quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Armas mística da Segunda Guerra - a Ahnenerbe e o Retábulo de Ghent


Ao longo da história da guerra, os lados rivais tentam constantemente superar um ao outro. Do punho, ao bastão, da pedra à lança, até o advento das armas nucleares, sempre houve uma constante busca pela superioridade armamentista. Aquele que dispunha da arma mais poderosa teria uma vantagem sobre o adversário e poderia derrotá-lo de uma vez por todas. 

Na antiguidade os exércitos recorriam à magia e às forças paranormais obscuras para tentar mudar a maré dos conflitos. Haviam videntes, feiticeiros e xamãs imbuídos com poderes sobrenaturais que comungavam com forças desconhecidas e que as utilizavam para garantir a vitória de seus líderes. Eles rezavam a entidades poderosas, pediam a graça dos céus ou do inferno e obtinham os acordos que eram mais vantajosos. Sabe-se que os maiores Impérios do mundo antigo contavam com sábios e especialistas que se debruçavam sobre a questão, buscando no mundo oculto os meios para garantir a vitória do seu lado.   

Longe de se tornar mera superstição e tradições esquecidas, tal coisa persistiu até os dias modernos. Em tempos contemporâneos sabe-se que os britânicos usaram de previsões astrológicas para invadir a Crimeia, de que os russos se valeram de mediuns para lutar na Grande Guerra e que é comum vários países árabes usar uma reza específica, reservada apenas para quando se lançam em conflitos. Durante o brutal desenrolar da Segunda Guerra Mundial, isso não foi diferente. Houve aqueles que buscaram se valer de poderes sobrenaturais para concretizar seus objetivos, e todos os lados se voltaram para a magia para obter alguma vantagem no campo de batalha.

Ao falar do uso da magia durante a Segunda Guerra Mundial, é inevitável que comecemos falando dos nazistas. O Regime Nazista sempre foi o grande vilão e por um bom motivo. Suas filosofias distorcidas, sua crueldade e seus numerosos projetos secretos os envolveram sob um manto sinistro de maldade e misticismo inescrutável. Adicione histórias envolvendo armas ultra secretas, poderes ocultos, esconderijos subterrâneos e a busca por poderosos artefatos e você terá a receita perfeita para uma organização sinistra. A imagem cinematográfica dos nazistas apresentada em filmes clássicos como "Caçadores da Arca Perdida" não está muito distante da realidade. De fato, os nazistas estavam profundamente envolvidos em pesquisas, expedições e experimentos tão fantásticos e absurdos quanto a mais estranha ficção. A verdade consegue ser mais estranha que a ficção, e a propensão do homem para o mal não conhece limites - o que é especialmente verdade em se tratando dos nazistas. 


Hoje sabemos que Hitler e muitos dos líderes nazistas tinham autêntico interesse no ocultismo. Tudo isso é muito bem documentado. O Partido Nazista teve seu início em uma espécie de fraternidade que remonta aos primeiros anos da ascensão do regime na Alemanha. Esse profundo interesse pelo ocultismo e pelo mundo arcano levou à expansão significativa de uma cabala secreta dedicada ao tema, um grupo conhecido como Ahnenerbe. Fundada originalmente em primeiro de julho de 1935 pelo infame Heinrich Himmler, que mais tarde se tornaria o notório líder da SS, junto com Herman Wirth e Richard Walther Darré, a Ahnenerbe significa literalmente "Herança dos Antepassados". Ela começou como um instituto dedicado a pesquisar a história arqueológica, antropológica e cultural da raça germânica, mas na realidade existia para encontrar evidências que apoiassem a teoria de que a raça ariana era um povo superior. 

Seus membros, um bando incomum de acadêmicos eram agentes de propaganda procurando encontrar evidências científicas para apoiar suas ideologias distorcidas. Para esse fim, a Ahnenerbe financiou inúmeras expedições e escavações arqueológicas ao redor do mundo em lugares tão distantes quanto Alemanha, Grécia, Polônia, Islândia, Romênia, Croácia, África, Rússia, Tibete. Sua busca incluía encontrar runas arcanas perdidas, artefatos, relíquias e ruínas que reforçariam suas alegações. 

O Tibete era de especial importância para o Ahnenerbe, pois seus membros acreditavam que era lá que existia uma misteriosa civilização perdida que deu origem a raça ariana pura e perfeita. Eles acreditavam que cidades subterrâneas ainda existiam em algum lugar do coração do Himalaia e que fazer contato com ela era de suprema importância. Os agentes postulavam que através desse contato conseguiriam acesso a tecnologia avançada e inacreditável magia que aumentaria seus poderes.  


