domingo, 29 de outubro de 2023

A Maldição de O Exorcista - Filme diabólico ou apenas um golpe de marketing

E já que estamos falando de "O Exorcista" que tal comentar sobre a suposta "Maldição do Filme".

Quer tenha algo a ver com demônios ou não, o filme O Exorcista tem,1 pairando sobre si, uma das maldições cinematográficas mais famosas de Hollywood. Na verdade, parece que os bastidores da produção foram tão assustadores quanto aquilo que acontecia na tela, com uma longa lista de infortúnios, contratempos, ocorrências estranhas e mortes associadas ao filme.

Com esta suposta maldição em particular, há tantas coisas estranhas que é difícil saber por onde começar. A produção foi assolada por vários contratempos desde antes mesmo do início das filmagens. Diretor após diretor, incluindo notáveis como Stanley Kubrick e Arthur Penn, inexplicavelmente recusaram o filme, alegando os mais variados motivos. Famosa foi a desculpa de Kubrick que alegou não ficar confortável em tocar em um assunto que poderia trazer repercussoes "perigosas". Ele também teria dito que após ler o roteiro sofreu um pesadelo que o afastou definitivamente do projeto.

Quando o diretor William Friedkin assinou o contrato para filmar, surgiu uma lenda de que o elevador em que ele estava, no estúdio da Warner Bros parou e por pouco não despencou no poço. O diretor e seus assistentes, não se machucaram e passado o susto até acharam aquilo engraçado, mas não sabiam que os problemas estavam apenas começando. 

As filmagens das cenas ambientadas no Iraque enfrentaram uma série de contratempos e imprevistos. Para começar uma forte onda de calor atingiu a região, com as temperaturas mais altas em 50 anos. O calor era tanto que membros da equipe técnica desmaiavam por desidratação e alguns sofreram com severa exposição. Houve também um surto de disenteria, causado por água contaminada, que atingiu a  equipe e obrigou os produtores a trazer médicos estrangeiros para cuidar de membros chave do elenco. Tudo isso atrasou consideravelmente a produção nas locações no Oriente Médio.


Havia também boatos de que autoridades religiosas muçulmanas se manifestaram contra o tema do filme e fizeram pressão para impedir a realização das filmagens. Demonstracoes e tumultos ameaçaram impedir as filmagens. Ironicamente, quem deu o sinal verde para a produção continuar foi ninguém menos que Saddam Hussein, na época, vice-presidente do Iraque.  

Terminadas as locações internacionais, a equipe se transferiu para Washington para iniciar a produção que se passava em Georgetown. Foi então que as coisas realmente começaram a ficar estranhas no set de filmagem.

Durante a pré-produção, ocorreram inúmero incêndios inexplicáveis que pareciam surgir do nada, sem motivo aparente. Um deles queimou todo o cenário da casa retratada no filme, exceto o quarto de Regan, onde as cenas de possessão seriam filmadas. Os incêndios espontâneos segundo alguns técnicos eram tantos e tão frequentes que era regra durante a produção que existisse sempre dois extintores em cada aposento. Isso porque em um dos incidentes, um dos extintores simplesmente não funcionou.

Mas o que chamou muito a atenção, foram os acidentes ocorridos no set. 

A atriz Ellen Burnsteyn sofreu uma lesão permanente nas costas em uma cena em que sua personagem luta com a filha possuída pelo demônio. O ferimento foi tão sério que ela completava cada dia de filmagem em um terrível agonia, sofrendo dores que a obrigavam a tomar doses enormes de sedativo. Em algumas cenas, Burnsteyn relatou estar em tamanha dor que precisava receber injeções na veia para continuar atuando. A jovem atriz que interpretou Regan, Linda Blair, também sofreu uma lesão nas costas quando o arnês destinado a fazê-la se debater loucamente não funcionou corretamente. Quando seu corpo foi erguido na cena em que ela levita sobre a cama, uma das cordas se rompeu e ela caiu com as costas na madeira da cama. 


Em mais um acidente bizarro, o filho de um dos atores foi atropelado por uma moto no set e precisou ser hospitalizado. Um boato horrendo de que o menino havia morrido se espalhou pelo set e fez com que as filmagens tivessem de ser paralisadas diante da comoção causada pela notícia falsa. 

Os acidentes foram tão numerosos que alguns dos atores e membros da equipe chegaram a pedir que padres que serviam como consultores teológicos fizessem uma benção para proteger a todos. Chegou a ser noticiado que houve um exorcismo real realizado durante as filmagens, mas esse rumor jamais foi confirmado. É um fato, entretanto, que mais de duas dúzias de membros da equipe se afastaram da produção alegando não se sentirem confortáveis para prosseguir nas filmagens. Um auxiliar de câmera, teria sofrido um episódio de crise nervosa e se desligou do projeto.

Além dos vários acidentes e contratempos estranhos no set, houve também mortes misteriosas cercando a produção. Uma das mais divulgadas foi a do ator Jack MacGowran, que interpretou o diretor Burke Dennings no filme e morreu de uma súbita gripe logo após o término das filmagens. Na verdade, dois atores que interpretaram personagens que morreram no filme também morreram na vida real logo após o término das filmagens. A atriz Valsiliki Maliaros, faleceu três depois de fazer suas cenas. No total, nove membros do elenco e da equipe associados à produção morreriam durante e no espaço de um mês após as filmagens terem sido concluídas. Outras mortes envolvendo parentes de membros do elenco e equipe técnica também ocorreram, incluindo o falecimento do irmão do ator Max von Sydow e do avô da atriz Linda Blair.

Os problemas e eventos bizarros que assolavam O Exorcista não parariam mesmo depois de seu lançamento. 

Na estreia do filme no Teatro Metropolitano de Roma, uma tempestade fortíssima se formou com uma chuva torrencial e relâmpagos que deixaram todos os presentes apavorados. Pouco depois de os convidados terem entrado no teatro, um raio atingiu a torre de uma igreja do século XVI que ficava próxima do cinema. Uma cruz de 2,5 metros de comprimento caiu na praça bem em frente ao teatro com um estrondo que deixou os espectadores do cinema em pânico.


Quando o filme foi oficialmente lançado nos cinemas americanos, houve repercussões imediatas, pois uma enxurrada de reclamações de espectadores relatavam sentir tontura e náusea durante as exibições, houve casos registrados de desmaios, convulsões e ataques de pânico. Uma mulher ficou tão perturbada com as imagens assustadoras do filme que decidiu sair do cinema, tropeçou e caiu, quebrando a mandíbula. Em Porto Rico, uma sala de cinema pegou fogo e duas pessoas ficaram feridas e centenas intoxicadas após inalar a fumaça. Um cinema na Cidade do México também registrou um incêndio misterioso na sala de projeção que destruiu o filme e obrigou o cancelamento da noite de estreia do filme.

Além de todos esses estranhos incidentes, o Exorcista foi apontado como causador de uma série de suicídios ao longo da década de 1970. Na época alguns sugeriam que as mortes eram decorrentes das imagens horríveis do filme serem chocantes demais para algumas pessoas. O famoso evangelista Billy Graham estava tão convencido de que o filme era amaldiçoado que chegou ao ponto de sugerir que o próprio celulóide estava de alguma forma imbuído com o poder do mal e do próprio Diabo.

Para piorar ainda mais as coisas, a atriz Linda Blair teve que abandonar a turnê de promoção do filme após sofrer um colapso mental. A outrora promissora estrela infantil não suportou o stress e atenção da mídia e precisou se afastar. Nos anos que se seguiram, ela foi presa após acusações de porte de drogas e precisou fazer um tratamento de desintoxicação. Blair mencionava que a produção foi um dos motivos para ela ter afundado no uso de drogas a tal ponto que ela desistiu de atuar por muitos anos. 

Anos mais tarde, o filme e suas sequências ganhariam ainda mais exposição na mídia com boatos perturbadores.

