quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Analisando cenários de Chamado de Cthulhu - Mister Corbitt (Mansions of Madness)


Há aventuras de Chamado de Cthulhu que se tornam clássicas por razões que vão além da vã filosofia. O que explica que um cenário simples como Mister Corbitt seja tão querido pelos fãs e jogado a tanto tempo, é difícil de explicar, mas não obstante, ele é um clássico.

A história, escrita por Michael DeWolfe, foi publicada na antologia de cenários Mansions of Madness, saindo originalmente no ano de 1990. Mister Corbitt é a primeira história de uma série de seis, e o início do que pode ser o encadeamento de uma mini campanha que trata de "casas assombradas" e/ou "lugares amaldiçoados". A proposta era muito boa, tão boa que recebeu uma reimpressão na sétima edição em 2020.

E nessa reimpressão encontramos novamente Mister Corbitt, reescrita, modernizada e recebendo uma nova arte, mapas e detalhes adicionais.

Vou ser sincero, essa aventura em especial nunca foi uma das minhas favoritas, em parte porque ela parece simples demais, mas principalmente porque o gancho que atrai os personagens para a investigação é um tanto quando forçado na minha opinião. O restante da aventura envolve a busca por provas de que o pacato vizinho de um dos PCs, o Mister Corbitt do título, pode esconder um terrível segredo e ser muito mais do que um viúvo solitário que gosta de cuidar de sua pequena horta.

Por achar o roteiro um tanto simplório eu nunca quis narrar essa aventura, e sempre a deixei de lado preferindo outras que tivessem uma proposta mais atraente. Mas recentemente eu decidi dar uma chance a Mister Corbitt, e conduzir a história no formato online. Pesou para essa decisão a melhoria na arte da história e algumas mudanças que a nova edição trouxe ao roteiro. E devo dizer, no fim das contas, o cenário correu melhor do que eu imaginava. Mister Corbitt é pura diversão na melhor tradição de Chamado de Cthulhu.


Nos próximos parágrafos eu vou falar da história em si, o que envolve revelar detalhes da trama e dar SPOILERS consideráveis. Portanto, se você pretende jogar essa história, melhor parar de ler nesse ponto para não estragar sua diversão. Se você, no entanto, pretende narrar Mister Corbitt, além de uma exposição dos elementos centrais da trama, você encontrará algumas sugestões que podem ser úteis. Como sempre, fica a critério do Guardião, usar o que quiser ou nada, a decisão final é sua.

Então, dados os devidos avisos, vamos falar de Mister Corbitt.

Mr. Corbitt é uma aventura relativamente simples, ideal para investigadores em início de carreira e até possivelmente servindo bem como a primeira investigação deles. Também é uma história que funciona maravilhosamente bem como one-shot, com o Guardião fornecendo os personagens prontos. Eu mestrei ela online, mas não acho que teria problemas em construir o ambiente para rodar ela presencial.

A história se passa na cidade de Boston, mas creio que o local pode ser alterado sem grandes problemas. Uma metrópole americana como Nova York ou Chicago funcionaria bem, mas com algum trabalho o Guardião pode situar em qualquer lugar. A data é 1920, mas novamente, com boa vontade ela pode facilmente ser adaptada para os dias atuais.  

A tema da história pode ser resumido em duas questões centrais: quem são as pessoas que vivem à nossa volta e que máscaras elas usam para ocultar quem realmente são?


Mister Corbitt envolve a suspeita que pesa sobre o vizinho de um dos PCs, um senhor de meia idade que vive na casa em frente. A primeira cena apresenta justamente o evento que dá inicio a tudo. Certa noite, um dos jogadores vê o Sr. Bernard Corbitt voltando para casa com um misterioso pacote que cai no chão revelando se tratar de um braço humano. Disfarçando, ele apanha o macabro fardo e entra na sua casa como se nada tivesse acontecido sem perceber que o investigador viu tudo.

É esse estranho incidente que motiva o investigador - e seus colegas, a colocar a rama em movimento o que levará à revelações bizarras sobre o Sr. Corbitt. A partir de então, os personagens iniciam uma vigília, observando os passos do vizinho, tentando antecipar suas ações e buscando descobrir detalhes sobre sua vida. Quem é ele? Qual o seu trabalho? O que aconteceu com sua esposa? Com quem ele está associado? Cada uma dessas questões, se respondida, resulta em pequenas pistas de que algo horrível está acontecendo naquela casa suburbana.

Nesse contexto, a história funciona bem. Ela é estranha e consegue manter o interesse dos jogadores, apesar (ou até quem sabe, por conta) do início inesperado. É claro, o Guardião terá de ter um pouco de jogo de cintura para interessar os personagens nessa investigação, afinal, não seria mais fácil simplesmente chamar a polícia e deixar a lei lidar com o caso? Bem, as coisas não são tão simples quanto parecem... o Sr. Corbitt é um pilar da comunidade, um sujeito respeitado, um vizinho acima de qualquer suspeita, que costuma oferecer os produtos de sua horta pela vizinhança. Ninguém acredita em suas atividades criminosas e menos ainda numa vida dupla. Mesmo a polícia não está disposta a acreditar em histórias fantasiosas sobre o sujeito. Portanto, provas são necessárias.

