sábado, 30 de novembro de 2024

O Culto Heaven's Gate - O aterrorizante ritual de despedida de uma Seita Apocalíptica


Os cultos sempre pairaram à margem das crenças religiosas. Sempre houve aqueles para os quais as doutrinas estabelecidas não respondiam a todas as perguntas. Na ânsia de obter respostas para perguntas fundamentais, os cultos não raramente dão uma guinada acentuada para a bizarrice, abraçando crenças que muitos podem achar questionáveis ​​na melhor das hipóteses, absurdas na pior. E tudo fica ainda mais sombrio quando há mortes envolvidas. Aqui vamos analisar um dos mais infames cultos da história moderna o Heaven's Gate (Portal do Paraíso). Esse foi um grupo de indivíduos devotados a OVNIs, que acabaram cometendo um horrendo suicídio na esteira de suas crenças bizarras.

O Culto nasceu de um encontro bastante casual entre seus dois membros fundadores. 

Tudo começou no inverno de 1972 quando um homem chamado Marshall Applewhite se encontrava desiludido com sua vida. Ele havia acabado de ser despedido de seu emprego como professor na Universidade Thomas, em Houston devido a um envolvimento com um estudante do sexo masculino. Marshall estava sem sorte, confuso e sem rumo para sua vida. Conforme ele próprio contou mais tarde, chegava a contemplar dar cabo da própria existência. Certo dia ele foi encontrar um amigo doente em um hospital e lá conheceu uma enfermeira chamada Bonnie Nettles. Marshall sentiu uma afinidade imediata por Bonnie e disse a ela que estava convencido de que eles haviam se conhecido no passado - talvez em outra vida. Longe de achar aquilo estranho, a enfermeira Nettles levaria o comentário muito à serio. Uma entusiasta de varias crenças, Neetles contou que havia sido informada por "seres superiores" de que encontraria um homem com quem estabeleceria grande conexão e que juntos eles desempenhariam uma missão divina. Foi basicamente amor à primeira vista.

Nos próximos meses, Applewhite alegaria experimentar uma sucessão de sonhos e visões vívidas que o instruíam sobre  que deveria ser feito. Nettles tomou isso como um sinal da profecia que havia sido predita a ela. O fato de Nettles ser casada na época não parece tê-la desencorajado quando ela embarcou em um retiro de 6 meses com Applewhite, durante o qual eles leram extensivamente sobre teologia, filosofia e vida extraterrestre. Também passaram esse período orando, jejuando e engajando-se em longos períodos de meditação transcendental. Através de seus estudos, eles se convenceram de que eles estavam em um nível mais alto de humanidade, e que eles eram as duas testemunhas mencionadas no Livro do Apocalipse, descritas como profetas que morreram, ressuscitaram e foram levados ao céu sobre uma nuvem. Nettles e Applewhite tinham sua própria interpretação a respeito dessa passagem bíblica e acreditavam que a nuvem mencionada na Bíblia era na verdade uma espaçonave alienígena. Eles também estavam destinados a renascer graças a esses seres superiores - na verdade alienígenas.


Influenciados pelas polêmicas teorias dos Deuses Extraterrestres, os dois concluíram que haveria um grande evento que eles chamaram de "A Demonstração". Neste acontecimento, Deus revelaria a sua verdadeira face, a de um ser alienígena super evoluído, que havia semeado a vida na Terra milhares de anos no passado e que nos auxiliaria no próximo degrau da evolução humana.

Apesar de não terem nenhuma prova disso, os dois começaram a fazer planos para realmente realizar seu intento. Eles desejavam entrar em contato com esses alienígenas superiores e comunicar a eles que haviam captado sua mensagem. O primeiro passo seria reunir um grupo de seguidores fiéis. Applewhite e Nettles começaram a buscar indivíduos para formar sua congregação publicando convites para reuniões. Eles diziam aos membros em potencial que eram os porta-vozes dos alienígenas e que planejavam levá-los para um lugar distante no cosmos basicamente associado ao Reino dos Céus. Segundo eles, a Terra estava programada para ser redefinida pois os criadores estavam insatisfeitos com a maneira como a humanidade tratava o planeta. Apenas uns poucos seriam salvos e levados a um “Próximo Nível" para serem aperfeiçoados. Estes seriam os escolhidos para prosseguir quando a raça humano fosse exterminada. 

