E voltamos com a conclusão do artigo com ideias, sugestões e cenas inspiradas pelo filme "O 13o Guerreiro".
Como esse artigo foi dividido em duas partes, recomendo quem não leu a anterior, que o faça para não perder o fio da meada. E sem demora, vamos voltar ao ponto onde paramos...
4 - Inimigos que se aproveitam de lendas
Esse é um clássico incontestável em várias mesas, mas que nem sempre é usado.
Nada pode ser mais assustador e causa um efeito mais devastador do que incorporar elementos sobrenaturais ao comportamento, aparência e às ações dos vilões.
Em "O 13o Guerreiro" há uma cena emblemática sobre isso:
Quando um dos aldeões descreve os horríveis saqueadores que vem atacando seu vilarejo, matando homens e sequestrando mulheres, ele diz: "Dentes de leão, garras de urso, mãos que destruiriam um escudo. Eles chegam a noite com a neblina. Sempre na escuridão como se enxergassem no escuro. Andam em duas e quatro pernas, como homens e ursos".
Os inimigos dos guerreiros nórdicos não passam de homens, mas eles assumem uma aura tão assustadora que até a metade do filme ninguém sabe ao certo com o que se está lutando. Para piorar a coisa, os caras realmente acreditam que são ursos, encarnam a ferocidade e a força desses animais e quando são mortos, jamais deixam para trás seus colegas, para que a mística não se quebre e se descubra que por baixo das peles, máscaras e pinturas eles não passam de homens.
Porque não incorporar isso às suas aventuras? Que tal uma tribo de orcs que usa como indumentária assustadoras armaduras de lagartos, que faz com que eles pareçam terríveis monstros draconianos. O que dizer de um bando de selvagens de uma ilha dos mares do sul que pinta seus corpos com tinta esverdeada, cobrem-se com musgo e máscaras com tentáculos? Ou quem sabe um bando de goblins que engenhosamente enganam os supersticiosos habitantes de um vilarejo simulando que vários deles uns nos ombros dos outros são ogres ou gigantes.
Ao se deparar com essas ilusões, os jogadores não saberiam dizer ao certo o que estão enfrentando. Adicione à ilusão um rugido horrível, labaredas flamejantes, gritos alucinados, fedor de enxofre, luzes fantasmagóricas e pronto... a imaginação dos personagens/ jogadores irá contribuir criando algo muito mais assustador.
5 - Construindo Defesas
Uma outra cena interessante no filme é quando os guerreiros nórdicos chegam ao vilarejo com o objetivo de salvar seus habitantes do constantemente ataque dos saqueadores. Eles analisam o local assim que chegam.
Um elemento essencial para obter vantagem num combate é conhecer o terreno e adaptá-lo da melhor maneira possível para servir aos seus propósitos. Quando um dos guerreiros vê a situação do vilarejo ele comenta com o líder do grupo: "Eles não tem cerca ao redor do vilarejo, nem fosso..." diz olhando ao redor. O líder acena coma cabeça e diz "Teremos de dar um jeito nisso"!
Estar preparado para uma batalha pode ser metade do caminho para a vitória e serve também para equilibrar as coisas.
Eu lembro da sequência final de Conan, o Bárbaro. Nas palavras do cimério, interpretado por Arnold Schwarzenneger, quando ele reza para Crom "dois irão enfrentar muitos e por isso precisamos de toda força possível". Mas como Conan não é bobo e sabe que Crom raramente ajuda, melhor se precaver... ele passa um dia inteiro preparando o terreno para a batalha final. Monta armadilhas mortais, espalha armas em lugares chave para onde possa correr e se proteger, escolhe pontos chaves para enfrentar oponentes montados... e é claro, tudo isso é fundamental para enfrentar os inimigos que vem em peso.