Um dos rumores mais conhecidos afirmava que o serial killer americano Jeffrey Dahmer era obcecado pelos filmes O Exorcista, em particular a terceira parte. Ele supostamente assistia incessantemente ao filme antes de matar suas vítimas. Dahmer acreditava que ao assistir o filme em loop recebia visões e podia ouvir vozes que o incentivavam a cometer seus crimes medonhos. Em uma entrevista ele disse que colocou o filme para duas de suas vítimas assistir e que pelo menos uma delas foi assassinada enquanto o filme estava passando no videocassete. Dahmer chegou a tentar entrar em contato com o ator Jason Miller, que trabalhou no Exorcista original e na terceira continuação, enviando para ele cartas e mensagens que acabaram sendo ignoradas. Nas cartas, Dahmer perguntava se algo no filme era verdade, pois ele afirmava temer estar sendo influenciado pelo filme. Miller diz se recordar das cartas, mas reconheceu que por muitos anos recebeu correspondência perturbadora por parte de pessoas que assistiram ao filme.


A suposta maldição de O Exorcista é tão bizarra e envolve tantas ocorrências estranhas que um documentário chegou a ser produzido repercutindo cada aspecto estranho do filme.

Com todos esses incidentes estranhos, mortes e situações bizarras, muitos se perguntam se a maldição seria real, mas muitos sugerem que ela possa ter sido simplesmente um golpe de marketing muito bem conduzido e orquestrado para promover o filme. O diretor, William Friedkin, chegou a ser acusado de promover os incêndios misteriosos para atrair a atenção da mídia. Ele ficou tão furioso com essas acusações que chegou a processar três jornais que sugeriram seu envolvimento nesses incidentes. Friedkin também se negou a dirigir a sequência afirmando que "não iria sobreviver a uma nova produção do filme". Anos mais tarde ele contou em uma entrevista que "O Exorcista" foi o filme mais complicado em que ele trabalhou, não apenas pela produção ter sido tumultuada, mas pelo assédio de pessoas de todos os tipos que importunavam a equipe.

É estranho que um filme tenha tantas ocorrências incomuns relacionadas a ele, e quando se fala de O Exorcista é difícil afastar os rumores que sempre cercaram a produção. Verdade ou mentira, certamente essas histórias tornaram um filme já arrepiante em algo ainda mais assustador.

E supostamente maldito.

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Pazuzu - O Rei dos Demônios do Vento da Mesopotâmia


Quando o filme, O Exorcista, baseado no romance de mesmo nome, escrito por William Peter Blatty, foi lançado no ano de 1973 ele tomou o universo do terror como uma tempestade. As pessoas não falavam de outro assunto, o filme se tornou um fenômeno de bilheteria e gerou uma duradoura controvérsia sobre a existência física do mal. 

O Exorcista, hoje é tido como um clássico absoluto. Ele conta a história da menina Regan MacNeil (Linda Blair) de 12 anos, cujo corpo e invadido pela presença nefasta de um demônio chamado Pazuzu. A presença maligna a transforma, de uma menina meiga e amável em um monstro infame dado a cuspir meleca esverdeada e dotado de vários poderes sobrenaturais. A trama então segue os passos dos padres Lankester Merrin (Max von Sydow) e Damien Karras (Jason Miller) à medida que eles confrontam a entidade diabólica em uma batalha pela alma Regan. O Exorcismo que domina boa parte do terceiro ato do filme é um embate dramático.

Considerado um clássico, o filme é colocado frequentemente no topo das listas dos filmes mais assustadores de todos os tempos. 

O que muita gente não sabe é que a criatura maligna Pazuzu, está longe de ser uma ficção criada para o filme. De fato, ele tem uma rica mitologia e história como uma entidade presente no mundo antigo.

Para conhecer o real demônio apresentado no filme, nós temos de voltar aos tempos ancestrais da Mesopotâmia no primeiro milênio antes de Cristo. Os povos mesopotâmicos acreditavam que o mundo era habitado por uma infinidade de demônios poderosos que viviam em meio aos mortais. Geralmente eles não podiam ser vistos, pois preferiam se manter invisíveis, contudo, tais seres se faziam sentir quando assim o desejavam.  

Esse espíritos semi-divinos eram capazes de assumir muitas formas e a eles eram atribuídos toda sorte de incidentes e fenômenos que afetavam a humanidade, incluindo doença, fome, seca, aborto, impotência, esterilidade, ataque de animais selvagens e demais infortúnios. Isso era visto como parte dos desígnios divinos, uma forma dos Deuses punirem as transgressões cometidas, corrigir comportamentos considerados indesejáveis e reduzir a população humana. Os demônios embora muito temidos, não eram compreendidos em essência como malignos, visto que serviam a um propósito além de meramente atormentar as pessoas. Eles eram contudo, sempre maliciosos e desejosos de fazer cumprir as regras que colocavam os pecadores à sua mercê. 


Durante o período  Neo-Assirio entre 934–610 aC., um novo tipo de demônio apareceu na mitologia mesopotâmica. Essa criatura contrariava o sistema de seres cumpridores de ordens divinas. Ao invés de serem agentes divinos, eles eram puramente malignos. 

Um espírito classificado como lilû, ou demônio do vento, Pazuzu era visto como a personificação do vento sudoeste que soprava doença e pestilência. Com o tempo, ele se tornou mais que isso, passou a ser visto como o Rei dos Demônios do Vento. Como tal ele era o responsável por vendavais e tempestades, mas também por deslizamentos e terremotos. Pazuzu era rebelde e por isso, em muitas de suas representações, é visto lutando com outros lilû que desafiavam sua autoridade. Pazuzu também seria o responsável pela fome, enviando nuvens de gafanhotos para dizimar as plantações ou ainda um vento escorchante para secar os rios. 

O que diferenciava Pazuzu dos outros demônios, supostamente menos caóticos, era o fato de sua destruição ser imprevisível. Ele não escolhia alvos, lançava sua ira sobre tudo e todos, inocentes e pecadores igualmente. Nas versões sumérias e acadianas, ele se identifica da seguinte forma:

"Eu sou Pazuzu, filho de Ḫanbi, Rei de todos os demônios-lilû. Eu sopro furioso contra as poderosas montanhas e transcendo sua altura. Eu que escalei as montanhas, as fiz tremer. Os ventos que sopram contra mim são desviados, um por um, e eu quebro as asas de quem os provocou. Pois eu sou o Caos e os céus me pertencem."

Como o mais poderoso dos Demônios do Vento, Pazuzu tinha uma aparência condizente ao seu título.  Sua forma era tão aterrorizante quanto seus atos ímpios. Ele era descrito como um horrível amálgama de várias partes humanas e de animais misturadas.  Dotado de uma monstruosa cabeça de leão com chifres de gazela, orelhas humanas, um focinho de Cão, olhos esbugalhados e um corpo humano emaciado com mãos terminando em garras. Os pés eram de pássaro com garras de águia. Ele também possuía uma cauda de escorpião, um pênis com cabeça de cobra e um par de asas brotando nas costas. Em geral, era representando com a mão direita erguida e a esquerda para baixo, simbolizando a dualidade de seus atos: vida e morte, criação e destruição.

Pazuzu era conhecido por diferentes nomes: "Agonia da Humanidade", "Agonia dos Homens" e "Sofrimento dos Mortais". Ele também era chamado de "Doença dos Homens" e "Aquele que é Maligno". Com estes títulos bizarros e com sua aparência grotesca, não e de se estranhar que Pazuzu fosse extremamente temido.


Entretanto, ainda que fosse definitivamente uma entidade perversa, Pazuzu não era exatamente a perfeita encarnação e personificação de tudo o que é maligno no mundo como o filme sugere.

Apesar de  se apresentar como um inegável terror, o demônio curiosamente era visto como um espírito protetor. Segundo o mito, Pazuzu parecia desfrutar de apenas uma coisa mais do que espalhar o caos entre os mortais. E isso era lutar contra outros demônios. Os Mesopotâmios sabiam bem disso, e acreditavam que Pazuzu pudesse agir como um tipo de Guardião. 

Vários rituais e feitiços eram realizados com o intuito de fazer com que Pazuzu os defendesse contra outras manifestações indesejadas. De fato, muitas das imagens conhecidas de Pazuzu decorrem de amuletos e talismãs protetivos feitos de terracota, bronze, ferro, ouro, vidro ou osso. Todos tinham a função de pedir a ele que os defendesse contra influências diabólicas. 

