quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Portlock, Alasca - A lenda da Cidade que foi abandonada pelo medo do Pé Grande


Perdido na imensidão do Alasca encontram-se os restos de uma cidade fantasma.

Não é uma visão agradável! Tudo o que sobrou foram uma velha mina desativada, pilhas de entulho, algumas casas de madeira apodrecendo e maquinário enferrujado. Há também memórias amargas de tempos antigos. Esses são os últimos resquícios da Cidade de Portlock, um dos lugares mais isolados do mundo e lar de várias histórias estranhas e perturbadoras.

Os residentes dessa vila abandonada que um dia foi um próspero assentamento que possuía porto e uma fábrica partiram por volta de 1950. A versão oficial é que os habitantes de Portlock foram embora em busca de melhores condições de vida em um local menos insalubre e perigoso. A abertura da Alaska Route One, uma estrada que conectou cidades (e que deixou Portlock de fora) também é apontada como uma explicação razoável. Afinal, Portlock, não era um lugar tranquilo que pudesse realmente ser chamado de lar pelos seus residentes. Por volta de 1951, os últimos habitantes já haviam partido e a cidade estava praticamente deserta.

Pelo menos, é essa a história oficial.

As lendas urbanas que circulam à respeito de Portlock, no entanto, indicam que algo bem mais sinistro teria motivado a partida dos moradores. Sempre existiu algo de positivamente estranho no lugar, isso é fato! 


Desde 1700, a área no extremo sul do Alasca localizada na Península de Kenai atraiu habitantes. Estes eram em sua maioria pescadores, madeireiros e mineiros, quase todos descendentes de russos nascidos nas aleutas e nativos oriundos das tribos locais. Além de uma pequena indústria pesqueira relativamente próspera, eles tinham uma pequena reivindicação à fama: o renomado Capitão britânico Nathaniel Portlock ancorou lá em 1786. O evento motivou a troca do nome original Port Chatham para Portlock como forma de marcar a visita do ilustre viajante. 

A baía calma e a pesca abundante de salmão motivaram o estabelecimento de uma empresa americana por volta da virada do século XX. Toda uma frota de barcos pesqueiros foi trazida, bem como equipamento e infraestrutura. O porto foi modernizado para a chegada e partida de embarcações de maior porte. A empresa batizada como Portlock Cannery obteve relativo sucesso e em 1921 era a principal empregadora da cidade. No seu auge ela teve uma população de 750 pessoas.

Mas apesar do sucesso do empreendimento mercantil, sempre houve histórias estranhas sobre o povoado. 

Os nativos Inuit falavam que era aquela era uma terra ruim que atraía coisas assustadoras que transitavam nos limites da lenda e realidade. O folclore do Alasca é rico em lendas sobre espíritos que habitam esses rincões afastados. São entidades com apetite voraz que tomam o corpo dos homens e os obrigam aos atos mais desprezíveis. Relatos de violência, selvageria e até canibalismo são corriqueiros entre as lendas locais. Contudo na região de Portlock havia algo ainda mais assustador do que espíritos desencarnados. Segundo os relatos, a Península do Kenai era o território de caça de uma criatura selvagem, uma fera meio-homem meio-fera que espreitava pelas florestas e planícies nevadas. A Besta reminiscente das lendas do Pé Grande (ou Sasquatch) era conhecida pelos locais como Nantiinaq


O termo Nantiinaq (non-tee-nuck) remete ao idioma inuit conhecido como Dena’ina, enquanto a raiz "nant’ina" pode ser traduzida como "aquele que rouba as pessoas". O Nantiinaq é uma fera enorme de forma humanóide, mas muito mais alto que um homem adulto. Ele tem o corpo coberto por uma pelagem crespa escura que acaba se cobrindo de neve permitindo-lhe se mesclar à paisagem branca. A criatura é um predador inteligente que estabelece uma área de caça em busca de carne fresca. Ele se satisfaz com peixes, renas, caribous e outros animais da floresta selvagem, mas quando experimenta carne humana passa a preferi-la sobre todas as outras. Dotado de uma força sobre-humana, a fera tem presas e garras afiadas que usa para lacerar as presas, que são então devoradas vorazmente. Seu covil, que pode ser uma caverna ou gruta é coalhada de ossos quebrados e carcaças descartadas.

O Nantiinaq não é apenas um animal selvagem, ele é uma entidade muito conhecida entre os Inuit e temida na mesma proporção. É dito que nos primórdios, quando o mundo ainda era jovem, os Deuses criaram esses seres para vagar pelas florestas e proteger as regiões pristinas onde os mortais não eram bem vindos. Entretanto, em algum momento, os Nantiinaq se ressentiram de sua função específica e escaparam dos limites das terras que deveriam vigiar. Passaram então a caçar os homens o que desagradou os deuses criadores. Eles foram então banidos para os recessos mais afastados do mundo e lá deveriam ficar isolados para sempre. Contudo, os homens acabaram esquecendo as lendas dos Nantiinaq e passaram a viver cada vez mais próximos a seus territórios, atraindo a atenção das feras.