Apesar do início um tanto forçado, Mr. Corbitt se mostra um cenário bastante investigativo e repleto de interação. Os jogadores terão de fazer seu trabalho de campo, pesquisando em jornais e interrogando testemunhas na vizinhança que podem (ou não) oferecer informações valiosas. Cabe ao Guardião incentivar os jogadores a buscar as pistas, deixando a inevitável invasão da casa para o final.

Com uma história bem convincente e um vilão revelado na primeira cena, Mr. Corbitt é uma história que foge do lugar comum. As surpresas não estão na identidade do antagonista, mas na perversidade de suas ações. Há obviamente espaço para alguns clássicos de Chamado de Cthulhu: a casa assombrada que oculta um segredo medonho, o cultista devotado a uma divindade poderosa e um monstro realmente aterrorizante habitando o porão. A cena final, quando os investigadores finalmente tomarem a decisão de invadir a casa os levará a um embate bastante perigoso. Além disso, há um bocado de diversão se o grupo decidir explorar a estufa e o jardim da casa do Sr. Corbitt.


Ao narrar essa aventura eu imaginei ela como uma versão dos Mythos do filme Janela Indiscreta (Rear Window/1955) de Alfred Hitchcock. Não sei se a intenção do autor era essa, mas sem dúvida há alguns elementos que remetem a esse clássico do suspense. Eu sugiro ao Guardião assistir ao filme em busca de referências, nem que sejam visuais. No meu caso, quando mestrei esse cenário criei os investigadores usando os personagens do filme como inspiração direta.

Além disso também criei uma maneira de colocar a situação toda em dúvida e adicionar um elemento surreal na trama. Na minha versão, o personagem que vê a cena do braço caindo é justamente um investigador veterano que está se recuperando de um caso anterior. Além de ter perdido parte de sua sanidade, ele está sofrendo de um quadro que inclui alucinações, portanto ele mesmo não tem certeza do que realmente testemunhou ou se imaginou tudo. Essa dúvida foi bem interessante para frear os instintos dos investigadores de acusar Corbitt, ao menos até que eles fossem capazes de reunir as provas de sua culpa.

A parte final da história descamba para uma sequência de invasão na qual o grupo poderá encontrar algumas provas inequívocas de que algo muito ruim está acontecendo na casa. O grande risco reside no porão, o que não é nenhuma surpresa. Um confronto direto com a criatura que habita o porão irá oferecer enormes riscos, tanto para a sanidade quanto para a vida dos investigadores. Mas é um final empolgante que amarra muito bem a trama.

Eu recomendo essa aventura como uma divertida One-Shot. Ela também é excelente para introduzir novos jogadores ao universo de Chamado de Cthulhu.

PS - Ah sim, antes que alguém pergunte, aparentemente o nome Corbitt é uma mera coincidência e não tem nada a ver com o Walter Corbitt da aventura The Haunting (A Assombração). Imagino que o autor pretendia fazer uma homenagem usando o mesmo sobrenome do vilão daquela aventura clássica. Com certeza, a coincidência servirá para deixar os jogadores que jogarem ambos cenários com uma pulga atrás da orelha.

PPS - Conforme comentado, essa aventura foi narrada online e ela pode ser assistida no canal do Mundo tentacular no twitch. Eu sei, ela deveria ser um one-shot, mas está em três partes. Com bons jogadores, às vezes a coisa fica maior do que a gente desejava, mas o jogo foi divertido, como vocês podem atestar assistindo aos vídeos.

FICHA DO CENÁRIO 

MISTER CORBITT
por Michael DeWolfe

Livro Mansions of Madness

Elementos da Trama:

Investigação 3/5
Ação 2/5
Exploração 2/5
Mythos 3/5

Custo de Sanidade: Médio
Risco de Mortalidade: Médio
Estilo: Horror Lovecraftiano, Ambiente Urbano, Mistério, Suspense

Grau de Dificuldade para o Guardião: Simples
Duração Estimada: 4 a 6 horas
Número ideal de Jogadores: 4 ou 5

Tipo de Personagens: Qualquer ocupação

Local e Época: Boston, 1928



3 comentários:

  1. Parabéns pela análise. O cenário começa de forma bem simplória, mas como dito, abre boa margem para interação social; e no final, descobrir e confrontar a trama do Mr Corbitt é sensacional.

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  2. Amo esse cenário. Na ultima vez que narrei fiz algumas alterações onde todos os investigadores eram crianças (entre 13-14 anos) e fiz várias citações à alguns clássicos oitentistas como Fright Night (um filme que remete muito a ideia inicial do cenário em minha opinião).

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    1. Interessante a ideia de usar crianças para essa aventura. Acho que vou tentar algo nesse sentido. E realmente, Fright Night é uma ótima lembrança.

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