quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A Cor da Loucura - O Mito do Rei Amarelo, avatar de Hastur


"A coisa, eles sussurravam, vestia uma máscara de seda amarela que ocultava uma face que não era desse mundo..."

O Rei Amarelo, também chamado de "Máscara Pálida", "Peregrino Amarelo" e o "Rei em Farrapos" é sem dúvida o mais conhecido avatar de Hastur.

O Rei Amarelo é tão importante para o Mythos, que teóricos chegaram a cogitar a possibilidade de que essa manifestação do Grande Antigo fosse uma divindade à parte. No entanto, como base para compreender a real natureza do Rei Amarelo, é justo dar crédito ao seu séquito e compreendê-lo como um avatar da Entidade Cósmica conhecida como Hastur.

Curiosamente, o Rei Amarelo não é citado em tomos ou livros sagrados dedicados a Hastur, nem mesmo no evangelho canônico conhecido como "Verdades do Impronunciável". Sua própria existência parece ter sido apenas recentemente descoberta pela humanidade. O livro contendo a peça teatral que carrega seu nome - o legendário "Rei Amarelo", essencial para torná-lo conhecido entre os sectários só ganhou notoriedade nos últimos séculos. É possível que as rígidas leis que condenam o uso do nome sagrado de Hastur, tenham favorecido o surgimento de uma seita particular que venera uma figura mais acessível, no caso não apenas humanoide em aparência, mas que aceita ser nomeada e tratada com um título - Rei.

Pesquisadores determinaram que os primeiros escritos que mencionam o Rei Amarelo tiveram origem na Europa da Idade das Trevas, na China Dinástica e na Índia. Em comum o fato do Rei Amarelo ser tratado como uma figura de autoridade, que exige reverência e devoção dos seus servos. Estes "tremem, se lamentam e cortejam seu favor". O nauseante livro de capa amarelada com o brasão do Rei, circulou pela França apenas no final do século XIX, editado em 1895, mas é possível que outras obras muito mais antigas se refiram ao avatar em tempos fulgidos. 


Nesse sentido, acadêmicos ligados a Irmandade do Símbolo Amarelo suscitaram a hipótese de que alguns trechos do Tao Te-Sen e do Popol Vuh, livros sagrados na China e entre o povo asteca, se referem em algumas porções ao Rei Amarelo. Eles vão ainda mais longe, afirmando que a Bíblia Cristã e o Bhagavad Gita possuem obscuros livros apócrifos cuidadosamente censurados que citariam textualmente o Rei Amarelo. Se isso é verdade, então a existência do Rei já era conhecida na antiguidade e apenas foi redescoberta pelos cultistas contemporâneos.

Há outra controvérsia central no culto que diz respeito ao conceito divino do Rei Amarelo: se ele é uma entidade física concreta ou um conceito abstrato.

Os cultistas se dividem a respeito dessa questão e parece não haver um consenso majoritário; de fato diferentes sectos consideram crenças divergentes como blasfemas e passíveis de punição. Os Irmãos do Símbolo Amarelo acreditam que o Rei é uma entidade física passível de ser invocada em certos rituais. O Rei Amarelo oficiaria e daria legitimidade a ritos essenciais para a existência do culto - os cultistas clamam por ele para reconhecer seus sacerdotes, para compartilhar conhecimento e para que ele receba sacrifícios. Outros sectos, acreditam que o Rei é um símbolo, um conceito de soberania sobre a humanidade, representando uma faceta "humana" de Hastur. A seita fundada no subcontinente indiano, "Os Silenciosos" defende que o Rei Amarelo é uma entidade espiritual - insubstancial e invisível.  

Os Templos dedicados ao Rei Amarelo sempre possuem um assento majestoso disposto em uma posição elevada de destaque, sobre um promontório ou no topo de um lance de escadas. Mencionado como o Trono do Rei Amarelo, essa cadeira simboliza a presença do Rei, mesmo nas ocasiões em que o avatar não é invocado, como se apesar de não estar presente, sua presença fosse presumida. Diante do trono, os cultistas repetem louvores, dançam, evoluem em círculo e praticam sacrifícios. Por vezes, o assento é adornado com crânios humanos, jóias valiosas e farrapos de cor amarela estendidos como bandeiras tremeluzentes sobre ele. Estandartes com o maligno Símbolo Amarelo, o brasão real, que acompanha o Rei sempre estão presentes. Braseiros exalando fumaça amarelada, candeeiros e artefatos costumam ser dispostos próximo ao trono, representando os portentos compartilhados pelo Rei com seus súditos.

Para um templo ser consagrado, os cultistas realizam um ritual de grande importância que visa torná-lo parte de Carcosa.

A mítica cidade de Carcosa tem origem alienígena, localizada em um planeta obscuro que orbita a estrela de Aldebaran. Ela é descrita como uma metrópole com prédios altos e escuros, construções abobadadas em vários estilos arquitetônicos e sombras que parecem espreitar. Aqueles que visitaram esse lugar maldito, afirmam que a paisagem urbana tende a mudar quando não se está prestando atenção. Descrita como uma cidade fantasma destituída de população, ainda assim é possível ouvir sons nas ruas desertas. Aqueles que vagam por Carcosa experimentam visões alucinantes de beleza e horror sem igual.