Foi exatamente isso que teria acontecido com Portlock. Um ou mais Nantiinaq viveriam na Pensínsula do Kenai e eles foram responsáveis pelos misteriosos desaparecimentos de dezenas de pessoas. A situação se tornou dramática a  partir de 1900 quando a população da cidade aumentou, atiçando o instinto primal da criatura. Ela havia provado de carne humana, tenra e saborosa, e nada a impediria de conseguir mais.

Mas seria verdade que as pessoas de uma vilarejo proeminente teriam partido por conta dos ataques de um monstro? 


Se você perguntar a respeito, as pessoas dirão que a população partiu por conta da melhor oferta de moradia no caminho da estrada. Não oficialmente, elas partiram por conta de décadas de ataques aterrorizantes empreendidos por um monstro.

Lendas sinistras sempre fizeram parte do dia a dia dos moradores do local. Havia uma história em particular que dava conta de três marinheiros que haviam desembarcado na cidade em meados de 1875. O grupo recebeu ordens de ir à terra e caçar algum animal para suprir a despensa de carne de sua embarcação. Os três ouviram conselhos para não se afastarem demasiadamente pois corriam o risco de encontrar urso polar ou coisa pior. Eles não quiseram contratar um guia Inuit assegurando que não iriam se aventurar pela tundra interior. Passados três dias sem qualquer notícia dos homens, um grupo de resgate foi organizado para descobrir seu paradeiro. As lendas asseguram que rastros misteriosos de um humanoide de grande porte foram encontrados na neve e estes levaram até a sangrenta cena de um massacre. Os corpos mutilados de dois dos marinheiros foram recuperados, mas do terceiro jamais se soube o destino. Acredita-se que a fera tenha o levado para seu covil afim de devorá-lo mais calmamente. 

Em 1905 houve outro evento curioso. Os empregados nativos que trabalhavam na empresa de empacotamento de peixe decidiram se demitir e partir ao mesmo tempo. Há especulações de que esse foi um protesto pelas más condições de serviço e por ganharem menos que seus colegas brancos, entretanto há outras versões dessa história. Segundo alguns, a partida dos Inuit se deu por conta do desaparecimento de duas crianças que teriam sido levadas na calada da noite pelo Nantiinaq. A fera teria sido inclusive avistada por dois respeitados caçadores da tribo que alertaram os demais de que continuar ali era perigoso para as famílias.

Com a partida dos nativos, a companhia focou em contratar homens solteiros para dar sequência no trabalho, trazendo uma nova leva de pessoas que vinham principalmente do Canadá. Em 1908, um outro acontecimento bizarro ganhou projeção. O aumento de homens solteiros no assentamento, motivou o surgimento de uma taverna na cidade. Esta era de fato um bordel que operava com grande interesse dos locais. O estabelecimento foi um sucesso, ao menos até que o dono e duas moças que ele havia recém contratado foram massacrados no caminho que levava do porto até a casa. Os corpos foram horrivelmente mutilados e as pessoas culparam uma fera selvagem já que o treno em que eles seguiam, e que estava repleto de suprimentos valiosos, sequer foi tocado. Seja lá quem causou a matança queria apenas carne, e a conseguiu já que os corpos tinha marcas inequívocas de terem sido mordidos.


Além desses incidentes sinistros, os locais citavam desaparecimentos esporádicos nos arredores da cidade. Pessoas frequentemente desapareciam e seus corpos jamais eram recuperados. Em um lugar perigoso como o Alasca não chega a ser exatamente uma surpresa que pessoas sofressem acidentes fatais ou que acabassem sumindo nos ermos gelados, contudo os locais tinham uma explicação corriqueira para quando alguém sumia da face da terra: o Nantiinaq!

É claro, ursos, lobos, nevascas ou outras coisas podiam ser responsáveis pelos desaparecimentos. Além disso Portlock havia se tornado um lugar bastante violento atraindo a presença de indivíduos perigosos com passado de crimes. Entretanto a maioria preferia culpar a fera sobrenatural pelos desaparecimentos. Em 1920 o Anchorage Report, jornal da capital deu enorme destaque aos rumores de pessoas desaparecidas na região. Um conhecido caçador que vivia em Portlock contou ao repórter que o Nantiinaq havia sido visto repetidas vezes nas proximidades de uma mina desativada que ele provavelmente usava como covil. O repórter ficou impressionado com a história e escreveu uma matéria que estampou a capa do diário com a seguinte manchete: "MONSTRO DE PORTLOCK RESPONSÁVEL POR DEZENAS DE MORTES".    

Outros jornais enviaram correspondentes para cobrir a história. O Chicago Tribune publicou fotografias que mostravam árvores arrancadas pela raiz supostamente pelo monstro, além de rastros de uma criatura bípede que havia deixado pegadas de 46 centímetros na neve. Para muitos essa matéria publicada em 1925 foi uma das primeiras a lançar o nome "Pé Grande" que se tornou imediatamente um perfeito adjetivo para feras humanoides nas florestas da América do Norte. Outro diário, o Seattle Times também publicou uma matéria com fotografias mostrando uma rena que havia sido horrivelmente mutilada por uma fera desconhecida. "Os sinais eram inequívocos e mostravam que uma criatura grande e feroz perseguiu e mutilou uma rena de 100 quilos na tundra. O pobre animal foi feito em pedaços por garras e mordidas medonhas".