Pazuzu era invocado especialmente como protetor de mulheres grávidas e de bebês recém-nascidos. A explicação para isso é que um dos maiores inimigos de Pazuzu era outro demônio, no caso, uma demônio fêmea chamada Lamastu, que era conhecida por roubar, sequestrar e matar bebês ou fetos não nascidos. Dizer que  Pazuzu e Lamastu eram inimigos é eufemismo. Os dois se detestavam de tal forma que um faria qualquer coisa para negar ao outro o que mas desejava - e o maior desejo de Lamastu eram as crianças. 

Para proteger os jovens, afastar doenças mortais de recém nascidos e reduzir os riscos da gravidez, o nome de Pazuzu era mencionado em incontáveis rituais. Amuletos dele também eram pendurados em portas ou quartos onde as crianças dormiam como uma forma de barrar a entrada de Lamastu. A crença de que o demônio do vento poderia garantir a sobrevivência de um bebê era tamanha que muitas mães e pais repetiam o nome de Pazuzu antes de colocar seus filhos para dormir.


Outro detalhe curioso é que, diferente do que vemos no filme "O Exorcista", não há nenhuma menção na mitologia suméria ligando Pazuzu a possessão ou controle de um ser humano. Realmente, tal coisa seria inconcebível para os mesopotâmios; um demônio, especialmente um monarca diabólico, jamais escolheria habitar o corpo frágil de um mortal, quanto mais de uma criança. 

Ele foi, sem duvida, muito popular em sua época e considerado como uma entidade real. Um terror autêntico que se insinuava nas casas e nas vidas das pessoas.  

Hoje em dia, por conta do filme, seu nome se tornou muito difundido. Trazido de volta para o inconsciente coletivo, Pazuzu talvez seja o demônio do passado mais famoso nos dias atuais, atrás apenas de Lúcifer. Seu nome é reconhecido amplamente, quando tantos outros entes desapareceram na obscuridade do tempo.

Entretanto, mesmo nos tempos atuais, há muito mistério em torno dessa entidade malévola. Enquanto a maioria dos demônios antigos, incluindo Lamastu, passaram por uma evolução gradual e metamorfose ao longo do tempo, Pazuzu parece ter surgido do nada totalmente formado, tornando difícil identificar um local preciso ou momento em que tal entidade surgiu originalmente. Ele aparece abruptamente nos registros arqueológicos, apenas a partir do século XVIII.

Ainda outro mistério que cerca Pazuzu é o grande número de imagens criadas tendo ele como modelo. Na época dos mesopotâmicos, construir imagens de demônios era considerado uma tolice, na melhor das hipóteses, e algo imensamente perigoso, na pior. Acreditava-se que ao criar uma estatueta de um demônio tal coisa poderia atrair sua atenção e a possível ira da entidade. Contudo, no caso de Pazuzu, existem vários exemplos de estatuetas encontradas em sítios arqueológicos na antiga Suméria. Mesmo em templos e palácios foram descobertas carrancas de Pazuzu. Por que isso acontecia numa época em que era amplamente considerado um mau agouro fazer imagens de demônios, não está claro.


Há teorias... Seria possível que as imagens fossem originárias de algum templo ou culto devotado a adoração de tal entidade? Caso isso seja verdade, seria um caso singular de adoração sistemática a uma entidade maligna. Qual seria a origem dessa seita e como ela seria vista, podemos apenas imaginar. 

É provável que essas questões fiquem sem resposta, mas dada a resistência de Pazuzu em se perpetuar através das eras, é no mínimo curioso que ainda estejamos falando dele.

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

A Assombração - A mais famosa aventura de Chamado de Cthulhu


É praticamente um consenso entre os fãs de Chamado de Cthulhu que "A Assombração" (The Haunting), escrito por Sandy Petersen é o cenário mais famoso do jogo.

Mas o que torna essa pequena aventura de horror tão popular e o que explica a sua longevidade? 

A razão não poderia ser mais óbvia: ela literalmente ensina como jogar Chamado de Cthulhu. Tanto no que diz respeito ao estilo e principais elementos da ambientação, quanto a regras e diretrizes do sistema. Se você quiser ensinar o jogo a alguém, essa história poderia ser o equivalente a aula de introdução, um CoC 101 se preferir.

"A Assombração" não é apenas uma aventura clássica; é de longe a mais jogada e continua sendo o ponto de partida para muitos jogadores iniciantes. A explicação para essa predileção é que ela ensina como jogar e, mais importante, como executar uma sessão de RPG voltada para a investigação - que é o diferencial da ambientação.

Diz a lenda que A Assombração foi a primeira aventura escrita para Chamado de Cthulhu e a história que Sandy Petersen escolheu para apresentar o protótipo do jogo para seus colegas em uma espécie de test drive do sistema e ambientação. Ainda segundo a lenda, o autor não disse ao seu grupo de jogadores qual seria o tema da aventura que eles iam jogar. Quando um deles, lá pela metade da sessão disse que aquela história parecia algo saído da ficção de H.P. Lovecraft, Sandy soube que estava no caminho certo.

A proposta desde o início era algo inovador para a época.

Até o início da década de 1980, a maioria dos aficionados pelo então recentemente criado RPG participavam invariavelmente de explorações de masmorra (o bom e velho dungeon crawl). Essa modalidade de aventura junto com os wargames originou os RPG de mesa. Nesse tipo de jogo os personagens adentram, exploram e vasculham uma série de salas conectadas que formavam um grande complexo. Em alguns aposentos misteriosos encontram armadilhas, em outros monstros e em alguns (com sorte) acham tesouros. Certas salas também contém enigmas e quebra-cabeças para desafiar a mente dos jogadores e não apenas a habilidade ou sorte nos dados. 


No final das contas as masmorras apresentam uma série de problemas interligados que precisavam ser trabalhados até todos os cômodos serem limpos. Quando Petersen escreveu sua aventura investigativa pioneira, ele partiu de um princípio semelhante.

A história dependia de uma série de pistas soltas que precisavam ser encontradas, analisadas e interpretadas corretamente pelos personagens. Da análise dessas pistas independentes viria a conclusão para a parte final da história. Talvez o grupo tivesse de encontrar um objeto, aprender o que ele fazia e só então, usá-lo em um ritual. Quem sabe se tratava de uma informação pesquisada numa biblioteca, complementada por um acadêmico e usada para descobrir o nome da criatura atormentando um lugar. Ou ainda, eles tivessem de ouvir o relato de  uma testemunha, averiguar a verdade e só então encaixar em outra pista para fazer sentido.

Seja lá como for, jogos investigativos eram encadeados como as masmorras onde uma sala conduzia à próxima, até atingir o aposento final. Mas aqui, uma pista levava a outra, que por sua vez iria conduzir até a solução do mistério proposto. 

Os autores de Chamado de Cthulhu imaginavam que aventuras investigativas poderiam ser um desafio diferente para os entusiastas de RPG. A Assombração, o protótipo para aventuras investigativas, foi incluída na primeira edição de Chamado de Cthulhu e desde então esteve presente em praticamente todas versões do jogo.

Ela funcionava (e ainda funciona) porque o roteiro tem uma estrutura em três atos:

O grupo começa pesquisando o caso de uma família que fugiu apavorada de uma casa supostamente assombrada. O início ensina que o primeiro passo em um RPG baseado em investigação é pesquisar as fontes. Seja numa biblioteca, arquivo público ou jornal, as informações estão lá, em algum lugar. Você deve obter o máximo possível de informações disponíveis publicamente, essa é a primeira regra. 


O grupo então, fica sabendo que outras famílias também abandonaram a casa e que o endereço parece ter servido como a sede para um culto sinistro décadas atrás. Que culto era esse? o que queriam? Eles então tem que escavar mais fundo, pesquisar arquivos de jornais e quem sabe encontrar testemunhas do ocorrido. O jogo então apresenta outro diferencial, os Recursos (Handouts), pistas físicas daquilo que foi encontrado, outra inovação do jogo.

