Por Clayton Mamedes
A mágica das coisas
Na minha resenha sobre o excelente Trail of Cthulhu comentei o meu certo preconceito contra remakes em geral, sejam eles de filmes, livros, etc. Naquele momento, a qualidade da obra conseguiu me convencer: tratava-se de um remake até mesmo superior ao original em alguns aspectos.
Agora está em minhas mãos um suplemento para Rastro de Cthulhu: Rough Magicks, um compêndio de magias e afins para uso no jogo. A semelhança com o remake? Não sou muito fã deste tipo de suplemento. Creio que coleções de magias e monstros não são necessários em alguns gêneros, em primeiro momento. Cthulhu é um deles, onde os livros básicos (tanto Rastro quanto Call) possuem uma quantidade considerável de antagonistas.
Comecei a leitura do suplemento já com esta opinião em mente, porém fui surpreendido novamente.
Rough Magicks não é somente um apanhado de magias e correlatos; apresenta também interessantes discussões filosóficas sobre a magia, o seu uso e importância na literatura concebida por H. P. Lovecraft – postura esta já deixada clara na breve introdução (Which Magic?) do volume, onde são apresentadas 12 teorias diferentes sobre a origem da força mágica no universo. Um princípio promissor, que fará o Guardião pensar sobre possíveis implicações e até mesmo contradições presentes no ciclo do Mythos.
No próximo capítulo, chamado The Magic Ability, temos a introdução de uma nova habilidade no sistema GUMSHOE de jogo: Magia (Magic). O objetivo desta nova habilidade é basicamente variar a utilização da Estabilidade durante as magias. Aproveitando o gancho, neste capítulo também temos a introdução da característica Potencial Mágico (Magic Potential), aplicada a tomos malditos. Seria quase o Spell Multiplier do sistema Basic Roleplaying. Aqui também são feitas todas aquelas considerações maçantes sobre aquisição de pontos de magia e sua utilização, assim como os meios de se aprender magias. E, como esperado, nada novo pois se tratam de regras básicas, exceto uma caixa onde é explicado o sistema de mágica para não-mágicos. O capítulo é finalizado com uma relação de seres do Mythos que apresentam a possibilidade de utilizar magia, juntamente com uma breve descrição das características que eles possuiriam nestas situações.
Cast a Deadly Spell nomeia o próximo capítulo, homenageando um famoso filme estrelado pelo detetive Harry Philip Lovecraft. Este é o centro do livro, com a descrição de dezenas de magias do Mythos, classificadas em rituais ou encantamentos. Na descrição existem a dificuldade do teste de Estabilidade, o custo (em pontos de Estabilidade ou Magia, assim como outros requisitos), o tempo necessário e o teste de resistência ou oposição, quando aplicável. Sem dúvida, a parte mais interessante deste capítulo é a subseção chamada The Spoor of Magic, onde existem várias habilidades que podem ser utilizadas em investigações de locais em que ocorreram atividades mágicas. Seguindo o conceito visto no capítulo dedicado aos monstros em Rastro de Cthulhu, aqui cada habilidade é seguida por uma descrição de possíveis informações obtidas com o seu uso. Bem bacana. Destaque também para a caixa de texto contendo uma análise do Símbolo Antigo, com base na sua criação e evolução através da literatura do Mythos. Este capítulo é fechado por uma breve idéia de coisas simpáticas que os magos podem fazer, como alterar o clima e perturbar animais.
O próximo capítulo é o Idiosyncratic Magic, composto por uma pequena expansão do tema visto no livro básico. Desta vez são citadas algumas habilidades com descrições de possíveis utilizações nos moldes já vistos em Spoor of Magic. Pra quem tem interesse neste tipo de abordagem menos purista, vale a pena.
As últimas três páginas de Rough Magicks são ocupadas pela seção Magick in Theory and Lovecraft, uma discussão filosófica sobre magia e metafísica baseada na obra e personagens de Lovecraft. Aqui temos a visão onírica de Randolph Carter, o rigor científico de Walter Gilman, a idéia dimensional de Albert Wilmarth e por ai vai. Uma discussão interessante, ainda mais para os fãs do ciclos do Mythos.
O volume é graficamente organizado de forma semelhante ao livro de regras básico: as três colunas, intercaladas com caixas de textos e ilustrações extremamente competentes de Jérôme Huguenin, para variar. Belo, limpo e bem organizado.
Assim como em Rastro de Cthulhu, Kenneth Hite conseguiu transformar uma simples coletânea de magias em um livro atraente, com uma boa dose de discussões filosóficas dobre a origem das coisas. Rough Magicks é um livro bem escrito e produzido, navegando por mares diferentes dos habituais para este tipo de obra. Ponto positivo. Porém, considerando o grau de maturidade que o estilo de jogo e o próprio sistema GUMSHOE tem em território nacional, não o recomendaria para primeira aquisição após a compra do básico. Sem dúvida, uma série de aventuras, como Assombrosos Contos Sobrenaturais, seria mais indicado para sentir o clima deste tão elaborado RPG.
Ficha Técnica
Rough Magicks, por Kenneth Hite
Pelgrane Press, 2010
41 páginas p&b
U$ 9,95
Excelente resenha. A intenção da RetroPUnk é publicar o Rough Magicks, ou após o Assombrosos Contos, ou após o Recursos do Guardião.
ResponderExcluirCast a Deadly Spell, que se não me engano se chama no Brasil Feitiço Mortal, é bem bacanina, assist na Globo a muitas eras atrás...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirFiquei curioso sobre o filme...
ResponderExcluirOlha me surpreendi, também esperava uma coletânea de magias, mas pelo que diz o livro é muito interessante mesmo.
Mas mantenho meu voto em Recursos do Guardião como primeiro (segundo, já que tem aventuras a caminho) suplemento.
E pelo que vi você pode ter uma abordagem mais pulp e ter jogadores lançando magias sem ficarem loucos, ou é só impressão?