quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Nosferatu - Resenha do grande filme de terror do ano

Vou começar essa resenha com uma constatação. Quando se trata de filmes de terror, eu não me assusto facilmente. Não estou me gabando sobre minha suposta bravura; mas é fato que ao longo dos anos e de inúmeros filmes assistidos, sinto que ganhei certo grau de resistência. Eu cresci cercado por filmes de terror, e sou tão devoto ao gênero que me sinto imune ao seu poder bruto. Eu amo terror — é um dos meus gêneros favoritos — mas raramente fico assustado quando assisto a um filme de terror. Então, quando um filme realmente me causa arrepios, eu considero isso algo digno de nota. 

Entra em cena "Nosferatu" do diretor Robert Eggers, um filme que me arrepiou e fez meu coração bater mais rápido. Eu senti que isso poderia acontecer e tomei a decisão acertada de assistir esse filme no cinema: no escuro, com som potente e mergulhando na trama, absorvendo cada detalhe. Esse não é um simples filme de terror, é um acontecimento.   

O diretor fez algo especial aqui: produziu um filme fantasmagórico, gótico e macabro como há muito não era realizado. A obra é ainda mais impressionante devido ao fato de que Eggers não está exatamente pisando em terreno novo aqui — ele está refazendo o clássico filme mudo de F. W. Murnau, que foi, é claro, fortemente (e ilegalmente) influenciado pelo maior clássico de vampiros de todos os tempos, "Drácula". A abordagem de Eggers se mantém bastante próxima aos eventos do filme de Murnau e do romance de Bram Stoker, e ainda assim, o cineasta cria algo que nunca parece uma repetição ou uma regurgitação dos elementos. O resultado é impressionante, com cenas belíssimas e doentias, imagens perturbadoras e uma aura sufocante de medo.

Eggers, que dirigiu "A Bruxa", "O Farol" e "O Homem do Norte", é um cineasta aparentemente obcecado pelo passado. Todos seus filmes, incluindo "Nosferatu", estão firmemente enraizados em eras passadas, em uma busca pela visão de uma determinada época da forma mais fiel possível. Soma-se a isso um talento especial para criar uma sensação de autenticidade. Não sou historiador, então não posso comentar sobre o quão "precisos" os filmes de Eggers são, mas tudo ali parece incrivelmente correto, pesquisado, transbordando autenticidade. 

O diretor é habilidoso em contar histórias que têm um senso tangível de realidade. "Nosferatu", como todos os filmes anteriores de Eggers, não parece uma recriação — realmente parece que estamos de alguma forma observando o passado. É o equivalente a abrir uma janela para outra época. A trama se passa em 1838, com figurinos, cenários e ambiente nada menos do que deslumbrantes gerando um mundo frio e estéril. Aliás, o filme é impecável em cada quesito técnico.

Mas e quanto à história? 

Bem, se você viu o "Nosferatu" original, ou o remake de Werner Herzog de 1979, ou ainda, qualquer adaptação de "Drácula", estará familiarizado com a trama: um vampiro antigo e estrangeiro tem como alvo um grupo de personagens jovens, trazendo morte e destruição para todos que cruzam seu caminho. Mas Eggers encontra maneiras eficientes de contar essa história e usar a familiaridade como arma; esperamos que a história se desenrole de uma certa maneira, e ficamos surpresos quando as coisas seguem um caminho um tanto diferente. São pequenas mudanças, mas todas elas muito bem executadas. A trama segue sob uma atmosfera genuinamente sombria, com inúmeras cenas que se desenrolam sob a lógica de um sonho febril ou de um pesadelo surreal.