Embora fossem conceitos bizarros, os ensinamentos de Applewaite e Nettles atraíram alguns seguidores cativados pela narrativa. Estes seguidores foram informados de que, se abraçassem os ensinamentos do grupo, eles se tornariam elegíveis para o "Próximo Nivel". Este envolvia uma mudança no próprio ser, com os candidatos desenvolvendo asas e poderes mentais. Eles se tornariam essencialmente imortais e receberiam um novo e melhorado corpo. 

Através de reuniões eles começaram a atrair um público cada vez maior de interessados nas suas teorias. Eram pessoas de diferentes idades, origem e estilo de vida, incluindo pessoas com boa situação financeira que deixavam tudo para se dedicar de corpo e alma aos ensinamentos d Culto.

Ao entrar no grupo, os seguidores eram obrigados a adotar um estilo de vida extremamente ascético. Eles desistiram de todas as posses e conexões terrenas, incluindo dinheiro, empregos e famílias. Também renunciaram a tendências mais humanas, como sexualidade e sua própria individualidade.  Muitos homens, incluindo o próprio Applewhite, se castraram voluntariamente para escapar das amarras da sexualidade. Eles acreditavam que esta era a única maneira de se condicionarem para a árdua jornada que eventualmente fariam, e isso era entendido como um elevado grau de comprometimento. As mulheres também renegavam ao sexo, aos prazeres mundanos, tudo em troca de uma vida espiritual elevada.


Os membros foram instruídos também sobre a existência de entidades sinistras na Terra que procuravam enganar os humanos através de crenças falsas. Eles usavam de mentiras e tecnologia para impedir as pessoas de evoluir e manter a humanidade em um retrocesso que os impedia de ascender.

Com o tempo, a doutrina do grupo evoluiu e foi sendo refinada para incluir conceitos da Nova Era, como a ideia de que alienígenas poderiam habitar corpos humanos. Também foram incluídas noções sobre viagens astrais, meditação profunda, transes, psiquismo e outras informações. Applewhite e Nettles, que adotaram os pseudônimos "Do" e "Ti", também ajustaram suas próprias histórias, alegando mais tarde que eles não eram apenas representantes terrestres dos alienígenas, mas que abrigavam as almas de seres alienígenas em seus corpos humanos. Da mesma forma que eles acreditavam ter acontecido com Jesus Cristo um dos primeiros alienígenas a viver num corpo mortal. De fato, Applewhite começaria a proclamar ser o sucessor de Jesus.

Em 1979, o grupo desapareceu do radar público, indo para a clandestinidade, movendo-se secretamente pelo país acampando e fugindo da mídia com tanta eficácia que parecia que eles tinham desaparecido da face da terra. Tudo fazia parte de seu plano para alcançar um nível mais alto de existência e se metamorfosear mais completamente em seres superiores. Nettles morreria em 1985, o que estimulou mais algumas mudanças no culto. Até aquele momento, eles acreditavam que seriam fisicamente levados para bordo de um OVNI. Entretanto, quando Nettles morreu de câncer, essa noção foi alterada para comportar a ideia de que apenas a alma ou consciência deles seria transportada, deixando para trás a casca física. Essa ideia foi imediatamente aceita pelos membros. No início da década de 90, a seita estava muito interessada em um projeto chamado “Higher Source”, em que, usando a Internet espalhavam sua ideologia e obtinham dinheiro com apoiadores e simpatizantes. 


Em setembro de 1991, o grupo adotou o nome  "Heaven’s Gate” estabelecendo sua sede numa ampla mansão de 850 m2 na área nobre de Rancho Santa Fe, nos arredores de San Diego, Califórnia. Os recursos financeiros para tudo isso vinha de doações e de um “seguro contra abdução alienígena”, que rendeu uma receita regular para o Culto.

Foi nessa época que o cometa Hale-Bopp que se aproximava da Terra, passou a ser compreendido como um sinal de que o dia do arrebatamento estava próximo. O Culto estava cada vez mais convencido de que no rastro do cometa havia uma espaçonave que finalmente viria buscá-los, e que este era o momento com o qual sonhavam há mais de duas décadas. Applewhite convenceu seus seguidores de que era assim, que eles chegariam ao Próximo Nível.

