Gary Gygax uma das lendas do RPG escreveu em um dos seus livros sobre a arte de ser um Mestre de RPG (sério, tem livros sobre o assunto) que existe um número perfeito de jogadores para que um jogo possa fluir bem.
Segundo Gygax o número quintessencial é (rufem os tambores)...
Quatro.
Na opinião dele, uma mesa formada por quatro jogadores permite que o Mestre cuide de todos os aspectos relativos a regras e role. Com isso o jogo rende mais e os jogadores conseguem interagir com mais facilidade.
Hmmmm... com todo respeito a memória de Gary Gygax, nem sempre isso é verdade.
Ao que tudo indica, Gygax estava pensando em D&D quando sugeriu esse número mágico, embora seu livro em tese se refira a dicas para todos os RPG. Uma mesa de quatro jogadores invoca o ataque dos sonhos de todo mestre de D&D: guerreiro, mago, clerigo e ladino. Mas será que quatro jogadores são o essencial para qualquer jogo? Mais importante, será que existe um número perfeito?
O que eu posso dizer ao longo de anos mestrando é que (rufem ovamente os tambores)... não.
O número perfeito de jogadores depende do mestre, da campanha, da proposta e é claro dos jogadores.
Eu já mestrei mesas solo (jogador cara a cara com o mestre), com dois, quatro, seis e até doze jogadores. O que aprendi? Bem, uma mesa com três jogadores pode ser incrivelmente bagunçada, enquanto uma com 8 pode ser surpreendentemente tranquila e uma com 12 ou é o inferno na terra ou pode ser uma experiência impressionante de condução narrativa.
Vou falar a respeito de minha experiência sentado na cabeceira de cada uma dessas mesas e pesar os prós e contras:
Aventuras Solo (1 jogador)
Esse muitas vezes é o recurso de jogadores e mestres que perderam seu grupo de jogo ou que moram em um lugar com poucos jogadores (uma triste realidade para muitos). Alguns mestres não gostam desse estilo, pois o jogo perde muito o caráter de interatividade entre os jogadores. Não há discussão e polêmica, um único jogador é responsável por suas opções e se elas forem erradas ele só poderá reclamar de si mesmo. O leque de opções do jogador é mais restrito, ele vai depender exclusivamente de suas habilidades e não conseguirá combinar estratégias, salvo se tiver um NPC providencial.
Mas nem tudo é desvantagem nesse panorama solitário. Se por um lado há menos role - a não ser que o cara tope fazer um monólogo - por outro o mestre pode usar a tranquilidade da mesa para conceder mais detalhes e uma descrição minuciosa das cenas. Um cenário com um único jogador tende a ser mais rápido e é surpreendente quanto a aventura caminha quando há apenas um jogador a ser consultado.
Na minha opinião, cenários solo são bons como side treks em uma campanha ou para apresentar o personagem antes deste "entrar no grupo". Também é válido quando um jogador precisa cumprir uma missão secreta ou realizar uma tarefa independente que dispensa o resto do grupo.
Em cenários lovecraftianos nem é preciso dizer o quão perigosa pode ser uma aventura solo. O mestre precisa ter muito discernimento para não massacrar o pobre jogador solitário no primeiro desafio físico que surgir diante dele. Eu prefiro sempre dispor de um ou dois NPCs para ajudar o personagem quando faço uma aventura solo. Esses NPCs podem ser coadjuvantes como o guia contratado para levar o buana através da selva, o fiel mordomo inglês ou a secretária tagarela do detetive, mas nada impede que o keeper coloque algum personagem descartável na aventura.
Eu e você: nós dois! (2 jogadores)
Uma dupla de personagens pode render um jogo interessante, sobretudo se os jogadores de alguma forma complementam as habilidades um do outro.
Eu sempre lembro da dupla mago-guerreiro (bem ao estilo Raistlin/Caramon para quem lembra de Dragonlance) onde um deles é a parte física e o outro responsável pelo lado intelectual. Uma dupla pode funcionar bem com personagens unidos por um vínculo: irmãos, amantes, mestre e discípulo... o leque de opções é grande e permite ótimas oportunidades dramáticas.