Outro exemplo? "A Sombra e a Escuridão". Nesse, dois caçadores às voltas com leões devoradores de homens no Quênia, fazem os preparativos para enfrentar as feras. Eles espalham por todo o acampamento cercas de espinhos, deixam tochas acesas para espantar os animais e permitem apenas um caminho livre para que eles sejam atraídos justamente onde pretendem montar uma emboscada. Preparativos, preparativos, preparativos... dizem que "um plano ruim é melhor que não ter plano nenhum".
Em "O 13o Guerreiro" nós vemos os preparativos sendo feitos para a batalha. As cercas são colocadas ao redor do vilarejo, postos de guarda distribuídos, trincheiras escavadas, estacas de madeira fincadas para evitar a aproximação de cavalaria. Tudo isso é montado para que a batalha de poucos contra muitos possa ser minimamente equilibrada.
Em nossas mesas de jogo raramente vemos isso acontecer... os combates geralmente são travados em áreas pré-determinadas, com uma geografia estática já traçada, sem que o ambiente possa ser manipulado para conceder alguma vantagem. No mundo real raramente as coisas funcionam dessa maneira: qualquer combatente com o mínimo de conhecimento de estratégia vai querer puxar a luta para um ambiente mais vantajoso... e isso é verdade desde que 300 Espartanos perceberam que a passagem estreita nas Termópilas anulava a vantagem numérica de seus inimigos persas.
Em termos de jogo, como emular esse conhecimento de campo de batalha? Acho que um ponto chave é determinar qual a experiência militar dos personagens, se eles conhecem algo de estratégia e qual a inteligência deles. Juntando esses três fatores, um combatente experiente (e com tempo de se preparar) deveria ser capaz de formular algum plano melhor do que simplesmente encontrar o inimigo num descampado e trocar golpes até um deles cair morto. Construir obstáculos, armadilhas, lugares para reagrupar, proteção contra disparos à distância, etc...
6 - Ninho de Poder do Líder
Ainda ligado a questão dos preparativos, é preciso ser justo... o que vale para os protagonistas, é claro, vale para os antagonistas.
Um vilão com o mínimo do discernimento vai estar preparado para enfrentar seus oponentes. Em geral, um vilão digno de usar esse título, terá ao seu dispor asseclas, guardas, proteções mágicas, armadilhas e outras traquitanas que garantem (ao menos em parte) a sua segurança. Um vilão minimamente inteligente aguarda os heróis em seu covil e espera por eles para a batalha final. Isso força os heróis a passar por suas defesas, se desgastando, sofrendo ferimentos e tendo de exaurir suas reservas de poder.
Nenhuma novidade até aqui... 99% das aventuras de RPG prevem que o inimigo líder estará escondido no último aposento da masmorra, no derradeiro salão do castelo inexpugnável ou nas profundezas de um templo profano onde comunga com seus deuses malignos.
O que me toquei assistindo o filme é que nem sempre esse "ninho de poder" oferece alguma vantagem ao vilão além de ser a última área oculta do mapa. Oras... pense assim, o vilão sabe que os heróis estão à caminho, ele sabe que é questão de tempo até esses caras persistentes derrubarem as suas defesas e chegarem até ele para o "showdown".
O que ele deveria fazer? Ele deveria se preparar para a batalha, deixar suas magias prontas, contatar seus guardas mais eficientes para montar uma proteção, invocar criaturas antecipadamente, se "combar" com as magias de proteção ao seu alcance, abrir o cofre para pegar os artefatos mais úteis, etc...
Mas ao invés disso, o vilão fica ali estático, esperando pacientemente pelos heróis, talvez preparando o discurso final e uma risada sádica antes de dizer "Vocês jamais me vencerão! BWAHAHAHAHA".
O que separa um vilão medíocre, de um vilão memorável é a capacidade que ele tem de incomodar os heróis, literalmente infernizar as suas vidas. Um vilão memorável é inteligente e sagaz o suficiente para se preparar para o confronto final... ele saberá usar as vantagens ao seu alcance e explorar as fraquezas de seus oponentes. E nada é mais prático do que preparar o ambiente para a batalha final em seu "ninho de poder".
