quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Lovecraft e a Teosofia - A doutrina de Blavatsky como inspiração para o Mythos

Com base no texto de Robert M. Price
É inegável que a Teosofia, doutrina criada por Helena Blavatsky, ainda muito em voga no começo do século XX, tenha exercido uma forte influência na ficção fantástica e nos autores dessa época.

O escritor e historiador Lin Carter, traçou a influência da Teosofia na obra de H.P. Lovecraft, colocando-o entre aqueles que encontraram inspiração na doutrina para compor suas estórias. Para Carter, um dos maiores entendidos na obra de Lovecraft, o autor tomou emprestado vários conceitos teosóficos para construir os famigerados Mythos de Cthulhu.

É curioso que Lovecraft, um cético quanto a tudo que envolvia o oculto, tenha estudado a doutrina teosofista para nela basear seus mitos ancestrais. Mas tudo indica que ele tenha buscado ali parte de sua inspiração.

Em uma carta enviada para seu colega Clark Ashton Smith, Lovecraft revela seu interesse no assunto: "Eu venho tentando digerir o material e transformá-lo em um background mais sólido... as lendas sobre Atlântida e Lemúria se mostram bastante promissoras". Ao escrever para Willis Conover, Lovecraft é ainda mais incisivo: "Essa bobagem teosofista, que em alguns pontos cai na classe de farsa bem definida, consegue ser interessante em certos momentos".

Entretanto, ao que parece a familiaridade de Lovecraft sobre a Teosofia era um tanto limitada. Em outra correspondência enviada para Smith, ele menciona vários aspectos da doutrina que desconhece. Smith responde aconselhando-o a trocar idéias com E. Hoffman Price (outro autor envolvido no círculo dos mythos) que parece ter uma compreensão mais ampla do tema:

"Price descobriu em suas pesquisas a menção a um tipo de tratado a respeito de criaturas primordiais, um tal Livro de Dzyan, que supostamente contém os segredos sobre um mundo contemporâneo de Atlantida e Lemuria. Ele etsaria guardado na cidade sagrada de Shamballah, no Tibet. Acredita-se que seja o mais antigo livro do mundo, pois foi escrito no idioma Senzar (um ancestral do sânscrito). Não sei onde E. Hoffman encontrou essas referências, mas parece algo muito bom."

Animado com essa sugestão, Lovecraft realmente trocou correspondência com Price e obteve mais informações à respeito do lendário Livro de Dzyan. Tanto que resolveu incorporar o tomo ao Mythos de Cthulhu.

Em vários de seus contos, Lovecraft faz com que seus protagonistas esbarrem em livros antigos e repletos de saber perigoso. Há vários deles: o Livro de Eibon, o De Vermis Mysteriis, Cultes de Goules, o Unaussprechlichen Kulten, e é claro o maior de todos, o Necronomicon de Abdul Alhazred. Occasionalmente seus personagens descobrem outros tomos de conhecimento arcano e entre eles está o Livro de Dzyan. Em "The Haunter of the Dark" Robert Blake localiza uma cópia na biblioteca do Culto Starry Wisdom.

Em "The Diary of Alonzo Typer", também de autoria de Lovecraft o personagem que faz a narrativa revela em determinado trecho: "Aprendi muitos segredos com o Livro de Dzyan, cujos primeiros seis capítulos antecedem a vida na própria Terra".

Os seguidores de Lovecraft continuaram a usar o livro mencionado pelos teosofistas no universo dos Mythos de Cthulhu. Em "The Lurker at the Threshold", escrito por August Derleth o narrador se recorda: "Eu mergulhei naquelas páginas estranhas e terríveis, do Livro de Dzyan, do Dhol Chants, e dos Sete Livros Cripticos de Hsan. Neles li à respeito de terríveis blasfêmias e cultos do passado, em eras pré-humanas..."
Mas o que é o Livro de Dzyan? Será que a reputação estabelecida pelos autores de ficção fantástica é merecida? Na primeira página de seu livro mais conhecido "A Doutrina Secreta", Blavatsky o descreve como "um antigo manuscrito, uma coleção escrita em folhas de palmeira feitas impermeáveis à água, fogo e ar, através de um processo desconhecido".

A Tradição diz que o Livro de Dzyan teria sido escrito em senzar, idioma conhecido pelos sacerdotes de antigas civilizações perdidas e compartilhado por Seres Divinos, que ditaram as palavras para que fossem anotadas.

Não há provas que o Livro de Dzyan realmente existiu em algum momento da história humana, Madame Blavatsky jamais mostrou a cópia que ela dizia ter em seu poder. É possível, no entanto que o Livro de Dzyan na verdade seja um dos volumes do Rig Veda indiano que trata do "Hino da Criação". Para alguns estudiosos, Blavatsky se inspirou no texto aramaico-cabalístico, Sifra Di-Tseniutha. Existindo ou não, o Livro de Dzyan de Blavatsky é bem diferente daqueles apresentado pelos autores do Mythos. Ao menos no que diz respeito ao seu conteúdo blasfemo, capaz de levar o leitor à loucura.

Mas Lovecraft parece não ter tomado emprestado da Teosofia apenas a existência do sagrado Livro de Dzyan.

Em "The Shadow Out of Time", a grande raça de Yith projeta suas mentes através do tempo e espaço para habitar os corpos de criaturas em forma de cone no passado distante da Terra. Segundo a Doutrina Teosofista, algo similar acontece: uma raça superior que habitava Vênus é obrigada a lançar suas mentes para o interior de seres repulsivos, os Lemurianos originais, para assim escapar da extinção.

