeu com mãos frias e palidez para que o grupo deseje investigar seu porão em busca de um caixão. Uma coisa leva a outra e antes que o Guardião possa dizer "Nosferatu" os personagens estão armados com alho, estacas, cruzes e todo o resto.

Não é justo!

Com o intuito de mudar um pouco o panorama, que tal dar uma repaginada nas características dos vampiros e fazer deles algo diferente mais de acordo com cenários envolvendo os Mythos?

Antes de ser acusado de heresia por mexer em conceitos consagrados, deixe eu me defender dizendo que essas são tão somente sugestões. Use tudo, use uma parte ou não use nada em sua mesa de jogo.

1 - Porque mortos vivos?


Antes de mais nada que tal romper com a velha máxima de que vampiros são mortos vivos?

É até razoável entender que para o mundo antigo, vampiros fossem vistos como seres sobrenaturais, mas que tal pensar mais além? O vampirismo pode ter sido encarado como uma condição sobrenatural pelos povos da antiguidade, tão somente, pela ausência de um conhecimento científico avançado o bastante para enquadrá-lo de outra forma.

E todos sabemos que aquilo que não dispunha de explicação era tratado como obra do sobrenatural.

Hoje a ciência médica é capaz de diagnosticar e explicar doenças incomuns que no passado eram encaradas como manifestação inequívoca de demônios, espíritos e demais seres sobrenaturais. Até o século XVIII, a epilepsia era vista como uma forma de possessão demoníaca que afligia o indivíduo causando surtos incontroláveis. O mesmo valia para casos graves de esquizofrenia onde as vozes em sua mente, na falta de melhor explicação, eram atribuídas ao diabo.

Indivíduos acometidos por doenças raras como Porfíria podem muito bem ter sido associados ao Mito do Vampirismo. A Porfiria é uma doença que se caracteriza justamente pela palidez, pela sensibilidade a luz solar e pelo surgimento de lesões desfigurantes na pele. Para as mentes ignorantes e sobretudo para os supersticiosos era mais fácil recorrer ao sobrenatural e explicar aquilo como uma manifestação sobrenatural.

A ciência mudou tudo isso e hoje entendemos a porfíria como um distúrbio enzimático. E quanto ao vampirismo?

Não seria mais fácil encarar o vampirismo de um ponto de vista científico ao invés de explicá-lo como algo sobrenatural?

Talvez o vampirismo seja um distúrbio grave que ataca o sangue: um vírus ou um patógeno que altera as funções vitais e se aloja no organismo como um hospedeiro que passa a controlar as funções, reduzindo o metabolismo à atividade quase inexistente ocasionando outras características que convencionamos chamar de vampíricas. Como toda doença, ela é passível de transmissão, apresenta sintomas e pode muito bem ter uma cura.

Encarar o vampirismo como uma doença não é uma idéia nova. O clássico romance "I am Legend" de Richard Matheson (que deu origem ao recente filme com Will Smith) trata de uma epidemia que dizima a humanidade e transforma as vítimas em seres selvagens que temem a luz do sol. O livro foi escrito em 1954 e é uma visão científica do Mito do Vampirismo. Mais recentemente o cineasta Guilhermo Del Toro, co-escreveu o romance "Noturno" em que vampiros se empenham em disseminar uma doença em Nova York, doença essa que nada mais é além do vampirismo.

Para o mundo de Chamado de Cthulhu posso imaginar o vampirismo como algum tipo de doença surgida a partir de algum Grande Antigo. Possivelmente pelo já citado Yibb-Tstill entidade cujo sangue é partilhado pelos cultistas em seus rituais. O sangue negro pode ser o catalizador de uma transformação em seres humanos que passam a apresentar características semelhantes a dos lendários vampiros.

2 - De onde vem os vampiros?


A explicação clássica é que vampiros surgem quando um outro vampiro se alimenta do sangue de um humano por três vezes. Alternativamente um vampiro "nasce" quando um vampiro interessado em transformar sua vítima a alimenta com o sangue de suas próprias veias.

Uma explicação simples é que a mordida do vampiro transmite algum tipo de substância presente na saliva que em contato com a corrente sanguínea desencadeia a transformação. Essa seria uma explicação científica satisfatória, mas podemos recorrer a outras.

O vampirismo pode muito bem ser um estado atingido a partir da força de vontade férrea. Uma condição em que o indivíduo atinge um domínio sobre suas funções vitais e transcende a própria morte. Na Idade Média existia a lenda dos Ravenants (desculpe não me ocorre uma tradução adequada). Os Ravenants eram seres que retornavam dos mortos para ajustar as contas com aqueles que os haviam assassinado. Segundo a lenda esses seres eram dotados de um ódio sobrenatural que animava seus corpos e permitia que eles andassem novamente para cumprir sua vingança.

Talvez a fagulha que anima um vampiro seja esse desejo de continuar vivendo, mesmo depois da morte física.

Em uma conhecida campanha de Chamado de Cthulhu, um dos principais vilões é um terrível vampiro. Em vida ele foi um sacerdote das selvagens tribos dos Scythians que habitavam o Oeste da Rússia e o entono do Mar Negro. Em algum momento ele foi assassinado por rivais dentro da própria tribo, mas a morte não conseguiu arrefecer sua fúria e ele retornou... como um vampiro.

Eu gosto desse conceito metafísico: o ódio, as emoções, os conflitos e as paixões continuam ativos no indivíduo mesmo quando a vida o abandonou e ele retorna para continuar sua sina.

3 - O Efeito purificador da Luz do Sol


O dogma sobre vampiros diz que a luz do sol é a arma mais eficiente para destruir um vampiro de uma vez por todas. O sol consome vampiros, purificando o mundo da presença desses seres da escuridão, condenando-os a uma existência numa noite eterna.

Mas essa noção é mais recente do que se pode imaginar. Nem sempre os vampiros foram destruídos pelos raios do sol e nem sempre sua pele pálida foi incendiada quando exposta diretamente a ele.

Na verdade, nem mesmo no romance que é a quintessência do tema, Drácula de Bram Stoker, o vampiro do título é afetado pelo sol. O Conde era imune ao sol, a exposição a ele apenas limitava consideravelmente seus poderes. Drácula era até capaz de dar uma volta por Picadilly Circus durante o dia em sua visita a Londres Vitoriana.

Da mesma forma, vampiros em Call of Cthulhu não precisam necessariamente ser afetados pelo sol ou a gravidade da exposição direta não precisa acarretar em efeitos tão dramáticos. Vampiros talvez se sintam incomodados pelo sol ou por luzes fortes, mas esse incômodo não é o bastante para causar sua destruição.

Vampiros podem ser encarados como seres de hábitos noturnos, predadores que caçam apenas quando o sol se põe e que se aproveitam da escuridão em benefício próprio, mas que não são afetados por ela. Fazer com que suspeitos de vampirismo sejam vistos andando de dia é uma excelente maneira de despistar jogadores.

4 - Onde dormem os Vampiros?


Folclore Romeno institui que vampiros precisam descansar em seu solo natal. Drácula quando viaja para a Inglaterra ordena que seus servos ciganos escavem e estoquem uma enorme quantidade de terra das fundações de seu castelo na Transilvânia. A estranha carga é levada com ele para a Abadia de Carfax, local onde ele passa a residir.

Mais recentemente, vampiros passaram a dormir em caixões de madeira sempre mantidos em porões ou nas profundezas de uma masmorra.

Eu gosto do mito romeno, vampiros estabelecendo uma íntima ligação com o solo, não necessariamente com o solo natal, mas com o chão. Vampiros se enterrando para descansar e cavando sua saída quando a noite chega, evoca a lendária aura do monstro morto vivo. Posso imaginar em Chamado de Cthulhu as mãos de um vampiro saindo do solo para agarrar as canelas de um infeliz investigador que inadvertidamente pisava sobre seu local de descanso.

Fica também a questão, por que os vampiros precisam descansar, sobretudo se levarmos em conta que nem todos eles seriam afetados pela luz do sol.

Talvez vampiros precisem de um tempo de hibernação, talvez eles só se tornem ativos de tempos em tempos e passem a maior parte de sua existência ocultos sob a terra, despertando para se alimentar, espalhar o caos e depois dormir por alguns anos, décadas ou mesmo séculos.

A ideia de um monstro sobrenatural despertando de seu confinamento sob a terra para se alimentar de tempos em tempos é bastante atraente.

5 - Sede de Sangue?


Parece ser um consenso que vampiros carecem se sangue para existir. A associação do sangue com vampiros provavelmente decorre da mesma associação de sangue com a vida. Para os antigos, o sangue simbolizava a vida, portanto vampiros ao drenar o sangue drenavam a vida de suas vítimas e assim podiam perpetuar sua existência.

Mas drenar o sangue pode ser apenas uma analogia para algo muito mais sinistro.

