Imagine se possível.
Você é apenas um novato à bordo de um navio baleeiro no final do século XIX. Você partiu para o Atlântico Norte em busca de aventura e riqueza, mas tudo que encontrou foi o frio, a fome e o esgotamento. Os dias no mar passam lentamente, sem nenhuma baleia à vista e com mares traiçoeiros repletos de icebergs que impedem o deslocamento da embarcação. Os homens olham pra você de uma maneira estranha. Eles sussurram quando você passa e secretamente o culpam por tudo de errado que está acontecendo na viagem. Você tem certeza de que eles estão planejando fazer algo terrível, talvez jogá-lo nas ondas ou devorá-lo já que a carne na despensa terminou há dias. Você está com muito, muito medo.
Então, certa noite, enquanto estava andando pelo deck, cuidando de seu trabalho, você percebe algo estranho na costa de uma pequena ilha pela qual estão passando. Você vê estranhas estruturas brancas, erguidas lado a lado como se fossem enormes dentes cravados no solo pedregoso. Você percebe o imenso crânio de baleias gigantes pontuando a paisagem, e para você, aquilo parece ser os restos de um cemitério ancestral, com os restos de criaturas das profundezas ali dispostas.
Aquele aterrorizante lugar, com ossos gigantes, é exatamente o que você pensa... um cemitério de baleias. E é claro, não foram as baleias que planejaram ser enterradas daquela maneira.
Essa cena foi descrita por Richard "Dick" Gates, um jovem marinheiro da Nova Inglaterra de apenas 16 anos de idade, durante sua primeira grande viagem em meados de 1868. O lugar descrito por ele era uma pequena ilhota chamada Yttygran próximo do Cabo de Chaplino no Mar de Bering entre o Alasca e a Rússia. Um dos lugares mais isolados e perigosos do mundo, onde cair na água pode matar um homem em segundos.
Com certeza, se você avistasse essa mesma ilha, sem conhecer nada a respeito dela, você teria reagido da mesma maneira que o jovem Dick Gates. Com um enorme pavor!
O local hoje é bem conhecido, chamado de "O Círculo dos Ossos de Baleia", um dos lugares mais estranhos do mundo e que ao longo de séculos mudou muito pouco.
O Círculo se localiza em uma extensão de exatos 548 metros de comprimento e é pontilhado por uma linha de costelas e mandíbulas de baleias. Elas foram colocadas de pé no solo e depois cuidadosamente escoradas por blocos de gelo que se tornaram rígidos como pedra, mantendo-os de pé na permafrost. Há ossos de baleias de vários tipos ali: beluga, orca, narval, baleias brancas, cachalotes e imensas baleias azuis, cetáceos de todos os tipos que foram abatidos ao longo de séculos ou que vieram morrer nas praias. Também há ossos de morsas, focas, leões marinhos e animais há muito extintos.
Os registros dos povos Inuit são parcos, mas aqueles que habitam a Ilha mencionam que o Cemitério sempre esteve lá, ele foi entretanto expandido e preservado pelos povo esquimós há pelo menos 1000 anos. Os Inuit consideravam o lugar ao mesmo tempo sagrado e assombrado pelos espíritos das baleias do Mar de Bering. Contam que algumas baleias vinham até a costa durante as noites mais escuras, para cantar suas melodias tristes e agourentas para os ossos de seus ancestrais. Nessas noites, aqueles que ouviam tal canto sentiam uma profunda cólera e não raramente, acabavam se atirando ao mar e desaparecendo para sempre.
De acordo com o folclore local, o Círculo também era um lugar que atraia espíritos e fantasmas. O mundo dos vivos e dos mortos quase se tocava quando alguém andava pela funesta avenida de ossos. Cada passo revelava um mistério de um tempo ou de um lugar distante, e trilhar ali ensejava em revelações incríveis e em segredos inimagináveis. Os xamãs siberianos vinham de longe para ter ali a sua consagração. Tomavam poderosas misturas que lhes permitia comungar de visões e aqueles que experimentavam essas alucinações tinham suas consciências despertadas para o mundo sobrenatural.
Mais do que tudo isso, os Inuit acreditavam que as Baleias eram os Mensageiros dos Deuses e de um povo gigante que vivia nas profundezas. Esse Povo colossal do tamanho de montanhas havia partido há muito tempo para as profundezas insondáveis, habitando nos recessos profundos do oceano insondável, em cidades de gelo e marfim. Quando as ondas quebravam ferozmente no litoral, eles estavam descontentes com alguma coisa, quando os mares eram generosos com os pescadores, eles estavam satisfeitos.