Tudo funciona como em um filme de terror: tem o velho que viu alguma coisa e implora para o grupo não visitar o lugar depois do anoitecer, os antigos rumores sobre coisas inexplicáveis acontecendo na calada da noite e as histórias contadas em sussurros pela vizinhança. Esses indidios pavimentam o caminho para as revelações que ainda estão por vir e que serão encontradas no momento propício. Até então, o que se tem são indícios e velhas histórias.

Então o grupo decide visitar a casa e a aventura oferece um mapa divertidamente linear do que existe em cada aposento.

Estamos de volta à masmorra, mas em vez de apresentar aos jogadores uma série de desafios, a aventura investigativa nos dá uma série de salas assustadoras nas quais estão espalhadas pistas que precisam ser reunidas. Aqui também o grupo é introduzido ao clima e atmosfera assustadoras. Com os indícios sugeridos no primeiro ato é fácil fazer os jogadores saltarem diante de suas próprias sombras e desconfiarem de qualquer ruído incomum. O cenário também fornece ao Guardião as ferramentas para agitar a panela na forma de efeitos mágicos sinistros implantados pelo monstro em seu covil. Coisas estranhas acontecem na casa dita Assombrada e se ver é acreditar, há muito para ser visto e temido aqui. 

"A Assombração" às vezes é conhecida pelo título "A Casa Assombrada", mas um título adequado poderia ser Trem Fantasma ou Labirinto Assustador, já que essa parte da aventura funciona como uma atração de parque de diversões. Os jogadores são conduzidos através de uma série de salas enquanto o Guardião descreve os incidentes sinistros e macabros um a um.


Embora bastante simples, esta seção é uma aula magistral de como conduzir uma historia de RPG de terror. É claro, o modelo de cenários de aventura mudou desde a primeira publicação de "A Assombração", mas a estrutura pode ser reconhecida nessa aventura: prepare o terreno com indícios, faça com que eles pesquisem, permita que eles investiguem os aposentos da casa, prepare os sustos.

E então vem o ato final, outro exemplo de como o cenário se propõe a ensinar as pessoas como fechar  uma aventura de Chamado de Cthulhu com chave de ouro. O confronto final ocorre em um ambiente escuro e confinado. Os poderes do vilão são descritos em detalhes, deixando claro que os investigadores estão em franca desvantagem diante dele. O horror e o medo despertado pela presença do sobrenatural devem ser sufocantes. O cenário deixa claro que o monstro é imune às balas, é resistente aos ataques e que comanda objetos inanimados. Ele também possui um sortimento de feitiços perigosos. 

Um dos grandes méritos de "A Assombração" é colocar os jogadores na posição dos personagens, indivíduos que não estão preparados para enfrentar aquela tamanha sobrenatural. Diferente dos bravos heróis que enfrentam os perigos com espadas mágicas e um arsenal de feitiços, os investigadores dependem daquilo que aprenderam nos atos anteriores, de sua astúcia e de um pouco de sorte para sobreviver. E mesmo que sobrevivam, eles não irão sair incólumes da experiência. E é aí que está a graça!

Talvez a maior inovação do sistema criado por Sandy Petersen e apresentado em "A Aparição" seja a fidelidade a obra de Lovecraft. Nela, os homens e mulheres confrontam um horror indescritível que não apenas pode causar ferimentos físicos, mas deixar cicatrizes mentais e emocionais.

Outro elemento interessante é que a aventura não se encerra quando os sobreviventes conseguem deixar a casa assombrada. O roteiro deixa propositalmente uma série de perguntas sem resposta para o grupo preencher essas lacunas. Um grupo realmente fisgado pela proposta do jogo vai querer saber mais detalhes sobre o que aconteceu no passado, sobre o perigoso culto e sobre o terror que eles acabaram de enfrentar. Outra lição a se aprender, sempre deixar uma porta para futuras sequências.


Aqueles que jogam "A assombração" recebem uma base sólida não apenas sobre como é uma aventura investigativa, mas também como executá-lo. Não é raro que os jogadores que se tornam mestres de Chamado comecem a narrar justamente através desse cenário. É inegável a contribuição de "A Assombração" para a formação de Guardiões.

Embora "A Assombração" não tenha sido a primeira aventura que joguei de Chamado de Cthulhu (creio que foi a terceira), ela possivelmente foi aquela que me chamou a atenção e que me levou para dentro do universo lovecraftiano. Desde então, devo ter narrado essa pequena joia uma dúzia de vezes, sempre com resultado bastante positivo.

Mais de 40 anos depois da sua primeira publicação, "A Assombração" permanece tão inovadora e eficiente quanto era quando foi lançada. Tanto que os narradores continuam escolhendo mestrá-la em convenções e encontros para jogadores iniciantes. Nos encontros organizados pela Chaosium, como na GenCon por exemplo, há sempre uma mesa para novatos em que essa aventura está disponível.

sábado, 14 de outubro de 2023

Vampiros entre Nós - Estranhos relatos de vampirismo na Inglaterra ontem e hoje


Existem certas áreas do paranormal e do inexplicável que se destacam das demais, e que acabam sendo envolvidas por lendas e folclore acima de todas as outras. Algumas são tão debatidas, estudadas e analisadas que os limites entre real e imaginário acabam se mesclando.

Sem dúvida, dentre todas as criaturas sobrenaturais que se escondem nas sombras uma que mais atrai a atenção das pessoas e desperta a imaginação como um todo são os os vampiros. Há algo de aterrorizante e ao mesmo tempo fascinante que nos compele a buscar saber mais e mais sobre esses demônios sugadores de sangue. Embora a maioria das pessoas entendam que vampiros não são nada além de puro mito, ocasionalmente há casos apresentados como encontros reais com essas criaturas, e a Grã-Bretanha tem sido uma fonte frequente de tais coisas.

Alguns dos primeiros relatos sobre vampiros ou seres semelhantes nas Ilhas Britânicas envolvem uma criatura conhecida como Abhartach, uma versão de vampiro nativo da Irlanda. A lenda é muitíssimo antiga, possivelmente remontando ao século primeiro, talvez até antes. Existem relatos proeminentes sobre o Abhartach, e um deles envolve um grande guerreiro do século IV conhecido apenas como Cathrain. A história conta que a vila de Glenullen foi aterrorizada por uma criatura sedenta de sangue humano, que se esgueirava nas trevas e que atormentava a população. Ela foi confrontada e morta por Cathrain, apenas para retornar do túmulo dois dias depois e continuar atacando os aterrorizados moradores locais. Cathrain então consultou druidas que lhe revelaram a única maneira de destruir o demônio de uma vez por todas. Para tanto, ele teria de perfurar seu coração com uma arma feita de madeira de teixo. O herói moldou sua arma com um galho dessa madeira, extraída de um bosque sagrado. Ele foi de encontro ao monstro, matou o Abhartach e o enterrou de cabeça para baixo em um túmulo marcado por uma grande pedra com um espinheiro crescendo na lateral. 

Para muitos, esse túmulo existe até os dias atuais, localizado no sul da Inglaterra, ele é um local de visitação desde a antiguidade. Não por acaso o bosque atende pelo nome de Abhar Wood, embora não se saiba se é realmente o local de descanso final de um vampiro.


Uma história ainda mais estranha foi documentada pela primeira vez no livro "A Origem e História dos Nomes de Lugares Irlandeses", publicado em 1870 pelo historiador Patrick Weston Joyce. A história tem a ver com um anão maligno e sanguinário, também conhecido como Abhartach. Está escrito que uma paróquia em Derry chamada Laghtaverty foi atormentada por este anão perverso, que diziam ser extremamente cruel e que se banqueteava com sangue extraído de jovens. Aparentemente, também foi muito difícil destruir a criatura, e Joyce escreveu:

"Este anão era um ser mágico e um tirano terrível. Após ter perpetrado grandes crueldades contra o povo, foi finalmente derrotado e morto por um líder tribal, que alguns acreditam ser o lendário Fionn Mac Cumhail. Depois da luta, o anão foi enterrado numa cova rasa, mas no dia seguinte apareceu em seu antigo refúgio, mais cruel e vigoroso do que nunca. O chefe o matou pela segunda vez e o enterrou como antes, mas novamente a criatura escavou a sepultura de dentro para fora e espalhou o terror por toda região. Fionn então consultou um druida e, de acordo com suas instruções, matou o anão pela terceira vez e o enterrou no mesmo lugar. Antes de pousar o cadáver na terra, seguiu as instruções do druida que ordenou empalar o coração do maligno com uma estaca de madeira. No momento que o fez, o corpo do anão se debateu como se estivesse tomado de horríveis espasmos e soltou gritos e guinchos guturais. A madeira sagrada subjugou seu poder mágico, de modo que ele finalmente foi destruído. Para ter certeza que ele não mais se ergueria a cabeça do perverso foi decepada e a boca enchida com alho. A pedra colocada sobre a sepultura do anão maligno supostamente ainda existe, e você pode ouvir a história de um dos nativos do lugar, um dos quais me contou."