Vampiros em Chamado de Cthulhu podem se alimentar da força vital de suas vítimas. A parapsicologia reconhece a figura dos Vampiros Psíquicos, embora o termo e a definição ainda não tenham sido plenamente aceitos cientificamente. Vampiros psíquicos são indivíduos que se alimentam da força de vontade, da motivação e da própria energia de outros indivíduos. Ele não se alimenta fisicamente, como o vampiro clássico, ao invés disso drena as energias vitais de sua vítima através de sua força vontade, esgotando a vítima a medida que se fortalece.

Na década de 30 a ocultista Dion Fortune, escreveu "Psychic Self-Defense" um tratado a respeito de vampiros psíquicos e como se defender de sua atuação. O termo "Vampirismo Psíquico" se tornou popular novamente na década de 60, quando o polêmico líder da Igreja de SatãAnton LeVey, escreveu a respeito na sua Bíblia Satânica. LeVey afirmava ser capaz de empregar sua força de vontade para drenar a energia vital de outras pessoas com o intuito de submetê-los aos seus comandos. Ele também dizia ser capaz de aniquilar uma pessoa psiquicamente e levá-la a ruína e até a morte.

Outro termo interessante é Vampiro de Energia. Segundo a teoria, energia (a força vital que possibilita a vida) pode ser transferida de uma pessoa para outra. Um vampiro de energia seria um indivíduo cuja força vital se encontra perpetuamente em desequilíbrio e que para viver precisa drenar a energia dos que estão à sua volta. O vampiro de enegia por vezes nem se dá conta de sua atuação, mas quando o faz conscientemente arruina vidas e leva suas vítimas ao desespero.

Vampiros também podem buscar outras fontes de sustento no corpo humano além de sangue.

fluído espinhal ou líquido céfaloradiquiano, por exemplo é uma substância que rege o equilíbrio neurológico do cérebro. Um vampiro poderia necessitar justamente dessa substância, utilizando uma espécie de ferrão para perfurar a base do crânio e inserir ali um tubo coletor a fim de sugar o precioso líquido. Da mesma forma vampiros podem predar o fluído estéril produzido no interior da medula óssea ou mesmo alguns tipos de hormônios.

6 - Dos Poderes e Capacidades do Vampiro


O vampiro clássico dos romances góticos possui poderes sobrenaturais e faz uso deles para atacar suas vítimas e se proteger de seus inimigos. É um oponente implacável para aqueles que ousam ficar em seu caminho.

Na Idade Média era consenso que o vampiro tinha a força de vários homens e que era capaz de suportar os mais graves ferimentos. A base para esse poder seria uma espécie de pacto demoníaco do vampiro com as forças mais negras do inferno. Um vampiro era um seguidor do demônio e como tal detentor de seus poderes.

Com o passar do tempo, vampiros foram recebendo diferentes poderes e capacidades além da já mencionada força e resistência.

Vampiros se tornaram capazes de se transformar em animais, sobretudo predadores como o lobo. O leque de opções só fez crescer e logo vampiros podiam tomar a forma de morcegos, aves de rapina, gatos, ratos e até tigres. Vampiros sempre foram associados ao lado bestial, animalesco do ser humano e portanto nada mais justo que extrapolar essa relação, tornando possível ao vampiro assumir a forma de bestas selvagens.

Não apenas tomar a forma do animal, os vampiros também podiam dominar os animais e obrigá-los a obedecer as suas ordens como seus verdadeiros mestres. Em Nosferatu, o filme de Murnau de 1928, o tétrico Conde Orlok era capaz de controlar milhares de ratos criando uma praga de roedores que assolava Bremen. Drácula por sua vez ouvia o lamurio dos lobos e se referia a eles como "crianças da noite".

Mas não apenas animais estavam sob o domínio do vampiro. Os poderes do vampiro incluíam hipnotismo e domínio de mentes mais fracas. Na maioria das vezes o vampiro usava esses poderes para quebrar a vontade de suas vítimas fazendo com que elas se sujeitassem a eles, se entregando sem resistir. Vampiros aptos a dominar pessoas até a servidão, como era o caso de Reinsfield ou dos Ciganos da Transilvânia em Drácula, também encontra lugar no mito clássico.

Vampiros em Chamado de Cthulhu podem ter uma série de poderes além dos consagrados pelo gênero gótico.

Assumir forma de névoa é um poder não tão disseminado pelo mito clássico, mas que poderia ser bastante interessante em um cenário de horror. Da mesma forma a capacidade necromântica de animar os mortos e fazer com que restos se movam e/ou obeçam ordens básicas pode ser empregado para gerar serviçais leais. Um vampiro talvez pudesse ser capaz de induzir sonhos ou pior ainda, causar pesadelos em suas vítimas, drenando assim a resistência e a própria sanidade daquele que escolheu atormentar.

Isso tudo sem mencionar a possibilidade de um vampiro se tornar um cultista e aprender magias e rituais dos mais tenebrosos.

7 - A Aparência do Vampiro


O vampiro atual apresenta uma aparência normal, podendo se misturar a população e caçar em meio a sociedade humana sem ser detectado. Um vampiro só é reconhecido como tal quando deixa à mostra suas presas, os caninos estendidos, que são usados para se alimentar.

Essa imagem moderna dos vampiros aceita até o fato de vampiros serem indivíduos sociáveis: Dotados de refinamento e charme. Os vampiros que dominaram a cultura popular contemporânea são seres sedutores que em nada remetem a sua condição de não-vida.

Mas é claro, nem sempre foi assim. Vampiros das lendas originais são tudo menos dândis sedutores, muito pelo contrário, eles eram monstros e sua aparência refletia a bestialidade de sua alma. O temor do vampiro era plenamente justificado pela sua aparência cadavérica. Vampiros no Leste Europeu eram mortos vivos no pior sentido da palavra: exalavam o fedor da sepultura, seus cabelos eram desgrenhados e assim como as unhas, cresciam mesmo após a morte, a pele pálida e fria se esticava sobre os ossos como num tambor. Os olhos assumiam uma coloração injetada de sangue, o nariz se tornava curvado como um gancho e as orelhas pontudas. Na boca, as presas caninas cresciam e se tornavam cada vez mais pontiagudas, seu hálito era quente e nauseante.

Vampiros por vezes eram associados diretamente a animais, e compartilhavam com eles características comuns, como era o caso dos vampiros que segundo o mito se transformavam em lobos. Enquanto humanos esses indivíduos tinham cabelo corporal em profusão, sobrancelhas unidas e olhos que faiscavam à luz da noite.

O exemplo mais clássico de vampiro com características animais é sem dúvida o repulsivo Conde Orlock de Nosferatu. Sua aparência remete a de um enorme rato, igual aqueles que ele comanda a infestar Bremen. Mesmo as presas de Orlok não são dentes caninos, mas a semelhança dos roedores se projetam do meio da boca.

Para vampiros envolvidos com os Mythos, ou que deles se alimentam, nada mais justo que apresentarem características medonhamente inumanas. Um vampiro que se alimenta do sangue de carniçais poderia ter o focinho destas criaturas e pés em forma de cascos fendidos. Outro que preda constantemente de híbridos dos abissais se torna pouco a pouco uma aberração, semelhante aos monstruosos peixes das profundezas.

Mais tenebroso ainda é imaginar as transformações às quais estariam sujeitos os vampiros que se alimentam do sangue dos antigos.

Nada impede é claro que vampiros tenham uma aparência humana convencional, mas me parece bastante interessante fazer com que eles possam se tornar monstros quando seus instintos vem a tona, espalhando terror e insanidade por onde passam.

8 - Caçando (e destruíndo) Vampiros


Caçar e erradicar vampiros talvez sejam as tarefas mais perigosas de que se tem notícia.

Vampiros são criaturas maliciosas e cheias de astúcia que colocam sua sobrevivência acima de tudo. Eles levam vidas secretas e discretas, saíndo apenas raramente de seu confinamento a fim de não chamar a atenção.

Nos velhos tempos, contudo, vampiros eram seres errantes, que vagavam pelos vilarejos da Europa rural em busca de vítimas em regiões isoladas. Suas vítimas eram atacadas com rapidez, o monstro se alimentava, dormia e partia para o próximo vilarejo, deixando para traz apenas cadáveres e rumores. Em uma época de superstição, vampiros eram um perigo constante. Qualquer perturbação no status quo, podia ser atribuída a ação de um desses monstros sanguinários. E isso obrigava as pessoas a pegar em armas e dar início a caçada ou ainda contratar quem o fizesse.

Caçar vampiros era um ofício na Europa Medieval e erradicar o mal se converteu em uma cruzada abraçada com igual empenho por mártires e oportunistas.

Diz a tradição que vampiros podem ser afetados por vários itens especiais. Estacas guiadas através do coração, alho, cruzes e outros símbolos sagrados, espelhos, água corrente, prata... o que não falta, é munição no arsenal do caçador de vampiros. Mas até que ponto essas coisas são realmente mortais para o vampiro?