Na visão de Applewhite, para serem resgatados, eles teriam de abandonar suas formas corpóreas para trás afim de serem transportados em espírito para dentro da espaçonave. A Terra seria destruída por uma súbita mudança no curso do cometa que se chocaria com o planeta. Apenas os membros do Heavens Gate seriam salvos desse Apocalipse. 

Embora suicídio fosse algo contrário as crenças do culto, Applewhite encontrou uma maneira de distorcer isso. Em sua mente, uma vez que seus corpos humanos eram apenas casulos para as almas alienígenas, optar por não ir de encontro a seus irmãos é que seria o verdadeiro “suicídio”. Isso seria negar uma chance de evoluir para o próximo estágio. O raciocínio parece ter sido perfeitamente aceito e tão razoável que eles começaram a fazer arranjos para a partida. 

Eles teriam de realizar um suicídio ritual que lhes permitiria deixar seus corpos físicos de uma vez por todas. 


O site oficial do grupo postou sua derradeira e arrepiante mensagem de encerramento:

"À medida que o Cometa Hale-Bopp se aproxima temos o encerramento do Heaven's Gate. Nossos 22 anos aqui no planeta Terra estão finalmente chegando ao fim com a 'graduação' dos Seguidores para o próximo Nível Evolutivo. Estamos alegremente preparados para deixar 'este mundo' e nos tornar parte da tripulação".

Os dias que antecederam  o arrebatamento foram marcados por muitos preparativos. Os membros gravaram vídeos de sua despedida para os amigos e familiares que eles abandonaram há muito tempo em sua fé distorcida. Em março de 1997 eles deram início a sua jornada final. Um total de 39 membros do grupo vestidos com camisas pretas idênticas e calças de moletom, com braçadeiras que diziam "Heaven's Gate Time Avançado" ingeriram uma dose letal de fenobarbital misturado com suco de maçã. Eles então enrolaram sacos plásticos em volta da cabeça e aguardaram. À medida que cada um morria, seu corpo era colocado com toda reverencia em uma cama beliche e coberto com uma mortalha preta. O ritual foi realizado ao longo de três dias, entre 22 e 25 de março, com três grupos diferentes cada qual instruído para desempenhar uma função. Alguns ficaram encarregados de cuidar dos corpos e enviar as despedidas gravadas em vídeo. Applewhite foi um dos últimos a morrer e, no final, apenas um punhado de membros permaneceu para contar a história.

Em 26 de março de 1997, o Departamento do Xerife do Condado de San Diego obteve permissão para entrar na mansão e encontrou os corpos. A notícia logo se espalhou causando  choque em toda a nação e no mundo. Foi um dos maiores suicídios em massa da história americana. Mais arrepiante era o comportamento alegre e esperançoso que dava o tom das despedidas finais gravadas em videoteipe. Os cultistas demostravam que acreditavam no que estavam pregando. Haveria mais três suicídios dos membros restantes do culto e um suicídio realizado por um homem de 58 anos sem conexão conhecida com o culto. Este deixou para trás uma carta dizendo: "Eu também me juntarei na nave espacial com o Hale-Bopp para estar com aqueles que vieram antes de mim.” 


A notícia foi tão chocante e trágica, que até mesmo o co-descobridor do cometa, o astrônomo Alan Hale, pediu que o Governo se dedicasse a conscientizar as pessoas a respeito de  cultos de isolamento e que exercessem rígida doutrinação. Apesar das ondas de horror e repulsa que o suicídio em massa causou, inacreditavelmente o site Heaven’s Gate permaneceu operacional, administrado por dois membros sobreviventes do grupo e por vários anos assim prosseguiu.

A história do culto Heaven's Gate é um olhar bizarro, aterrorizante e, às vezes, fascinante sobre o sistema de crenças que os cultos podem utilizar para escravizar as mentes de seus seguidores. Que um grupo tão grande de indivíduos perfeitamente sãos possa ser tão absorvido em um sistema de crenças e adotá-lo a ponto de dar cabo voluntariamente das suas próprias vidas é algo aterrorizante. 

