Um dos medos mais antigos, presente em diversas culturas e difundido entre incontáveis povos do passado era o medo dos mortos voltarem a vida.
Parece uma tolice hoje em dia, mas nossos antepassados aparentemente dedicavam boa parte de seu tempo livre tentando encontrar maneiras de impedir que as pessoas enterradas retornassem para incomodá-las. O terror era tamanho que há relatos no mínimo bizarros sobre práticas de contenção. Por exemplo, os persas contratavam vigias para manter guarda no perímetro de cemitérios e observar por pelo menos sete dias e sete noites se o morto não se erguia do lugar onde havia sido enterrado. Na Rússia medieval também havia essa preocupação e os caixões por vezes eram cobertos com pesadas pedras, lacrados com correntes ou então amarrados com cordas. Em algumas partes da China era um costume bastante difundido prender nos tornozelos de cadáveres suspeitos bolas de ferro para restringir seu movimento.
Mas sempre há casos que extrapolam e vão longe demais.
Arqueólogos escavando um sítio da antiga cidade romana de Sagalassos, no sudoeste da Turquia, se depararam recentemente com uma tumba do século II d.C. que foi preparada para impedir que seu ocupante perambulasse por aí. Uma área de aproximadamente 30 metros ao redor do mausoléu em questão foi especialmente preparada para impedir o cadáver de incomodar os vivos.
Os especialistas relataram a descoberta do mausoléu que se difere de todos outros depósitos funerários da antiga necrópole. Neste contexto específico, os restos humanos foram cercados por uma série medidas cautelares que incluem até memso armadilhas visando deter o morto à qualquer custo. Johan Claeys, arqueólogo da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, descreveu além dos obstáculos, rituais mágicos e truques com o intento de preservar o homem debaixo da terra.
O mausoléu remonta a 100-150 d.C., quando Sagalassos estava sob domínio romano. Claeys e sua equipe trabalham como parte do Projeto de Pesquisa Arqueológica local e a primeira coisa que chamou a atenção deles foi a maneira como este homem foi depositado no mausoléu. Em funerais normais o cadáver era colocado em uma profundidade de 1,50 metros (os proverbiais sete palmos), mas esse morto foi colocado a quase 4 metros abaixo do nível do solo. O caixão foi lacrado com pregos, acorrentado e atado com uma corda. Além disso na tampa do ataúde foram desenhados cuidadosamente símbolos cujo propósito era apaziguar o espírito.
Mas os cuidados não pararam por aí!
Seja lá quem tenha enterrado esse cadáver, seu objetivo era não deixar nenhuma brecha para o inesperado. Os arqueólogos encontraram os restos de 5 gatos que teriam sido sacrificados e sepultados no mesmo espaço - gatos eram tidos como guardiões do mundo espiritual, portanto sua função era impedir qualquer incidente não natural.
Próximo dos felinos foi erguida uma mureta com um metro de altura composta de tijolos isolando uma camada grossa de cal viva, colocado ali para causar queimaduras em quem andasse sobre ela. O estudo observa que cal viva era usada como uma prevenção a necrofobia e como medida protetiva contra vampiros, carniçais e fantasmas. No entanto a quantidade da substância chama a atenção. O cal podia ser frequentemente utilizado para evitar a putrefação ou para proteger os vivos de qualquer doença que o falecido tivesse, mas essa não parece ter sido a principal razão aqui.
O mais impressionante, entretanto, foi a descoberta de uma derradeira medida protetiva - uma legítima armadilha. Telhas finas de terracota foram colocadas cuidadosamente sobre um fosso de três metros, escavado ao redor da tumba. No fundo dessa trincheira haviam centenas de pregos de ferro. Os pregos eram ferramentas comuns para afastar o mal - Plínio, o Velho, escreveu sobre o uso de pregos para combater pesadelos, enquanto outros textos se referem a eles afastando espíritos malignos. Neste caso, era claramente a maneira de dissuadir o morto de sair do seu descanso eterno.
"Nós já havíamos encontrado práticas de proteção similares na região, mas o fato delas estarem todas presentes aqui chama a atenção. A combinação de métodos restritivos, de medidas místicas, o uso da cal e da armadilha com pregos denota que tudo foi projetado por um medo profundo do cadáver. Independentemente da causa da morte ter sido traumática, misteriosa ou ainda o efeito de uma doença contagiosa ou punição, ela parece ter levado os vivos a temer uma possível retaliação do morto", relatou Claeys.
Mas quem seria o indivíduo ali sepultado e o que justificava tantos cuidados?
Infelizmente a lápide e as pedras que marcam o sepulcro não identificam quem está enterrado lá. Esse tipo de coisa é especialmente curiosa já que era costumeiro identificar as pessoas, sobretudo em um mausoléu de aparência tão impressionante. Os arqueólogos acreditam que dado o luxo da cripta a pessoa tenha sido alguém de posses: um mercador bem sucedido ou nobre de status social elevado.
Seja lá quem fosse esse homem falecido, ele obviamente aterrorizava aqueles que o enterraram. Os arqueólogos observam que todo o rito funerário aqui é confuso. Enquanto o falecido foi tratado com respeito e enterrado de maneira apropriada, foram as práticas posteriores ao enterro que demonstravam estar longe do normal. É como se o morto tivesse sido tratado de forma correta, mas posteriormente medidas tivessem sido adotadas para certificar que sua morte seria definitiva.
Após a publicação das observações, estudiosos sugeriram outra possibilidade.
Talvez o temor não fosse à respeito do morto retornar, mas de que alguém o incomodasse. Nessa interpretação a família do falecido o estaria protegendo da ação dos vivos e não o contrário. Na época do enterro, a região de Sagalassos era atormentada pela presença de necromantes - magos que interrompiam o descanso dos mortos e podiam usar partes deles em seus feitiços. Os restos de pessoas famosas ou ilustres eram, segundo a crença os mais valiosos.
O Professor Claeys, no entanto acredita que as medidas eram no sentido de evitar a fuga do morto, um temos muito mais palpável, do que o inverso.
"Algumas pessoas continuavam a ser temidas mesmo depois da morte. Estes indivíduos especialmente poderosos ou influentes mantinham essa aura de autoridade mesmo após serem declaradas mortas. Outra possibilidade é que o indivíduo tenha experimentado uma morte traumática, violenta ou incomum. Talvez até ele possa ter sofrido algum efeito de terceiros, o que justificaria o temor destes. Mortos retornando com o intuito de extrair vingança dos vivos era uma crença comum no período".
Há muitas questões à respeito desse mausoléu peculiar e seu ocupante misterioso, mas os estudiosos esperam resolver ao menos algumas dentro em breve. Há planos para a abertura do caixão e uma investigação criteriosa de seu conteúdo, isto é, se realmente ainda existir alguém sepultado ali.
Hmmmm... abrir um mausoléu milenar repleto de armadilhas e coberto de avisos para não fazê-lo, o que poderia dar errado, certo?
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