Em "O 13o Guerreiro", o ninho de poder é uma espécie de templo pagão devotado a uma deusa da terra. O lugar subterrâneo provoca uma aura de medo em qualquer um que o adentra. Cobras venenosas se espalham pelo chão, estátuas bizarras pontuam as paredes, tudo é escuro, soturno, sinistro... a líder dos saqueadores é uma mulher selvagem, a matriarca deles que, sinceramente, não parece grande coisa. Garanto que qualquer guerreiro nórdico parrudo como os do filme, se a encontrasse em qualquer outro ambiente, acabaria com ela em dois tempos. Mas aqui, em seu "Ninho de Poder", ela está cercada de uma aura mística ameaçadora que a torna mil vezes mais perigosa.
E como vemos na conclusão da batalha, as coisas não são nada fáceis para os heróis...
7 - Funeral dos Heróis
Uma coisa que sempre me incomodou, não importa em que ambientação, não importa em que sistema é com tratamos nossos personagens caídos.
Tudo bem, é fato que ninguém gosta de perder seu personagem durante uma aventura. Não conheço nenhum jogador que comemore depois de seu ladino ser fulminado com uma bola de fogo, que seu vampiro seja empalado ou que seu investigador seja destroçado por um horror além do tempo e espaço.
Contudo, vocês já perceberam que o tratamento que dispensamos aos personagens caídos por vezes é meio indigno? A morte de um personagem é tratado apenas como "algo que acontece": lamenta-se, alguns ficam chateados, mas logo em seguida rola-se dados e cria-se um novo personagem para se juntar ao grupo.
Tudo bem, mas que tal dar um fim mais honroso para nossos personagens?
Pense bem: Quando foi a última vez que um personagem de sua campanha recebeu honrarias após a morte?
Eu já vi isso acontecer de monte. Personagens de jogadores que até alguns momentos eram centrais na trama, acabam simplesmente morrendo diante de um inimigo e são convenientemente esquecidos pelos seus companheiros (muitos deles de tendências benevolentes). Seus companheiros de armas meramente se ocupam em remover todas as armas, armaduras, objetos mágicos e abandonam o corpo à própria sorte, sem olhar para trás duas vezes. Em algumas circunstâncias nem sequer se incomodam de enterrá-lo ou queimá-lo... o corpo fica ali, ao "deus dará" e ninguém se comove em dizer algumas palavras em sua homenagem.
E isso infelizmente acontece em várias ambientações. Em parte isso acontece mais frequentemente quando os personagens morrem enfrentando inimigos líderes no final da aventura, quando a vitória sobre o "grande vilão" decreta o fim da missão. Há uma tendência a se fechar a aventura quando o HP do inimigo líder chega a zero, mesmo que ele não tenha sido o único a morrer.
O que quero dizer é que a morte de personagens deveria ter um significado. Os aliados do personagem (pelo menos eles!) deveriam sentir o baque da morte. Nem que ele seja um lembrete de que uma vida de aventuras pode ser algo perigoso e que não raramente cobra seu preço. Nas minhas mesas de RPG, à despeito da ambientação, acho necessário que a morte de um personagem tenha significado, do contrário o jogo perde o sentido.
Poucas coisas podem ser mais bacanas do que permitir ao personagem uma despedida à altura. Um funeral, com elegias ou ao menos algumas palavras de seus companheiros sempre é algo muito bacana. A morte fornece elementos dramáticos valiosos para uma crônica, não aproveitar sua ocorrência para promover um bom roleplay é perder uma oportunidade de ouro.
E é isso...
Críticas, comentários e sugestões são muito bem vindas. Dependendo da repercussão na postagem a série continua ou não, então quem achou válido, faça algum barulho!
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