quarta-feira, 7 de junho de 2017

Ironclads - O Poder do Ferro sobre a Madeira e uma batalha naval épica


Postado originalmente em 24/02/2013

O início da Guerra Civil Americana foi muito desfavorável para os Estados Confederados. Eles iniciaram a Guerra mal preparados para um conflito dessa magnitude. Sua marinha era absolutamente deficitária, formada por alguns poucos navios mercantes modificados para a guerra. Nos primeiros meses da Guerra, o Norte aproveitou sua superioridade naval e conquistou importantes vitórias impondo um bloqueio que estrangulava as linhas de abastecimento das tropas rebeldes.

A medida que a guerra se espalhava e o número de vítimas aumentava, os Confederados buscavam uma solução para o impasse que poderia decretar sua rápida derrota. Por volta de 1861, engenheiros confederados tiveram uma idéia no mínimo ousada.

O grupo de engenheiros navais liderados pelo Tenente John Mercer Brooke tinham como missão  modernizar a marinha sulista. Para isso, apresentaram a proposta aos generais perguntando a eles: "O que faz com que um navio seja derrotado em uma batalha naval?" ao que responderam imediatamente: "Ser atingido pelas armas do inimigo". Sorrindo Mercer Brooke concluiu: "Senhores nossa proposta é fazer com que nossos navios se tornem imunes às armas do inimigo". 

O princípio era extremamente simples! Eles soldaram enormes placas de ferro fundido ao longo do casco de uma de suas fragatas à vapor, o Merrimack, uma de suas mais importantes embarcações. As espessas placas de ferro eram não apenas capazes de resistir a artilharia pesada, mas conseguiam fazer com que os projéteis se desviassem sem causar danos significaticos. Um disparo direto que atingisse o casco reforçado ricocheteava explodindo longe da embarcação. 

Foi assim que surgiu o primeiro Ironclad (Encouraçado).


A aparência do Merrimack era no mínimo intimidadora.  O navio parecia uma imensa tartaruga pré-histórica silenciosa e cheia de espinhos ou um feroz jacaré do Mississipi. Ele era lento, mas com a sua proteção não precisava ter grande mobilidade, a vantagem do Encouraçado era suportar o castigo do inimigo e devolver cada petardo recebido. 

O enorme peso extra fazia ainda com que o Merrimack afundasse ficando abaixo do nível do costado das demais embarcações. Isso não apenas o tornava mais protegido dos disparos das fragatas da União, mas garantia uma vantagem estratégica. Estações de tiro foram distribuídas em suas laterais, cinco de cada lado. Cada estação, guarnecida por um canhão pesado era capaz de disparar pouco acima da linha da água, um excelente local para danificar seriamente os navios inimigos. Mas a arma mais ameaçadora do Encouraçado era o imenso ariete em forma de cabeça de arpão que foi posicionado em sua proa como o bico de uma ave de rapina. Investindo contra um oponente o aríete de ferro fundido podia furar o casco de outros navios levando-os a pique em minutos.

O Merrimack era uma arma poderosa que logo se provou letal tornando-se o indiscutível senhor dos Mares, rios e afluentes. A novidade causou comoção e instalou um clima de apreensão. Dizia-se que um Monstro Marinho nadava em águas rasas afundando e destruíndo as fragatas da União. A besta surgia do nada, em meio a uma nuvem de fumaça escura, investia contra as embarcações, partindo quilhas e arruinando a orgulhosa marinha de guerra do Norte. Não por acaso, o novelista Julio Verne se inspirou nas notícias sobre o Merrimack para conceber o Nautilus, a célebre embarcação do Capitão Nemo, personagem de Vinte Mil Léguas Submarinas. 

Descrito como um navio como nenhum outro, custou ao Norte compreender que estava diante de um oponente contra o qual pouco podia fazer. 


8 de março de 1861 foi um dia negro para a Frota da União ancorada em Hampton Roads, Virgínia. No começo da noite, uma coluna de fumaça foi avistada e de dentro dela surgiu o Merrimack avançando para o estaleiro onde estava um dos mais importantes navios da frota inimiga, o USS Cumberland. Os vigias deram sinal de alerta e o Cumberland prontamente abriu fogo. Os projéteis se chocaram contra as placas de ferro sem provocar danos significativos. O Merrimack prosseguiu implacavelmente em seu curso até que abalrroou violentamente a sua presa. A seguir, as comportas laterais se abriram e canhões começaram a disparar quase que a queima roupa. O rugido dos canhões só se silenciaram minutos depois. O Cumberland fora reduzido a estilhaços de madeira fumegantes pelo colosso de ferro. Marinheiros tentavam se agarrar aos destroços flutuantes, centenas se afogaram ou foram atropelados pelo Merrimack a medida que ele se afastava nas águas revoltas tingidas de vermelho. Triunfante, o capitão ordenou que ele fizesse meia volta e disparou impiedosamente uma nova salva contra o estaleiro.

