H. P. Lovecraft disse certa vez que dentre as estórias que ele escreveu, “The Colour out of Space” (A Cor que caiu do espaço) estava entre as suas favoritos. Embora eu pessoalmente tenha outros entre meus preferidos, "A Cor" teria lugar em minha lista de cinco melhores.
Aparentemente, a cor também é a favorita de muitos cineastas, já que por três vezes este clássico conto de horror foi adaptado para as telas de cinema.
A primeira vez em 1965 com o filme "Die Monster, Die" (Morra Monstro, morra), estrelado por ninguém menos que Boris Karloff (já com a carreira em franco declínio). Depois em 1987, foi a vez de "The Curse" (A Maldição - Raízes do Terror), estrelado por Wil "não me chame de Wesley Crusher" Wheaton. Nenhum desses dois no entanto conseguiu ser fiel à obra de Lovecraft. Na realidade, esses filmes usam apenas a premissa original do conto em que um meteoro cai na Terra causando estranhas alterações nas formas de vida nativas. Curiosamente, pouco ou quase nada desses dois filmes se refere a criatura alienígena no interior do meteoro, o horror ficava à cargo de plantas e animais modificados.
Eu estava à procura de um filme alemão chamado "Der Farbe" (traduzido como "A Cor") que até onde sei foi lançado ano passado. Algumas pessoas falaram bem à respeito dele e eu queria conferir o resultado. Não consegui encontrar esse filme, no entanto, pesquisando um pouco mais esbarrei em outra versão de "A Cor" que eu sequer conhecida.
Trata-se de uma modesta produção italiana de 2008 intitulada "The Colour from the Dark" (A Cor da Escuridão).
Eu sempre gostei do cinema de horror da Itália. Dario Argento, Mario Bava e Lucio Fulvi, são apenas alguns nomes de peso entre os grandes realizadores do horror na terra do espaguete. Eles conseguiam transmitir mais suspense e apreensão em cenas silenciosas e enquadramentos do que diretores atuais gastando rios de dinheiro em efeitos digitais inócuos.
A escola italiana nos deu grandes mestres e ao que parece, o diretor Ivan Zuccon tentou se espelhar neles para compor sua versão de "Colour out of Space". O filme não chega a ser uma adaptação fiel do conto, mas tem seus méritos sobretudo quando recorre a imagens surreais e incômodas. Uma pena não haver mais sonhos e devaneios oníricos como o do início do filme.
Uma boa sacada do diretor é explorar a fotografia e cores do filme. As cores parecem ser um elemento marcante, da palidez funesta das pessoas lentamente consumidas pela criatura alienígena, passando pelo tom avermelhado que a criatura emite, até o cinza profundo ao retratar em pormenores como um cadáver em lento processo de decomposição pode ser assustador. "Colour from the Dark" possui várias imagens impactantes cujo choque é acentuado pela fotografia incomum.
Ok, visualmente o filme está em ordem, mas como todos os fãs do gênero bem sabem, o roteiro é o grande divisor de águas separando filmes de terror que valem à pena serem assistidos das bobagens que a gente esquece logo depois de ver.
O filme se passa no interior da Itália durante a Segunda Guerra Mundial e foca em uma família de fazendeiros composta por Pietro (Michael Segal) e sua esposa Lucia (Debbie Rochon) que vivem em uma modesta propriedade na companhia de Alice (Marysia Kay) a irmã muda de Lucia. A guerra rolando solta, mas a grande preocupação deles é com sua fazenda e sua própria sobrevivência. Certo dia uma estranha luminosidade emerge do poço de água pouco antes de uma explosão e do surgimento de uma nuvem de fumaça. Estranhamente a partir de então a água adquire propriedades medicinais e os vegetais começam a crescer. Mas como sempre, é questão de tempo até que coisas estranhas aconteçam levando os moradores da fazenda à loucura e desespero.
Em essência, o filme conta a estória de uma força alienígena desconhecida, uma coisa indescritível - apenas uma cor - capaz de consumir a vida à sua volta, e como as pessoas afetadas por esse fenômeno reagem. Nesse aspecto ele tem um clima bastante fiel ao conto no qual se baseia. Há uma aura de corrupção, deterioração e medo permeando todo o filme. A cor é indestrutível e implacável e as pessoas lentamente vão perdendo suas forças e a própria sanidade, algo bem dentro do espírito lovecraftiano.