Foi sugerido que ambos os relatos do Abhartach talvez derivem da mesma história, e tenham sido meramente alterados ao longo do tempo a medida que eram contados e recontados. Já foi até teorizado que Bram Stoker pode ter ouvido essas histórias e derivado sua inspiração para Drácula da lenda do Abhartach. Seja qual for o caso, é de se imaginar se estas são meras lendas supersticiosas ou algo mais. 

Outro relato antigo sobre vampirismo em terras britânicas nos leva a um lugar chamado Castelo de Alnwick, localizado em Northumberland, que foi construído após a conquista normanda e é a residência do 12º Duque de Northumberland. Embora seja uma atração turística popular hoje, atraindo cerca de 600.000 visitantes por ano, também tem uma história sombria e sinistra que remonta ao ano de 1100.

Diz-se que um antigo senhor da propriedade, um sujeito especialmente maligno com seus súditos se tornou um vampiro após sua morte natural. Ele passou a viver na masmorra abaixo do castelo, construída ao longo de sua vida mortal. Para saciar sua sede de sangue, passou a rondar os campos em busca de vítimas inocentes, em especial jovens mocinhas. Ao mesmo tempo, houve um surto de peste na época, que também foi atribuído ao vampiro, e isso fez com que os aldeões reunissem uma multidão para caçar a coisa e matá-la.


Segundo a história, contada na região como se fosse um fato real, a multidão conseguiu invadir o castelo. Na masmorra decrépita, trancada por dentro, encontraram o covil do monstro que dormia em um caixão de pedra. Abriram a tampa e lidaram com a criatura conforme ordenavam as lendas pagãs. Após estacar seu peito com uma cruz de carvalho, separaram sua cabeça e queimaram os restos. As cinzas foram dispersas ao vento. Entretanto, segundo as lendas, essa medida acabou espalhando ainda mais a mácula da Peste Negra pela região. Nenhum dos aldeões envolvidos na caçada sobreviveu ao verão seguinte. Então, mesmo destruído, o Vampiro conseguiu ter a sua vingança.

Outra história da mesma época foi narrada pelo historiador medieval William de Newburgh em sua "Historia rerum Anglicarum". A narrativa envolve um castelo que ele chama de Anantis, na fronteira com a Escócia. Em seu relato datado do século XII, um “certo homem de má conduta” muda-se para o castelo, casa-se e começa uma vida ali, ao mesmo tempo que se torna um incômodo para todos na região. As coisas pioram quando sua esposa inicia um romance com outro homem. Certa noite, ele se esconde no quarto da esposa depois de dizer a ela que iria viajar por alguns dias para tratar de negócios. Ele ficou escondido para pegar os dois amantes em flagrante. Mas o amante consegue ser mais rápido e usa uma adaga para provocar um ferimento no marido traído. Dias depois ele sucumbe ao ferimento, mas antes de morrer proclama uma maldição e roga ao demônio para que lhe permita obter sua vingança.

Os aldeões locais não se importam com a morte de seu senhor, pois ele era um tirano desprezível em vida. Embora lhe tenham dado um enterro cristão, a maioria das pessoas fica feliz por ele estar morto. De fato, há uma celebração no vilarejo após o serviço fúnebre. Mas o tirano não ficaria morto por muito tempo. William de Newburgh escreve sobre o que aconteceu a seguir:

De fato, ele recebeu um enterro cristão, embora fosse indigno deste; mas tal medida não o beneficiou muito: pois, por obra de Satanás, saiu de seu túmulo durante a noite, e perseguido por uma matilha de cães com latidos horríveis, ele vagou pelos pátios e pelas casas enquanto todos os homens se apressavam em fechar as portas. E ninguém se atreveu a sair desde o início da noite até o nascer do sol, com medo de encontrar aquele monstro morto vivo. Mas trancar-se em casa de nada adiantava, pois a presença de criatura tão vil envenenava o ar, a água e a terra, espalhando doenças e morte com seu hálito pestífero.

A cidade, que era populosa, agora, parecia deserta; uma vez que os habitantes que escaparam da destruição migraram para outras partes, com medo de morrer também. O homem de cuja boca ouvi estas coisas, entristecido pela desolação da sua paróquia, dedicou-se a convocar uma reunião de homens sábios e religiosos. Era um domingo de Ramos e eles acreditavam que o dia sagrado os protegeria, pois aquele demônio não ousaria sair na data santificada. Depois de proferir um discurso aos habitantes e após serem realizadas as cerimónias solenes, os convidados clericais se reuniram para debater o que fazer. Enquanto estavam conversando, dois jovens irmãos, que haviam perdido o pai por conta da praga, disseram: "Este monstro matou nosso pai e nos destruirá também, a menos que tomemos medidas. É necessária alguma ação que garanta ao mesmo tempo a nossa própria segurança e vingue a morte do nosso pai. Vamos desenterrar esta praga nociva e queimá-la com fogo".

Então, pegando pás e picaretas rumaram até o cemitério onde acreditavam se ocultava a criatura vampiresca. E nem tiveram de procurar muito, logo encontraram, numa cova rasa e remexida, onde repousava o cadáver inchado cuja boca ainda se encontrava manchada de sangue fresco. Estimulados pela ira, os irmãos, não fraquejaram e infligiram um ferimento na carcaça insensível, e dele fluiu uma torrente de sangue tão grande que evidenciava ter sido drenado de muitas pessoas. A criatura gemeu e reclamou, mas eles não a deixaram levantar, imobilizando-a com correntes e cordas.

Em seguida, arrastando-o para além do cemitério onde construíram rapidamente uma pira funerária; e quando um deles disse que o corpo não queimaria a menos que o coração da fera fosse arrancado, o outro não titubeou. Abriu seu peito com golpes da pá e enfiando a mão na cavidade vazia, arrancou fora o coração amaldiçoado. Sendo este trespassado por uma estaca de freixo, o corpo foi entregue às chamas. Quando aquele monstro infernal enfim foi destruído, a pestilência que prevalecia entre o povoado cessou, como se o ar, que havia sido corrompido pela presença contagiosa do morto vivo tivesse sido, enfim, purificado.


Também dos escritos de Newburgh encontramos a história do vampiro de Berwick na região de Northumberland, Inglaterra. Lá viveu e morreu um homem muito rico, um membro respeitado da elite da cidade. Após seu falecimento veio à luz que ele tinha sido na verdade um sujeito maldoso com uma tendência a enganar e extorquir as pessoas. Logo após essa revelação, a cidade começou a ser aterrorizada por um morto-vivo que buscava sangue. 

Guilherme de Newburgh escreveria sobre o caso espetacular:

"Na foz do rio Tweed, sob a jurisdição do rei da Escócia, ergue-se uma cidade chamada Berwick. Nesta cidade, viveu um certo homem de posses que após morrer se descobriu ser um negociante perverso e imoral. Após ser enterrado, não encontrou sossego em seu túmulo. Dizem que se ergueu - um morto vivo, andando pela noite, esgueirando nas sombras e buscando sustento na força dos vivos. Causava grande terror nos vizinhos e retornava ao seu túmulo antes do amanhecer. Depois de ser visto várias noites, ninguém ousava sair depois do por do sol. As classes alta e média do povo realizaram uma investigação sobre o que deveriam fazer. As pessoas temiam que a criatura causaria moléstias e morte. Havia portanto a necessidade de providências serem tomadas. Os aldeões contrataram dez homens bravos, ex-soldados e homens habituados a combater, cuja tarefa seria desenterrar a horrível carcaça e, depois cortá-la membro por membro, reduzi-la a alimento e combustível para uma pira. Quando isso foi feito, a comoção na cidade cessou. 