A noção é quase a mesma: seres com uma mente superior enviando suas consciências através do tempo e espaço para habitar os corpos de outros seres inferiores.

Tudo indica que Lovecraft se inspirou na teosofia para conceber as mentes Yithianas. Em uma carta, ele escreveu: "Algumas dessas idéias sobre seres monstruosos da antiga Lemúria são incrivelmente férteis de sugestões fantásticas." É quase como um reconheciemnto de que ali estava um bom material, apenas esperando ser adaptado.

Lovecraft também parece ter "tomado emprestado" dos teosofistas a referência a cidadelas ciclópicas em ruínas que um dia foram habitadas por raças não-humanas.

Em "Out of the Eons", ele escreveu: "uma gigantesca fortaleza ciclópica de pedra erigida pelas criaturas alienígenas do escuro planeta Yuggoth, que colonizaram a Terra antes do nascimento da humanidade". Em "The Call of Cthulhu", os sonhos de Wilcox se referem a R´Lyeh, "uma horrível cidade ciclópica construída com pedra esverdeada". Já em "The Dream Quest of Unknown Kadath", o protagonista Randolph Carter pondera em determinado momento a respeito das "vastas ruínas de uma cidade construída com tijolos de lama cujo nome foi esquecido", e mais adiante comenta que "Carter não gostava do tamanho e formato das ruínas e nem das dimensões que os antigos habitantes deviam ter".

Os Teosofistas citam as mesmas cidades de proporções ciclópicas que mais pareciam atender às necessidades de raças gigantes do que a humanos. Blavatsky declara: "estas ruínas ciclópicas de pedras colossais, testemunharam a existência de gigantes que nelas habitaram muito antes do homem".

Ela atribui ainda aos lemurianos a construção destas cidadelas: "Eles aprenderam a erguer grandes cidades com uma arquitetura ciclópica, adaptada aos seus corpos gigantescos". Na doutrina teosofista, os lemurianos eram gigantes embrutecidos com algo entre quatro e seis metros de altura.

Mas em alguns momentos de sua ficção, Lovecraft se referiu diretamente a Teosofia deixando transparecer a sua idéia à respeito dela.

Em "The Call of Cthulhu", o viajado marinheiro Castro revela o que ele sabe a respeito de Cthulhu e dos Grandes Antigos. Lovecraft escreve: "O velho Castro recordava-se de fragmentos de lendas hediondas que empalideceriam as especulações dos teosofistas e que faziam o homem e o mundo parecerem realmente recentes e efêmeros".

Na mesma estória, o narrador descreve um arquivo de papéis que eventualmente revelam a verdade sobre o Culto de Cthulhu: "todos os demais manuscritos eram notas breves, sendo algumas delas relatos de estranhos sonhos, citações de livros e revistas teosóficas (principalmente de "A Atlântida" e a "perdida Lemúria") de W. Scott-Elliott's". Lovecraft havia lido esses dois livros e deve ter tido acesso às revistas editadas pelos teosofistas, material que sem dúvida incendiou sua imaginação.

Em "Out of the Eons", um excêntrico curador é descrito nos seguintes termos: "Um sabichão de conhecimento teosófico."

O que Lovecraft parecia implicar em seus contos é que os Teosofistas só detinham uma pequena parcela da terrível verdade sobre a criação do mundo e que não conseguiam compreender o caráter perigoso desse saber. De fato, o narrador em Call of Cthulhu diz: "Os Teosofistas têm feito conjecturas sobre a magnitude assustadora do ciclo cósmico, do qual nosso mundo e a raça humana contituem incidentes efêmeros. Têm feito alusões a estranhas sobrevivências, em termos que fariam congelar o sangue se não fossem mascarados por ameno otimismo".

Na concepção de Lovecraft os Teosofistas podem estar certos em parte, mas não sabem toda a verdade sobre a gênese humana. Eles entenderam corretamente que a criação da humanidade está relacionada intimamente a ação de seres alienígenas super-avançados, mas falham em entender como isso aconteceu. Pior ainda eles tentam ver essa relação entre a humanidade e as criaturas superioras de forma otimista, como se a humanidade tivesse sido criada por estes seres com razão e propósito.

Lovecraft pinta um cenário com cores escuras e num tom pessimista. Como fica claro em "At the Mountains of Madness", a humanidade surgiu acidentalmente nos laboratórios de criaturas ancestrais (os Elder Things). Ela não foi concebida com um propósito nobre e determinante.

Lovecraft parece ter atingido em cheio o pomo da discórdia entre criacionistas e darwinistas: se o homem teve uma origem aleatória, então seu significado e seu destino também devem ser aleatórios. Ou seja estamos aqui ao acaso e nossa presença pouco (ou nada) importa para o funcionamento do universo.

Em maior ou menor grau, é evidente que Lovecraft se apropriou de algumas noções teosóficas para suas estórias. É irônico lembrar que a mitologia do próprio Lovecraft serviu como base para Erick von Däniken e suas teorias a respeito de deuses astronautas.

Tudo indica que o ciclo está longe de se encerrar.

3 comentários:

  1. Meio off-topic, mas precisava postar isso: estava navegando e achei uma foto de um hospital que parece ter saído direto dos pesadelos de Lovecraft:

    http://www.bonnibenrubi.com/Christopher-Payne_1372_artworkdetails.html

    ResponderExcluir
  2. Engraçado...quando eu lia Ísis sem véu de Blavatsky e suas raças raízes,só lembrava de Lovecraft e Robert E. Howard.
    ótima matéria!
    continuem o bom trabalho!

    ResponderExcluir
  3. Muito boa observação, estou escrevendo um texto sobre isso também. Vou citar o seu.

    ResponderExcluir