sábado, 20 de abril de 2013

O Mundo Fantástico de H.P. Lovecraft - Resenha da Antologia de contos em português


Por Daniel Cenoz (do RPG Arautos, gentilmente cedido)

Lá no final de 2011 fiquei sabendo de uma campanha colaborativa Site Lovecraft, dedicado à obra de H.P. Lovecraft, a ideia bastante na moda nesse momento era um financiamento coletivo para editar uma edição realizada por fãs do autor. Uma seleção dos contos mais representativos para apresentar a obra a um público fiel.

A empreitada era complicada por várias razões. O motivo para começar o projeto todo seria a ausência de obras do autor em português que na verdade elas andavam pipocando há um tempo com qualidades variando do amador ao acadêmico. Lovecraft não é um autor fácil e normalmente é lido depois de uma recomendação ou seguindo referências de livros e filmes que caem no gosto pessoal (no meu caso, uma ficha na última página de uma revista sobre temas sobrenaturais que caiu na minha mão numa aula chata do horário noturno  na Era Antes da Internet e que trazia ilustrações do artista Druillet para as edições francesas de Lovecraft).

Hoje, Lovecraft é um autor cultuado (inclusive no meio acadêmico brasileiro) e passa por um revival entre o público nerd/geek. Além disso, a intenção era produzir um livro de qualidade profissional a base de trabalho voluntário e paixão pelo projeto. E finalmente, o problema do financiamento, feito em forma de compras na pré-venda numa época em que o crowdfoundig já estava ganhando espaço, o projeto todo ia funcionar na base da confiança.

Eu fiquei entusiasmado com o projeto e paguei a quantia um pouco salgada (pela tiragem limitadíssima) em comparação a produtos com a mesma qualidade editorial prometida, mas o que valia era fazer parte do projeto.


Se uma coisa eu tenho que admitir é que fiquei impressionado com a determinação do Denílson (o pai do site e do projeto), apesar de inúmeros problemas que foram surgindo (todo mundo era amador, caramba!), ele perseverou e manteve o trabalho andando, atrasou  em relação à expectativa de entrega inicial (bastante chutada), mas saiu e tive o prazer de receber meu exemplar (com o meu nome impresso!) e conferir o resultado desse ano de incerteza.

Um livrão de mais de 450 páginas, com qualidade gráfica excelente (ainda que muita coisa seja questão de gosto) e uma seleção de contos bem representativa da obra de H.P. Lovecraft, ainda que a gente sinta ausências notáveis que devem ter ficado de fora por causa da extensão (Herbert West - Re-animator e o Estranho Caso de Charles Dexter Ward, meu preferido).

Algumas pessoas encrencaram com a capa, que eu achei uma justa homenagem ao autor, ainda que não tenha muito impacto mas caramba, está boa…

O livro inclui uma muito bem vinda introdução e biografia de HPL, o tipo de coisa que faz muita falta e com fotos resgatadas da Internet que ajudam a visualizar um pouco o mundo do autor.

A lista de contos começa obviamente pelo Chamado de Cthulhu, um sinônimo de Lovecraft e passa por medalhões como O Sussurrador da Escuridão e a Cor Vinda do Espaço, contos canônicos dos Cthulhu Mythos, segue pelos contos mais góticos como O Sabujo e tem A Busca de Iranon, um representante do período “Dunnsaniano” (de Lorde Dunsany) na Terra dos Sonhos. Na minha opinião (de merda) uma seleção irregular mas dificilmente mudaria muita coisa, seria interessante agrupar em blocos temáticos para apresentar as fases do autor (sonho, gótico, mythos) de forma a perceber a evolução da obra como foi feito em antologias como a espanhola Los Mitos de Cthulhu, quase uma edição acadêmica. Mas ideia é dar uma amostra do ponto de vista do admirador e isso facilita para o leitor casual/admirador. Eu implico porque não tive que carregar os pianos desse projeto…

A Tradução

Traduções de Lovecraft são um problema porque é unanimemente aceito que ele era um péssimo narrador que complicava desnecessariamente a prosa (eu nunca consegui ler os contos no original porque o vocabulário está anos luz à frente do meu inglês macarrônico, imaginem para os pedreiros que eram o público da Weird Tales…), o estilo e vocabulário causaram o seu ostracismo em vida, e normalmente as traduções acabam melhorando a obra ao eliminar manierismos malucos do original (nas traduções francesas que apresentaram Lovecraft ao público europeu, parágrafos e páginas inteiras foram expurgadas nas primeiras edições…). Numa primeira folheada, gostei do que vi, só me chocou a tradução “O Forasteiro” para The Outsider (um dos meus preferidos) que me acostumei a pensar com “O Estranho”, que faz mais sentido, mas está bom! Parabéns a todos os tradutores (e foram muitos) envolvidos!

The Eldritch Society

Como agradecimento pela colaboração (meter a mão no bolso), o projeto recolheu os nomes dos compradores e listou todos sob o escudo da Eldritch Society (que baita nome para uma sociedade de investigadores!). Agradeço muito a ideia e fica ai eternizada a lista das pessoas que acreditaram e agora formam uma pequena comunidade que tem tudo para se orgulhar!

