Em janeiro de 1914, havia um "fera-humana" à solta próximo de Kenoa, Ontário.
Mas ao contrário dos muitos rumores a respeito de Sasquatches, Wendigos e “espíritos malignos da floresta” que fazem parte do folclore dos nativos canadenses, esta besta foi devidamente capturada e aprisionada.
Descrito como um “maníaco furioso” tão selvagem que após sua captura teve de ser trancafiado em uma jaula de ferro, a estória de Hjalmar Moilanen, a fera homicida de Ontário, foi relatada pelos jornais em 28 de janeiro de 1914 chegando a ser publicada em Nova York, Boston e Washington. Um periódico de Chicago chamado The Day Book, imprimiu a estória repetidas vezes, sempre com grande sucesso editorial.
A estória conforme contada pelo Day Book era a seguinte:
“BESTA HUMANA” PRESO POR ASSASSINATOS DE INDÍGENAS
Kenosha, Ont., 28 de Janeiro – A "Besta Humana" que atende pelo nome de Hjalmar Moilanen, ex-morador residente de Aurora, Minnesota, que vinha aterrorizando igualmente índios e lenhadores, foi perseguido pela polícia montada e capturado nas florestas geladas de Ontario. O homem foi preso em uma jaula de ferro para que não possa escapar.
Os índios que vivem na reserva próxima acreditam que sua floresta está infestada por espíritos malignos e que um destes espíritos teria possuído o corpo de Moilanen. Várias famílias abandonaram suas casas e migraram para oeste do território após a captura do criminoso, acusado de assassinatos e outros atos atrozes.O artigo descreve Moilanen como um “lunático homicida”, que após ser aprisionado "chocou a todos com gritos horrendos de gelar o sangue nas veias e com o relato de dezenas de assassinatos sanguinolentos".
Há várias menções ao caso, mas todas elas se concentram basicamente na captura de Moilanen e no "espetáculo" que ele desempenhava para os que o visitavam na cadeia. Não há informações sobre o destino do criminoso, se ele chegou a ser julgado e nesse caso, qual foi a sua sentença. Também não há informações pertinentes no que diz respeito a veracidade de muitos de seus alegados crimes.
A falta de fontes aponta para a possibilidade de que toda a estória não passe de uma farsa exagerada, algo que os jornais da época chamavam de "whoppers". Os whoppers eram comuns no início do século, particularmente em cidades na fronteira americana, eles envolviam estórias bizarras, criadas como entretenimento barato, que a maioria das pessoas esclarecidas julgavam absurdas. Típicos Whoppers do período envolvem o avistamento de serpentes marinhas, veículos aéreos desconhecidos, chuvas de sangue, a descoberta de monstros e é claro, o mais famoso de todos, o mítico Pássaro Trovão, cuja fotografia, empalhado na parede de uma casa no Arizona pelo Tombstone Epitaph se tornou um exemplo célebre de exagero jornalístico.
Mas se a estória não passa de uma farsa, isso significa que Hjalmar Moilanen nunca existiu? E mais, significa que ninguém praticou os alegados atos terríveis contra indígenas entre 1913-1914?
Comecemos falando de Hjalmar Moilanen.
Não se sabe quase muito a respeito da origem dessa obscura figura. Supõe-se que ele tenha sido um imigrante sueco ou dinamarquês - o nome é claramente nórdico, o que reforça a suspeita de sua origem. Segundo os boatos, Hjalmar chegou aos Estados Unidos em 1887, ele teria nascido em Gotenburgo e feito a travessia para a América em uma época de grande fluxo migratório. De fato, muitos suecos deixaram seu país de origem nessa época para se estabelecer no norte dos EUA e no Canadá, regiões de clima gelado como a sua pátria natal.
Infelizmente, não existem documentos ou papéis oficiais sobre a migração de Hjalmar, o que não chega a ser exatamente estranho, visto que os registros nessa época eram falhos e não cobriam todos os recém chegados. Uma vez na América, ele teria se instalado em Ontário, esperando uma determinação para alocação, ou seja, o recebimento de uma terra e de uma lavra para subsistência como acontecia com a maioria dos imigrantes recém chegados. O Canadá concedia esse benefício para atrair pessoas para se estabelecerem em regiões isoladas. Se isso é verdade, Hjalmar deve ter recebido um pedaço de terra, algum dinheiro e mais alguns benefícios para ajudá-lo nos primeiros e difíceis anos.