Eu mestrei com dois jogadores em algumas oportunidades e posso dizer que o jogo transcorre de forma muito tranquila. Os jogadores logo assimilam as capacidades um do outro e conseguem funcionar muito bem em equipe. Não é raro que um jogador comece a conhecer a ficha do colega e saiba perfeitamente como agir em cada situação. Duplas (e trios) tendem também a ser extremamente generosos na repartição de tesouros e compartilhamento dos recursos. Como um personagem depende do outro, é interesse que o colega esteja bem armado e preparado para o que der e vier.
Em contos lovecraftianos, duplas são mais comuns do que se pode imaginar. Acho até que a maioria das estórias envolvem essa formação em que um dos personagens depende do outro (embora na maioria das vezes apenas um deles sobreviva). Uma aventura de CoC ou RdC pode rolar com dois persoagens, ainda que em termos de combate e obtenção de pistas seja um grande limitador. Para cenários curtos ou aventuras one-shot acho válido e divertido, mas campanhas não vão muito longe com essa formação.
O Quadrado Mágico (4 jogadores)
A formação favorita do Gary Gygax tem realmente enormes virtudes. Quatro jogadores são um número limítrofe entre a confusão de mesas lotadas e a desolação de uma mesa pequena. Permite uma troca de idéias entre os membros que a constituem e certa dose de polêmica quando opiniões diferentes colidem. De certa forma cada um sabe as suas atribuições e assim como acontece em mesas menores, os jogadores já veteranos conseguem trabalhar em equipe determinando seus papéis em cada situação.
Problemas no entanto podem acontecer e ninguém está livre deles. Uma mesa de quatro jogadores está sujeita aos problemas clássicos que destroçam os grupos: estrelismo (um jogador acha que é melhor que os outros), encosto (um jogador se ampara nos demais e deixa que eles façam a parte pesada) e ciúmes (um ou mais jogadores acabam brigando para monopolizar o comando da mesa ou a atenção do mestre).
Mesmo assim são problemas que podem surgir em qualquer mesa. Eu gosto bastante dessa formação, mas o resultado nem sempre é previsível. Já tive mesas com quatro jogadores que foram ótimas, mas outras que não funcionavam de jeito nenhum. Na verdade meu maior fracasso como mestre aconteceu em uma mesa de quatro jogadores (em Dark Sun) que não conseguiam entrar em comum acordo para absolutamente nada. O grupo só se uniu uma única vez, quando um quinto membro foi aceito no grupo e todos em uníssono concordaram em matá-lo. Mas isso foi uma exceção.
Para cenários lovecraftianos, quatro jogadores (ou até cinco) pode ser uma boa pedida. É um número que permite conduzir uma boa investigação dos Mythos seja na busca por pistas ou nos desafios de enfrentar os monstros. A maioria das mesas não por acaso tem essa formação e quartetos tendem a conjulgar bem diferentes habilidades proporcionando um amplo espectro de opções para o grupo.
A Mesa Cheia (6 jogadores)
Parece um almoço de domingo na casa dos pais. As mesas de seis, sete ou oito jogadores tendem a se formar quando um dos jogadores acaba apresentando um amigo que sempre quis jogar ou um colega do trabalho que quer saber qual é a desse tal de RPG. Alternativamente a namorada compreensiva de um dos jogadores acaba aparecendo e recebe um personagem para não ter de ficar olhando para a parede enquanto aquela luta épica se desenrola.
Na maioria das vezes essas mesas tendem a se formar acidentalmente e não se mantém com essa escalação por muito tempo. Elas são um convite ao desastre a não ser que o grupo firme um compromisso entre si. Repare que uma mesa de seis funciona bem na primeira ou segundo sessão, talvez até na terceira... depois um ou outro jogador começam a faltar. E isso acontece justamente quando todos precisavam estar presentes. Eventualmente metade do grupo falta e a diversão de quem é assíduo sofre.