Quando "Nosferatu" começa, o ambicioso advogado Thomas Hutter (Nicholas Hoult) recebe a proposta de seu chefe, o obscuro Sr. Knock para viajar a trabalho e receber uma promoção. Ele deixa sua casa em Wiesburg na Alemanha com o objetivo de chegar até uma terra remota nos recessos da Transilvânia. Lá deverá fechar um acordo imobiliário com o misterioso Conde Orlok (Bill Skarsgård). A viagem é uma jornada através de um Leste Europeu imerso em superstição, costumes bizarros e folclore estranho. Quanto mais se afasta da familiaridade de sua casa idílica, mais Hutter sente estar avançando num ambiente perigoso e nefasto. A cena em que ele encontra um grupo de ciganos é carregada de estranheza e desconfiança esmagadoras.  

Mas o pior ainda está por vir! Ao chegar ao Castelo decrépito do Conde, nas Montanhas dos Cárpatos, o  advogado se vê diante de um pavor indescritível. Orlok não é um mero homem — ele é um vampiro antigo com sede de sangue... e mais. Seus planos são aterrorizantes e envolvem não apenas a perdição de Hutter, mas de tudo que ele ama e preza. Não é apenas sua vida que está em perigo, mas tudo que está ao seu redor. 

Skarsgård tinha um desafio e tanto quando aceitou esse papel. Orlok é um dos monstros mais icônicos do cinema, interpretado de forma memorável por Max Schreck, Klaus Kinski e outros ao longo dos anos. É o tipo do papel que consagra ou desgraça uma carreira. Em vez de recriar o personagem seguindo a fórmula de seus antecessores, o filme ousou reinventar o protagonista. 

A clássica aparência do monstro, com feições de roedor, que Schreck e Murnau empregaram tão efetivamente foi profundamente alterada para esse filme. Não vou estragar a surpresa, já que o marketing fez de tudo para mantê-lo em segredo, mas efetivamente a maquiagem transforma Skarsgård em algo sobrenatural e apropriadamente desumano. Empregando um sotaque profundo, imponente e gutural, Skarsgård desaparece completamente no papel e se transforma no personagem. Seu Orlok parece antigo; podemos praticamente sentir o cheiro dos séculos de podridão, mofo e corrupção sepulcral cobrindo sua carne macilenta.

Mais do que alterar a imagem icônica, o roteiro vai mais além ao estabelecer indícios de que o Conde sempre foi algo perverso, mesmo quando estava vivo. Praticante de artes negras e ciências proibidas, o personagem é o próprio mal encarnado, uma entidade que invoca uma aura de inenarrável força sobrenatural. Essa noção de tornar Orlock um ocultista calejado é um aceno às origens traçadas por Albin Grau que na obra original despejou sob o Conde uma série de elementos arcanos. Diferente do Drácula de Bran Stoker, o vampiro de Nosferatu é um feiticeiro de maldade irrefreável. Não há nada nobre nele. Nada de romântico. Ele não deseja a redenção, pois mesmo que ela estivesse ao seu alcance, não é esse seu objetivo. Orlock existe apenas para espalhar a morte, a doença e a destruição.  

A câmera e a fotografia mantêm Orlok imerso nas sombras — nunca temos uma visão clara dele, o que torna o personagem ainda mais misterioso. Ele é como um vulto que surge no canto dos olhos, uma sombra que desliza e que se mescla com a escuridão premente.

Orlok tem mais em mente do que simplesmente adquirir uma nova propriedade. Ele é atraído pela noiva de Hutter, a problemática e melancólica Ellen, interpretada de forma hipnotizante por Lily-Rose Depp. A protagonista feminina desempenha um papel muito mais importante nessa trama do que nas versões anteriores. Ela não é uma mocinha desamparada que aguarda ser salva pelos demais personagens, ao invés disso, ela tem maior compreensão do que está acontecendo a sua volta. Ela também tem um vislumbre do que precisa ser feito para derrotar a criatura monstruosa e qual o preço que deverá ser pago.  

