segunda-feira, 14 de abril de 2025

Casa Boleskine - A Morada que o Senhor Crowley construiu


Quem conhece o Mundo Tentacular sabe que o blog tem alguns personagens recorrentes que vez ou outra surgem em nossos artigos. São as tais figurinhas carimbadas que tiveram uma vida tão cheia de reviravoltas que ainda causam fascínio e interesse.

Uma dessas pessoas sem dúvida é o místico, pensador, filósofo, autor e mago Aleister Crowley. Apelidado ainda em vida "o Homem mais Perverso do Mundo", Crowley foi uma figura peculiar que atraiu a atenção pelos seus feitos e desfeitos. Para quem quiser ler à respeito do caríssimo Mister Crowley (sim, esse mesmo da música feita em sua homenagem) basta clicar no link que estará no final da postagem.

Mas nesse artigo em especial falaremos à respeito de sua renomada (ou seria infame?) morada.

Aleister Crowley residiu parte de sua vida, entre 1899 e 1913, em uma Mansão que ele mandou restaurar chamada Casa Boleskine, localizada às margens do Loch Ness. É importante notar que não foi um acaso aleatório que levou o místico também conhecido como "a Grande Besta" ao coração dessa região isolada da Escócia. O fato é que ele via uma importância mística nesse local ermo, algo tão significativo quanto o propósito que ele tinha em mente. Crowley pretendia usar a Casa como cenário para um complexo experimento batizado de Ritual de Magia Sagrada de Abramelin, o Mago. Para realizar com sucesso o tal experimento, Crowley precisava encontrar uma morada que se encaixasse perfeitamente nos requisitos do ritual, uma que precisasse estar especificamente situada em um local isolado e que cumprisse certos requisitos. Há, no entanto, muitos elementos estranhos na história da Casa Boleskine.

Segundo a lenda, a casa foi construída sobre as ruínas de uma igreja do século X que foi destruída por um incêndio durante um culto, matando todos os fiéis que estavam lá dentro. A acontecimento reverberou na história local, não apenas por conta do teor trágico, mas por conta da superstição de que os mortos ali continuava vagando pelas imediações. Não por acaso a fama de assombrado se espalhou rapidamente e os vizinhos do terreno evitavam passar por ali mesmo durante o dia. Uma história recorrente afirmava que figuras sombrias e espectros com queimaduras e ferimentos medonhos podiam ser vistos perambulando por ali. Também havia o cheiro de fumaça e carne queimada que podia ser sentido há quilômetros de distância quando o vento soprava do lado para a terra.


A casa tem vista para o Cemitério Boleskine, no sopé da colina, que há muito tempo é palco de acontecimentos ocultos. O Cemitério teria recebido corpos de bebês indesejados não batizados, de mães que morreram durante aborto, de criminosos executados e claro, de suicidas. Todos os mortos indesejados eram sepultados na faixa de terra escura daquele cemitério maldito. Com ciprestes retorcidos e salgueiros tristonhos o lugar possui uma aura de melancolia.  

A mansão e o cemitério estão inexplicavelmente ligados por um túnel de pedra que se estende do porão da mansão até o sombrio interior da necrópole. Talvez ele tenha sido construído para que um guarda-mor alertasse o dono da casa sobre qualquer roubo de cadáver. Dizem que tal coisa costumava acontecer frequentemente: pregos de caixão, crânios de fetos e a mão esquerda de enforcados eram artigos usados em rituais de magia negra. Também se falava de práticas nefastas de necrofilia e necrofagia acontecendo naquelas premissas. Seja como for, a Casa e o Cemitério estavam conectados não apenas por essa passagem, mas pela história.

Vários dos antigos residentes de Boleskine foram enterrados no cemitério próximo e era uma espécie de tradição que o mais imponente mausoléu despontando na ravina fosse usado para esse fim. A estrutura de pedra cinzenta e ardósia esverdeada reúne os ossos de dezenas de senhores que chamaram a mansão como seu lar.

A mansão também tem vista para o Lago Ness, famoso pelo lendário Monstro do Lago Ness. As janelas do segundo andar e do sótão concedem uma vista magnífica do lago de águas plácidas e escuras. Mais de uma história relata avistamentos estranhos rompendo a linha da água e de borbulhas que surgem perturbando a superfície.  


Aleister Crowley comprou a Casa Boleskine em 1899 para se isolar do mundo e gozar da privacidade que praticar magias demandava. Ele almejava um lugar afastado onde poderia estudar o Livro da Magia Sagrada de Abramelin, o Mago, mal traduzido por seu mentor, o fundador da Ordem Hermética da Aurora Dourada, Samuel Liddell MacGregor Mathers. Crowley era fascinado pela Magia Ritual e acreditava que através dela, o Mundo Real e Espiritual poderiam se conectar.

Foi durante seu tempo em Boleskine que a Grande Besta mergulhou de cabeça no ramo mais obscuro do espiritualismo e nas práticas de magia negra. Crowley acreditava que Boleskine oferecia as condições ideais para seus ritos, fosse pela teatralidade do ambiente soturno ou pelas reverberações sinistras de sua biografia.  