Infelizmente mesas muito grandes sofrem desse mal e tendem a perder jogadores pelo caminho como resposta ao alto índice de ausência. Outro problema dessas mesas é o clima de bagunça quando uma crise explode. Tente ouvir sete pessoas falando ao mesmo tempo e gritando umas com as outras enquanto um necromante controlando uma armada de zumbis os ataca. O mestre tem que ser muito organizado ou impor uma ordem para que as coisas não degringolem.
O caos na mesa, entretanto, é apenas um dos problemas... se você já teve um grupo dividido sabe do que estou falando. Isso acontece quando dentro do grupo se formam panelinhas onde cada um acha que tem a razão. Se dois ou mais jogadores tem uma personalidade forte e começam a disputar o controle do resto do grupo a cisa pode sair do controle. Esse é um sinal de que as coisas vão descambar e o grupo de oito vai acabar virando dois de quatro.
Em cenários de CoC ou RdC essa é uma formação complicada. Um grupo com muitos jogadores pode dificultar uma investigação. Já pensou? Tente imaginar sete pessoas procurando pistas em um pequeno quarto de hotel onde aconteceu um assassinato. Uns pisam nas pistas, deixam marcas pelo ambiente, se espremem para ver o cadáver e se acotovelam em busca de provas.
Por outro lado, o grupo sempre pode se dividir para que cada grupo investigue um lugar diferente ou um fragmento de informação, mas embora isso possa funcionar, sempre tem o problema de que metade do grupo ficará aguardando a outra metade voltar o que é frustrante.
Um dos únicos fatores de interesse de um grupo desse tamanho é no momento do combate quando a maioria faz a difereça. Mesmo que o grupo não consiga enfrentar um horror como uma cria de Shub-Niggurath ou um Pólipo Voador, enquanto alguns caem diante do monstro o resto pode correr e escapar com vida.
A Cabeçada (12 jogadores ou mais)
É aqui que se divide os fortes dos fracos, tirem as crianças da sala (mesmo porque não tem espaço para mais ninguém).
Uma mesa tão grande é resultado de um delírio de grandeza do mestre ou síndrome de sempre cabe mais um. O fato é que o mestre carrega um peso que nem mesmo um elevador de carga deveria carregar sem o risco de despencar. Um número tão grande de jogadores exige muito do mestre em termos de paciência e preparação. A qualquer momento uma mesa dessas pode se transformar em uma feira livre, um falatório desvairado onde ninguém se entende e as coisas não vão andar não importa a boa vontade do mestre.
Cabe então a pergunta: uma mesa desse tamanho é impossível?
Não, mas com certeza ela não pode funcionar regularmente. Mesas desse tamanho são boas apenas para one-shots e aventuras no estilo fast and furious, onde personagens são varridos do mapa a cada cena.
Eu sempre me recordo de uma aventura de D&D que mestrei com esse numero de jogadores numa mesa. O grupo era composto de personagens de primeiro nível que se juntavam para salvar seu vilarejo natal da fome pois uma carroça que levava as sementes para o plantio fora roubada. O grupo descobria que a carroça tinha sido desviada por bandidos de estrada. Eles facilmente descobrem a trilha dos bandidos, mas o que eles não sabem é que eles cometeram um erro. Esconderam a carga numa caverna sem saber que nas profundezas dela havia uma masmorra abandonada habitada por uma big-f*cking-Hidra. O grupo se mete nessa presepada e acha que tudo está bem até que entra na masmorra e enfrenta um monstro muito mais poderoso do que eles poderiam imaginar. A cada ataque dois ou três morriam. A única forma de derrotar o monstro era acionando uma armadilha que abria o chão do aposento, mas até eles descobrirem isso... bem, você pode imaginar.
Esse tipo de aventura funciona bem em convenções ou quando um grande grupo de amigos se reúne e ninguém quer ficar de fora do joguinho amistoso, mas é preciso ser muito corajoso (ou doido) para investir seu tempo numa campanha com esse número de pessoas.
Sinceramente eu só mestrei uma aventura de Call of Cthulhu comportando esse número de jogadores e ela envolvia o cenário pronto "No Mans Land", da Chaosium. Nele, os personagens eram soldados em uma unidade da Primeira Guerra que eram destroçados cena após cena por inimigos e uma ameça onipresente dos Mythos, até que restavam uns poucos deles. Foi divertido e a conclusão da aventura valeu até um certificado escrito "eu joguei No Mans Land e sai vivo", que foi concedido a três jogadores.