Estacas já se mostraram ineficazes contra vampiros realmente antigos que simplesmente às arrancam do peito. Não é algo simples atravessar um coração de lado a lado com um pedaço de madeira, é necessário ter algum conhecimento de anatomia e experiência. E convenhamos não se aprende a empalar pessoas com estacas em qualquer lugar. Prata segundo as lendas é um metal que fere os vampiros, contudo se a prata não for pura, o vampiro sentirá apenas um incômodo. Símbolos sagrados também podem ser empregados para afastar os vampiros, mas eles são úteis apenas se aqueles que o portam tem fé naquilo que representam, uma pitada de dúvida e tudo estará perdido.

Como se pode ver, embora o estoque de armas seja grande, nem todas elas são à prova de falhas.

Além das dificuldades inerentes de matar um vampiro, existe ainda o problema que eles não estão dispostos a se render sem luta. Caçar um vampiro é uma missão perigosa da qual nem todos os caçadores retornam ilesos.

Talvez a arma mais confiável para enfrentar um vampiro sejam magias e rituais ancestrais. Perder algumas horas para pesquisar em bibliotecas ou nos registros de uma Igreja pode ser a diferença entre o sucesso na empreitada... ou a morte! O conhecimento e a sabedoria do passado não raramente se apresentam como um recurso essencial para vencer essas criaturas. Uma peça de informação contida em um antigo livro ou escrita pelas mãos trêmulas de uma testemunha num pergaminho pode ser mais valiosa que uma afiada estaca de carvalho ou mesmo um lança chamas.

Se vampiros estiverem de alguma forma associados aos poderes dos Mythos, a batalha se torna ainda mais épica. Um vampiro em conluio com os Mythos ancestrais desenvolve características e imunidades que o diferenciam do restante de sua raça e o tornam ainda mais letal.

Em todo o caso lembre que uma coisa nunca muda: vampiros são cruéis e ardilosos. Enfrentá-los deve ser uma experiência assustadora e destruí-los é um feito apenas para os maiores heróis.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Nosferatu - Resenha do grande filme de terror do ano

Vou começar essa resenha com uma constatação. Quando se trata de filmes de terror, eu não me assusto facilmente. Não estou me gabando sobre minha suposta bravura; mas é fato que ao longo dos anos e de inúmeros filmes assistidos, sinto que ganhei certo grau de resistência. Eu cresci cercado por filmes de terror, e sou tão devoto ao gênero que me sinto imune ao seu poder bruto. Eu amo terror — é um dos meus gêneros favoritos — mas raramente fico assustado quando assisto a um filme de terror. Então, quando um filme realmente me causa arrepios, eu considero isso algo digno de nota. 

Entra em cena "Nosferatu" do diretor Robert Eggers, um filme que me arrepiou e fez meu coração bater mais rápido. Eu senti que isso poderia acontecer e tomei a decisão acertada de assistir esse filme no cinema: no escuro, com som potente e mergulhando na trama, absorvendo cada detalhe. Esse não é um simples filme de terror, é um acontecimento.   

O diretor fez algo especial aqui: produziu um filme fantasmagórico, gótico e macabro como há muito não era realizado. A obra é ainda mais impressionante devido ao fato de que Eggers não está exatamente pisando em terreno novo aqui — ele está refazendo o clássico filme mudo de F. W. Murnau, que foi, é claro, fortemente (e ilegalmente) influenciado pelo maior clássico de vampiros de todos os tempos, "Drácula". A abordagem de Eggers se mantém bastante próxima aos eventos do filme de Murnau e do romance de Bram Stoker, e ainda assim, o cineasta cria algo que nunca parece uma repetição ou uma regurgitação dos elementos. O resultado é impressionante, com cenas belíssimas e doentias, imagens perturbadoras e uma aura sufocante de medo.

Eggers, que dirigiu "A Bruxa", "O Farol" e "O Homem do Norte", é um cineasta aparentemente obcecado pelo passado. Todos seus filmes, incluindo "Nosferatu", estão firmemente enraizados em eras passadas, em uma busca pela visão de uma determinada época da forma mais fiel possível. Soma-se a isso um talento especial para criar uma sensação de autenticidade. Não sou historiador, então não posso comentar sobre o quão "precisos" os filmes de Eggers são, mas tudo ali parece incrivelmente correto, pesquisado, transbordando autenticidade. 

O diretor é habilidoso em contar histórias que têm um senso tangível de realidade. "Nosferatu", como todos os filmes anteriores de Eggers, não parece uma recriação — realmente parece que estamos de alguma forma observando o passado. É o equivalente a abrir uma janela para outra época. A trama se passa em 1838, com figurinos, cenários e ambiente nada menos do que deslumbrantes gerando um mundo frio e estéril. Aliás, o filme é impecável em cada quesito técnico.

Mas e quanto à história? 

Bem, se você viu o "Nosferatu" original, ou o remake de Werner Herzog de 1979, ou ainda, qualquer adaptação de "Drácula", estará familiarizado com a trama: um vampiro antigo e estrangeiro tem como alvo um grupo de personagens jovens, trazendo morte e destruição para todos que cruzam seu caminho. Mas Eggers encontra maneiras eficientes de contar essa história e usar a familiaridade como arma; esperamos que a história se desenrole de uma certa maneira, e ficamos surpresos quando as coisas seguem um caminho um tanto diferente. São pequenas mudanças, mas todas elas muito bem executadas. A trama segue sob uma atmosfera genuinamente sombria, com inúmeras cenas que se desenrolam sob a lógica de um sonho febril ou de um pesadelo surreal.

Quando "Nosferatu" começa, o ambicioso advogado Thomas Hutter (Nicholas Hoult) recebe a proposta de seu chefe, o obscuro Sr. Knock para viajar a trabalho e receber uma promoção. Ele deixa sua casa em Wiesburg na Alemanha com o objetivo de chegar até uma terra remota nos recessos da Transilvânia. Lá deverá fechar um acordo imobiliário com o misterioso Conde Orlok (Bill Skarsgård). A viagem é uma jornada através de um Leste Europeu imerso em superstição, costumes bizarros e folclore estranho. Quanto mais se afasta da familiaridade de sua casa idílica, mais Hutter sente estar avançando num ambiente perigoso e nefasto. A cena em que ele encontra um grupo de ciganos é carregada de estranheza e desconfiança esmagadoras.  

Mas o pior ainda está por vir! Ao chegar ao Castelo decrépito do Conde, nas Montanhas dos Cárpatos, o  advogado se vê diante de um pavor indescritível. Orlok não é um mero homem — ele é um vampiro antigo com sede de sangue... e mais. Seus planos são aterrorizantes e envolvem não apenas a perdição de Hutter, mas de tudo que ele ama e preza. Não é apenas sua vida que está em perigo, mas tudo que está ao seu redor. 

Skarsgård tinha um desafio e tanto quando aceitou esse papel. Orlok é um dos monstros mais icônicos do cinema, interpretado de forma memorável por Max Schreck, Klaus Kinski e outros ao longo dos anos. É o tipo do papel que consagra ou desgraça uma carreira. Em vez de recriar o personagem seguindo a fórmula de seus antecessores, o filme ousou reinventar o protagonista. 

A clássica aparência do monstro, com feições de roedor, que Schreck e Murnau empregaram tão efetivamente foi profundamente alterada para esse filme. Não vou estragar a surpresa, já que o marketing fez de tudo para mantê-lo em segredo, mas efetivamente a maquiagem transforma Skarsgård em algo sobrenatural e apropriadamente desumano. Empregando um sotaque profundo, imponente e gutural, Skarsgård desaparece completamente no papel e se transforma no personagem. Seu Orlok parece antigo; podemos praticamente sentir o cheiro dos séculos de podridão, mofo e corrupção sepulcral cobrindo sua carne macilenta.

Mais do que alterar a imagem icônica, o roteiro vai mais além ao estabelecer indícios de que o Conde sempre foi algo perverso, mesmo quando estava vivo. Praticante de artes negras e ciências proibidas, o personagem é o próprio mal encarnado, uma entidade que invoca uma aura de inenarrável força sobrenatural. Essa noção de tornar Orlock um ocultista calejado é um aceno às origens traçadas por Albin Grau que na obra original despejou sob o Conde uma série de elementos arcanos. Diferente do Drácula de Bran Stoker, o vampiro de Nosferatu é um feiticeiro de maldade irrefreável. Não há nada nobre nele. Nada de romântico. Ele não deseja a redenção, pois mesmo que ela estivesse ao seu alcance, não é esse seu objetivo. Orlock existe apenas para espalhar a morte, a doença e a destruição.  

A câmera e a fotografia mantêm Orlok imerso nas sombras — nunca temos uma visão clara dele, o que torna o personagem ainda mais misterioso. Ele é como um vulto que surge no canto dos olhos, uma sombra que desliza e que se mescla com a escuridão premente.