Em algum momento desse período, Mathers, que havia se exilado em Paris, chamou Crowley para a filial da Ordem Hermética da Aurora Dourada que havia criado. Crowley atendeu ao chamado e partiu para se juntar ao seu mentor na França e dali seguiu para outros projetos no campo do misticismo.  

O mago partiu de forma intempestiva, supostamente sem dissipar os "12 Reis e Duques do Inferno" que havia invocado na casa durante os rituais que lá realizou. Pessoas que inspecionaram a casa disseram sentir uma aura esmagadora de ameaça no ar, o que combinava com os muitos altares montados no pátio e símbolos de proteção desenhados no assoalho da sala e quartos. Crowley traçou esses símbolos no chão, no teto, nas portas e nas janelas para confinar o que quer que ele tenha invocado e impedir que estes saíssem. Contudo ele mesmo tinha dúvidas sobre o que havia trazido para a casa e lá aprisionado. 

Muitos moradores locais atribuem a história infeliz da casa aos espíritos malignos deixados para trás. Crowley, que nunca admitia erros, chegou a reconhecer que os rituais que realizava na Casa Boleskine haviam saído do controle. Poderiam representar um perigo real para alguém entrando lá inadvertidamente.


Ainda assim, quando partiu para a França ele deixou uma família para tomar conta da propriedade. A filha de 10 anos e o filho de 1 ano da governanta que lá trabalhava morreram misteriosa e abruptamente. Doenças e acidentes se multiplicavam e a criadagem precisava ser substituída com frequência. As pessoas não queriam ficar lá e logo o staff foi reduzido e restringido apenas a um guarda que morava próximo e que se dispunha a ir uma vez por semana, durante o dia, averiguar se as portas estavam trancadas. Um rumor muito difundido é que esse guarda encontrava janelas e portas abertas mesmo que não houvesse sinal de que viva alma tivesse estado lá. 

Outra história macabra foi contada pelo próprio Crowley a amigos. Ele relatou que um funcionário da propriedade, que havia se abstido de álcool por muito tempo, ficou bêbado e tentou assassinar toda a sua família. O escândalo foi abafado, mas o homem, que posteriormente foi colocado sob os cuidados de um manicômio, acabou cometendo suicídio ao cortar a garganta com uma navalha. 

Eventualmente Crowley decidiu que era o momento de se livrar de Boleskine. Ele chegou a cogitar retornar a Mansão e realizar um grande Ritual de Exorcismo que expulsasse as manifestações ali contidas, contudo tal medida jamais foi levada adiante. A Grande Besta tinha receio de que isso poderia ser perigoso, visto que as forças lá dentro se ressentiam profundamente dele. Até onde se sabe, Crowley jamais retornou para Boleskine e para vendê-la utilizou agentes imobiliários. Seus objetos pessoas, sobretudo a vasta biblioteca, foi encaixotada e despachada de volta para Londres.

Mas mesmo depois da casa mudar de mãos, as energias negativas ali represadas não se dissiparam e tragédias continuaram acontecendo. 

Em 1965, um Major do Exército que havia comprado a casa cometeu suicídio com um tiro de espingarda na boca. Seu corpo foi achado semanas depois e dizem que sua face ficou transfigurada por um terror presenciado antes do ato extremo. Depois disso, um casal recém-casado mudou-se para a casa. A esposa era cega e, depois de um mês, o homem foi embora, deixando a mulher abandonada vagando sem enxergar. Em 1969, Kenneth Anger, um cineasta experimental interessado em ocultismo, soube que a casa estava à venda e a alugou por alguns meses. Ele também partiu alegando não ter suportado o "duro fardo de viver naquele lugar".


O próximo proprietário foi uma celebridade sombria de um tipo diferente: Jimmy Page, da banda Led Zeppelin. Page, que nutria interesse pelo ocultismo comprou a casa cogitando realizar lá algumas experiências ritualísticas em especial as delineadas por Crowley de quem ele era fã. O músico esperava que a aura de Boleskine pudesse contribuir para seu aprimoramento místico. Page passou muito pouco tempo na propriedade, ele a considerou desagradável e alegadamente teve pesadelos que o deixaram aterrorizado. A casa foi passada para um amigo e sua família e este relatou não se importar com os rangidos, gemidos e várias aparições fantasmagóricas inexplicáveis que ocorriam no local. O que mais o incomodava eram os fãs de Crowley e Page que frequentemente tentavam invadir a casa e profanar o terreno.

Proprietários posteriores descartaram qualquer ideia de assombrações ou bruxaria na casa, mas a tragédia continuou a assolar a região. Em 2015, os moradores da casa retornaram de uma ida às compras e encontraram a casa completamente em chamas. Não houve feridos, pois ela se encontrava vazia quando o incêndio começou.