O Merrimack seguiu em sua campanha de destruição, arrasando dias depois com o USS Congress. A fragata de guerra foi castigada por disparos e quando estava prestes a naufragar recebeu o golpe de misericórdia, uma investida frontal com o potente aríete. Em chamas, o Congress agonizava e os marinheiros confederados comemoraram ao ouvir o som do paiol de pólvora explodindo.

Dias mais tarde o USS Minessota quase se tornou a próxima vítima. Alvejado pelas baterias do encouraçado, seu capitão ordenou uma manobra ousada e escapou por pouco do bombardeio maciço de canhões. Bater em retirada parecia ser a única medida razoável para as embarcações que tinham o azar de cruzar com o Merrimack.

Na madrugada após o ataque, os marinheiros do Minessota ainda tremendo após a fuga, avistaram algo estranho vindo em sua direção. Era uma embarcação ainda mais curiosa que o próprio Encouraçado Confederado. Uma espécie de grande jangada de ferro com o convés quase na linha de água e com um tipo de caixa de metal em forma de torre que se destacava em seu centro. Não havia vela, chaminé, pás, estações de armas, nada... uma bandeira da União, contudo, tremulava no topo da torre. Os marinheiros observaram embasbacados a estranha embarcação passar por eles navegando lentamente na direção do até então imbatível Merrimack.


O que poucos imaginavam é que o Norte, logo depois de descobrir que o inimigo havia construído um navio de guerra encouraçado havia iniciado um plano para construir uma arma semelhante. O projeto ficou sob responsabilidade do inventor sueco John Ericsson, nas palavras do Ministério da Marinha, "O único capaz de construir algo que desafiasse o colosso confederado". Ericsson era considerado orgulhoso, grosseiro e rabugento, mas acima de tudo brilhante. Ele exigiu que o Ministério da Guerra lhe concedesse carta branca para montar sua arma e um pagamento monumental pelo serviço. O governo concordou com cada exigência. Meses depois, Ericsson apresentou a embarcação em que vinha trabalhando desde 1850, um navio de guerra com design revolucionário que ele chamou de USS Monitor.

O navio possuía apenas dois canhões pesados, para rivalizar com os dez canhões do Merrimack, mas eles eram montados em uma torre com base móvel que girava 360 graus. Com isso eles podiam ser posicionados de acordo com a posição do alvo que se desejava atingir. O Monitor era inteiramente revestido com ferro fundido rebitado com enormes parafusos de metal e tão pesado que muitos críticos achavam que seria impossível ele flutuar. O navio era baixo, com um costado com apenas 40 polegadas acima da linha da água, o que o tornava extremamente difícil de ser atingido. Como resultado o convés alagava e era tomado de água parecendo que ia afundar. Ericsson, no entanto, estava tranquilo quanto a performance de seu encouraçado e o próprio Presidente Lincoln aprovou sua construção em caráter de urgência. O futuro da marinha dependia do invento de Ericssen.

Em janeiro de 1862, apenas 100 dias depois de ser iniciada sua construção, o Monitor navegava encoberto pelo véu da noite em sua viagem secreta de teste ao longo do East River contornando a Ilha de Manhatan. Dizem que o ministério da marinha realizou o teste em segredo pois temia um fracasso retumbante. O navio era tão inovador que haviam 47 invenções patenteadas por Ericssen a bordo dele. As poucas testemunhas que viram seu lançamento disseram ter visto homens literalmente andando sobre a água e uma estranha casa em forma de torre despontando na água. Em sua viagem de teste o Monitor parecia fadado ao fracasso: foi invadido pela água, os ventiladores falharam e marinheiros quase sufocaram em seu interior blindado. Mas o Monitor era silencioso e se movia com uma graça desconcertante para uma embarcação tão pesada. Apesar dos problemas, o navio partiu rumo a frente de batalha com a missão de encontrar seu algoz.


O Monitor era a embarcação vista pela tripulação do Minessota. Seu capitão, um oficial experiente chamado John Worden havia recebido informes de que o Merrimack fora sido visto por navios mercantes nos arredores do estaleiro de Hampton Roads onde promovera um massacre. Era o palco ideal para a revanche. Ali se daria a primeira batalha de Encouraçados da história.