De tempos em tempos, os Inuit ofereciam sacrifícios para esses Gigantes das Profundezas, Os entregavam na ponta da escura ilhota de Yttygran . Quando a maré baixava, uma jovem bonita ou uma criança saudável eram escolhidos entre os aldeões. Eles eram então presos a um daqueles ossos em formato de pináculo e a medida que a noite avançava, a maré subia lentamente. Antes do amanhecer a água gelada chegava até o sacrifício e a morte vinha rápido. Por vezes o corpo era devolvido, o que era visto como um mau presságio, mas na maioria das vezes, as ondas o carregavam para as profundezas.
Alguns dos ossos ali encravados foram datados e segundo arqueólogos tem mais de 2000 anos de idade. São ossos imensos, alguns com mais de cinco metros e 300 quilos. Enormes crânios de baleias se estendem de ponto em ponto, grandes como sinos de catedral, alguns deles eram usados pelos xamãs como casas de contemplação. Os feiticeiros sentavam no interior deles e acendiam fogueiras com óleo de baleia, e ali ficavam imersos em seus delírios, mastigando raízes alucinógenas.
Alguns arqueólogos especulam que o lugar pode ter servido como um território neutro onde xamãs e chefes de diferentes tribos Inuit se encontravam para discutir os mais importantes assuntos. Rituais de iniciação, de consagração de líderes e até mesmo combates de honra ocorriam ali. Chefes tribais lutavam com machadinhas afiadas para decidir disputas entre suas respectivas tribos, o vencedor tinha como obrigação casar com a viúva do inimigo e cuidar de seus filhos como se fossem seus. Há ossos humanos espalhados pelo local, alguns com evidentes sinais de violência, o que deixa claro que não apenas os rituais, mas as celebrações desses povos tinham um caráter brutal.
Para alguns, o sítio pode ter servido também como uma espécie de mercado. No Neolítico, vários povos construíam tais lugares para servir como centro de distribuição de alimentos que abasteciam os pequenos vilarejos. Há várias valas escavadas que provavelmente eram utilizadas como depósito de pescado que ficava protegido no gelo como se estivessem em congeladores modernos.
A descrição do jovem marinheiro Dick Gates foi transcrita anos mais tarde em um livro de sua autoria que narrava as suas memórias. Ele conseguiu obviamente sobreviver à sua árdua jornada pelos sete mares e voltou a singrá-lo pelo menos mais quatro vezes. Ele contudo jamais esqueceu de ter avistado aquele lugar incrível...
Gates relatou que depois de ter visto aquela ilhota foi tomado de um sentimento inenarrável. Ele apanhou instintivamente uma faca em sua cintura e cortou a palma da mão com a lâmina. Aproximando-se da balaustrada, ele se debruçou e cerimoniosamente apertou com força deixando cair na água escura algumas gotas de seu sangue como se fosse um sacrifício para alguma entidade marinha.
"Leve meu sangue e traga de volta a tranquilidade dessa viagem. É isso que eu lhes peço, seja lá quem estiver disposto a me ouvir..."
E algo parece ter ouvido, pois no dia seguinte, diante desse pedido desesperado, o baleeiro se soltou de sua prisão gelada e conseguiu deixar o mar de icebergs.
Por muito tempo, a Ilha Misteriosa descrita pelo jovem marinheiro foi considerada uma lenda já que poucas embarcações passavam por ali e os relatos dos Inuit não eram considerados como precisos já que incluíam muitas descrições fantásticas repletas de folclore e superstições.
Apenas em 1976 a Ilha de Yttygran foi encontrada por exploradores russos. Os ossos de baleia estavam ocultos embaixo da neve e passaram décadas escondidos de todos até mesmo dos Inuit. Arqueólogos soviéticos começaram a explorar o local e desenterrar artefatos bastante importantes, mas praticamente tudo que se sabe a respeito dele permanecia como mera especulação. O sítio recebeu então o apelido de Stonehenge Siberiano.
Após a queda da URSS, o local passou a receber um tipo diferente de visitantes, turistas ocidentais interessados em conhecer um dos locais mais misteriosos e isolados do mundo, palco de muitos mistérios e histórias além de ser listado como patrimônio histórico mundial pela UNESCO.
Adoro essas matérias, como é dito: "as vezes a realidade é mais impressionante que a ficção"
ResponderExcluir