Entre os muitos rumores da casa, persiste a narrativa de que Crowley realmente levou à cabo seu Grande Experimento Místico. Ele decidiu iniciar os preparativos na véspera da Páscoa de 1908, mas estes só se concluíram cerca de seis meses depois. Crowley observou que, devido a certos perigos sobrenaturais que o experimento poderia desencadear seria bom contar com alguém para auxiliá-lo, assim chamou um colega. O homem em questão era Charles Rosher, que, assim como Crowley, era membro da Ordem Hermética da Aurora Dourada e amigo do professor de Crowley, Allan Bennett

Rosher pretendia ficar com Crowley por meses. Acabou partindo – ou melhor, fugindo – em no máximo três semanas. O motivo: a presença de forças malignas invisíveis que Rosher tinha certeza de que haviam se apossado da Casa Boleskine e que pretendiam tornar sua vida um inferno. Tal foi a natureza de sua partida precipitada que Crowley não sabia de nada até que seu mordomo o informasse de que seu amigo havia partido. Os dois não se viram novamente por anos pois Crowley considerou a fuga um ato de covardia extrema.

Não há muitos relatos sobre como transcorreu o ritual de Abramelin, o que é curioso já que Crowley adorava se gabar de suas proezas mágicas. É curioso que ele fosse muito discreto sobre esse experimento em especial, levando muitos a crer que ele tenha sido um fracasso retumbante. Mesmo assim, o sempre enigmático Crowley provocava seus colegas afirmando que certos assuntos não deveriam ser abordados. 


Se algo sobrenatural ou maligno havia descido sobre Boleskine House, não demorou muito para que começasse a afetar e infectar as pessoas que viviam ao redor do lago. Em certa ocasião, logo após se mudar para Boleskine, Crowley retornou à residência após um passeio pelas colinas, apenas para encontrar um padre sentado em seu escritório. Pálido como um fantasma e profundamente preocupado, o sacerdote confidenciou que o zelador da hospedaria, um homem chamado Hugh Gillies tentara matar sua família em um frenesi de violência repentino. 

Em outra ocasião, um velho amigo de Crowley dos tempos de Cambridge, visitou-o — e, como Charles Rosher, pretendia ficar por um longo período. Ele também não suportou a aura de Boleskine partindo em menos de duas semanas, após apresentar sintomas semelhantes aos de um ataque de pânico e dizer a Crowley, em tom de medo, que a Casa Boleskine estava repleta de espíritos terríveis e malévolos.

O próprio Crowley reconheceu existir algo sinistro na casa. Ele decidiu trabalhar no único cômodo que oferecia um grau razoável de luz solar – e que contrastava fortemente com o resto da casa. Era um lugar purificado, segundo o próprio, uma ilha de sanidade naquela mar caótico. Mas mesmo naquele cômodo Crowley foi forçado a introduzir iluminação artificial, tamanha era a atmosfera lúgubre. 

Apesar das dificuldades, a atração magnética do Loch Ness e da Casa Boleskine continuou atraindo a Grande Besta de volta à Escócia, e ele continuou com seus estudos e planos. Ele também se casou.

"Sempre me sentirei um pouco grato a Boleskine por me dar minha esposa", disse Crowley. Ele se referia à sua amada, Rose Edith Kelly, que desposou em 1903. "Embora, anos mais tarde", revelou, "essa união, que tanto significou para nós dois enquanto durou, tenha se tornado uma tragédia doméstica, catalizada pela casa onde decidimos viver. Boleskine não era boa para nosso matrimônio", contou.

O período de Crowley como Lorde e Senhor de Boleskine também foi marcado por graves disputas e desentendimentos. Um "mago rival" teria conjurado energias sobrenaturais que causaram a morte de sua matilha de cães farejadores. Crowley adorava seus cães e ficou furioso com essa ousadia. Ele reagiu através de rituais que visavam contra-atacar seu desafeto. Além disso, seus servos começaram a adoecer ou se demitir pois não gostavam da casa. Doenças e insatisfação eram algo mundano nesse emprego. Então, o pior de tudo aconteceu numa manhã. Crowley ouviu gritos e xingamentos selvagens e histéricos vindos da cozinha. Um empregado havia ficado inexplicavelmente furioso e atacou Rose. Tal era o estado de ferocidade do sujeito, que Crowley e sua equipe foram forçados a trancá-lo no porão e aguardar a chegada da polícia local.


Felizmente, Rose se recuperou, mas ela não se viu livre de infortúnios. Em 1911, Crowley foi forçado a interná-la em um asilo, devido a demência provocada por seu alcoolismo descontrolado. Embora não culpasse a casa por mais esse revés, ele com certeza suspeitava que o ambiente não era bom para a esposa. E de fato, quando deixou a casa em busca de tratamento, ela afirmou que a morada exercia uma forte influencia sobre sua condição geral.

Hoje em dia, a lendária Casa Boleskine segue mantendo um grande apelo popular como "lugar assombrado". Dada a sua tumultuada história, a fama é mais do que merecida ainda que provavelmente haja muitos exageros e invenções. Inegável contanto que o lugar desempenha um papel crucial na biografia de uma das figuras mais controversas e fascinantes do século XX.

Um comentário:

  1. Caramba, muito louco, isso me fez pensar em outras narrativas que envolvam casas assombradas. A queda da Casa de Usher é um classico absoluto.

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