sábado, 26 de maio de 2012

Minha primeira aventura de Cthulhu - Saudosismo de um jogador de RPG veterano


Todo mestre ou jogador de RPG tem alguma estória para contar à respeito de uma mesa de jogo memorável ou de algo que aconteceu em um determinado jogo.

Bom, eu jogo RPG desde 1988, então o que não falta são estórias. Algumas trazem lembrança agradáveis de um tempo em que para jogar bastava reunir dois ou três amigos e sentar em volta de uma mesa para rolar dados sem compromisso. Se eu soubesse que isso ficaria gradualmente mais e mais difícil, eu teria jogado mais... teria aproveitado melhor o tempo livre. Mas quando a gente é moleque parece que sempre vamos ter tempo livre, o que aprendemos a duras penas não é bem verdade. (é oficial, estou ficando velho...)

Mas enfim.


Eu comecei a jogar Call of Cthulhu junto com meu primeiro grupo de RPG. Colegas da saudosa "Geração Xerox" que descobriram ao mesmo tempo que havia outros dados além do d6. Depois de ter explorado inúmeras masmorras, matado uma quantidade absurda de monstros e vencido dragões cuspidores de fogo, um colega que havíamos conhecido numa mesa da lendária RPG Rio (quem jogou RPG no Rio de Janeiro no início da década de 90 sabe do que estou falando!), disse que podia mestrar para nós Call of Cthulhu. Era só combinar! Uau, aquilo sim era uma mudança! Não que matar monstros e dragões, não fosse divertido, era e muito... mas algo naquele jogo com deuses obscuros, tomos malditos e criaturas bizarras me atraiu desde o início.

A transição de jogos de aventura, onde seu personagem é quase um semi-deus, para um jogo basicamente investigativo, onde os personagens são frágeis e impotentes, pode ser meio radical. Nem todos meus amigos foram fisgados de imediato. Lembro de um deles discursando: "O que? É aquele jogo em que se um monstro espirrar em você, seu personagem morre? É ruim (quem lembra da maneira que se falava na época? "É ruiiiiiim, hein") de eu jogar isso de novo!"

Os que abraçaram essa nova proposta, no entanto, mergulharam de cabeça no horror do Mythos.

Mas deixem eu voltar um pouco e falar sobre a primeira vez que joguei Call of Cthulhu.

A primeira aventura de Call of Cthulhu que eu joguei foi mestrada pelo meu caro colega Artur Vecchi, lá na tal RPG Rio. Sei que você deve ler esse texto Sr. Vecchi, então lhe pergunto diretamente: será que você sabia que esse jogo teria tanta influência, que passados quase 20 anos (é, tudo isso!) ainda falo dele sempre que alguém pergunta como comecei a jogar CoC? Imagino que não, mas sempre vou lembrar daquela aventura, como já te disse em algumas ocasiões.

O cenário era "O Sanatório" uma das aventuras do Mansions of Madness, módulo clássico de aventuras cuja primeira edição saiu lá pelos idos de 1990 (mais um sinal que estou ficando velho, me referir a uma data como "pelos idos" é f*d@).

A aventura aconteceu durante a terceira edição da RPG Rio no campus da UERJ perto do Maracanã. Foi na notória "Sala do Horror", um amplo salão com paredes cinzentas e janelas cobertas por papel pardo para deixar o ambiente mais soturno. Para completar a "decoração", alguém desenhou pentagramas no chão e nos quadros negros. Ambiente perfeito para cenários de horror -- quer dizer, mais ou menos perfeito, lembro que nesses tempos, garotas raramente jogavam RPG de modo que a sala estava entupida por uma centena de caras vestindo camisas pretas de bandas de metal em um típico dia quente no Rio. Nem preciso dizer que o horror ganhava toda uma nova conotação naquele ambiente pra lá de insalubre.

Nas mesas rolava o que havia de mais legal em ambientações dentro do gênero horror até então. Tinham algumas mesas de um novinho em folha RavenloftChill, Beyond the Supernatural, GURPS Horror e até uma mesa de um sistema novo que tinha acabado de ser lançado, o tal Vampire, the Masquerade. Vou te dizer, por pouco, não migrei para essa mesa vizinha que contava até com uma certa aglomeração de curiosos que queriam folhear aquele livro de capa dura esverdeado.

Mas eu estava ali para conhecer Cthulhu, e os Deuses Antigos não permitiriam que meros vampiros (kindreds como fazia questão de dizer o dono do livro) e seus joguinhos de intriga, se colocassem no meu caminho rumo a conversão: "Esse aí um dia será fiel ao culto", o Grande C deve ter pensado lá das profundezas.