Ao ser queimado, a tranquilidade parecia ter sido devolvida a eles; mas uma peste surgiu em consequência dos atos, já que as cinzas do monstro não foram cuidadosamente dispostas. Embora  naquela época a Peste Negra fosse geral em todas as fronteiras da Inglaterra, ali ela foi maior e mais terrível matando boa parte da população residente. O demônio teve assim sua vingança contra os vivos, pois os mortos-vivos detestam todos os que vivem desejando que eles sejam reduzidos a condição idêntica a deles. É por isso que as cinzas de um morto-vivo não devem ser lançadas ao vento e sim serem coletadas, de preferência numa urna e então enterradas."  

Este relato é interessante porque aparece dentro de uma crônica histórica séria e por mais fantástica que pareça a narrativa, Newburg confirmou que tudo era verdade e baseado em testemunho confiável.

 Ele comentaria sobre isso:

"Não é fácil acreditar que os cadáveres dos mortos possam sair de seus túmulos, e vagar para o terror ou destruição dos vivos, e então retornar novamente ao túmulo. Contudo, exemplos são frequentes, ocorridos em nossos tempos e tendo o testemunho de pessoas ilibadas". 
 
Outro relato do século XII ocorreu na Abadia de Melrose, na Escócia central. Fundado por uma colônia de monges cistercienses em 1136, o local no seu auge um dos mosteiros mais ricos da Escócia e, a certa altura, a casa de um clérigo que se entregou a uma vida de pecados e devassidão. Ele também era conhecido por caçar com uma matilha de cães, o que lhe valeu o apelido de "Hundeprest", que significa “Cão Sacerdote”. Um homem cruel, ele bebia, era mulherengo e cometia todos os tipos de atos em nada condizentes com seu título. Quase ninguém lamentou sua morte. 

No entanto, seus pecados eram tamanhos que fizeram com que a terra o vomitasse para fora da sepultura o compelindo a vagar alimentando-se de sangue como um morto-vivo. O monge vampiro supostamente iniciou uma onda de assassinatos indiscriminados, em particular visando o convento próximo, mas alimentando-se de todos em quem pudesse colocar as mãos. Também foi dito que ele podia se transformar em morcego e voar pelas janelas à noite.


Para combater este flagelo foi convocado um monge mais velho, que chegou à abadia acompanhado de dois assistentes afim de investigar o caso. Decidiram vigiar o túmulo do monge morto para ver se ele se levantaria à noite com o intuito de alimentar. Assim que a luz do dia desapareceu, o morto-vivo escavou o caminho para fora da sepultura profunda, empurrando a pesada lápide para o lado. Em seguida correu  na direção do monge mais velho e de seus associados numa velocidade sobre-humana. O monge mais velho pronunciou um verso sagrado e o vampiro recuou para seu túmulo e foi engolido pela terra vindo a sumir. Sabendo agora que estavam lidando com um vampiro, os monges decidiram voltar pela manhã para destruí-lo de uma vez por todas.

Quando a luz do dia chegou, eles voltaram para o túmulo armados com um grande machado e ao abrir o túmulo o sacerdote vampiro estava deitado em seu caixão com lábios ensanguentados e bochechas rosadas, obviamente tendo se alimentado recentemente. Eles não perderam tempo em decapitar o cadáver e queimá-lo até seu corpo desaparecer em cinzas. Até hoje, as lendas da abadia mencionam o fantasma do monge, embora tudo indique que seus dias de sugar sangue tenham terminado. 

Mas não é apenas na Idade Média que encontramos narrativas sobre terríveis vampiros na Grã-Bretanha. Avançando para o século XIX, os relatos de vampiros ainda estavam muito vivos. Num caso ocorrido em 1875, dizia-se que uma criatura da noite sugadora de sangue com “um rosto castanho e enrugado e longas mãos ossudas” perseguia mulheres jovens e crianças em Croglin Low Hall, na Cumbria. 

Certa vez, a abominação entrou pela janela de uma jovem, atirou-a ao chão e mordeu seu pescoço. Os dois irmãos da menina perseguiram o morto-vivo e conseguiram feri-la com uma pistola, mas ela desapareceu na escuridão noturna. Na manhã seguinte, eles seguiriam o rastro de sangue deixado até o cemitério local, onde encontraram um sepulcro com todos os caixões destruídos, exceto um. Naquele caixão intacto, eles acharam a criatura dormindo, com o ferimento de bala visível no peito. A coisa vil foi decapitada e reduzida a cinzas.

Outro relato bastante bizarro vem de 1899, quando uma testemunha ocular chamada Geoffrey Anderson estava em Edimburgo, Escócia. Na Princes Street, ele viu um cavalo e uma carruagem do lado de fora de uma grande loja aguardando. Ao observar, ele afirmou ter visto uma forma escura se esgueirando até o animal. Quando chegou perto o suficiente, a sombra assumiu uma forma vagamente humana e “saltou na garganta do cavalo cravando longos dentes em seu pescoo". Quando Anderson gritou pelo susto, a coisa se desfez e desapareceu no ar. O cavalo tinha marcas de perfurações no pescoço que foram vistas por muitas pessoas e que chegaram a ser fotografadas.


Indo para o século XX, há um estranho caso ocorrido em 1915 sobre o misterioso e bizarro assassinato de um estudante de medicina em Edimburgo, na Escócia. A história começa com vários acontecimentos aparentemente paranormais ocorrendo em um hotel chamado Brien House. Funcionários e convidados relatavam ter visto uma figura escura e sombria à espreita que parecia ser capaz de atravessar paredes à vontade. Isso foi assustador a ponto de vários funcionários terem deixado o emprego e muitos hóspedes terem fugido do hotel em pânico. Foi no auge deste estranho fenômeno que um estudante de medicina chamado Andrew Muir decidiu passar uma noite no hotel para descobrir a verdade. O hotel concordou em deixá-lo ficar, dando-lhe até uma sineta para tocar se algo desse errado. Aparentemente, eles não tiveram que esperar muito para que isso acontecesse.

Poucas horas depois de dormir, o toque frenético da sineta de Muir e os gritos horrorizados atraíram os proprietários do hotel e eles vieram correndo para ver o que havia acontecido. Quando as batidas na porta não foram respondidas, eles arrombaram a porta e se depararam com uma visão horrível. Lá, caído no chão, estava o corpo sem vida de Muir, supostamente com marcas de perfurações no pescoço e nos ombros que ainda escorriam sangue. Logo começaram a circular rumores de que o fantasma que estava sendo visto era na verdade, um vampiro, especificamente o ex-proprietário do prédio, um homem chamado William Brien. 

O recluso e excêntrico Brien solicitou que, após sua morte, fosse enterrado a 12 metros de profundidade em um caixão acorrentado e seguro. Mas diziam as lendas que acharam aquele pedido uma tolice e negaram seu último pedido. Muitos suspeitavam que ele soubesse estar destinado a ressuscitar do túmulo como uma criatura da noite e que temia se tornar incontrolável. O hotel fechou suas portas pouco depois, a casa permaneceu de pé até ser destruída, mas do vampiro não houve mais sinal.  

Mais recentemente, na década de 1950, houve relatos de que um vampiro com dentes afiados e olhos vermelhos ameaçando a Necrópole do Sul, em Glasgow, Escócia. A entidade foi descrita como tendo 2,10 metros de altura, e um boato sombrio era que ela havia estrangulado dois meninos até a morte antes de drenar deles o sangue que lhe servia de sustento. O Vampiro da Necrópole de Glasgow se tornou uma das assombrações mais famosas da cidade, sendo visto ao longo dos anos por uma infinidade de testemunhas que atestam ser ele muito real. 