No final, 39 pessoas morreram por sua própria escolha, procurando se juntar aos alienígenas que eles tão desesperadamente consideravam reais. Se eles realmente encontraram seu objetivo ou não, pouco importa. Eles deixaram um legado a respeito de um sinistro culto e uma visão sombria da mente humana que provavelmente nós nunca seremos capazes de compreender por inteiro.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Resenha "No Time to Scream" - Três Investigações simples e divertidas para Chamado de Cthulhu


Antologias de cenários curtos para Chamado de Cthulhu não são exatamente uma novidade. Mas acredito que essa preocupação ganhou maior relevância com narradores que não tem muito tempo livre para preparar e desenvolver suas histórias. São Guardiões que gostariam simplesmente de reunir os amigos para uma rodada de jogo rápida e descompromissada.

O suplemento Minions, lançado em 1997 para Chamado de Cthulhu, Quinta Edição talvez tenha sido o primeiro livro com essa proposta. Ele trazia uma dezena de histórias curtas, quase sementes de cenários, que podiam ser jogadas com pouco ou nenhum preparativo. Mais recente, outro suplemento, Gateways to Terror ofereceu uma coleção de cenários curtos especialmente desenhados para eventos e encontros de RPG. Já o ainda mais recente Call of Cthulhu Starter Set expandiu o conceito com uma trinca de cenários clássicos adaptados para serem jogados em sessões com duração de duas ou três horas. O público alvo são os jogadores que não perderam sequer um ponto de sanidade na ambientação e que conhecem pouco (ou quase nada) sobre ela. Essa é uma espécie de porta de entrada para a ambientação.

A proposta é válida! Embora Chamado seja um jogo antigo e popular, sempre há espaço para introduzir novos jogadores e apresentar as maravilhas e horrores de uma investigação lovecraftiana aos neófitos. 

As antologias trazem personagens prontos com suas próprias motivações e que se encaixam bem na história a ser jogada. Não é necessário fazer malabarismos para explicar qual será o papel de cada personagem na trama. Esse formato obviamente funciona melhor para sessões one-shots do que para aventuras sequenciais, ainda que, com algum trabalho, seja possível transformá-los em uma pequena campanha.

Do ponto de vista de estrutura de cenário, eles possuem um padrão. Os jogadores e seus investigadores são apresentados a um mistério, precisam fazer perguntas corretas, obter as pistas necessárias e interpretar o que descobriram. Com base nisso, eles eventualmente serão confrontados por uma ameaça que irá drenar sua Sanidade e colocar suas vidas em risco. 


Em resumo, diversão pura e simples, sem muita firula!

O recém lançado suplemento "No Time to Scream" (Sem Tempo para Gritar, numa tradução livre) é uma espécie de sequência desse estilo de jogo. Os três cenários aqui reunidos foram projetados para serem usados de forma rápida e simples - o Guardião só precisa ler e se familiarizar com a trama. Todo resto, dos Handouts aos personagens, passando pelas dicas, estão ali para serem usados.

Entretanto, em comparação ao Gateways of Terror, os cenários de No Time to Scream são mais elaborados. São também mais longos, com reviravoltas e com a duração estimada de algumas horas, possuindo até mesmo um cronograma aproximado para estabelecer limites de sua extensão. Os cenários funcionam como entretenimento noturno ou de demonstração para convenções. Todos os três são adequados para jogadores novatos, ainda que ofereçam uma experiência agradável também para jogadores veteranos.

A antologia começa com uma visão geral de seus três cenários e uma introdução — ou reintrodução — às regras básicas de Chamado de Cthulhu. Isso é para ajudar o Guardião a apresentar as regras básicas para os jogadores. Embora soe um pouco repetitivo, posso entender que o propósito disso é facilitar o acesso de regras também ao narrador de primeira viagem.


A introdução observa que os cenários contêm textos que podem ser lidos em voz alta e tipos distintos de pistas. Pistas "essenciais" DEVEM ser encontradas como parte da investigação, pois são vitais para sua progressão e não exigem nenhuma verificação de perícia para serem encontradas, enquanto pistas "obscuras" adicionam mais detalhes, mas não são vitais para a conclusão do cenário. Se uma pista "essencial" exigir um teste de perícia, este normalmente determinará quanto tempo o personagem levou para encontrá-lo e se ocorreu alguma complicação para encontrá-la. Essa é a primeira vez que vejo esse pormenor das regras ser tratado de maneira tão direta, já que muitos criticam que a não obtenção de uma pista em Chamado poderia ser um desastre para o jogo na opinião de alguns. De fato, colocar no papel essa "regra tácita" é simplesmente validar o que a maioria dos Guardiões experientes de Chamado fazem desde o início.  