Orlok tem mais em mente do que simplesmente adquirir uma nova propriedade. Ele é atraído pela noiva de Hutter, a problemática e melancólica Ellen, interpretada de forma hipnotizante por Lily-Rose Depp. A protagonista feminina desempenha um papel muito mais importante nessa trama do que nas versões anteriores. Ela não é uma mocinha desamparada que aguarda ser salva pelos demais personagens, ao invés disso, ela tem maior compreensão do que está acontecendo a sua volta. Ela também tem um vislumbre do que precisa ser feito para derrotar a criatura monstruosa e qual o preço que deverá ser pago.  

A atuação de Depp é notável alternando fragilidade e força arrebatadora. Nas cenas em que o Vampiro tenta possuir seu corpo (e alma) ela se entrega a uma interpretação visceral que traduz o tormento pelo qual está passando, lutando não só contra Orlok, mas com seus próprios demônios internos. Depp se joga no papel literalmente, abraçando um componente físico perturbador. Quando ela é arrebatada pelo Conde, seu corpo reage violentamente, tentando expulsá-lo em espasmos frenéticos. A cena resultante é nada menos do que apavorante. 

Ellen e Orlok têm um tipo de vínculo que influencia todos os aspectos do filme. Um prólogo de abertura (novamente tétrico) mostra que Ellen aparentemente convocou essa criatura da noite por meio de suas próprias paixões inflamadas; um misto de luxúria e depressão simplesmente irresistível para o monstro. Ele literalmente a alcança através dos golfos do tempo e espaço para cumprir uma espécie de contrato firmado nos sonhos febris da jovem.

A jornada do navio que carrega o Conde e seu caixão através de mares escuros é memorável. As cenas de horror dos tripulantes expostos a um monstro morto-vivo que os caça são medonhas. Quando Orlok finalmente chega à Alemanha, traz consigo hordas de ratos e a peste. Ele é a morte personificada; um cadáver ambulante que se alimenta dos vivos. Aliás, Eggers faz o vampiro se alimentar de uma maneira diferente da tradicional mordida na jugular. 

Logo, todos ao redor de Ellen são colhidos no tormento e no horror, incluindo sua querida amiga Anna (Emma Corrin) e seu confuso marido, Friedrich (Aaron Taylor-Johnson) os dois ótimos. Todo filme de vampiro que se preze precisa de caçadores, o que traz o Dr. Sievers (Ralph Innerson, com seu vozeirão) à trama. Percebendo que o problema está muito além de seus talentos médicos, ele procura seu antigo professor, o alquimista Albin Eberhart Von Franz, interpretado com a pitada certa de insanidade pelo grande Willem Dafoe. Ele tem as melhores falas do filme, incluindo um trecho em que proclama: "Eu vi coisas que fariam Isaac Newton rastejar de volta para o ventre de sua mãe!"

Assim como o Conde, inclinado para o estudo do oculto, Von Franz, o equivalente a Van Helsing, é um estudioso das artes místicas, detentor de um conhecimento que quase destruiu sua carreira e o condenou a loucura e esquecimento. É ele quem irá buscar uma solução para a situação dramática dos protagonistas e também da cidade, arremessada para um caos de morte e doença desde a chegada do monstro.  

O roteiro trabalha muito bem a função de cada um desses personagens, simples mortais, que se chocam com o mal indizível representado pelo Nosferatu. Ninguém sairá desse confronto intocado e cada um deles sofrerá com o embate até o confronto final. 

Auxiliado por uma fotografia deslumbrante à luz de velas e por uma trilha sonora arrebatadora e trágica, Nosferatu causa uma espécie de overdose sensorial. O som é incrível tornando quase uma necessidade assistir em uma sala com som de alta qualidade - para ter a sensação de ouvir a voz do Conde como se ele estivesse sussurrando em seu ouvido. A trama oferece alguns sustos concebidos com a eficiência de efeitos práticos - pouco ou nada, foi criado digitalmente. O verdadeiro pavor, entretanto surge em meio ao caos em que tudo está imerso. Como a própria morte, Orlok parece inevitável e quando ele está na tela sua presença se mostra implacável. 

Eu já vi muitas adaptações de "Drácula", filmes e livros, conheço a história de cabo a rabo, mas "Nosferatu" conseguiu me pegar de surpresa e me desarmou totalmente. Ele é tão marcante que mesmo quando o filme acaba, mesmo quando acendem as luzes, as imagens ficam gravadas na sua mente. Não é exagero nenhum considerar "Nosferatu" não apenas um ótimo filme de terror, talvez o melhor da década, mas também, desde já, um dos melhores filmes do ano.

Trailer:

Poster:

 

domingo, 19 de janeiro de 2025

Vampiros e os Mythos de Cthulhu: Idéias para usar vampiros em Cthulhu.


Para muitos a combinação Vampiros e Entidades de Cthulhu não funciona. Afinal são tipos diferentes de monstros, sub-gêneros distintos dentro de um mesmo gênero, mas bastante afastados.

Os primeiros são criaturas clássicas dos romances de horror gótico, mortos-vivos que guardam uma estreita relação com a humanidade, vivendo em meio aos humanos e deles tirando seu sustento. De certa forma vampiros precisam dos seres humanos e sem eles não poderiam existir.

Já os Mitos de Cthulhu em sua maioria são abominações absolutamente inumanas. São entidades de enorme poder ou seres que na maioria das vezes não guardam qualquer relação com a raça humana. O horror por elas evocado vem justamente do fato delas serem totalmente distintas de nossa realidade e natureza essencial. Elas não demonstram qualquer interesse nos seres humanos, nós somos como meros insetos, fadados a desaparecer em uma data marcada pelo calendário cósmico.

Além disso há o fato de que vampiros são um terror mais mundano, algo enraizado em nossas lendas e folclore. Algo que é conhecido, embora não levado totalmente a sério. As pessoas sabem o que são vampiros, conhecem suas fraquezas, seus poderes e a forma mais apropriada de se livrar deles.

Já a respeito dos Mitos sabe-se muito pouco. O conhecimento dos Mitos está nas mãos de poucos estudiosos, cultistas ou indivíduos que cederam à insanidade. Na melhor das opções contido nas páginas de algum tomo ancestral difícil de ser interpretado e capaz de causar bem mais que uma mera dor de cabeça nos leitores que perscrutam suas páginas.

Então como relacionar Vampiros e Criaturas dos Mythos em uma mesma campanha ou mesmo em um cenário one-shot?

Eis aqui algumas ideias:

1 - O Mythos como Poder Supremo


Vampiros são seres que perseguem um ideal de poder. A imortalidade torna essas criaturas desejosas de consolidar a sua presença e sua influência sobre o mundo em que vivem (ok, "vivem" não é a melhor das palavras, mas enfim...). A existência (palavra melhor) deles é marcada por uma busca de significado e desejo de granjear influência sobre a sociedade na qual vivem à margem.

Trocando em miúdos: Vampiros tem sede de poder e o que vale para os poderosos Feiticeiros e Bruxos que se envolvem com os Mythos, sem dúvida vale para esses mortos vivos. Se os Mythos ancestrais são uma forma de ganhar poder, com certeza os vampiros irão explorá-la.

Vampiros tem uma série de vantagens ao se envolver com os Mythos.

Em primeiro lugar eles são imortais e tem todo o tempo do mundo para aprender rituais e magias ancestrais. Em segundo lugar, muitos deles estão por aí há séculos, alguns podem ter explorado as ruínas de velhas bibliotecas, conhecido feiticeiros lendários ou colecionado tomos e magias hoje esquecidas. Outros podem ser remanescentes de uma época em que o conhecimento dos Mythos era compartilhado pelos feiticeiros e xamãs primitivos. Em épocas mais iluminadas misticamente, eles podem ter obtido um vislumbre mais claro dessas entidades.

Finalmente, vampiros são seres sobrenaturais. Via de regra eles não possuem mais sanidade a ser perdida e passam a ver o mundo sob uma ótica distinta que lhes permite transitar com maior familiaridade em meio ao sobrenatural. Eles não são mais humanos e portanto não estão ligados aos pequenos dilemas e conflitos impostos pela condição humana.

Um vampiro que procura nos Mythos o Poder Supremo não se importa em sacrificar simples humanos ou servos para alcançar seus sórdidos objetivos. Para eles o que importa é ascender os degraus para um estágio superior.

2 - O Desejo de Transceder


Muitos se referem ao vampirismo como uma maldição.

A condição não natural de continuar existindo mesmo após a morte física e de ter que extrair dos vivos o sustento para perdurar. Trata-se de um estado limítrofe que ao mesmo tempo concede benefícios sobrenaturais, mas também promove graves limitações.

Pense bem: Vampiros tem a força de vários homens, mas segundo alguns mitos são incapazes de entrar em casas onde não tenham sido previamente convidados. Certas lendas mencionam que vampiros são capazes de hipnotizar e de mudar de forma, mesmo assim objetos religiosos consagrados fazem com que eles fujam em desespero. De todas as restrições a luz do sol é considerada a mais grave. Um vampiro exposto à luz do sol se desfaz em um monte de poeira.