Em termos de campanhas lovecraftianas "Beyond the Mountains of Madness" até poderia permitir essa confluência de jogadores numa mesma mesa, mas é altamente questionável se uma campanha assim funcionaria (ao menos com o keeper preservando sua sanidade até o final).
À seguir: Como facilitar (um pouco) a vida do Mestre?
4 ou 5 jogadores, para mim, fica bem legal :)
ResponderExcluirEu já mestrei para: um/dois/quatro/cinco/seis jogadores.
ResponderExcluirUma mesa pode ser caótica ou ordeira com muitos ou menos jogadores, mas a disciplina vem do mestre entrando em acordo com os jogadores.
Estou com o Tio Gary Gygax, prefiro mestrar para 4 jogadores. Consigo me concentrar melhor em desenvolver esses personagens junto com os jogadores e consigo dá a atenção que cada jogador merece.
Mais jogadores que isso torna o jogo lento, principalmente em batalhas de jogos tipos GURPS like ou D&D like.
Um ótimo post, parabéns !!!
Excelente post, para qualquer cenário de RPG!
ResponderExcluirJá mestrei mesas entre dois e 10 jogadores, e suas palavras são sábias: pelos deuses, como é difícil manter a ordem quando há mais de meia dúzia de jogadores! Principalmente aventuras/campanhas maduras, como as de CoC!
Apesar de meu grupo de seis jogadores em D&D ter perserverado por 8 anos em uma harmonia interessante...
Abraços!
Ótimo Post!
ResponderExcluirEu sempre tento mestrar para Grupos entre 4 e 6 Jogadores.
Um ponto que não foi abordado e que pra mim tem tudo a ver com esta questão, é a mistura de jogares experientes e iniciantes. A minha experiência nestes casos, mostrou que jogadores iniciantes tendem a se sentirem mais seguros para interpretar quando acompanhados de experientes, porém ainda sim os iniciantes costumam se comportar bem, tirando uma ou outra interrupção para tirar dúvidas. Portanto um grupo de 7 por exemplo, sendo 4 iniciantes, ao meu ver funciona bem também.
Muito legal sua escrita, minha primeira experiencia no rpg, logo quando era garoto, foi justamente com um grupo partido pelo odio, depois de algum tempo do termino do mesmo, eu acabei chegando a conclusão que era culpa do mestre devido ao fato que ao final de cada aventura, ele dividia o grupo e havia uma disputa como num coliseu, dai você entende o resto.
ResponderExcluirQuero muito narrar Ctchulhu, até hoje só li alguns livros e não sei se sou mestre pra esse cenário; sempre narrei D&D com seus herois imortais, apesar de que tenho um instinto muito assassino e por isso me interessei pelo Ctchulhu, vou acompanhar mais suas postagens, keep it up!
Post muito interessante!
ResponderExcluirUniu bem o relato de experiências tidas em todas as divisões com análise do que possivelmente ocorreria.
Eu particularmente acho 3 jogadores o número ideal. O bastante para haver polêmicas, debates, e um grupo mesmo, mas o mínimo pra não ficar um pouco monótono.
Atualmente a campanha que mestro para 5 jogadores tem me dado trabalho pelo falatório constante e impaciência em esperar o outro jogadores, enquanto outra com um único jogador continua sendo excelente e vencendo a monotonia.
Parabéns pelo Post! Sempre achei 4 jogadores o número ideal, porque cobre as funções principais. Agora estou numa empreitada de mestrar para 10, mas pretendo mesmo fazer um "Fast and Furious" pra reduzir esse número. hehehe
ResponderExcluirEu ja mestrei RPG para mais de 10 pessoas, com 30 pessoas lecionando em sala de aula e mega encontro de rpg e tendo dois co-mestres para auxiliar nas mesas, as dividindo em outras mesas ou cada um se especializando numa area: um fica na interpretacao, outro no sistema e outro no auxilio e verificacao dos pjs ajudando a todos se manterem focados no jogo.
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