Então, em 1931, outra morte chocou o vilarejo. Um madeireiro chamado Andrew Kamluck, homem experiente e bem quisto em Portlock sofreu uma morte misteriosa e violenta. Kamluck foi supostamente atingido na cabeça por uma peça de metal  – algo pesado demais para um ser humano usar como arma. Embora houvesse sangue em um guindaste próximo, Kamluck foi encontrado a 3 metros dele com a cabeça arrebentada como um melão. Segundo boatos partes de seu corpo foram mordidas e arrancadas. A fera foi novamente culpada pelo acontecimento macabro e um grupo de caça se organizou para encontrar e abater a fera. Apesar de rastros terem sido encontrados e alguns calçadores terem avistado uma silhueta gigantesca na neve, a criatura não foi encontrada. A fera continuaria à solta, atacando de tempos em tempos!


A Alaska Magazine relatou em uma edição de 1934 que um professor que lecionava na escola local desapareceu sem deixar vestígios. Em 1940, outro grande massacre envolveu quatro trabalhadores de uma fábrica de conservas que foram mortos enquanto caçavam ovelhas e ursos a cerca de quatro quilômetros da cidade. Apenas um cadáver foi mais tarde encontrado, horrivelmente desmembrado em uma lagoa local.

Ao longo das décadas, histórias como essas aterrorizaram os moradores de Portlock. Um a um, eles começaram a abandonar a cidade em busca de pastagens mais seguras.

"Deixamos nossas casas e a escola e começamos tudo de novo em Nanwalek", contou Malania Kehl, que nasceu em Portlock em 1934, ao Homer Tribune em uma reportagem publicada em 1952. Durante um "longo período de tempo", explicou ela, "um monstro aterrorizou os residentes da cidade a ponto de fazer com que todos fugissem de lá pois temiam serem os próximos"

De fato, Portlock era um lugar de sucesso, a Indústria Pesqueira estava em expansão e a companhia de enlatados tinha uma demanda considerável até a debandada final de mais de duzentas pessoas ao mesmo tempo. Elas resolveram partir antes do inverno de 1950 deixando a cidade quase vazia.

Histórias como essas abundam em artigos e sites que relatam a história de Portlock, Alasca. Mas os antigos moradores da região frequentemente contestam a veracidade desses relatos. 


"Malania meio que inventou tudo porque ela estava ficando cansada de pessoas perguntando se as histórias sobre Portlock eram verdadeiras", disse Sally Ash, prima de Kehl que serviu como tradutora para outra publicação do Anchorage Press em 1958. "Ela inventou a história sobre como o Pé Grande estava matando muitas pessoas. Não era verdade! Pessoas morreram em acidentes e ataques de urso, mas quando se vive no Alasca, um um lugar afastado, essas coisas aconteciam".

Ash cresceu em Nanwalek e sua mãe nasceu e viveu em Portlock até a saída. "Ela falava sobre sua cidade natal, dizendo que era lugar assustador e perigoso. A natureza era inclemente ali e qualquer deslize podia ser fatal. Fora isso, havia todo tipo de gente morando na cidade. Muitos eram ex-criminosos que buscavam um lugar afastado para trabalhar e se esconder. Não duvido que muitas mortes tenham sido causadas por desentendimentos. Quando se vive num lugar remoto como Portlock qualquer discussão pode descambar para algo físico". 

Mas ainda há quem culpe o Nantiinaq pelas mortes naquilo que hoje é uma cidade fantasma.

"Lembro dos meus pais dizendo que para podíamos sair em dias de neblina. Era quando o monstro saía de sua toca para caçar. Você podia topar com ele e acabaria morrendo”, conta Albert Vissey que nasceu e viveu na cidade até os 10 anos. "Meus pais acreditavam no Natiinaq e não tinham qualquer dúvida sobre sua existência. Um tio participou de uma caçada certa vez e viu a criatura. Ele e mais uma série de pessoas contavam que o monstro estava sempre por perto do centro da cidade. Ele era uma presença assustadora".

Ele acrescentou que a criatura deve estar lá até hoje. "O Nantinaq é imortal... ou pelo menos vive muito mais do que um ser humano. Ele deve estar lá ainda na tundra gelada... respeite-o! Mantenha distância... era o que se dizia na época e creio que continua valendo".


Os conselhos de Albert são realmente bem vindos já que nas últimas décadas as ruínas de Portlock se converteram em uma espécie de atração turística. Elas recebem pessoas interessadas em conhecer uma velha cidade pesqueira da virada do século quase que perfeitamente preservada. As lendas, é claro, são um atrativo adicional para visitantes em busca de histórias assustadoras.

Se há algo real sobre o abandono de Portlock não se sabe, mas as lendas sobre o Pé Grande do sul do Alasca, essas provavelmente serão contadas ainda por muitos e muitos anos. 

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