Embora existam lendas sobre redenção, até onde se sabe o vampirismo é uma condição irreversível e inapelável.

Nesse sentido os Mythos talvez sejam a última esperança para que o vampiro se converta em algo diferente. Se existe algum poder no universo capaz de alterar essas probabilidades, esse poder reside nos Mythos. Vampiros podem buscam nos Mythos uma forma de eliminar ou ao menos diminuir suas fraquezas. Seja através de pactos, adoração, rituais ou magias algum poder pode alterar sua condição.

Alguns vampiros, no entanto, ambicionam algo mais. Desejam se converter em alguma coisa que transcende a condição na qual estão aprisionados eternamente. Em alguns casos os Mitos concedem esse benefício, mas a que preço?

3 - O Sangue é Vida


Existe uma relação direta entre sangue e vampirismo. Os mortos vivos são como parasitas, subsistindo do sangue dos vivos. O sangue concede a eles o sustento para sua existência sobrenatural.

Mas o que ocorre se o sangue humano é substituído por outra fonte?

A Mitologia Lovecraftiana é rica em raças e espécies que bem como os vampiros vivem nos recessos escuros ou em regiões ermas, distantes e ocultas da sociedade. Muitas dessas raças independentes são vivas e possuem energia vital que se traduz em sustento para os vampiros. Quais seriam os efeitos que o sangue de uma Raça dos Mythos teria na fisiologia dos mortos vivos? Quais outros poderes despertariam e quais sequelas aberrantes nasceriam dessa mistura profana?

Mais estranhas ainda seriam as implicações decorrentes do sangue dos grandes antigos.

Certas entidades dos Mythos são conhecidas por secretarem substâncias compartilhadas pelos cultistas como uma dádiva. Assim ocorre com o Leite Negro de Shub-Niggurath ou com o sêmen do Homem Negro um dos aspectos de Nyarlathotep. Mais flagrante é o exemplo da entidade chamada Yibb-Tstill, conhecido pelos seus seguidores como "O Sangue Negro" por verter de suas chagas uma substância semelhante a sangue, ingerida pelos seus cultistas nos rituais de sua adoração.

Só podemos supor o que aconteceria a um vampiro em contato com esse sangue alienígena e antigo.

4 - O Membro do Culto


Cultos e Sociedades Secretas se estruturam em uma pirâmide que contempla vários níveis de conhecimento e de comprometimento.

No topo encontram-se os Líderes do Culto, os indivíduos que comungam diretamente com as Entidades dos Mythos ou que ao menos conhecem o suficiente a respeito deles para criar ao seu redor uma espécie de religião. São estes líderes que obtém recursos para o culto, que recrutam novos membros e que seduzem os demais com promessas atrozes.

No extremo oposto, a base da pirâmide é ocupada pelos cultistas que devotam sua vida aos ensinamentos e que participam dos rituais como simples adoradores. Esses são indivíduos desesperados, párias da sociedade, destituídos de moral que são facilmente arrastados pelo desejo de participar de algo único e significativo. Na melhor das hipóteses esses cutistas são tratados como fonte de energia mística para alimentar os rituais, na pior eles se convertem em sacrifícios para alimentar as bestas famintas de além das esferas.

Entre esses dois grupos distintos encontram-se aqueles que ocupam uma região intermediária.

Eles não são os líderes do culto, contudo tampouco são simples peões sacrificados nas fogueiras e altares. Vampiros podem ser parte integrante de um culto nas mais variadas funções: desde necromantes que tiveram contato com antigos líderes, até conselheiros com a experiência acumulada pelos séculos, passando por assassinos especialmente treinados nos intrincados rituais de morte.

Vampiros são perfeitos para essa posição, sobretudo aqueles que tem uma dívida para com o líder do culto ou que são compelidos a servi-lo por algum forte motivo.

5 - O Líder do Culto


Um vampiro que encabeça um culto devotado aos Mythos talvez seja uma das ameaças mais terríveis existentes.

Os cultos por si só representam um perigo incomensurável, sobretudo quando eles são comandados por indivíduos destituídos de qualquer virtude, capazes de tudo para atingir seus objetivos, atributos bastante comuns nesses mortos vivos.

Vampiros são pacientes, eles não se importam de esperar anos, décadas, séculos para seus planos se concretizarem. Os Mythos de Cthulhu existem em uma sintonia diferente do restante da humanidade, as transformações e mudanças dessas criaturas não podem ser mensuradas pela passagem de meros anos, mas pelo transcorrer de milênios. Que outra criatura na Terra teria tempo para esperar esses planos germinarem além dos vampiros?

Que outras criaturas teriam a disposição de esperar pelos sinais adequados de que as Profecias estão prestes a se concretizar.

Há um consenso de que vampiros se tornam mais poderosos com o passar do tempo. Enquanto o vampiro envelhece ele continua acumulando conhecimento. Quantos livros dedicados aos Mythos um vampiro pode ler ao longo de sua existência? Quantas magias ele pode aprender? Quantos rituais ele pode conduzir?

Isso sem mencionar que um vampiro tem tempo para acumular recursos e ganhar ao longo de muitos séculos de adoração a benção dos Seres das Trevas.

Em resumo:

O melhor conselho que posso dar para envolver vampiros em sua Campanha dos Mythos é pensar nesses personagens primeiro como um indivíduo atraído pelas entidades. Definir qual a razão que o compeliu a se envolver com os Mythos e então inserir o fato dele ser um vampiro no contexto.

Vampiros são seres fascinantes, mas não são via de regra o foco de uma Campanha baseada nos Mythos. O interessante é visualizar o personagem como alguém envolvido com os Mythos que por acaso é um vampiro e não como um vampiro que por acaso se envolveu com os Mythos.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Vampirismo 101 - Os Mitos e Lendas sobre os mortos vivos

Estudiosos há muitos séculos discutem o mito e o conhecimento que se tem a respeito do vampirismo. Em alguns momentos o propósito é explorar as raízes de nossos medos e de nossas crenças, em outros observar sem preconceito as crenças da antiguidade. Há muitos fatos a respeito do vampirismo.

Por definição o vampiro é um morto-vivo que sobrevive drenando o sangue, a juventude ou a força vital de suas vítimas. O mito do vampirismo pode ser encontrado em inúmeras culturas ao redor do mundo. Para os leigos, o vampiro do Leste Europeu é os mais familiar, em virtude do enorme sucesso do romance Drácula, escrito pelo irlandês Bram Stoker em 1897.

Os vampiros da história e do folclore, se diferem bastante entre si e muitas vezes não se encaixam no estereótipo consagrado pela ficção de romances e filmes. O Drácula de Stoker é um exemplo bem modelado do mito romeno, trazido para os dias atuais. Contudo de modo algum esse modelo se refere a todos os vampiros. Há vampiros bem diferentes ao redor do mundo e os documentos sobre eles são bastante fartos.

Na Europa, o mito é estudado há séculos, e comumente associado a bruxaria e adoração ao diabo. Segundo essas lendas há várias maneiras de um indivíduo morrer e retornar como um vampiro. Exemplos incluem ter sido escomungado, ter sofrido uma morte violenta e inexplicável, ser assassinado em noite de lua cheia, ser um praticante de feitiçaria, adorar o demônio, ser enterrado em local não consagrado, ter sido um lobisomem em vida ou - o mais conhecido - ter sido mordido por um vampiro. Se esses meios de se tornar um vampiro fossem levados em consideração, o mundo estaria superpovoado dessas criaturas.


Para evitar que um indivíduo retorne como vampiro, algumas medidas podiam ser tomadas. De acordo com algumas crenças enterrar o suposto vampiro de bruços no caixão faria com que ele cavasse na direção contrária à superfície, assim evitando dele escapar da sepultura. Da mesma forma, algumas crenças levavam os supersticiosos a amarrar os cadáveres ou depositá-los em caixões de metal, tudo com o objetivo de impedir o vampiro de voltar. Alguns rumores no passado afirmavam que vampiros eram compelidos a desatar nós, por isso cadáveres suspeitos eram enterrados com intermináveis tramas repletas de laços.

Uma imagem bastante conhecida e evocada é a de um crânio com um bloco de pedra enfiado boca, uma forma de exorcizar um vampiro após ser enterrado. Em toda Europa foram descobertos restos humanos sepultados em cemitérios que receberam esse tratamento, o que confirma ser a crença em vampiros mais difundida entre os antigos do que se imaginava.
 
A maneira mais drástica, e segundo alguns, eficaz de eliminar o perigo do vampirismo era decapitar ou desmembrar o cadáver. Afinal como um vampiro andaria por aí em pedaços? Remover cabeças era uma das atribuições de coveiros em áreas rurais da França na Idade Média. Outra forma de se livrar do problema era queimar o cadáver até restar apenas cinzas. Finalmente um suposto vampiro poderia ser eliminado com uma afiada estaca de madeira trespassando seu coração.