Não demorou muito para que as operações da Ahnenerbe saíssem do campo da ciência e enveredassem para o paranormal, o que considerando a linhagem de seus fundadores não causa nenhuma surpresa. Herman Wirth, um dos fundadores era um historiador holandês obcecado em encontrar a localização de Atlântida. Himmler tinha um fascínio intenso por todas as coisas ocultas a um grau perturbador. Na realidade, ele era um tanto desequilibrado. Himmler tinha grandes aspirações de um dia substituir a religião cristã por uma crença de sua própria autoria que se espalharia pelo mundo inteiro. Uma religião oficial, sancionada pelos nazistas e com o seu aval. Nesta, o próprio Himmler ganharia status de um Profeta.

À medida que essa organização sinistra pulsava e crescia, ela se lançava pelo mundo em inúmeras missões fantásticas que pareciam algo saído diretamente de um filme de Indiana Jones. Eles se aprofundavam em regiões remotas do mundo em busca de terras perdidas, relíquias, textos místicos, itens mágicos, curiosidades estranhas, locais paranormais e artefatos sobrenaturais, qualquer coisa para promover seus próprios fins. Com o endosso oficial do Regime Nazista, a Ahnenerbe se expandiu criando 50 departamentos que lidavam com previsão do tempo, viagem extracorpórea, telecinésia, magia, arqueologia, percepção extra-sensorial e o que mais viesse. Eles intensificaram operações, vasculhando os cantos mais distantes da Terra em busca de uma grande variedade de maravilhas lendárias como o Santo Graal, a Atlântida e a Lança do Destino, com a qual Longinus teria trespassado Cristo enquanto ele padecia na cruz. O grupo também procurou por portais para outros reinos, bem como por antigas terras perdidas, incluindo Atlântida e Mu, fazendo expedições influenciadas por uma organização igualmente misteriosa conhecida como Sociedade Thule. Seu interesse principal era encontrar o berço de nascimento da raça ariana, descoberta que os dotaria de vastos poderes sobre-humanos. 

Tudo extremamente bizarro e perturbador, mas não termina aí. 

Seu forte desejo de desenvolver armas secretas se estendeu às divisões "científicas" da organização, que buscavam ativamente criar novas tecnologias com base em conhecimento antigo perdido ou proibido. Os textos místicos e pesquisas arcanas resultariam em algo inacreditável. A Ahnenerbe também estava interessado em canalizar o poder do ocultismo, da magia e dos poderes psíquicos para usar como armas contra seus inimigos. Para esse fim havia programas dedicados a tais atividades, incluindo formar assassinos psíquicos que pudessem matar com a mentes, usar projeção astral para espionar o inimigo, empregar astrologia para traçar estratégias, valer-se de feitiçaria como armas e de adivinhação do futuro, para obter vantagens. A organização também tentou aproveitar o poder das runas, um fato refletido no uso de letras semelhantes a runas no logotipo da organização. Também havia especulação de que o grupo estava fortemente interessado em encontrar tecnologia alienígena para uso militar. Pode parecer um absurdo, mas nada disso era piada para os nazistas. Muitos acreditavam fervorosamente nessas crenças que impulsionavam missões e projetos secretos, despejando muito dinheiro, mão de obra e recursos neles.


Uma atividade na qual os nazistas estavam fortemente envolvidos era no projeto de rastrear artefatos antigos e considerados mágicos. Havia a crença fundamentada de que estes ajudariam a dominar o mundo! Um impulso obsessivo para adquirir tais objetos era o propósito de incontáveis expedições. Hitler tinha especial fascínio por uma enorme pintura que foi vista pelos nazistas como fonte de pistas chave para a localização dessas relíquias sagradas. A pintura em questão era conhecida como "Adoração do Cordeiro Místico" de Jan van Eyck, também comumente chamada de Retábulo de Ghent, concluída em 1432. Uma das primeiras pinturas a óleo, ele é, de fato, uma das pinturas mais famosas da história, retratando um campo celestial com mais de cem figuras intrincadamente detalhadas reunidas em torno de um altar sobre o qual está um cordeiro sacrificial sangrando em um cálice - supostamente o Santo Graal. A pintura é enorme, espalhada por doze painéis de carvalho medindo um total de 4,2 x 3,5 metros, com o conjunto pesando cerca de duas toneladas.

O Retábulo de Ghent é certamente uma obra de grande valor histórico, mas Hitler e seu segundo em comando, Hermann Göring, tinham verdadeira obsessão por ele. Viam-no como uma peça para compreender o misticismo antigo e desvendar mistérios guardados pelos séculos. É claro, os dois conspiravam para roubá-lo e levá-lo a Berlim. Ele estava escondido no sul da França no Chateau de Pal, contrabandeado para lá após o início da guerra. Oficialmente, os nazistas queriam a pintura porque era uma famosa obra de arte de um pintor alemão que havia sido tirada deles à força, e agora eles tinham o poder de tomá-la de volta. Para esse fim, os dois líderes nazistas desafiaram um ao outro sobre quem poderia roubá-la de volta primeiro e, embora Hitler tenha sido o primeiro a conseguir obtê-la, a obra de arte foi interceptada e roubada novamente pelos dois líderes um do outro várias vezes antes de finalmente acabar nas mãos de Hitler. Ela foi escondida em uma mina de sal nos Alpes austríacos, junto com milhares de outras obras de arte inestimáveis ​​de toda a Europa ocupada pelos nazistas, como parte de seu plano para a construção de um "super museu" quando terminasse a guerra.

