Dizem que a medida que a gente vai ficando velho começa a se lembrar com carinho de alguns momentos bacanas de nossa infância e adolescência.
Mais flagrante ainda é quando nós começamos a querer compartilhar isso e usamos a palavra "bacana" para descrever as coisas...
Mas esses dias, enquanto arrumava minha prateleira de livros, apanhei o primeiro livro de Call of Cthulhu que comprei (a quarta edição) e reparei na data que rabisquei na primeira página: 1988. Imediatamente fui tomado de uma onda de nostalgia acachapante. Será que faz tanto tempo assim?
É faz...
Eu ainda me recordo do momento e da data em que descobri o Call of Cthulhu role-playing game. Não me entenda mal: eu estava ciente da existência do jogo já há algum tempo, tendo visto propagandas em revistas e catálogos bem como em revistas como a Dragon Magazine e Pyramid. Alguns amigos mais afortunados haviam inclusive jogado Call of Cthulhu. Mas eu confesso que não cheguei a ficar muito animado com a descrição deles, embora todos tenham sido unânimes em afirmar que o jogo era interessante.
De qualquer forma, naquela época em que eu jogava D&D praticamente final de semana sim e o seguinte também, eu não fazia a mais remota idéia do que diabos era "Cthulhu", e jamais havia ouvido falar de "H.P. Lovecraft.
Eu apenas descobri e passei a amar a literatura de Lovecraft por volta de 1987, quando um colega emprestou um volume de "Um Sussurro nas Trevas" editado pela Francisco Alves com a capa amarela e mi-gos meio toscos em destaque. Foi amor à primeira vista. Lembro até hoje de ter levado o livro em uma viagem de carro e de ter lido "Sombras perdidas no tempo" virando as páginas uma atrás da outra. Ali eu fui fisgado e não por acaso Sombras continua sendo meu conto favorito na obra de Lovecraft.
Eu nem me recordava direito que existia o Call of Cthulhu RPG. E, embora, eu tenha escrito minha primeira aventura de horror em RPG (para Beyond the Supernatural, argh!), influenciado por Sombras Perdidas no Tempo, não fazia idéia de que esse gênero se tornaria o meu favorito. Até ali, explorar masmorras, detonar orcs e roubar seus tesouros era tudo o que eu queria.
Em minha época de colégio, no início dos anos 90, eu costumava passar muitas tardes na lendária livraria Leonardo da Vinci no subsolo de uma galeria perto da Cinelândia, Centro do Rio. Até onde sei, foi uma das primeiras lojas a importar livros e jogos de RPG. Eu fazia um curso ali perto e passava por lá praticamente toda a semana. Aquele era o meu playground. Eu conhecia todos e todos me conheciam. Lembro de vasculhar as prateleiras e caixas empoeiradas contendo livros antigos. Havia muita coisa de ficção científica, horror e quadrinhos e eu adorava passar a tarde inteira folheando os livros - como eu disse eu conhecia todos e os donos naquela época não pareciam se incomodar com a molecada lendo e folheando a mercadoria, mesmo que no final das contas não levassem nada.
No dia em questão, estava para cair uma tremenda chuva de verão, do tipo que alaga as ruas e faz a gente procurar algum lugar para se proteger - pensando em retrospecto o Rio não mudou muito nesse ponto. Com os céus carregados de pesadas nuvens negras resolvi que o melhor lugar para eu me abrigar e esperar parar de chover era a boa e velha Leonardo Da Vinci. Enquanto eu vasculhava o conteúdo de uma caixa repleta de livros de D&D e de outros RPG menos conhecidos, ouvia os trovões do lado de fora. Eu já estava prestes a ir para outra sessão quando percebi que havia um livro maior que se destacava em uma das caixas. "O que é isso?" devo ter pensado a medida que ia até ele.
Na mesma hora outra pessoa se meteu na minha frente e apanhou o livro. Eu vi então pela primeira vez a capa escura com letras amarelas fantasmagóricas, onde se lia "Call of Cthulhu".