Mas vamos falar dos cenários pois eles são o que realmente importa nesse livro. Cada um é bem estruturado e segue o mesmo formato. Eles começam com conselhos sobre a estrutura do cenário para facilitar a condução do narrador. Em seguida, discute os investigadores prontos para cada cenário, incluindo suas características notáveis ​​e ganchos de interpretação, o que fazer se houver menos de quatro jogadores e o que fazer se houver mais de quatro. Tudo isso antes de mergulhar na essência do cenário em si. Todos os três são muito bem apresentados, claros e fáceis de ler. Além de mapas decentes, cada cenário possui sugestões sobre como cada um dos investigadores reage quando perde sanidade, o que inclui possíveis Ações Involuntárias e Ataques de Loucura.


O primeiro cenário é "A Lonely Thread" (Uma Trama Solitária), se passa na cabana de campo de um velho professor de arqueologia que leciona meio período na Universidade Miskatonic. Um homem culto e simpático, ele regularmente convida hóspedes para visitar sua casa. Infelizmente, logo fica claro que o professor não está bem, está agindo de forma estranha e parece esquecido. É porque ele está doente ou há algo mais acontecendo aqui? Atingir a nota certa de estranheza exige alguma habilidade de interpretação por parte do Guardião e dos jogadores usando as informações que seus personagens tem sobre o professor. O quão cedo os investigadores percebem que há algo errado e o quão cedo eles agem, influenciará o resultado do cenário.

A trama envolve descobertas bizarras, exploração na casa do professor e uma luta contra o tempo. Há a chance de obter pistas que se mostrarão muito valiosas na porção final do cenário e que ensinarão aos jogadores uma valiosa lição: investigadores tem mais chance de sobreviver quando se dedicam a analisar as pistas com calma. O final do cenário provavelmente vai descambar para o lado físico, embora haja opção de tentar escapar ou usar outras opções. No geral, este é um cenário incrivelmente simples, mas deliciosamente divertido de executar.

O segundo cenário, "Bits & Pieces" (Restos e Pedaços), move a ação para Arkham e para o necrotério da cidade. É aqui que os Investigadores se encontrarão em 1927 após receberem o telefonema de um médico que murmura sobre cultistas, ressurreição e a necessidade de purificar o mal pelo fogo. O telefonema reúne um grupo heterogêneo de pessoas, primeiro em seu apartamento e depois no necrotério, onde eles se deparam com uma situação bizarra. Esse cenário tem o mérito de ir direto ao ponto e de beber desavergonhadamente das produções de horror trash com muito, muito gore.


‘Bits & Pieces’ me lembrou muito Reanimator, não o conto de Lovecraft, mas o filme de 1986. Assim como o filme (uma pérola do cine trash) esse cenário é simples, divertido e bobo. Ele consegue combinar horror e situações que beiram o pastelão. Novamente há um limite de tempo no cenário que impõe uma luta contra o relógio para que os investigadores tenham sucesso. Este é um cenário brilhantemente divertido, muito físico e que com certeza será memorável.

O terceiro e último cenário tem o nome "Aurora Blue" (Azul Aurora) e de muitas formas é o mais maduro e complexo dos três cenários em termos de seus temas e ambientação. Isso ocorre porque os jogadores assumem o papel de personagens estigmatizados por sexo ou cor da pele. A trama nos leva ao ano de 1932, quando os jogadores personificando agentes do Departamento de Proibição tentam colocar fim a um estranho caso no Território do Alasca. Logo no início os personagens sabem que estão em uma luta solitária para provar seu valor e que seus superiores os tratam como agentes de segunda classe.

O cenário é muito bem construído e oferece uma ‘Memória’ para cada um dos Investigadores, memória essa desencadeada por uma cena ou encontro específico durante a narrativa. Esses flashbacks são um momento para destacar e personalizar o status de cada Investigador concedendo a eles maior profundidade.