Parece interessante e bastante estranho que dois líderes nazistas competissem entre si pela mesma pintura e chegassem a roubá-la um do outro para tê-la em suas coleções particulares, mas isso se deu porque eles acreditavam que o Retábulo de Ghent continha em seu profundo simbolismo pistas e códigos secretos. Estes supostamente apontariam para o esconderijo dos instrumentos da Paixão de Cristo, também chamados de Arma Christi, que incluem artefatos lendários como o Santo Graal, a Coroa de Espinhos, os Pregos usados na Crucificação e a Lança do Destino


Hitler tinha um interesse legítimo pelo oculto e sobrenatural, algo bastante documentado quase uma obsessão que se tornou mais poderosa à medida que seus esforços de guerra pioravam e ele ficava cada vez mais desesperado por soluções mágicas. Ele estava convencido de que, embora cada relíquia fosse poderosa por si só, a Arma Christi, quando reunida, lhe concederia vastos poderes sobrenaturais, algo além da imaginação que lhe traria vitória certa sobre o inimigo. Parece um enredo improvisado de um romance estilo Código Da Vinci, mas Hitler aparentemente acreditava em tudo isso e investiu muito dinheiro e recursos para encontrar essas relíquias fantásticas. Nesse sentido, a possibilidade de que essa pintura guardasse o mapa para elas pareceria boa demais para deixar passar.

O problema com a pintura quando ele conseguiu enfim roubá-la é que faltava um dos painéis, uma parte crucial conhecida como Painel dos Juízes Justos que retratava um grupo de sábios. O painel foi roubado da Catedral de Saint Bavo, em Ghent, Bélgica, em 1934 por Arsene Goedertier. Ficou claro por que ele iria querer roubar aquele painel em particular. A teoria é que o painel foi intencionalmente roubado antes da guerra por aqueles que sabiam que os nazistas tentariam usá-lo para encontrar os artefatos poderosos que os ajudariam a ter sucesso em seus planos. É possível que, ao negar-lhes este painel-chave, certas pistas estivessem faltando e o mapa para esses tesouros estaria incompleto.

Hitler sabia que o painel estava faltando quando roubou a pintura. Anos antes ele havia enviado um detetive nazista, especializado em localizar objetos de arte chamado Heinrich Köhn a Ghent para procurá-lo e trazê-lo de volta à qualquer custo. Köhn procurou meticulosamente pela cidade, chegando até mesmo a ordenar o desmanche de uma parte da catedral local na esperança de que a pintura desaparecida estivesse escondida em algum canto,  mas ele nunca foi capaz de localizá-la. Os nazistas nunca conseguiram completar o Retábulo de Ghent, e não se sabe se realmente havia um mapa escondido nele, e provavelmente nunca saberemos. Se realmente havia um mapa que foi frustrado por uma peça faltante, então também nunca saberemos o que teria acontecido se todas as relíquias sagradas tivessem sido reunidas. 

Tudo isso parece incrivelmente insano e improvável, mas Hitler tinha um desejo irracional por ter a pintura, e isso gerou uma quantidade considerável de especulações sérias sobre essas coisas.


Se Hitler realmente planejou usar algum tipo de mapa antigo escondido no Retábulo de Ghent para encontrar as Arma Christi não sabemos, mas ele certamente fez muitas tentativas de encontrar essas relíquias separadamente. Longe de ser apenas enredos de filmes, os nazistas de fato procuraram o Santo Graal e a Arca Perdida da Aliança, contudo uma das principais obsessões de Hitler era possuir a Lança do Destino, que dizem foi forjada pelo antigo profeta hebreu Fineias, 

E sobre a Lança do destino falaremos na continuação desse artigo.

2 comentários:

  1. Daria uma boa aventura de RPG com essa tema, uma caçada contra o tempo para conseguir as relíquias antes dos nazistas. Falando em RPG alguém joga COC online, por Discord ou algo, queria aprender mas aqui na cidade ninguém joga. Ótimo artigo.

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  2. Esse tema é muito interessante. Parabéns pelo post.

    Eu estava justamente revendo o primeiro Indiana Jones e fiquei pensando até que ponto que realmente os nazistas tinham essa fixação com o ocultismo. Você tem alguma indicação de documentário sobre o assunto?

    Abraço!

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