O projeto

Ná época do lançamento desse projeto, uma editora nova, a RetroPunk lançou um projeto semelhante para financiar o Rastro de Cthulhu (coincidência? as estrelas estão se alinhando…), deu certo mas foi um grande baque para a disposição da equipe em tentar levar mais projetos assim à frente, os inúmeros problemas técnicos que iam surgindo, o imediatismo do público e os sucessivos atrasos no projeto quase fizeram tudo naufragar. Recentemente, aconteceu outro baque forte na comunidade rpgística com o Caso Grognardia, que fez muitos desacreditarem da modalidade quando levada à frente por fãs e não profissionais.

Eu espero sinceramente que o Denilson continue trabalhando em outros projetos, apesar da dificuldade visível que enfrentou para levar este adiante. No início fez uma divulgação muito tímida e desconhecia estrategias para convocar público, mas foi aprendendo rápido e acabou alcançando todos os cantos do país, aproveitando o apoio de redes sociais, blogs e podcasts (olha eu fazendo propaganda da concorrência, desculpe, Santiago! segue aqui o link pra Terceira Terra). Só que ele podia ser um pouco menos turrão, chegou uma hora que eu simplesmente deixei de acreditar que fosse dar certo. Por sorte, ele não.

Parabéns, ao Denílson!

Agora, com licença, acho que ouvi alguma coisa inominável arranhando a porta…


*   *   *

Nota: Pelo que sei essa foi apenas a primeira edição, suponho que uma nova deve estar nos planos, então eu gostaria de convocar o Denílson que é o "pai da criança" para falar um pouco mais a respeito e como os interessados devem proceder. 

9 comentários:

  1. Oi galera!

    Agradeço a ótima resenha do Daniel Cenoz e a oportunidade que o Luciano nos dá nesse excelente blog - na minha opinião o melhor espaço sobre literatura fantástica e Cthulhu Mythos no Brasil!

    Realmente foi um desafio esse livro, principalmente porque no começo a gente conhecia muito pouco do processo de feitura de um livro e todos os detalhes técnicos envolvidos e daí um dos motivos mais significativos da obra ter demorado para ser publicada. Mas, enfim, hoje ela foi publicada e fico contente por saber que muitos gostaram e se deliciam em ler horas e horas a fio essas fantásticas histórias. Com tudo isso, um próximo livro tem tudo para ser melhor que esse em todos os aspectos.

    Deixo aqui então em primeira mão que iremos trabalhar muito nesse livro seja aprimorando-o e/ou fazendo-o mais conhecido. Mas, figura em nossos planos - agora com a fundação da Ed. Clock Tower - uma edição definitiva de 'Nas Montanhas da Loucura', com capa primorosa, e fotos reais da Antártica editadas para dar o clima dos contos, capa dura, e uma série muito grande de notas que já vi em livros americanos e que falta muito aqui nas traduções desse conto ou poderia chamar de obra prima. Mas, isso é meio dúvida ainda, pois um outro projeto é traduzir e apresentar num mesmo padrão de qualidade o livro The King in Yellow de Robert W. Chambers, ou mesmo uma compilação de 4 ou 5 contos de Arthur Machen como The Novel of Black Seal, The White People, The Great God Pan, entre outros... fotos da terra natal de Machen cairiam muito bem nesse livro uma vez que aquele lugar tão especial tem tudo a ver com seus contos..

    Grde abç,
    Denílson E. Ricci

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  2. Ah! Só mais uma coisa: o livro breve estará disponível novamente para aquisição. Quem quiser reservar é só mandar um email para de3103@yahoo.com.br - serão brevemente disponibilizados mais 300 exemplares que mandei imprimir a mais, ainda dessa 1a. edição.

    Denílson E. Ricci

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  3. Eu tenho o King in Yellow começadinho. P.S. Também estou traduzindo Ashton-Smith.

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  4. O livro realmente ficou muito bem acabado, já li prefácio, introdução, biografia e posfácio. Infelizmente ainda não tive tempo de ler os contos para avaliar melhor. Mas gostei bastante do que vi até agora.

    Gostei bastante da ideia de traduzir The King in Yellow, sempre quis ler essa obra.

    Acho muito curioso o fato de se achar facilmente traduções do Robert W. Chambers, Clark Ashton Smith e outros em espanhol, mas português não tem quase nada.

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  5. Fico muito feliz do Denilson ter gostado da resenha (achei que ia me dar uns tabefes). Espero que os novos projetos vão adiante porque a pré-venda/crowdfounding permite montar o livro de acordo com o desejo dos fãs e isso é ótimo! Continue produzindo que eu continuarei comprando!!!

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  6. Em tempo, levei o livro no encontro da RPGArautos e o pessoal ficou muito bem impressionado. Vou pôr lá o link pra próxima edição!

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  7. Que bela notícia Denílson! Estou ansioso pelas novas publicações!

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