Ainda mais recentemente existe a história de um suposto vampiro no Castelo de Lochmaben, no condado de Dumfries, na Escócia. Em 1991, os moradores locais alegaram que animais da floresta, de estimação e o gado domesticado estavam aparecendo na floresta completamente drenados de sangue. Logo depois disso, começaram a surgir avistamentos de uma figura alta, encapuzada, com olhos pretos e rosto cinzento vagando sempre à noite. Um fedor de mortuário o acompanhava. Dizia-se que era capaz de saltar distâncias imensas e se mover muito mais rápido que um ser humano, e esses relatos chamaram a atenção do investigador paranormal Tom Robertson, de Lanarkshire, que decidiu investigar junto com sua esposa Margaret o estranho fenômeno. Certa noite, enquanto caminhava pela floresta, Robertson teve uma experiência bastante assustadora, da qual ele diz:

"A apenas alguns metros de distância me deparei com a visão mais horrível de minha vida. Jamais esquecerei! Era para todos os efeitos um cadáver ambulante e em decomposição, mas que não obstante se movia. Seu rosto era cinza como granito, seus olhos negros como carvão. A pele macilenta parecia apodrecida com veias que se projetavam do tecido morto e murcho da criatura. Era alto, mas de ombros redondos e um capuz sobre sua cabeça. Eu corri como nunca! Corri mais do que acharia possível! E devo dizer que o horror que senti era muito real. Espero jamais me deparar com algo semelhante novamente."


O relato poderia facilmente ser ridicularizado e cair na categoria dos casos absurdos, não fosse Tom Robertson um prestigiado professor do King's College, um pesquisador reconhecido e cuja carreira está acima de qualquer questionamento. Não haveria razões para ele inventar tal coisa, pois promoção é algo que ele claramente não precisa. Então o que o levaria a falar abertamente do caso senão o desejo de revelar um fato ocorrido? 

Vampiro. 

O nome suscita a visão de castelos abandonados e criaturas perversas que buscam nos vivos o sangue necessário para permanecerem existindo. Hoje em dia todos concordam que esses seres das trevas não passam de folclore, mas houve um tempo em que eles eram considerados muitíssimo reais. 

Quando a noite chegava e pintava tudo com sombras escuras, as pessoas acreditavam que algumas destas sombras ocultavam um terror indescritível. Não apenas na Grã-Bretanha o mito dos vampiros está enraizado em narrativas assombradas e casos difíceis de categorizar, contudo é nessa ilha que encontramos uma quantidade notável de testemunhos. Haveria algum fundo de verdade neles? Ou tudo não passa de mera superstição?

Seja qual for a verdade, talvez seja bom levar um crucifixo no pescoço e ter sempre à mão um vidro de água benta. Apenas para o caso de precisar... 

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Nos Trilhos do Terror - Precisamos falar sobre Horror no Expresso do Oriente


Se você é um grande fã de Chamado de Cthulhu já deve saber que a celebrada campanha Horror no Orient Express está em Financiamento Coletivo por intermédio da Editora New Order.

Muitas pessoas tem perguntado o que exatamente é essa campanha, o que ela envolve, qual o seu formato e quais as novidades dessa edição em relação a Campanha que foi objeto de Financiamento Coletivo pela Chaosium a pouco mais de dez anos atrás.

Para responder essas questões fui atrás dessas informações e vasculhei a internet em busca das respostas, sobretudo aquelas que se referem ao material que está em Financiamento aqui no Brasil. Tenham em mente que essa edição, oferecida no formato de dois livros, é um revisão sobre o material originalmente lançado em 2013, naquela ocasião numa caixa de tamanho e peso consideráveis.

Então vamos às questões mais pertinentes?

1) Que Campanha é essa?


Horror no Orient Express é uma imensa campanha de Chamado de Cthulhu.

Ela pode ser considerada uma das campanhas mais icônicas da história do RPG, não apenas de Chamado de Cthulhu,mas dos RPG como um todo. Lançada em sua primeira versão no ano de 1991, Horror on the Orient Express (doravante HotOE) era um material diferenciado desde sua primeira encarnação.

No formato de caixa, o material era enorme, beirando o megalomaníaco, contendo não apenas os livros com as aventuras, mas também uma quantidade impressionante de suplementos, recursos do Guardião (os famosos handouts), mapas, adesivos, passaportes e uma série de outros itens que faziam os fãs salivar. É claro, esse luxo todo tinha um custo elevado. Numa época em que as caixas de RPG (os famosos Boxed Set que marcaram época), custavam algo e torno de 29 dólares, HotOE não saía por menos de 49 doletas.

Mas valia a pena!

HotOE oferecia uma experiência diferente das campanhas normais.

Não era apenas o fato de ser uma campanha de luxo, completa e cheia de elementos inovadores. A caixa era um símbolo entre os fãs de Chamado de Cthulhu e se tornou matéria de lenda. Ter jogado ou então, narrado essa campanha se tornou um elemento de distinção entre os verdadeiros fãs de CoC.

2) Como foi o Financiamento Coletivo?


Em 2013, a Chaosium anunciou que HotOE receberia uma nova edição e que manteria seu status de grande campanha, recebendo acréscimos e uma série de novidades.

O Financiamento Coletivo foi um enorme sucesso, mas por pouco não levou a Chaosium a falência.

Se por um lado o Projeto atingiu a cifra emblemática de mais de um milhão de dólares, por outro, o Financiamento foi desde o início marcado por problemas, incertezas e rumores. Explicando de maneira muito rápida, a Chaosium ofereceu recompensas demais e obteve uma resposta muito grande dos apoiadores. Talvez ela própria não esperasse tantos apoiadores. Entre as recompensas prometidas havia camisas, fichas de pôquer, baralhos de cartas, miniaturas, dados, moedas comemorativas e uma enxurrada de itens que a empresa não estava preparada para entregar. O pior, no entanto, foi a promessa do envio das caixas ao redor do mundo com frete grátis, algo que logisticamente falando era uma insanidade.

Em meio a atrasos, rumores e uma série de dúvidas sobre o envio do material, a Chaosium finalmente veio à público para lavor a roupa suja. Os fundadores originais, Sandy Petersen e Greg Stafford, que detinham controle majoritário sobre a empresa, exigiram o afastamento de Charlie Krank, responsável pelo Kickstarter e então presidente da Chaosium. Com Krank afastado, o restante do Financiamento foi para a Moon Design Games que administrou o imenso problema das entregas. Como resultado, os apoiadores receberam seus livros, mas a Chaosium amargou um prejuízo que por pouco não a obrigou a fechar as portas.

Mas nem tudo foi para o pior! No fim das contas, a mudança da administração da Chaosium deu o impulso necessário para a editora se modernizar e se tornar uma das grandes editoras de RPG da atualidade. Graças a essa mudança estrutural, o multipremiado Chamado de Cthulhu 7a edição foi lançado e com ele suplementos, antologias de cenários e material de primeira qualidade.

3) E que fim levou o Material do Financiamento Coletivo?


Com todos esses problemas, foi quase um milagre a caixa do Financiamento Coletivo ter sido lançada.

Por algum tempo ela chegou a ser vendida em lojas e via internet, mas logo ficou claro que o material era grande demais e tinha um custo de produção muito elevado. Isso sem falar que a caixa pesava notáveis 4 quilos, o que encarecia demais o frete. A Chaosium cobrava 100 dólares pelo material, um valor que era muito próximo dos custos de produção.

Em vista disso, a editora resolveu descontinuar a caixa oferecida no Financiamento Coletivo.

Isso significa que se você for o feliz proprietário de uma dessas caixas vendidas no Financiamento de 2013, você tem em suas mãos algo que um dia pode valer uma boa grana. Isso porque pouquíssimas, além daquelas entregues no Kickstart, foram vendidas. E no mundo do RPG, quanto mais raro o material, mais grana estão dispostos a pagar por ele.

Mas mesmo não estando disposta a comercializar a caixa, a Chaosium não queria abrir mão de um produto como HotOE. A solução foi mudar o formato dele e torná-lo mais acessível.

Assim surgiu a versão em dois volumes que está sendo trazida para o Brasil.

4) Como é essa versão da campanha em dois volumes?


Uma coisa que precisa ser dita é que essa nova versão de Horror no Expresso do Oriente é em essência o mesmo material oferecido no Financiamento Coletivo.

