“É muito mais fácil ser sensível em cidades do que em outros lugares, disso eu tenho certeza. Quando alguém anda por estradas cinzentas no fim da tarde, através de jardins com antigos arbustos entre as cabanas brancas, observando as montanhas ao longe ou com as nuvens pesadas sobre suas cabeças... é impossível se libertar de uma vasta teia de sensações enervantes. E a percepção de criaturas, goblins, vagando pelas praças escuras no portão Norte ou nas vielas ao Sul.”
– William Butler Yeats,
“Kidnappers”
As mulheres eram todas jovens, e apesar dos esforços concentrados da polícia em encontrar pistas sobre seus desaparecimentos, não houve resultado.
Oficialmente, foram oito mulheres - doze segundos algumas contagens, muitas mais de acordo com outros - que desapareceram entre 1993 e 1998. Recompensas, algumas de mais de 10 mil euros, foram oferecidas para qualquer um capaz de fornecer informações substanciais a respeito dos desaparecimentos, mas de nada adiantou. No fim das contas, a região onde os desaparecimentos ocorreram - todos eles ainda, inexplicáveis - ficou conhecida por um nome que reflete a aura perturbadora de mistério e estranheza que parece impregnar o ar.
O "Triângulo do Desaparecimento", assim a região ao leste de Dublin, na Irlanda ainda é chamada.
"Ela estava sempre próxima, tentando ajudar os outros", recorda John McCarrick, pai de Annie MacCarrick, a primeira das garotas a desaparecer. "Ela jamais ficava um dia sem falar conosco pelo telefone. Nós ficamos muito preocupados quando as ligações pararam", Annie não retornou para a casa que alugava no centro de Dublin. Ela era uma estudante de intercâmbio, cuja família vivia em Nova York. A polícia foi chamada e investigou, mas o paradeiro de Annie jamais foi determinado.
De acordo com testemunhas, Annie foi vista em um pequeno pub chamado Johnny Fox, nos arredores de Enniskerry, no Condado de Dublin. De acordo com seus amigos mais próximos, Annie não tinha namorado na época, mas aqueles que estavam no pub juram que ela estava na companhia de um homem misterioso... aquela seria a última vez que Annie seria vista.
No mesmo ano que Annie desapareceu sem deixar pistas, Eva Brennan, de 40 anos também sumiu enquanto voltava da casa dos seus pais a noite. Ela estava apressada e foi vista andando pela Tremond Street antes de sumir a poucas quadras de sua casa. Em janeiro, Imelda Keenan, a mais jovem das mulheres, com apenas 15 anos, sumiu perto de Lomarard Street. Ela voltava de uma visita a uma amiga e disse que iria direto para casa, pois estava cansada. Depois de Keenan, Josephine Dollard, de 21 anos desapareceu sob circunstâncias misteriosas em 1995, após ser vista andando pela estrada em Kilkenny. Algumas pessoas, a viram usando um telefone público, a ligação feita para uma colega de trabalho, foi interrompida bruscamente.
Continuando a série de mulheres que sumiram sem deixar rastro, duas vítima, ambas de 18 anos, Ciara Breen e Deirdre Jacob, desapareceram em 1998. O desaparecimento da Srta. Jacob, na época, uma estudante de psicologia, permanece como um dos casos mais enigmáticos do Triângulo dos Desaparecimentos, uma vez que várias testemunhas alegam ter visto a moça bem perto da casa onde ela morava, no final de semana em que ela sumiu. Câmeras de segurança instaladas pela polícia metropolitana documentaram sua passagem por várias ruas, até que em um determinado ponto, ela simplesmente desaparece e não é mais vista em nenhuma filmagem.
"Vizinhos a viram quando ela estava a pouco mais de 50 metros do portão de sua casa", de acordo com a escritora Geraldine Niland, autora de um livro sobre o notório Triângulo dos Desaparecimentos. "Faltava muito pouco para ela chegar em casa, bastava contornar uma esquina e andar mais alguns metros. Mas nesse espaço, ela simplesmente some, e nenhum sinal dela pode ser percebido. Nenhum automóvel ou pessoa estranha que pudesse tê-la interceptado é vista. Nada! Em um momento ela estava lá, no momento seguinte, ela se foi".