A cidade fica às margens do Lago de Hali, com suas águas oleosas e plácidas refletindo as constelações das Hyades e Pleiades. Além do lago fica o Palácio de Ythill, onde segundo o mito, o avatar de Hastur fundou o seu reinado. A estória é contada em detalhes na peça "O Rei Amarelo".

Quando um templo é consagrado como parte de Carcosa, o Rei Amarelo pode se manifestar em nossa realidade, ainda que por curtos períodos de tempo. Essas ocasiões são marcadas por surtos criativos de artistas, por instabilidade social e por loucura que parece contaminar as pessoas que vivem nas cercanias. Indivíduos especialmente sensíveis são contemplados (ou amaldiçoados) por sonhos onde se vêem andando pelas ruas de Carcosa. Outros passam a conhecer os segredos nocivos do Símbolo Amarelo e o desenham em muros e fachadas de prédios, desencadeando a loucura que ele representa. Violência gratuita e surtos de suicídio se tornam recorrentes nos locais em que o Rei exerce sua influência nefasta.

O Rei Amarelo, quando invocado surge como uma figura muito alta, com mais de dois metros de altura. Ele traja um manto pesado e puído de coloração amarelada que recobre todo o seu corpo, inclusive a face, oculta por um capuz e as mãos escondidas por mangas esfarrapadas. Aqueles que conseguem enxergar o que está sob o capuz, vêem uma máscara de cor pálida com uma enigmática expressão humana. Quando o Rei se move ele parece flutuar no ar, não produz nenhum ruído audível nem som de passos ou rastro. Ele também não possui sombra. Ao seu redor rescende um perfume adocicado e enjoativo, que lembra o odor de frutas estragadas deixadas no sol.

O Rei é capaz de falar, conhecendo todo e qualquer idioma usado pela humanidade através das eras. Suas palavras são ouvidas diretamente na mente, causando uma sensação indescritível de insignificância diante de uma força cósmica. Algumas pessoas sentem um êxtase ou temor incontrolável quando ouvem o Rei. Não é raro que alguns desmaiem, caiam de joelhos, chorem copiosamente ou sofram ataques epiléticos. A voz do Rei é descrita como o sussurro de milhares de pessoas falando ao mesmo tempo. Ele jamais se dirige a uma pessoa olhando em sua direção, seus movimentos são furtivos, jamais óbvios. Aqueles que tentam falar com ele são sumariamente ignorados. Os que demonstram coragem para se aproximar e são tolos o bastante para tentar tocá-lo são duramente rechaçados pelas abas do manto que agem como extensões de seu corpo. Qualquer um que insista no erro recebe o lendário olhar do Rei, que ocasiona uma onda de incontrolável pânico e terror primitivo.


Nas ocasiões em que é invocado, o Rei Amarelo costuma assumir posição em seu Trono - na maioria das vezes ele surge diretamente no assento real se este estiver presente. Durante os rituais ele permanece indiferente a presença de seus cultistas e alheio a qualquer apelo. Se agraciado com algum sacrifício - não necessariamente de sangue, talvez de energia mística ou com um artefato, o Rei Amarelo oferece aos cultistas seu favor. Uma onda de sensações e emoções, muitas absolutamente inumanas, acomete aqueles que estão próximos, atingidos por uma confluência de estímulos arrebatadores. Muitos não suportam a experiência e simplesmente se desligam da realidade, às vezes para sempre. Outros se vêem perturbados para sempre, agraciados por visões e propensos a surtos. Há aqueles que ambicionam repetir a experiência e mergulham na eterna servitude. Após conceder sua benção, o Rei Amarelo simplesmente desaparece.

Quando insatisfeito, o Rei se mostra especialmente impiedoso e propenso a atos de crueldade. Muito se fala sobre a Dança do Rei Amarelo, uma espécie de transe hipnótico desencadeado por movimentos rítmicos executados pelo Deus. Aqueles afetados por essa visão sentem seus músculos paralisados e são incapazes de se mover. Os farrapos do manto então ganham vontade própria e se estendem como tentáculos com pontas afiadas como navalhas que rasgam e laceram as vítimas imobilizadas. A morte é lenta e dolorosa, ainda que marcada por um grave silêncio interrompido ocasionalmente pelo som de chibatas e cortes.

O aspecto mais misterioso sobre o Rei Amarelo talvez seja a verdadeira natureza do que se oculta sob seu manto. Aqueles que foram contemplados com a face do Rei sem a máscara, enlouqueceram por completo e jamais foram capazes de dizer o que há ali embaixo. Os mais simplistas cogitam que o manto esconde uma infinidade de filamentos e pseudópodes que uma vez liberados se espalham como raízes de coloração pálida agarrando e drenando o vigor de tudo que vive.


Outros afirmam que encarar a verdadeira face do Rei Amarelo é ficar frente a frente com o princípio original da entropia cósmica, a mesma força que um dia irá devastar toda a realidade no inevitável colapso do universo.

8 comentários:

  1. Simplesmente fantástico o artigo. Li recentemente a obra de Chambers, e achei incrível! Mas todas as informações são verídicas à criação do autor? Poderiam me citar as fontes para pesquisa? Agradeço a atenção, e parabéns pelo trabalho :)

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  2. Muito bom... sou fascinada por isso.

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  3. Vi esse nome em um filme de terror
    Hastur e já sabia ser algo das trevas.

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