Esses métodos não eram de modo algum incomuns na Europa medieval. O temor do sobrenatural por vezes superava a tristeza dos amigos e dos próprios parentes do falecido. Garantir a segurança e o descanso eterno era preferível à ter de lidar com uma visita noturna indesejável.

Encontrar um vampiro não era nada fácil. O primeiro sinal da ação de vampiros segundo o senso comum medieval eram epidemias misteriosas que matavam pessoas da noite para o dia. Em tais casos a culpa era reputada a um vampiro, jamais a micro-organismos nocivos ou a condições de vida insalubres.


Na eminência de uma praga de vampirismo cemitérios eram vasculhados em busca de evidências. Lápides viradas, buracos escavados ou solo remexido eram sinais clássicos da presença de mortos vivos. Por vezes esses indícios eram suficientes para fazer com que parte da população deixasse suas casas e fugisse assustada, carregando consigo boatos sobre a existência de mortos vivos.

Destruir um vampiro era um desafio que apenas os mais intrépidos indivíduos eram capazes de realizar. Alguns heróis dotados de notáveis habilidades ganhavam a vida, durante a Idade Média até a Renascença, viajando de cidade em cidade lidando com vampiros. Alguns eram responsáveis por plantar os indícios que encontravam, mas haviam aqueles que se dedicavam realmente a esse serviço.

O método para despachar vampiros dependia muito da região em que se vivia. Em algumas áreas da Europa Oriental o vampiro podia ser morto com um tiro certeiro no coração. Alguns faziam a ressalva de que a bala deveria ser de prata. Muitas lendas afirmavam que uma estaca afiada no coração podia destruir o morto-vivo de uma vez por todas. Logo surgiram variantes dessa crença, algumas afirmando que apenas alguns tipos de madeira eram verdadeiramente eficazes e que um vampiro assim ferido não morria, apenas ficava paralizado. Para completar o serviço, o vampiro estacado tinha de ser decapitado. Para alguns ele então se transformava em cinzas. Logo falou-se a respeito da maneira mais correta de se livrar dessas cinzas e então nasceu a crença de que as cinzas tinham de ser dispersas na água de um rio, desde que é claro fosse um rio de água corrente.

Matar vampiros como se pode ver era algo complicado e não é à toa que a presença de um exterminador especializado se fazia necessária.


O fogo sempre foi uma arma importante contra os mortos-vivos, uma forma de queimar etapas (desculpe o trocadilho!) e transformar a criatura direto em cinzas. Na Idade Média, cremar cadáveres era visto com maus olhos pela Igreja Católica, tratava-se de um costume pagão afinal de contas, mas algumas autoridades faziam vista grossa para a prática, desde que o vampiro fosse eliminado e todos ficassem felizes.

Objetos sagrados (água benta, crucifixos, rosários e hóstias consagradas) também passaram a fazer parte do arsenal dos caçadores de vampiros medievais. O toque do vampiro em um objeto consagrado tinha um efeito fulminante: cruzes deixavam cicatrizes e água benta queimava como ácido. Talvez essa tenha sido uma contribuição da Igreja interessada em participar da erradicação desse mau. Regalia consagrada podia afinal de contas ser vendida para os supersticiosos.

A crença de que alho poderia afugentar vampiros é comum no mito grego do vampirismo. O alho sempre teve qualidades terapeuticas purificadoras. No mito grego, vampirismo é uma doença, portanto um remédio natural poderia eliminá-la. Rosas também seriam capazes de eliminar vampiros ou ao menos detectá-los pois na sua presença as flores perdem o viço e murcham rapidamente.

A luz do sol foi um acréscimo victoriano ao mito. Vampiros até então podiam andar incólumes à luz do sol, embora estivessem no pico de suas capacidades apenas à noite. O dia exauria suas capacidades sobrenaturais deixando-os enfraquecidos. O sol se converteu numa arma apenas a partir de Drácula.

Vampiros segundo o mito consagrado possuem uma vasta gama de poderes. Além da óbvia vantagem da imortalidade, muitos vampiros eram capazes de alterar sua aparência física transformando-se em animais. Cães, gatos, lobos, morcegos e ratos são os exemplos mais comuns, mas há lendas de vampiros adotando a forma de aves de rapina, tigres e até mesmo ursos. Vampiros também seriam capazes de controlar animais despertando neles selvageria e devoção. No mito corrente, vampiros possuem legiões de animais selvagens ao seu dispor, como "as crianças da noite" de Drácula.


A transformação em outros objetos e em névoa também faz parte do mito. Vampiros que se tornam árvores são comuns no mito nos países baixos. A transformação em névoa está presente na Europa Central.

Assim como alguns vampiros exercem controle sobre animais, há lendas que descrevem mortos vivos capazes de impor sua vontade à seres humanos. Eles podiam assim influenciar o comportamento das pessoas forçando-as a atos contra sua natureza, o que vinha a calhar como desculpa diante de flagrantes de lascívia. "O Vampiro me obrigou a fazer!" poderia ser uma boa desculpa para eximir uma dama de uma conduta imprópria.

Vampiros com força e rapidez sobre-humana são incrivelmente comuns no folclore mundial. Essas criaturas teriam capacidades físicas ampliadas pelo dom sobrenatural. Vampiros seriam capazes de enfrentar vários homens ao mesmo tempo com as mãos nuas. Ferir um vampiro, segundo o mito, sempre foi complicado, esses seres não podiam ser machucados visto que já estavam mortos, assim como seus órgãos, carne e sangue, portanto nada disso parecia fazer falta com exceção do coração e da cabeça. O mito na Pérsia fala de mortos vivos trespassados por espadas e com ferimentos mortais em todo o copo, não obstante, lutando e matando movidos pela sede de sangue.

Ao contrário dos vampiros atuais que são vistos como criaturas charmosas e fascinantes, os vampiros do passado eram terríveis e assustadores. Não havia nada de atraente em mortos vivos muito mais próximos de bestas sanguinárias do que de nobres vindos de terras exóticas. Vampiros eram retratados como seres imundos, cruéis e imorais. Desejar ser mordido por um deles é algo muito recente em nossa sociedade.


Estudiosos tem uma série de explicações a respeito da histeria que varreu a Europa durante a Idade Média até o Renascimento. Alguns afirmam que o crescimento de casos de vampirismo nessa época está ligado diretamente a epidemias de doenças como a tuberculose e cólera. Essas doenças além de agir rapidamente faziam com que as vítimas parecessem ter a vida drenada de seus corpos.

Para alguns pesquisadores, a falta de conhecimento médico também levava a conclusões erradas e a enterros prematuros. Alguns desses indivíduos, enterrados enquanto em choque ou em coma, acabavam se recuperando e escapando de suas sepulturas, apenas para serem vistos vagando uma vez mais. O resultado direto disso poderia ser uma turba supersticiosa disposta a linchar o "morto vivo".

Vampiros povoam o inconsciente coletivo há séculos e continuam fascinando e aterrorizando. O mito se reinventa de tempos em tempos, ganhando fôlego e mostrando uma vitalidade que o torna virtualmente imortal.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Perseguindo Sombras - Os 100 anos e o legado imortal de Nosferatu


Para muitos fãs de horror, o filme Nosferatu de Robert Eggers é o filme mais esperado do ano, talvez, até mesmo da década até aqui. Ele teve uma história conturbada com muitos trancos e barrancos ao longo do caminho antes de finalmente chegar às telas após quase uma década em produção. 

Sem dúvida, há muito em jogo e esse é um legado difícil de seguir dada a importância das obras que o antecederam, mas se o burburinho pré-lançamento servir como indicativo, o filme deve exceder as expectativas monumentais ao seu redor.

A história de Nosferatu remonta a mais de cem anos e é um dos maiores e mais consistentes legados de terror no cinema. Ostensivamente ele reconta a trama clássica de Drácula, mas com fundamentos muito mais sinistros do que a maioria das histórias "oficiais" do vampiro mais famoso de todos os tempos. Nosferatu em todas as suas formas se inclina para as ideias de peste, desespero e ocultismo com imagens que estão entre as mais perturbadoras de todo gênero Terror. 

Vamos falar um pouco de cada uma dessas encarnações do terrível Conde Orlock nas telas:

Nosferatu: Uma Sinfonia de Horror (1922)

Embora o filme original tenha sido atribuído ao brilhante diretor alemão F.W. Murnau, a verdadeira força motriz por trás de Nosferatu: Eine Symphonie des Gauens foi seu produtor/diretor de arte Albin Grau. A grande historiadora do cinema expressionista alemão Lotte H. Eisner descreveu Grau como um "espiritualista ardente", mas hoje podemos muito bem chamá-lo de ocultista devoto. Ele viu imediatamente o potencial cinematográfico de Drácula de Bram Stoker, mas não tinha, nem ele e nem sua pequena produtora, a Prana-Film recursos suficientes para adquirir os direitos sobre o romance. Sendo assim, ele, junto com o roteirista Henrik Galeen, elaborou um roteiro que eles acreditaram poderia escapar despercebido do olhar atento da viúva de Stoker, Florance. 