A ameaça central na trama é bastante interessante e o cenário oferece algumas sugestões para disfarçar a natureza da criatura fazendo com que ela seja surpreendente. O texto se refere ao monstro de uma maneira inovadora fornecendo frescor para o uso de uma criatura clássica.


De muitas maneiras, ‘Aurora Blue’ não é um história sutil e irá demandar do Guardião um aproach especial para conduzi-la. O cenário é mais sofisticado do que os anteriores. Os Agentes podem ter sucesso em completar a tarefa que se espera deles mas podem potencialmente tomar atitudes inesperadas. Esse tom de imprevisibilidade torna o cenário bastante curioso.

O livro é completado com dois apêndices e um conjunto de índices. O primeiro apêndice fornece os Recursos para os os três cenários, enquanto o segundo tem as bibliografias dos autores. Os índices ajudam a localizar mais facilmente trechos dos cenários. Fisicamente, No Time to Scream é muito bem apresentado, com mapas decentes e arte de boa qualidade que pode ser mostrada aos jogadores durante o jogo. Os recursos também são bem feitos, em especial uma série de desenhos infantis feitos com giz de cera que fazem parte de Aurora Blue.

O suplemento é uma ótima sequência para Gateways to Terror e se mostra um instrumento útil para jovens Guardiões de Chamado de Cthulhu refinarem seu estilo de narração. Não é exagero apontar este como um dos melhores suplementos de cenários prontos lançados para a sétima edição.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Noites Sangrentas dos Umezzi - Os terríveis Feiticeiros da Tanzânia

Continuando o artigo a repeito de Feitiçaria na África.

A Nigéria não é a única nação africana assolada por uma epidemia supersticiosa de feitiçaria tribal.

Outro país que recentemente passou a enfrentar profundos problemas sócio-culturais relacionados ao tema é a Tanzânia. Localizada no sudeste do continente, esse extenso país conquistou sua independência em 1964 após uma longa história de colonização nas mãos de portugueses, alemães e britânicos. A Tanzânia é um país com múltiplas fronteiras e com pluralidade de culturas, possuindo cerca de 40 tribos fundadoras originais, cada qual com suas próprias tradições e costumes.

O misticismo sempre foi bastante difundido na Tanzânia, sobretudo na região de Tanganica, originalmente uma colônia portuguesa, posteriormente reclamada pela Alemanha no século XIX. Desde o início da ocupação colonial, os costumes locais chamavam bastante a atenção dos europeus. Muitos deles se sentiam intimidados pela ação de líderes tribais que impunham seu poder amparado no terror que conseguiam instilar nos nativos. Esses líderes tribais, não raramente desempenhavam o papel de feiticeiros com amplos poderes. Os nativos que serviam aos colonos brancos ou que simpatizavam com eles, eram perseguidos com violência. A brutal perseguição a nativos que se associavam a estrangeiros era uma questão muito séria.

Um Feiticeiro Umezzi da Tanzânia

Os feiticeiros da Tanzânia, conhecidos como Ma´ku Umezzi eram extremamente temidos e com razão. Eles comandavam grandes grupos de seguidores fanáticos que por sua vez impunham um regime de terror na população. Quando um Umezzi declarava um indivíduo como traidor ele e sua família passavam a viver sob grande ameaça. Os seguidores acreditavam que um Umezzi refletia a vontade dos espíritos e entidades que ele servia. Um traidor deveria ser trazido diante da congregação reunida e enfrentar uma espécie de julgamento pelos seus crimes - que poderiam ser algo como trabalhar para um estrangeiro ou mesmo aceitar presentes deles. Havia vários relatos de pessoas que simplesmente desapareciam na calada da noite, capturados pelos devotos e levados diante do conselho tribal.

Até meados da década de 1950 inúmeras pessoas sofreram com essa perseguição sistemática, criando um medo palpável na sociedade tanzaniana. Os alegados traidores sofriam com torturas aterrorizantes, eram amarrados em árvores e deixados para os animais selvagens, tinham o corpo coberto de mel e lançados em seguida em formigueiros ou eram afogados em lagos de areia movediça. O mais temido, no entanto, era ser sacrificado em algum ritual de sangue.