O elenco faz o possível para representar essa degradação. Se os artistas não são brilhantes, ao menos se esforçam para passar a sensação de medo que seus personagens estão sentindo. Há algumas escorregadas, mas nada que comprometa. Uma coisa interessante é que apesar do filme ter sido filmado e produzido na Itália, todos falam inglês. Muito provavelmente para chegar ao mercado internacional, o diretor optou em trabalhar com artistas fluentes em inglês, o que facilita bastante.
Mas se por um lado, o filme chega perto de ser envolvente, por outro dá longas passadas na direção contrária ao cometer algumas gafes imperdoáveis.
Uma das mudanças mais profundas diz respeito à origem da criatura. No filme, a cor não veio do espaço viajando em um meteoro, mas das profundezas da Terra (por isso o título diferente). Eu realmente adoro o conceito original de que o Cosmos é muito mais vasto que podemos supor e que nessa vastidão existem coisas inexplicáveis, entre as quais formas de vida totalmente incompatíveis com as que estamos habituados. E o contato com essas coisas, sempre será de alguma forma traumático.
De um modo geral, eu não ficaria muito chateado com essa mudança, mas é a implicação filosófica do que significa "vir das profundezas" que me incomoda.
Há uma forte aura religiosa no filme, sobretudo no que diz respeito a criatura e uma possível origem satânica dela. Há algumas cenas em que aparecem crucifixos e outros objetos de iconografia cristã sendo derretidos pelo monstro e uma espécie de possessão demoníaca com toques de luxúria que remete diretamente ao Exorcista. O interesse da criatura por desvirtuar e ridicularizar os valores religiosos dos personagens me leva a crer que ela não é um monstro alienígena que não dá a mínima pela humanidade (um dos dogmas lovecraftianos). A cor se assemelha mais a um tipo de manifestação diabólica disposta a tentar, perverter e destruir os personagens.
Esse tipo de visão pseudo-religiosa quase coloca tudo a perder. Não sei se o diretor resolver incluir esse embate entre "bem e mal" em virtude de suas crenças particulares, mas o fato é que foi uma tremenda besteira. O sempre ateu e materialista Lovecraft deixava claro que as criaturas do Mythos não eram demônios, mas entidades de poder cósmico incalculável. Insistir na explicação religiosa para racionalizar as ações da criatura é remar contra a corrente, ainda mais em se tratando de um filme baseado na obra de Lovecraft.
Lá pela metade do filme eu resolvi esquecer que ele pretende ser uma adaptação de "A Cor que caiu do Céu" e passei a assistir como um filme de terror qualquer. Ajudou bastante.
Para quem conseguir abstrair esses detalhes, encontrará um filme que é apenas diversão descompromissada, com direito a alguns sustos.
Trailer:
Quando o trailer começou já tomei um belo de um susto, pois tanto o volume do PC quanto do YouTube estavam no máximo. De fato, parece ser bastante interessante, a não ser pelo pecado mortal que o diretor cometeu de retratar "a cor" como um demônio. Esse conto, inclusive, é um de meus favoritos, pois me deixou tão agoniado e arrepiado quanto as personagens. Pelo que vi aqui, esse filme consegue fazer o espectador se sentir da mesma forma, o que garantiu minha curiosidade. Assim que puder, vou dar uma conferida! ;D
ResponderExcluireu já tinha assistido esse filme, e a impressão que tive foi de que "a cor" estava enterrada, tipo, ela caiu a muito tempo lá, mas por algum motivo, ñ tinha se libertado do meteoro!
ResponderExcluirsobre a questão religiosa, acho que a criatura perverteria qualquer crença que as pessoas tivessem, independente de ser uma fé cristã ou não!
Pela menção na resenha à presença dos símbolos religiosos, me lembrei do "Dagon" (o filme espanhol, não o conto) e dos primeiros três "Hellraiser"... Vou dar uma conferida! {:
ResponderExcluirSaiu em 2019 a adaptação para "A Cor que caiu do céu" com Nicholas Cage. O filme ficou mais próximo de "Enigma do outro mundo" com a bizarrice de assimilação corporal. A cena no estábulo é igual a cena do cachorro mutante na estação ártica do filme de John Carpenter. Os personagens do conto de Lovecraft sofrem de uma apatia, os desse filme ficam histéricos.
ResponderExcluirSenti falta do amigo da família, narrador do triste fim deles e da análise final quando a coisa aparentemente arruma as malas e parte de volta pro cosmo.