O roteiro alterou os nomes e os locais do romance, mantendo sua estrutura básica. Jonathan Harker se tornou Hutter, Mina se tornou Ellen, Van Helsing se tornou Professor Bulwer, Renfield se tornou Knock e Drácula se tornou Conde Orlok. A ação principal foi traduzida da Inglaterra para a cidade de Wisborg, Alemanha. Na verdade, todo o romance complicado é simplificado para três cenários principais: o Castelo na Transilvânia onde Orlok vivia, o navio que o leva até Wisborg e a pequena cidade alemã em si. São três ambientes distintos que reúnem o início, meio e fim da trama.

O que dá a Nosferatu seu caráter singular são os muitos desvios do material de origem. Embora as raízes da história original ainda sejam identificáveis, ela ganha um caráter diverso pelas referências visuais únicas. Isso é percebido mais claramente no visual macabro do Conde Orlok, uma aparência única e diferente do idealizado por Bran Stoker em seu romance. É bem provável que a forma tétrica do conde tenha sido projetada por Grau, como implícito em seus desenhos de pré-produção. Seu vampiro não tem nada de charmoso, belo ou atraente - pelo cntrário, ele é monstruoso até a última fibra de seu ser. Grau muito acertadamente escolheu destacar as características físicas do ator Max Schreck usando maquiagem e próteses, dando destaque a sua cabeça calva e concedendo a ele dentes afiados localizados centralmente em sua boca. O resultado final é assustador, o vampiro ganhou uma aparência única de morcego ou rato que ressaltou os temas de peste do filme. 

Assim como no remake de Egger, o Nosferatu de Murnau estava a apenas quatro anos do auge de uma pandemia global que ceifou milhões em todo o mundo. As pessoas ainda se recuperavam de suas perdas e  filme ganhava dimensão ao acessar esse drama recente. Justa ou injustamente, o rato serviu como símbolo da peste por séculos, graças ao seu papel na disseminação da peste bubônica por toda a Europa medieval. Em retrospectiva, a praga de ratos também pode ser interpretada como uma indicação do clima político e social da Alemanha sob a República de Weimar, que governou a nação do fim da Primeira Guerra Mundial até 1933, como sendo solo fértil para ideias pestilentas se consolidarem. Isso, é claro, se concretizou na ascensão de Hitler e do partido nazista, apenas onze anos após o lançamento de Nosferatu.

Hoje, o filme é corretamente considerado uma obra-prima e F.W. Murnau, em grande parte por causa de Nosferatu, foi declarado por Lotte Eisner como "o maior diretor de cinema que os alemães já conheceram". A direção de Murnau, juntamente com a brilhante cinematografia de Fritz Arno Wagner, infundiu Nosferatu com algumas das imagens mais inesquecíveis de toda a história do cinema. O surgimento de Orlok de seu caixão a bordo do navio, sua sombra subindo a escada para o quarto de Ellen (Greta Schröder) antes de se estender pela porta da câmara, Orlok agarrado às molduras das janelas de sua casa abandonada. Tudo isso foi tão inovador e surpreendente que marcou um novo e vibrante estilo de filmagem. Não é de se admirar que o filme tenha capturado a imaginação de cinéfilos e cineastas por mais de um século, e é um atestado de sua importância que ele continue tão relevante.  

De certa forma, é quase um milagre que ele continue existindo. Depois que Florence Stoker soube do filme, ela imediatamente processou Grau e Prana-Film. O juiz do caso ordenou que todas as cópias do filme fossem destruídas. Há inclusive a lenda de que um procurador da viúva acabou se ferindo gravemente ao atear fogo em um rolo de filme para garantir sua destruição. Muitas cópias acabaram sendo destruídas, mas grupos clandestinos protegeram cópias que acabaram sendo contrabandeadas para fora do país. Alguns cineastas e proprietários de salas de cinema perceberam a genialidade da obra e tomaram para si a missão de preservá-la. Por muitos anos, ter uma cópia de Nosferatu podeia ser algo perigoso, já que a lei ordenara pesadas multas para quem tivesse a fita em seu poder, ou pior, a exibisse.

Nas décadas de 1930 e 1940, cópias surgiram e desapareceram. No decorrer da Segunda Guerra, algumas apareceram em Londres e foram destruídas, sobretudo por conta do sentimento anti-alemão causado pelo conflito. Contudo alguns bravos cineastas tomaram para si o dever de proteger algumas cópias e graças a eles Nosferatu pôde ser salvo. Surpreendentemente cópias originais aparecem até hoje, em coleções particulares, acervos de filmes ou até em velhos porões de cinemas desativados. Por vezes esses tesouros ocultos da sétima arte trazem cenas adicionais, imagens ou mesmo trechos em melhores condições que acabam sendo incorporados ao filme. Isso concedeu a obra um caráter de morte e renascimento bastante condizente com o tema abordado. 

Nosferatu: O Vampiro da Noite (1979)

No final dos anos 1970, o diretor Werner Herzog produziu e dirigiu dois filmes consecutivos que eram tentativas de se conectar com o melhor da herança cinematográfica alemã. O primeiro deles foi Nosferatu, o segundo, Woyzeck que começaria a ser filmado apenas cinco dias após Nosferatu ser concluído. Herzog descreveu a experiência como uma forma de se conectar com seus avôs cinematográficos. Ele frequentemente descreveu sua geração de cineastas alemães, que inclui principalmente Rainer Werner Fassbinder, Wim Wenders e ele mesmo, como uma geração sem pais porque eles tinham comprado a cultura nazista ou fugido do país por causa dela. "Como a primeira geração real do pós-guerra, éramos órfãos sem pais com quem aprender"; Herzog contou aos seus biógrafos: "Não tínhamos professores ou mentores ativos, pessoas cujos passos seguir. Isso significava que eram os avôs — Lang, Murnau, Pabst e outros — que se tornaram nossos pontos de referência."

Herzog foi atraído por Nosferatu por várias razões, não menos importante entre elas, seu sentimento de que o filme de Murnau era "o melhor filme alemão de todos os tempos". Ele buscou conexão com seus antepassados ​​criando sua própria versão dele, que ele nunca pensou como um remake. "Ele segue seu próprio caminho com seu próprio espírito e se mantém em seus próprios pés como uma nova versão", disse mais tarde à respeito do filme.

E, de fato, o filme é genuinamente único em comparação ao seu antecessor. Embora ainda incorpore alguns de seus aspectos marcantes, ele consegue certo grau de independência. Quando Herzog decidiu fazer sua versão de Nosferatu, Drácula já havia caído em domínio público há muito tempo. Ele dispensou as armadilhas do filme original que tinha a intenção de velar, ainda que superficialmente, as origens de Nosferatu no romance de Bram Stoker e escolheu chamá-lo de Conde Drácula em vez de Orlok, Hutter mais uma vez se tornou Jonathan Harker (Bruno Ganz), agora casado com Lucy (Isabella Adjani), e Roland Topor interpretou Renfield (e um dos Renfields mais bizarros e hilários da história) em vez de Knock. Os locais, no entanto, mantiveram a semelhança com o filme de Murnau, assim como o visual do vampiro, a ênfase na praga simbolizada por hordas de ratos e a centralidade de Lucy como aquela que detém o poder de destruir o mal que invadiu sua cidade natal.

Os elementos singulares que tornam esse filme algo mais do que mera repetição do original são muitos, mas os mais notáveis ​​têm a ver com o vampiro, a protagonista e a maneira como os locais são capturados no filme. O filme marcou a segunda de cinco colaborações de Herzog com o lendariamente volátil e imprevisível protagonista Klaus Kinski. Herzog o descreveu essa como a sua experiência de trabalho mais agradável. "Durante quase toda a filmagem, Klaus estava feliz e à vontade consigo mesmo e com o mundo, embora ele fizesse birra talvez a cada dois dias." 

Esta foi uma melhoria marcante em relação ao relacionamento deles em Aguirre: a Cólera de Deus (1972), que acabou sendo um mero prenúncio do furacão que estava reservado para eles em Fitzcarraldo (1982). Em Nosferatu, Herzog e Kinski buscaram "humanizar" o vampiro, dando a ele "uma angústia existencial real" que o sugador de sangue sem alma de Schreck não tinha. “Eu queria dotá-lo de sofrimento humano, com um verdadeiro anseio por amor e, mais importante, a única capacidade essencial dos seres humanos: a mortalidade”, disse Herzog, “Ele estava profundamente amargurado com a solidão e incapacidade de se juntar ao resto da humanidade.”