É fato que muitos dos imigrantes se desencantavam com as dificuldades e acabavam abandonando as terras recebidas, negociando-as com quem oferecesse algo por elas. Dessa forma, talvez ele tenha seguido para Aurora, no estado americano de Minessota, como afirma o artigo de jornal. Em Aurora, há apenas uma menção a um cidadão chamado H. Moilanen que podemos presumir se tratar de Hjalmar. Ele teria sido preso em uma briga de bar em Aurora, na qual acabou ferindo gravemente um outro frequentador com uma faca. É uma evidência um tanto dúbia, mas com o histórico da "besta-humana" é possível que seja o mesmo indivíduo que cultivava a disposição para a violência desde cedo.
O que alguns comentam é que Hjalmar poderia ter sido preso por essa altercação em Aurora e em seguida mandado para alguma instituição de correção penal. Por volta de 1905, vários prisioneiros no norte do país receberam um indulto governamental, a fim de serem enviados para a fronteira com o Canadá para trabalhar em estradas e obras de infraestrutura. Alguns creem que Hjalmar tenha recebido esse benefício e aproveitado para escapar da justiça e retornar a Ontário.
Os rumores sobre as atividades de Moilanen na fronteira são variados. Dizem que ele era um homem grande e corpulento, quase um gigante com mais de dois metros de altura, cabelos ruivos acobreados e uma barba vasta que lhe descia pelo queixo e era amarrada em tranças. Hjalmar seria forte como um touro, tendo trabalhado como lenhador por algum tempo, o que lhe deu habilidade no manejo do machado e intimidade com o clima gélido. Ninguém sabia sua idade, mas tinha certamente mais de 40 anos, dentes brancos e compleição caucasiana. Ele teria arranjado emprego como vaqueiro, trabalhando um tempo em fazendas. Mais tarde, conseguiu trabalho como peleiro e caçador, ocupação difícil que envolvia longas jornadas pela paisagem gelada e períodos de absoluta solidão. Foi nesse período de sua vida que Moilanen começou a praticar os crimes pelos quais se tornaria conhecido e que mais tarde lhe garantiriam o apelido de besta-humana.
Praticamente em todas as descrições, é dito que Hjalmar Moilanen era um sujeito agressivo e violento. Basta acrescentar outra faceta de sua personalidade - a intolerância, para ter uma combinação explosiva. Seu ódio pelos nativos americanos (na época, índios) era legendário e aqueles que alegavam tê-lo conhecido pessoalmente, diziam que ele não se furtava de humilhar e repelir os nativos. O estopim para seu ódio teria sido um ferimento sofrido numa emboscado realizada por nativos em 1906. Moilanen teria perdido as peles que vinha coletando antes do inverno chegar e que lhe renderiam um bom dinheiro. Ele também teria escapado com vida apenas por milagre. A estória, entretanto, jamais foi confirmada.
Os que conheceram Moilanen dizem que ele se gabava de ser um exímio rastreador. Diziam também que ele se gabava de outras façanhas menos nobres: rastrear e matar índios. Moilanen contava para quem quisesse ouvir que durante as suas jornadas pelo interior do Canadá costumava fazer caçadas e abater os índios que encontrava na desolação. Na sua concepção, qualquer nativo fora das reservas, merecia levar um tiro. Entre uma cerveja e outra, nos bares e saloons da fronteira, Moilanen relatava como costumava derrubar os "pele-vermelha"; atirando neles pelas costas, agindo de surpresa após segui-los ou simplesmente apunhalando-os com faca ou machadinha. Ele teria relatado certa vez como havia massacrado toda uma família - mulheres e crianças inclusive, usando uma espingarda e um sabre de cavalaria. Nessa ocasião, um frequentador do bar o chamou de mentiroso e Moilanen apresentou como prova de seu feito um medonho colar com dez orelhas humanas que ele usava ao redor do pescoço como amuleto para dar sorte.
A fama do caçador como assassino frio se espalhava. Os nativos diziam que ele tinha um "espírito sanguinário" dentro de si, algo maligno que o compelia a matar. Os habitantes das reservas sussurravam que ele era um Wendigo, e os anciãos afirmavam que em mais de uma ocasião, Moilanen havia matado e cozinhado suas vítimas, devorando seus corações. As autoridades canadenses não conseguiram provas, mas estavam sempre atentas para as ações de Moilanen, o problema é que nas áreas isoladas onde ele costumava se meter não havia ninguém para testemunhar os crimes. As vítimas às vezes, sequer eram encontradas. Mesmo a Polícia Montada não tinha provas de seus crimes hediondos.