A atuação de Depp é notável alternando fragilidade e força arrebatadora. Nas cenas em que o Vampiro tenta possuir seu corpo (e alma) ela se entrega a uma interpretação visceral que traduz o tormento pelo qual está passando, lutando não só contra Orlok, mas com seus próprios demônios internos. Depp se joga no papel literalmente, abraçando um componente físico perturbador. Quando ela é arrebatada pelo Conde, seu corpo reage violentamente, tentando expulsá-lo em espasmos frenéticos. A cena resultante é nada menos do que apavorante. 

Ellen e Orlok têm um tipo de vínculo que influencia todos os aspectos do filme. Um prólogo de abertura (novamente tétrico) mostra que Ellen aparentemente convocou essa criatura da noite por meio de suas próprias paixões inflamadas; um misto de luxúria e depressão simplesmente irresistível para o monstro. Ele literalmente a alcança através dos golfos do tempo e espaço para cumprir uma espécie de contrato firmado nos sonhos febris da jovem.

A jornada do navio que carrega o Conde e seu caixão através de mares escuros é memorável. As cenas de horror dos tripulantes expostos a um monstro morto-vivo que os caça são medonhas. Quando Orlok finalmente chega à Alemanha, traz consigo hordas de ratos e a peste. Ele é a morte personificada; um cadáver ambulante que se alimenta dos vivos. Aliás, Eggers faz o vampiro se alimentar de uma maneira diferente da tradicional mordida na jugular. 

Logo, todos ao redor de Ellen são colhidos no tormento e no horror, incluindo sua querida amiga Anna (Emma Corrin) e seu confuso marido, Friedrich (Aaron Taylor-Johnson) os dois ótimos. Todo filme de vampiro que se preze precisa de caçadores, o que traz o Dr. Sievers (Ralph Innerson, com seu vozeirão) à trama. Percebendo que o problema está muito além de seus talentos médicos, ele procura seu antigo professor, o alquimista Albin Eberhart Von Franz, interpretado com a pitada certa de insanidade pelo grande Willem Dafoe. Ele tem as melhores falas do filme, incluindo um trecho em que proclama: "Eu vi coisas que fariam Isaac Newton rastejar de volta para o ventre de sua mãe!"

Assim como o Conde, inclinado para o estudo do oculto, Von Franz, o equivalente a Van Helsing, é um estudioso das artes místicas, detentor de um conhecimento que quase destruiu sua carreira e o condenou a loucura e esquecimento. É ele quem irá buscar uma solução para a situação dramática dos protagonistas e também da cidade, arremessada para um caos de morte e doença desde a chegada do monstro.  

O roteiro trabalha muito bem a função de cada um desses personagens, simples mortais, que se chocam com o mal indizível representado pelo Nosferatu. Ninguém sairá desse confronto intocado e cada um deles sofrerá com o embate até o confronto final. 

Auxiliado por uma fotografia deslumbrante à luz de velas e por uma trilha sonora arrebatadora e trágica, Nosferatu causa uma espécie de overdose sensorial. O som é incrível tornando quase uma necessidade assistir em uma sala com som de alta qualidade - para ter a sensação de ouvir a voz do Conde como se ele estivesse sussurrando em seu ouvido. A trama oferece alguns sustos concebidos com a eficiência de efeitos práticos - pouco ou nada, foi criado digitalmente. O verdadeiro pavor, entretanto surge em meio ao caos em que tudo está imerso. Como a própria morte, Orlok parece inevitável e quando ele está na tela sua presença se mostra implacável. 

Eu já vi muitas adaptações de "Drácula", filmes e livros, conheço a história de cabo a rabo, mas "Nosferatu" conseguiu me pegar de surpresa e me desarmou totalmente. Ele é tão marcante que mesmo quando o filme acaba, mesmo quando acendem as luzes, as imagens ficam gravadas na sua mente. Não é exagero nenhum considerar "Nosferatu" não apenas um ótimo filme de terror, talvez o melhor da década, mas também, desde já, um dos melhores filmes do ano.

Trailer:

Poster:

 

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