Foram instantes de tensão, enquanto aquele sujeito desconhecido folheava as páginas distraidamente e eu o fuzilava mentalmente torcendo para que ele largasse o livro ou tivesse uma síncope. Como se ele tivesse ouvido minhas ameaças mentais (até hoje acho que acessei o Lado Negro da Força) ele largou o livro sobre uma das caixas e foi atrás de um volume de Forgotten Realms (que estava no auge). Eu estiquei as mãos e meu coração disparou quando apanhei o livro.
Como esquecer a estilosa arte em preto e branco, as páginas centrais coloridas onde se destcavam cenas de horrores lovecraftianos como o sardônico sorriso do medonho Groglin Vampire. Essas e outras imagens imediatamente me transportaram de volta para as primeiras estórias cthulhianas que li: O Chamado de Cthulhu, A cor que caiu do céu, O Modelo de Pickman...
Lá fora a chuva se intensificava e se tornava uma tempestade. Mas eu não estava nem aí. Trovões ecoavam e de repente sem aviso a luz se apagou deixando tudo escuro! Parecia um sinal divino, enviado pelos Antigos, quem mais? Aproveitando uma grana que eu tinha ganhado de Natal comprei o livro e o levei para casa quando a chuva apaziguou.
Eu lembro bem minha reação inicial ao ler o livro amparado por meu fiel dicionário inglês-português sempre à mão. Naquela época meu domínio da língua inglesa estava no nível "dá para o gasto", de modo que entender palavras como "eldrich" e "phlegmatic" só recorrendo ao Webster.
Não sei quanto tempo levou para ler tudo, mas sei que eu literalmente devorei o livro. E apartir dali me apaixonei pelo tema, um amor que persiste até hoje.
Atualmente tenho duas cópias desse livro, e ele é uma das jóias da minha coleção, guardado com todo carinho em um lugar de destaque da minha prateleira central, onde ainda desperta certa nostalgia, principalmente quando o tempo está para chuva...
Os mais Jovens podem me chamar de Biba, mas os mais velhos certamente dirão que o que senti ao ler esse post, nada mais é que o saudosismo de um apaixonado por Literatura.
ResponderExcluirFiquei emocionado ao ver que não sou o único que recebe uma enxurrada de emoções ao ver os velhos livros... não vendo meus livros, só compro, devo ter mais de 200 em casa, mas os que me fazem ficar com os olhos cheios de lágrimas são os mais antigos, os que me infectaram com o vírus da Leitura, meu quase destroçado "Contos dos irmão Grimm", meu Autografado "Menino Maluquinho" e o "Pequeno Príncipe".
Parabéns pelo post, me emocionou!
Também achei mto bacana compartilhar conosco o início dessa paixão. Me lembro também o dia que comprei meu primeiro livro de RPG, um módulo básico de gurps, que em minha cidade, praticamente estava empoeirando na livraria (não sou nova geração, mas também não fui a geração XEROX). Que prazer incrível.
ResponderExcluirQuanto a Cthulhu, já nem lembro como começou meu interesse, mas me lembro que foi Cthulhu que me fez redespertar o interesse pelo RPG.
Muito legal esse post. Não tive como não lembrar a minha compra do "Call of Cthulhu", edição 5.5, na livraria Devir por volta de 1996-7.
ResponderExcluirBelo report Luciano! A tempestade no momento de encontro com o livro foi providencial!
ResponderExcluirTbm relembrei de como conheci CoC (através da matéria na DB n.°4) e consegui o meu 5th Ed. no leilão de jogos do IV EIRPG. Um fato curioso deste leilão é que o meu amigo Marcos Giarone achou o livro e fez o lance, o meu outro amigão Celso Forneretto pagou e eu fiquei com o livro!
Mamedes
Gostei da lembrança do meu "famoso" jogo de Cthulhu na RPG Rio da UERJ. Eu tb gostei muito daquele jogo que ocorreu na sala do terror. Deu trabalho montar a sala, para dar clima nos jogadores. he he he
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