O desaparecimento de Jacobs ocorreu em plena luz do dia. Num dia movimentado e ninguém percebeu nada.
As últimas duas mulheres, ambas chamadas Fiona, desapareceram em 1996 e 1998, a Sra. Fiona Pender, 25 anos, estava grávida de sete meses quando não retornou para sua casa, depois de sair por alguns instantes para visitar uma vizinha. "Ela estava animada, conversou um pouco e saiu, dizendo que ia telefonar mais tarde. Não sei o que aconteceu", contou a vizinha.
Fiona Sinnot, de 19 anos, foi vista em um pub que costumava frequentar, ela estava sozinha e parecia agir normalmente. A atendente do bar, Lydia Godard, lembra dela chegar e fazer um pedido, quando retornou com a bebida, Fiona não estava mais lá. "O saleiro na mesa estava caído e nenhum sinal de Fiona", contou a garçonete. Ninguém lembra dela ter saído e o sistema de câmera do bar, instalado naquele mesmo final de semana sobre a porta, não registrou em momento algum a mulher deixando o estabelecimento. O único outro acesso, nos fundos, passa através da cozinha e estava trancado. Para todos os efeitos, Fionna Sinnot não deixou o bar, mesmo assim, ninguém mais a viu.
Inúmeras teorias surgiram relacionando os desaparecimentos. A mais popular envolve a presença de um assassino em série que perseguiria suas vítimas e seria discreto o bastante para sequestrar as mulheres sem chamar a atenção. Mas como esse assassino poderia agir sem ser visto? Como poderia ludibriar as mulheres e fazer com que elas o seguissem? Como poderia escapar do monitoramento constante de câmeras?
A teoria sobre um assassino em série, capaz de se livrar dos corpos de suas vítimas soa estranha, quando lembramos que a área do Triângulo, é bastante movimentada e vigiada por patrulhas, há comércio, escolas e trânsito diariamente. Por muito tempo, policiais à paisana circularam pelas ruas parando e interrogando suspeitos. Eles nunca conseguiram capturar algum suspeito.
Em 1996, uma dupla de policiais tentou interrogar um homem que havia abordado uma mulher. Eles chamaram por ele, mas antes que pudessem se aproximar, o sujeito correu em fuga desabalada pelas ruas. Ele foi perseguido por dois quarteirões, mas simplesmente desapareceu em um beco. A polícia tentou fazer um retrato falado do homem, mas as testemunhas - mesmo a moça que falou com o suspeito, não conseguiu lembrar de sua fisionomia, e o desenho final ficou muito diferente da representação obtida pela descrição dos guardas. Mesmo assim, cartazes foram espalhados advertindo as mulheres do perigo de circular sozinha pelas ruas daquela área de Dublin.
Casas noturnas e pubs começaram a esvaziar, o medo e a desconfiança se instalaram. Em 1997, um homem chamado Brian Talmos, foi capturado - e quase linchado, por populares. Ele estava conversando com uma moça, bem perto de onde Eva Brennan morava. A polícia interrogou Talmos, e concluiu que ele não poderia ser o responsável pelos desaparecimentos, já que até 1996 estava vivendo em Londres.
Tão misteriosamente quanto começaram, os desaparecimentos no Triângulo de Dublin, que se estende por quase doze quilômetros, cessaram. Os dois desaparecimentos de 1998 foram os derradeiros e encerraram os cinco anos de medo. Embora tenham havido muitos boatos, oficialmente, nenhuma outra mulher desapareceu sem deixar vestígios na área.
Para alguns, o assassino em série teria simplesmente morrido ou deixado a região em busca de um ambiente mais propício para sua caçada. Os corpos de suas vítimas teriam sido abandonados em algum lugar ignorado e lá aguardariam sua inevitável descoberta. Em 2006, restos humanos foram achados em um porão nos limites do Triângulo. A notícia atraiu a atenção de todos, sobretudo das famílias das mulheres desaparecidas. Infelizmente, as ossadas - três delas, eram muito mais antigas, datando do início do século XX. Seriam os restos deixados por algum outro criminoso desconhecido? Ninguém foi capaz de dizer.