O Monitor foi o primeiro a avistar o oponente e avançou na direção do Merrimack que disparou tão logo deu conta de sua presença. Uma barragem de artilharia acertou o costado do Monitor ricocheteando em sua estrutura de ferro. A Torre então disparou dois tiros seguidos, um deles na linha da água varou a marola atingindo o externo do Merrimack que estremeceu pela primeira vez. Isso deu tempo ao capitão do Monitor de se aproximar velozmente e ficar a poucos metros do inimigo. A Torre então começou a disparar um tiro depois do outro. Supõe-se que a tripulação do Monitor era mais disciplinada e treinada, conseguindo disparar e carregar a cada minuto, enquanto os artilheiros no Merrimack - talvez pelas vitórias fáceis, não demonstravam a mesma disposição. Um tiro a cada três, quatro minutos era o mehor que eles conseguiam fazer.

O capitão Worden também usou de uma tática inteligente. Chegando perto o bastante para disparar, ele conseguia atingir o costado do Merrimack enquanto os disparos do adversário passavam por cima de sua nave. Além disso a torre móvel concedia uma enorme vantagem, comparado a disposição linear dos canhões. Marinheiros que participaram da batalha relatam que os dois encouraçados chegaram tão perto que na maior parte da batalha era possível atingir os inimigos no outro barco com pistolas, facas e machados. As duas embarcações chegaram a se chocar pelo menos cinco vezes.


Após meia hora de confronto, o Merrimack havia sofrido danos em sua estrutura. As placas de ferro estavam retorcidas, chamuscadas e afundadas com os disparos a queima roupa. O Monitor sofreu danos, mas estava em melhor estado e sua torre continuava disparando ininterruptamente. O comandante do Merrimack tentou então uma manobra para empregar sua arma principal: o ariete. O Merrimack tentou se afastar para investir, mas Worden sabendo dessa ameaça tentava se manter o mais próximo possível. Os dois gigantes pareciam boxeadores se enfrentando em um pequeno ringue.

Combalido e prestes a afundar, o capitão do Merrimack ordenou a fuga e navegou para águas rasas torcendo para que o oponente não o seguisse em seu curso arriscado. Worden não ousou empreender perseguição, ele esperava que o inimigo encalhasse e se tornasse um alvo fácil. Ao invés disso, o encouraçado confederado realizou uma manobra milagrosa vencendo os bancos de areia em meio a barragem de disparos.

Quando o navio inimigo saia do alcance de suas baterias, as escotilhas do Monitor finalmente foram abertas para que os marinheiros respirassem ar fresco. Eles haviam ficado trancados na barriga de ferro do Monitor, mas não pararam de atirar até quase esgotar suas reservas de munição. Vários desses homens perderam completamente a audição graças ao estrondo de seus canhões reverberando na caverna de metal em que se protegiam. Outros tantos estavam feridos ou intoxicados pelo odor de pólvora. Haviam quatro equipes de artilheiros que se revesaram ao longo das duas horas de batalha. Os homens retornaram a um alcoradouro da união e foram saudados como heróis, os vencedores de uma dura batalha pela hegemonia dos mares.

Quanto ao Merrimack, ele conseguiu escapar de navios inimigos que avisados por telégrafo iniciaram uma perseguição implacável. Abrindo caminhos por águas rasas ele chegou a base de Norfolk para receber reparos, o encouraçado mal flutuava e seus tripulantes estavam em estado decrépito. Alguns não dormiam a 72 horas. Infelizmente, Norfolk não foi uma boa escolha de destino: a base estava prestes a cair nas mãos das tropas da União. Seriam necessários meses até o Merrimack poder navegar novamente. Sabendo que ele acabaria caíndo nas mãos de seus inimigos, o comando deu ordens para que ele fosse explodido.


Mesmo antes da épica batalha de Hampton Roads, os dois lados já estavam construindo mais Ironclads para aparelhar suas marinhas. Aquele que tivesse maior poder de fogo e resistência fatalmente conquistaria a vitória no mar e daria um impulso em direção a vitória.

Outros Encouraçados se enfrentaram durante a Guerra Civil, mas nenhuma batalha foi tão marcante quanto o enfrentamento entre o Merrimack e o Monitor. Quando, esses dois navios abriram fogo um contra o outro, todas as demais marinhas do mundo se tornaram imediatamente obsoletas. E mesmo as nações européias observavam em preocupada fascinação o surgimento de uma nova arma que mudaria para sempre as Batalhas Navais e substituiria as naves de madeira por embarcações de aço.

4 comentários:

  1. Excelente artigo, não tinha conhecimento desses monstros de aço, fruto da engenhosidade humana de séculos atrás, fascinante! Abraço!

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  2. "Não há nada como uma guerra para estimular a criatividade e a capacidade de superação do ser humano". De certa forma não deixa de ser verdade.

    Eu adoro a metáfora do "2001 - Uma Odisseia no espaço", em que o homem macaco só consegue ficar ereto, a partir do momento que descobre que bater com um osso na cabeça de seus adversários dessa forma vai produzir mais dano.

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  3. Excelente post, King! Só senti falta dos créditos de onde você tirou o artigo... Continue assim!

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