O personagem que eu recebi era um professor de meia idade que visitava uma ilha isolada onde havia sido contratado para trabalhar no manicômio local. Eu lembro que o personagem tinha Força 5! C-I-N-C-O! Quando eu perguntei porque, o keeper disse sorrindo: "Não vai fazer muita diferença". Não sei porque cargas d'água, mas o personagem estava acompanhado do seu filho adolescente que era um atleta cabeça de vento. Deviam ter mais uns 6 jogadores, não lembro bem desse detalhe, mas a mesa era do tipo coração de mãe e aceitava qualquer um.

Logo que o jogo começou descobríamos, é claro, que alguma coisa desagradável havia acontecido no sanatório. Os médicos tinham sido mortos e os maluquinhos vagavam pelo prédio. Antes de poder pedir socorro, o grupo encontrava o único rádio destruído e a balsa em que haviam chegado à deriva, deixando os pobres personagens presos na ilha. Para piorar, um enfermeiro havia pirado de vez e andava por aí armado com um machado de lenhador murmurando: "carne para meu mestre!"

E o tal "mestre" saciou a  sua fome às custas de NPCs e PCs sem cerimônia.

O momento mais marcante foi quando o meu "filho" cabeça oca foi atacado. Foi uma daquelas cenas idiotas que só quem é noob em Cthulhu embarca -- ele saiu da casa sozinho para ver se conseguia achar uma arma no celeiro. O tal enfermeiro surgiu de surpresa e cravou o machado nas costas do infeliz enquanto gritava sua frase de efeito.

Todo mundo na mesa perdeu 1d4 pontos de sanidade... menos eu. Como o falecido (o cara morreu com a machadada!) era meu "filho" eu perdi 1d10 pontos. Rolei o dado e lá foi.. 10! D-E-Z.

Antes que eu pudesse perguntar o que aquilo queria dizer, o keeper (você mesmo Artur, não se esconde aí não!), disse algo como: "Olha, um maluco acaba de matar seu filho com um machado. Como você reage?"


Caramba, troço profundo! Até então, na minha biografia como jogador eu havia perdido alguns aliados inócuos, mas nunca um membro da família (por mais idiota e descuidado que fosse!).

"- Eu grito em desespero!" disse, parecia a reação condizente.

"- Boa! Então grita aí" disse o keeper.

"- Como é?" perguntei meio sem entender.

"- É grita aí! Você perdeu seu filho, grita aí!"

"- aaaah" eu murmurei meio sem graça.

"- Não... assim não... assim ó: AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHH"!!!!!!!!!!!

Momento de silêncio. Todas as mesas no "Salão do Terror" pararam o que estavam fazendo. Dados congelaram no ar. Monstros olharam para o lado. Heróis ficaram estáticos.

E em seguida vem a reação: Aplausos!

De todos os cantos, de todas as mesas, de todos mestres e jogadores presentes.

Grande estória, grande aventura, grande interpretação.


Ah sim, meu personagem acometido de uma Insanidade ficou para trás quando o tal "mestre", uma bolha assassina apareceu e resolveu devorar pessoalmente os jogadores sem confiar em intermediários...

Mas não tinha importância. Todos os personagens morreram vítimas da criatura e de sua terrível fome blasfema. Um dos meus colegas mais radicais reclamou (aquele que discursou contra a mortalidade do sistema), mas da minha parte, era fato consumado: Cthulhu havia lançado seus tentáculos e o culto havia ganhado mais um seguidor fiel.

Depois dessa aventura eu me tornei um fã do cenário. Um dos jogadores que fazia parte da mesa tinha o livro e estava animadíssimo para mestrar e os que tinham gostado queriam mais, mais, mais... esse keeper, também muito bom por sinal, mestrou algumas vezes para nós e fortaleceu nosso vínculo com Cthulhu.

O resto... bom, o resto é história.

Ah sim, antes de concluir. Encontrei com o Vecchi muitos anos depois, por acaso na internet. Ele já tinha se mudado do Rio, casado e tal. Mas é claro, ele ainda jogava Call of Cthulhu e tivemos a chance de jogar por Play by Forum na rpol. Quando a gente se esbarra pelos chats, blogs e Facebook da vida trocamos idéias sobre nossos jogos.

Quem sabe uma hora dessas a gente toma vergonha na cara e rola uns dados de novo.

5 comentários:

  1. ótimas Lembranças. Até hoje, o Sanatório é a aventura de Cthulhu que eu uso em eventos. He he he.

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  2. E quando tiver essa reunião, pode me chamar, que eu sempre que posso, rolo meus dados com o Grande C...

    E o Vecchi também é amigão meu!

    E abração. Parabéns pelo blog... virei fã!


    Charles B Pessanha

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  3. Cara gostei muito do post. Você me fez lembrar os meus começos lá nos anos 90... quase que choro.

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  4. Outro dia tentei comentar mas acho que ñ rolou. Vecchi é o cara que tinha um blog sobre uma campanha chamada S.I.DE?

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