Em junho de 1913, o caçador teria tido uma séria desavença com um grupo de nativos que vivia na Reserva de Cheromak, nos arredores de Kenoa. A situação, é claro, descambou para a violência. Moilanen foi ferido com um golpe de machadinha que quase lhe arrebentou o crânio, ou assim dizem as lendas. Ele foi levado para um hospital onde acabou sendo salvo de novo, por milagre. A estória acabou alimentando os boatos de que ele tinha o corpo fechado pelos espíritos e que não podia ser morto por arma nenhuma.
Dizem, entretanto que o ataque deixou graves sequelas no caçador e fez com que ele se tornasse ainda mais furioso: ele falava sozinho, gritava, gargalhava como louco e sacava sua faca para qualquer um que ousasse contrariá-lo.
Na véspera do natal de 1913, o ódio incontido de Moilanen explodiu num surto homicida. Ele invadiu a Reserva Cheromak, matou dois adultos e um jovem nativo à tiros. Todos acreditavam que depois desse ataque ele fugiria para além da fronteira, mas o caçador simplesmente se escondeu na floresta e esperou a polícia sair em perseguição. Na noite seguinte, ele retornou à reserva, armado com espingarda, machado e facas. Nesse ataque, ele teria feito pelo menos uma dúzia de vítimas inclusive mulheres e crianças abatidas de forma sanguinária.
O horror da chacina fez com que a Polícia Montada de Ontário fosse chamada e empreendesse uma perseguição ao caçador. Ele finalmente havia deixado a região e fugido para o sul na esperança de cruzar a fronteira. Para escapar se embrenhou na floresta onde desapareceu. Foram necessários vários dias de busca para que ele fosse encontrado, graças, sobretudo, ao esforço de rastreadores nativos chamados para auxiliar na captura.
A lenda diz que Hjalmar Moilanen não se rendeu facilmente, resistindo aos seus perseguidores com a fúria de uma fera acuada. Alguns dizem que ele estava nu, com o corpo coberto com o sangue da matança e enfurecido a ponto de espumar pela boca. Ele teria atacado seus perseguidores com uma faca de caça, sendo subjugado com golpes de porrete e coronhadas até a inconsciência.
Nessas condições foi arrastado até Kenoa e jogado numa cela algemado. À noite quando acordou, esbravejava, uivava e dava gritos raivosos que deixaram os cidadãos apavorados. O homem parecia realmente uma besta selvagem: sujo de sangue, com os olhos injetados, o cabelo desgrenhado e o aspecto geral de ferocidade primitiva. Tentava morder qualquer um que se aproximava, urinava em todo canto e se negava a vestir roupas. O povo local não o queria ali, os nativos diziam que ele era o próprio Wendigo e não queriam mais ouvir os seus gritos. Muitos foram embora temendo os a fúria dos espíritos. Para ser transportado a Ontário ele foi surrado até desmaiar, amarrado e amordaçado numa carroça. Ao chegar à cidade, havia uma jaula de ferro o aguardando.
Curiosamente, esse é o fim abrupto da estória.
Não há registros mencionando o julgamento ou a condenação de Moilanen o que levanta dúvidas sobre cada linha desse texto. Os jornais não citam o processo contra ele e nem dão conta de qual foi o seu destino, apenas registram que em Ontário ele continuou se comportando como uma besta selvagem, o que lhe valeu o apelido.
Como pode não haver nenhuma menção ao que aconteceu com o caçador? Teria ele arranjado uma maneira de escapar de sua jaula ou a justiça teria sido efetuada de forma extra-judicial? Na ausência de qualquer documento ou informação, as fronteiras entre lenda e realidade acabam se confundindo e misturando, fazendo com que qualquer explicação, não importa o quão bizarra e questionável, se torne minimamente plausível.
Nesse contexto, os nativos podem estar certos, pois o boato de que o espírito do Wendigo o ajudou a fugir, vigorou por muitos anos. E junto com ele, o temor de que a besta-humana poderia um dia retornar.
muito boa a matéria, pelas atitudes do homem ele lembra também um berserker (já que migrou da europa)
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