A Irlanda tem uma longa história a respeito de desaparecimentos misteriosos, alguns destes tão estranhos que desafiam nossa concepção de normalidade.
O célebre poeta e escritor irlandês William Butler Yeats (não apenas um vencedor do prêmio Nobel de Literatura, mas um membro ativo da mítica Ordem ocultista Golden Dawn), documentou no ano de 1893 uma série de fabulosos sequestros de mulheres atribuídos por ele a "fadas" (em gaélico, fey ou faeries) e outros "povos míticos" (fey people) do passado. De acordo com essas lendas, criaturas de fábulas, à saber, fadas, goblins e duendes, raptavam mulheres e as carregavam para seu reino subterrâneo, onde elas eram submetidas a escravidão. As lendas, é claro, mencionavam que essas criaturas da floresta viviam em regiões isoladas e com densa vegetação silvestre, contudo, já naquela época, Yeats defendia que o homem em sua inabalável sede de progresso havia invadido as fronteiras do reino das fadas (fey wild) e que uma altercação com elas, seria provável.
"Segundo as lendas, algumas vezes, aqueles que são levados pelas fadas, podem retornar após um determinado tempo - sete anos na maioria das narrativas, para um breve vislumbre de suas famílias e amigos". conta Nathalie Gruman, especialista em folclore gaélico da Universidade de Dublin. A srta. Gruman, no entanto, não crê na presença de fadas: "É preciso diferenciar as lendas da realidade. As "fadas" das lendas originais eram usadas como explicação mais plausível para acontecimentos inexplicáveis ocorridos no dia a dia. Era mais fácil atribuir a falha de uma colheita ou um incêndio inexplicável a maldição de fadas".
Apesar disso, em 2007, os pais de Ciara Breen afirmaram ter visto a filha, ou alguém muito parecida com ela, numa região próxima ao local onde ela desaparecera anos antes. Eles não foram capazes de falar com a filha, que estava sentada em um banco numa parada de ônibus. No momento em que estacionaram o carro e correram para o lugar, ela havia sumido, mas os dois juram ter visto Ciara, ainda que brevemente.
As lendas sobre essas "fadas" sequestrando pessoas, são uma parte importante do folclore da Irlanda. A lenda sobre os Changeling - bebês trocados por duendes que assumem a forma humana, talvez sejam as mais famosas.
Yeats relacionou diversas narrativas de crianças e mulheres que desapareciam misteriosamente no século XIX no livro Celtic Twilight, "Não há um povoado na Irlanda, localizado em um vale ou na encosta de uma montanha, onde não se conte ao menos uma estória de desaparecimento inexplicável", escreveu ele.
A mitologia presente na prosa de Yeats talvez não deva ser levada à sério como uma explicação para os misteriosos desaparecimentos em Dublin, mas que outra explicação poderia ajudar a compreender o sumiço dessas mulheres?
Por vezes, a ausência de uma explicação razoável desperta as memórias de tempos antigos em que os homens eram incapazes de compreender mundo que os cercava. Um tempo em que buscávamos no mundo sobrenatural a explicação para os nossos temores e frustrações.
O mistério do Triângulo do Desaparecimento de Dublin permanece desafiando nossas convicções e a força de uma comunidade que ainda tenta explicar o que aconteceu com oito mulheres inocentes. Hoje, existe um monumento próximo ao Castelo de Kilkenny em homenagem às mulheres que desapareceram nas ruas da capital da Irlanda, na placa de bronze se lê os seguintes dizeres:
"Em honra às Filhas de Dublin, estejam onde estiverem, sua memória permanece conosco".
Segundo o que Yeats relatou, os desaparecimentos foram em 1893, portanto exatos 100 anos antes dos desaparecimentos de 1993 em diante.
ResponderExcluirTalvez algum tipo de ciclo, atividade a cada século...?
Sendo assim sempre dá para usar o clichê de uma criatura precisando se alimentar nesse ciclo.
ResponderExcluirE como sempre ótimo texto Luciano
Linhas de Ley ... ;)
ResponderExcluirÓtimo texto! Adoro histórias sobre desaparecimentos (apesar de um certo medo).
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