Os dois volumes que compreendem a obra possuem mais de 700 páginas (!!!) de material, reunindo todos os suplementos originais, os livros de referência e é claro, os cenários integrais.

A grande diferença é que o material recebeu uma nova diagramação e teve os muitos erros de digitação corrigidos. Na pressa de entregar o material em 2015 -mais de dois anos depois do Financiamento ter se encerrado e mais de um ano após o prazo prometido, a revisão deixou passar MUITOS erros.

Além disso, a edição trazia alguns adendos, algumas correções necessárias e uma série de atualizações e clarificações para a sétima edição, uma vez que a versão de 2013 foi estranhamente lançada antes do Livro Básico. Há alguns adendos na estrutura da campanha, alguns boxes que fornecem mais detalhes e trechos pertinentes que foram incluídos para a campanha correr de forma mais fluida.

Todos os adendos, correções e acréscimos foram muito bem recebidos e serviram para refinar o material original entregue à toque de caixa.

A versão que a New Order está trazendo é exatamente essa edição revisada em dois volumes, portanto, nunca é demais reforçar que não se trata da versão na Caixa. Esta não é mais vendida e está fora de linha.

Para quem quer ter a campanha HotOE essa é a única disponível atualmente, exceto, é claro, se você comprar das mãos de terceiros.

5) Ok, tudo muito bem, mas que tal falar da campanha em si?


Então vamos à parte divertida.

A Campanha Horror no Orient Express é a maior campanha de Chamado de Cthulhu lançada até hoje. Sim, ela é maior do que a recentemente publicada Máscaras de Nyarlathotep que por si só já é uma megacampanha.

HotOE é composta por nada menos do que 19 cenários de aventura.

Além das aventuras que fazem parte da campanha original que se passa no ano de 1923, existem outras que levam a ação para diferentes épocas e lugares.

A espinha dorsal da campanha acompanha os jogadores por cenários integrados que seguem o roteiro de viagem do famoso trem de passageiros - O Expresso do Oriente.

O grupo embarca em Londres e segue até Constantinopla, descendo em diferentes paradas para investigar e encontrar pistas que ajudarão na solução de uma grande conspiração envolvendo o Mythos de Cthulhu. Partindo da estação em Londres (Inglaterra), o grupo terá de enfrentar perigos e encontrar pistas em Paris (França), Lausane (Suíça), Milão, Veneza, Trieste (na Itália), Zagreb (Croácia), Vinkovci (Eslovênia), Belgrado (Sérvia), Sofia (Bulgária) e Constantinopla (Turquia).

Além desses cenários canônicos, a campanha oferece outros cenários dispostos ao longo de diferentes épocas e localidades.
Isso funciona como adendos à investigação principal. Digamos que os personagens encontram um diário em determinado cenário. Ao invés de simplesmente ler o diário e obter as pistas, os personagens tem a chance de vivenciar os fatos como se fossem parte daqueles acontecimentos, participando daquele cenário com personagens gerados previamente.

Há cinco cenários diferentes que são acessórios da história principal e que podem ser jogados dessa maneira diferente. Não por acaso, os cenários em questão são aqueles que servem de ambientação para Chamado de Cthulhu em outras épocas além da clássica dos anos 1920. Portanto, HotOE oferece uma aventura na Londres Victoriana (1893), uma na Terra dos Sonhos (sem data específica), uma de Cthulhu Idade das Trevas (em Constantinopla no ano 1204), uma de Cthulhu Invictus (Constantinopla no ano de 330) e finalmente uma aventura nos Dias Atuais em Istambul (no ano de 2013). 

Essas aventuras em outras épocas não são de modo algum obrigatórias, constituindo um material opcional. Algumas se encaixam de forma perfeita na narrativa, outras nem tanto. Mas de toda forma é uma ideia muito interessante abrir esse leque de opções e permitir investigar outros ambientes.

Ah sim, existe mais uma aventura acessória chamada Reino do Terror (Reign of Terror) que revela acontecimentos nos arredores de Paris próximo da revolução Francesa. Reino de Terror é um cenário em duas partes muito bem construído e interessante, justamente por apresentar a história de um dos mais interessantes (e letais) vilões da campanha.

6) Em linhas gerais, qual a trama de Horror no Expresso do Oriente?




Certo, para quem estiver curioso querendo saber sobre a Campanha, aqui vai uma versão rápida que não contém spoilers.

A campanha se inicia em Londres, no ano de 1923. 

Os investigadores estão na Capital do Império Britânico para participar de uma Conferência conduzida por um famoso estudioso do paranormal, o Professor Julius Smith. Posteriormente, eles descobrem que Smith estava no encalço de um perigoso Culto com base na Turquia que pretende levar adiante um plano macabro. Para ter sucesso em sua conspiração, o Culto planeja encontrar um poderoso artefato que foi dividido em partes e espalhado pela Europa. Uma vez reunido e consagrado, o artefato oferece enorme poder que em mãos erradas pode representar a destruição da humanidade.

Incumbidos de evitar o pior, o grupo parte em uma missão desesperada para reunir as partes do artefato antes que os cultistas tenham êxito em seu intento. Isso os levará em uma viagem através de diferentes cidades da Europa onde terão de investigar as pistas existentes e localizar as partes perdidas do objeto antes que seus adversários o façam.

É claro, as coisas não são tão simples quanto se pensa! 

Há diferentes grupos, além dos investigadores e do Culto, envolvidos na busca, cada qual com as suas próprias agendas, objetivos e planos. O Orient Express é o método usado pelos investigadores para chegar a cada uma das cidades e boa parte da campanha transcorre à bordo do mais luxuoso trem de passageiros do mundo. Contudo, o grupo terá de desembarcar e fazer suas investigações em localiaddes exóticas, enfrentando perigos e horrores indescritíveis.

7) Mas o quão boa é essa campanha?


Essa talvez seja a pergunta principal, certo?

Se a campanha é boa e se realmente vale a pena embarcar nessa?

A primeira coisa que é preciso entender é que se trata de uma campanha bastante longa. Se o Guardião pretende narrar cada um dos 19 cenários que compõem a campanha, ela vai ocupar boa parte de sua agenda de jogo nos próximos meses (possivelmente, anos).

A trama é bastante complexa, cheia de reviravoltas, com personagens marcantes, vilões assustadores e incidentes arrepiantes na melhor tradição das histórias de horror lovecraftianas. Diferente de Máscaras de Nyarlathotep que tem uma pegada mais pulp, com viagens ao redor do mundo, ação e frequentes combates contra cultistas e monstros, HotOE me parece mais adequada para um jogo clássico no qual a sanidade está sempre em cheque e os horrores do Mythos vão se insinuando cada vez mais perto dos investigadores levando-os às raias do desespero.

A história envolve uma boa quantidade de investigações, coleta de pistas e visitas a lugares remotos e assustadores, sobretudo no Leste Europeu. À medida que os trilhos do Orient Express levam o grupo na direção de seu destino final, a situação vai ficando mais e mais desesperada. Há ainda algumas boas incursões na Terra dos Sonhos a no coração de lendas e tradições do folclore europeu. Os investigadores terão de pensar e ponderar sobre as suas ações sabendo que nem sempre o confronto direto será a melhor opção para resolver as situações. De fato, se o grupo procurar o confronto repetidas vezes, as chances de fracasso são consideráveis.

Eu tenho um carinho especial por HotOE, pois foi uma das primeiras campanhas de Chamado de Cthulhu que joguei e até hoje é uma das minhas preferidas. Eu tive a oportunidade de narrar em outra ocasião e é uma experiência desafiadora, ainda que muito prazerosa. A campanha inteira é incrível e se jogada por um grupo realmente comprometido e motivado, será lembrada por muito tempo.

Eu realmente adoro essa campanha e a coloco facilmente entre uma das minhas melhores e mais memoráveis experiências de RPG. Se me perguntarem se vale a pena, eu tenho que responder honestamente "Com certeza, vale".

Para quem quiser verificar o Financiamento Coletivo, aqui está o link para ele.


E melhor de tudo, descobri que ele já está financiado!

Muito bom pessoal! Uma das melhores campanhas de todos os tempos está à caminho!