Narrar uma sessão de RPG (seja ele qual for) é uma tarefa que consome tempo e requer certo grau de dedicação.
Aceitar ser o narrador em um grupo de RPG significa não apenas ser aquele que vai conduzir a brincadeira, descrever os acontecimentos e rolar os dados. O narrador é responsável por todos os coadjuvantes do cenário, todos os aliados e inimigos, todas as armadilhas e ameaças, ele precisa saber o que existe em cada sala, em cada câmara e aposento. Precisa definir quando e como uma determinada situação vai se iniciar, quanto tempo ela vai durar, quanto tempo levará para ela terminar. Deverá ainda arbitrar sobre situações que fogem ao seu controle, improvisar quando necessário e buscar nos livros de regras, suplementos ou na própria memória informações pertinentes que se adequem a situação.
Mais ainda, o Narrador muitas vezes precisa criar a estória, rechear cada episódio de sua crônica com acontecimentos, tudo isso de forma divertida, excitante e emocionante.
Em geral narrar é uma tarefa do tipo "ame ou odeie". E sim é verdade, nem todo mundo consegue fazê-lo.
Tenho amigos que jogam RPG há mais de 15 anos e que não querem narrar nem amarrados. "Tá maluco? narrar eu? Nem pensar..." e as razões não são poucas: falta de tempo para escrever estórias, falta de vontade, falta de conhecimento das regras, disposição ou mesmo vocação para a coisa. Muita gente diz que não consegue se divertir quando senta na cabeceira da mesa e profere as célebres palavras: "E então vamos começar a aventura?"
Eu tinha um amigo que era excelente jogador. O cara construía personagens fora de série. Tinha ótimas idéias durante o jogo. Fazia um roleplay perfeito com os demais jogadores, muitas vezes incentivando a interação na mesa. Além disso, ele conhecia as regras bem demais. Mas na hora de narrar, travava.
É bem comum que dentro do grupo de jogo, apareça alguém que gosta de ser o Narrador - eu pessoalmente prefiro narrar a jogar. Nesse caso, o sujeito se torna o mestre habitual do grupo. Os jogadores simplesmente se acostumam com seu estilo de jogo: sugerem sistemas e ambientações, ansiosos para que o mestre "faça sua mágica". Mas algumas vezes, mesmo o narrador habitual tem a oportunidade de ocupar a cadeira de jogador, nem que seja para variar um pouco.
Ocupar a posição de jogador pode ser um desafio para quem está habituado a ser exclusivamente narrador. O indivíduo se acostuma a ter a palavra final nos assuntos de jogo e em alguns casos quer continuar tendo essa prerrogativa. Por vezes o que acontece é que excelentes mestres acabam sendo jogadores problemáticos, até chatos. E isso é uma pena, pois narradores tem muito a oferecer quando jogam. Eles normalmente tem boas idéias para ultrapassar obstáculos (afinal de contas, eles costumam criar esses mesmos obstáculos). Além disso, um mestre veterano pode ser uma ótima fonte de ajuda para um mestre iniciante.
Esses dias eu tive a oportunidade de jogar em uma mesa com um mestre iniciante e em alguns momentos flagrei a mim mesmo infringindo algumas regras elencadas abaixo.
Resolvi então escrever algumas sugestões sobre a conduta de um mestre habitual sendo jogador.
1 - Evite dar sugestões ao Narrador quanto ao seu estilo de narrar, a não ser que ele peça. Aprender a conduzir uma aventura de RPG pode levar algum tempo. Na verdade, não existe uma forma correta de narrar uma sessão de RPG, mas manhas que vêm com o tempo e com a prática. Isso não se aprende no livro de regras, é algo que vem naturalmente a medida que o narrador vai aperfeiçoando o seu estilo e conhecendo seus jogadores. Minha sugestão? Deixe o mestre encontrar o seu próprio estilo, não tente dizer como ele deve conduzir sua narrativa ou como ele deve se comportar. Em alguns casos, sugestões não solicitadas podem atrapalhar mais do que ajudar.
2 - Se você em algum momento abrir a boca para dizer "Mas em minha mesa...", pare no meio da frase. A não ser que seja durante uma pausa, ou se você estiver relatando alguma coisa divertida que aconteceu na sua mesa, essas são palavras mortais. Lembre-se "esse não é seu jogo". Cada narrador tem seu sistema, seu enfoque, seu método se preferir. Só porque o estilo do outro narrador é diferente, isso não significa que ele seja errado. Tenha em mente que um narrador pode ter um estilo muito diferente do seu, mas dê uma chance a ele. É claro, se esse estilo se mostrar um obstáculo para sua diversão, fale com o narrador e exponha claramente suas razões, tente se adaptar e se tudo mais falhar, procure outro grupo.