De muitas maneiras, o Nosferatu de Herzog deu origem aos vampiros com crises existenciais e questionamentos sobre o que eles haviam se tornado e como enxergavam um mundo que não era mais o deles. Essa linha dramática foi posteriormente explorada por inúmeros autores e diretores e serviu para oxigenar o mito dos vampiros concedendo a eles nuances que iam muito além do monstro morto-vivo.

A Lucy, de Adjani, também tem mais o que fazer do que a Ellen, de Schröder, e tem muita diligência no filme. Numa das cenas mais marcantes ela se encontra no meio da praça da cidade enquanto dezenas de caixões passam por ela nos ombros de homens que os carregam para fora da cidade. Perto dali, homens e mulheres atordoados dançam ao redor de fogueiras alimentadas pelos móveis de casas que ardem. As pessoas não precisam mais de nenhuma dessas meras posses, pois os ocupantes estão todos mortos e os ratos invadem as ruas. É uma imagem surpreendente que evoca o tema da peste, a praga disseminada e a mortalidade humana. 

Outra sequência marcante acontece no início do filme, quando Harker viaja para o Castelo Drácula a pé por paisagens impressionantes e por lugares ermos que ninguém parece ter visto em muito tempo. A sensação de isolamento é sufocante. Este é um dos maiores dons de Herzog como cineasta — ir a lugares que ninguém mais iria para nos mostrar paisagens que nunca foram vistas e posicionar sua câmera de modo que essas paisagens pareçam sobrenaturais. O filme é uma obra de beleza poética infundida com uma sensação constante e implacável de pavor.

A Sombra do Vampiro (2001)

Por mais que eu ame as versões "oficiais" de Nosferatu, e embora esta esteja fora desse reino, Sombra do Vampiro é um dos meus filmes prediletos de vampiros. A premissa do filme é bastante simples: E se o misterioso ator Max Schreck fosse realmente um vampiro? 

A trama oferece uma visão do processo da produção cinematográfica, do método usado para a produção e da natureza da própria arte em si, tudo reunido em rápidos noventa e cinco minutos. É tudo muito "rápido" e "direto ao ponto", mas não soa corrido ou apressado de forma nenhuma. Na verdade, o filme captura muito da estranheza do filme de Murnau, ao mesmo tempo em que é um drama envolvente e um filme muito, muito divertido. 

Produzido pelo astro Nicolas Cage, um entusiasta e fã assumido de vampiros, e dirigido por E. Elias Merhige, que chamou a atenção do produtor com seu filme sombrio e surreal Begotten (1989), Sombra é um casamento perfeito de cineastas e uma obra específica. Assim como Albin Grau, Merhige é fascinado pelo ocultismo e tinha um relacionamento próximo com Werner Herzog na época em que ele fez o filme. Diz a lenda que ele teria oferecido a Herzog o papel de Murnau, mas que este não aceitou apesar da insistência. Dá para imaginar como ele teria atuado, literalmente calçando os sapatos de seu ídolo, mas por outro lado não teríamos uma das grandes atuações de John Malkovich que assumiu o personagem.

Sombra do Vampiro apresenta um dos elencos mais brilhantes já reunidos para um filme desse tipo, incluindo John Malkovich como Murnau, Udo Kier como Grau, Cary Elwes como Wagner, Catherine McCormack como Greta Schröder e Eddie Izzard como Gustav von Wangenhein, que interpretou Hutter em Nosferatu. Todos têm atuações excelentes, mas Willem Dafoe como Max Schreck é nada menos que sensacional. Ele recebeu uma merecida indicação ao Oscar pela sua construção do Conde. 

O cerne do filme se concentra nos esforços que um artista (no caso o diretor) está disposto a fazer para ter sua visão concretizada, não importando os custos para si ou para qualquer outra pessoa. Os cineastas são retratados como cientistas loucos vestindo jalecos e óculos de proteção, uma necessidade na época devido aos resíduos criados pela iluminação. Murnau é regularmente chamado de "Herr Doktor" e esse tipo de Dr. Frankenstein declara repetidamente que fazer filmes é um ato de guerra. "Nossa batalha, nossa luta é criar arte. Nossa arma é o filme", ​​ele diz enquanto a equipe embarca em um trem para seu primeiro local de filmagem. Ao longo do filme a câmera é comparada a uma metralhadora. 

No final, essa versão fictícia da produção de Murnau se torna tão avassaladora que o mundo se torna o artifício e o que é filmado, a única coisa real. Sombra do Vampiro é um filme genial sobre loucura e criatividade.

É também o mais difícil de todos esses filmes de se encontrar. Apesar do elenco de estrelas, d eter sido produzido por um ícone de Hollywood e ser propriedade da Lionsgate e Universal, o filme não está disponível para streaming e permanece preso em um DVD fora de catálogo. Agora, com todo burburinho em torno de Nosferatu, nenhum filme é mais merecedor de um streaming de alta definição e lançamento físico do que esse. Para quem não assistiu, fica a dica, se conseguir colocar as mãos nele, assista.

Sombras e Influência

Vários outros filmes se apropriaram do nome de Nosferatu e o usaram para vários propósitos. 

Klaus Kinski assumiu a responsabilidade de retornar ao seu personagem vampírico, com resultados muito diferentes do filme de Herzog, em "Nosferatu em Veneza", de 1988, dirigido por Augusto Caminito e sobre o qual, quanto menos se falar, melhor. 

Mimesis: Nosferatu (2018) vê um professor do ensino médio, Professor Kinski (Joseph Scott Anthony), montando uma produção teatral de Drácula fortemente influenciada pelo filme de Murnau e estrelando um aluno obcecado por vampiros chamado Michael Morbius (Connor Alexander) no papel principal. O filme contém uma série de easter eggs relacionados a vampiros, incluindo vários nomes inspirados em Fright Night, Salem’s Lot e até mesmo Twilight. Ele também apresenta várias aparições breves de Lance Henriksen como um mentor enigmático criando um culto de vampiros no molde do Conde Orlok de Max Shreck. 

Também lançado nesse mesmo ano, após um longo período de gestação, temos "Nosferatu: Uma Sinfonia de Horror" estrelando Doug Jones no papel do vampiro. O filme, financiado por uma campanha do Kickstarter, é mais ou menos um remake cena por cena do filme de Murnau com atores modernos inseridos em recriações geradas por computador dos locais e cenários usados ​​no original. Curioso sem dúvida, embora talvez desnecessário.

Talvez ainda mais prevalentes tenham sido os muitos filmes que prestam homenagem ou refletem a influência de Nosferatu para criar vários efeitos — do assustador ao cômico. Em 1979, o mesmo ano do filme de Herzog, a produção televisiva de Tobe Hooper, "Salem's Lot" baseado na obra de Stephen King apresentou Kurt Barlow, uma criatura claramente modelada a partir do Orlok de Max Schreck. Curiosamente o personagem tem muito pouca semelhança com o personagem descrito no livro de King. 

Outras homenagens incluem Ben Fransham como Petyr no filme de mesmo nome lançado em 2014 e uma vez mais Doug Jones como o Barão Afanas na versão televisiva de "O Que Fazemos nas Sombras" (2019). No ano passado, Javier Botet interpretou o vampiro cinza, careca e com orelhas de morcego com grande efeito em "A Última Viagem do Deméter", pelo qual o personagem é creditado como Drácula/Nosferatu. 

O alcance de Nosferatu pode ser encontrado ao longo da história do cinema em personagens tão diversos quanto as formas animalescas dos vampiros em A Hora do Espanto (1985) e The Lost Boys (1987) a várias encarnações do Conde de Gary Oldman em Drácula de Bram Stoker (1992) a Marlow de Danny Huston em 30 Dias de Noite.

Parece provável que a nova versão do filme de Eggers fique ombro a ombro com o longo e imponente legado de Nosferatu. Parece que os fãs de terror estão famintos por uma releitura da versão clássica do mito do vampiro que seja genuinamente perturbadora, até mesmo, ouso dizer, assustadora. Provavelmente, e digo por mim mesmo, talvez seja o momento do vampiro clássico reclamar o status de MONSTRO uma vez mais, e se libertar da figura de criatura amargurada que o acompanha nas últimas décadas. O vampiro surgiu como um horror incompreensível, uma força nefasta de morte e esquecimento, que existe (não vive) para tornara  vida dos mortais um tormento. É para isso que ele foi criado, é para isso que precisa voltar.

Com as inúmeras variações do personagem ao longo dos anos, é revigorante retornar ao básico do porquê essas criaturas invadem nossos sonhos e nossos medos em primeiro lugar. De porque são tão fascinantes e por que o asco que deviam causar se converte em fascínio?

Há uma qualidade primitiva em Nosferatu que é encontrada além das virtudes de Drácula, ele é a fera inumana que não tem romance ou remorso, simplesmente ataca nossos medos mais profundos, sombrios e potentes em busca de sangue.

E é esse o vampiro de que sentimos saudade!