3 - Se você tiver de falar com outro mestre sobre a maneira como ele conduz sua aventura, lembre-se que você é um jogador. Não diga a ele como você arbitraria diferente uma determinada situação (a não ser que ele pergunte). Ofereça opções de forma construtiva e esteja aberto a interpretações. Existem narradores que levam a sério a palavra "mestre" e não aceitam sugestões ao seu estilo. No geral, contudo, uma troca de idéias sempre é bem vinda como forma de reforçar a dinâmica do grupo e garantir a diversão de todos.
4 - Tente manter informações privilegiadas fora do jogo. Isso tende a ser complicado! Muitas vezes, um mestre habitual conhece como a palma de sua mão os segredos e mistérios de sua ambientação. Então, antes que você comece a explorar esse conhecimento extra, pergunte a si mesmo se o seu personagem teria esse mesmo grau de conhecimento. Seja honesto. Se a resposta é não, então use apenas o que seu personagem souber e ignore todo resto. Eu sei, é duro em alguns momentos, mas bancar o sabichão pode ser frustrante para o narrador e para seus colegas jogadores.
5 - Não corrija ou contradiga o mestre sobre um determinado aspecto da aventura. Mesmo que você conheça uma ambientação de cor e salteado, não aponte erros sobre algum elemento que você supõe ser dissonante. Por vezes, faz parte da aventura, que o mestre altere alguma informação ou subverta algum trecho. Nunca esqueci de uma aventura em que um jogador teimou com o mestre sobre a inviabilidade da presença de um determinado personagem na região em que se passava a aventura, até que o narrador exausto, revelou que o personagem era uma criatura capaz de mudar de forma.
6 - Não sobrecarregue o narrador. De um modo geral, jogadores tem menos trabalho do que mestres, afinal de contas sua responsabilidade se restringe a cuidar apenas de um personagem. Em alguns momentos narradores habituais que se tornam jogadores mostram-se extremamente minuciosos e detalhistas. A não ser que o mestre esteja de acordo, não entregue para ele uma ficha com 50 páginas de background do seu personagem esperando que ele leia e aborde cada elemento desse histórico na campanha. Da mesma forma, não presuma que "house rules" aceitas na sua mesa serão empregadas por outro narrador. Apresente essas regras opcionais e explique porque você as utiliza, mas não crie um caso se o seu colega não as adotar em sua campanha.
6 - Não sobrecarregue o narrador. De um modo geral, jogadores tem menos trabalho do que mestres, afinal de contas sua responsabilidade se restringe a cuidar apenas de um personagem. Em alguns momentos narradores habituais que se tornam jogadores mostram-se extremamente minuciosos e detalhistas. A não ser que o mestre esteja de acordo, não entregue para ele uma ficha com 50 páginas de background do seu personagem esperando que ele leia e aborde cada elemento desse histórico na campanha. Da mesma forma, não presuma que "house rules" aceitas na sua mesa serão empregadas por outro narrador. Apresente essas regras opcionais e explique porque você as utiliza, mas não crie um caso se o seu colega não as adotar em sua campanha.
7 - Compreenda a dinâmica do grupo. Essa é uma dica útil para jogadores que normalmente são mestres e estão entrando em uma mesa já consolidada e formada por um grupo já entrosado. Cada grupo possui seus próprios "rituais" e comportamento e é chato quando um jogador recém-chegado tenta mudar algo que por muito tempo funcionou. Claro, você não precisa aceitar tudo, bom senso é a palavra chave aqui.
8 - Não seja um advogado de regras. No mundo do RPG, poucas coisas podem ser mais irritantes do que um jogador que quer conduzir o jogo e tomar o lugar do mestre amparado pelo livro de regras de baixo do braço. Não estou dizendo que o jogador deve ficar quieto diante de um flagrante erro de interpretação, mas há uma maneira certa e uma errada de abordar o narrador sobre esse tema e a boa convivência demanda que educação, simpatia e compreensão fazem parte do caminho certo.
9 - Finalmente, seja o tipo de jogador que você gostaria de ter em sua mesa. Talvez esse seja o conselho mais abrangente. Bons jogadores motivados e empolgados são tão, ou até mais importantes, para o funcionamento de uma mesa do que a estória contada. Um bom narrador adora ter bons jogadores em sua mesa, é como um maestro que confia nos músicos que compõem a sua sinfônica. Uma boa aventura depende muito da interação entre os jogadores e de como eles se deixam envolver pela estória.
Bom é isso...
Dicas excelentes mesmo para quem não é mestre habitual. Muitos jogadores precisam ler isso aí para aprenderem a se comportar melhor nas mesas por aí.
ResponderExcluirAprender com os erros também é válido. Há alguns anos, jogando em um evento, o mestre apresentou um monstro que eu descobri de cara qual era. Fui o pior metagamer possível, usando essas informações ao meu favor.
ResponderExcluireu odeio metajogo. Hoje reconheço isso e tento fazer exatamente o oposto quando eu jogo. Se eu sei qual a fraqueza de um monstro, ou algo do tipo, simplesmente ignoro essa informação.
Muito boas as dicas, vou repassar pros meus jogadores.