Quando os tambores tribais se faziam ouvir, ecoando no coração da selva, a população sabia que aconteceria um ritual e que as entidades sombrias receberiam sacrifícios humanos. O Misticismo da Tanganica contempla a existência de vários espíritos primevos que lá viviam antes mesmo dos humanos. Estes eram seres caprichosos demandavam respeito e ansiavam por sangue para aplacar sua ira. Conforme a tradição, apenas os Feiticeiros Umezzi podiam se comunicar com eles e oferecer os sacrifícios que acalmavam sua cólera. Os Umezzi também conheciam rituais e magias usadas para interceder em nome dessas entidades sinistras. Era daí que emanavam seus poderes. 

O ritual envolvendo sacrifício humano era um acontecimento importante e as pessoas eram forçadas a comparecer ao evento. Nessas horríveis celebrações, a vítima era trazida diante do Umezzi que realizava uma dança ritualística que visava abrir o caminho para as entidades se manifestarem. O som de tambores e batuques preenchia as clareiras iluminadas pelas tochas e tomada pela multidão transfixada de terror. As testemunhas recebiam bebidas alucinógenas que causavam visões medonhas. Em meio a gritos estridentes, o Umezzi declarava quando as Entidades Invisíveis se manifestavam e muitas pessoas sob o efeito das potentes drogas viam tais criaturas se materializando. Reações emocionais e surtos eram algo comum, a medida que a celebração prosseguia e o Umezzi fazia o seu trabalho sangrento. A vítima era degolada ou espancada cm porretes ritualísticos, seu corpo mutilado podia ser amarrado a cordas e erguido sobre a clareira, fazendo com que o sangue vertesse em profusão.

Imagem de um artigo britânico de 1930 sobre a feitiçaria na Tanganica

O poder dos Umezzi só começou a ser confrontado quando a Tanzânia conquistou sua independência e se uniu a nação vizinha de Zanzibar que tem uma rígida formação islâmica. Sob pressão de Zanzibar, a prática de feitiçaria foi declarada ilegal e seus utilizadores duramente reprimidos. Muitos feiticeiros foram presos e afastados, fazendo com que a influência desses supostos bruxos diminuísse exponencialmente. O islã condena qualquer prática envolvendo adivinhação, leitura do futuro e mais especificamente feitiçaria. 

Contudo, recentemente a Tanzânia tem experimentado uma espécie de reavivamento das práticas tribais envolvendo os Ma´ku Umezzi e sua feitiçaria. Por décadas esses costumes caíram em desuso, relegados a enclaves rurais mais atrasados no interior do país, mas de algumas décadas para cá eles parecem ter sido redescobertos, experimentando uma espécie de restauração. Até mesmo na capital da Tanzânia, Dodona há sinais de que a feitiçaria é uma prática cada vez mais em voga.

Em 2019 uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Crimes na África apurou que crimes relacionados a misticismo religioso tem crescido na Tanzânia. Crimes graves que incluem agressão, abuso, estupro e homicídios aumentaram incrivelmente tornando-se um problema sério a ser tratado pelas autoridades. Na cidade de Mwanza, a segunda mais populosa do país, crimes motivados por misticismo ocorrem com frequência cada vez maior. Não há números oficiais, contudo é evidente que abuso e agressões tem se tornado cada vez mais comum entre a população que se voltou para práticas tribais até então adormecidas.

"Os Umezzi estão de volta", declara Pbora Mwanani, investigador do Departamento Federal de Combate ao Crime na Tanzânia, um gabinete criado com objetivo de coibir a ocorrência de casos envolvendo cultos e seitas tribais. "A violência tem crescido e estamos em uma verdadeira guerra para evitar esses incidentes".

Bonecos mágicos são parte do folclore dos Umezzi

Tem sido uma batalha difícil, como o próprio Mwanani reconhece: "A situação é preocupante, a influência desses novos Umezzi é muito grande, sobretudo depois que eles começaram a chegar a cidades maiores. As pessoas, em especial jovens, parecem atraídas por velhos costumes que faziam parte da vida de seus avós".

A nova geração de feiticeiros que tem surgido na Tanzânia recorrem às mesmas táticas de terror dos seus antepassados, prometendo intermediar com as entidades ancestrais para garantir benefícios para seus seguidores. Os Umezzi prometem sucesso e riqueza para o rebanho que se reúne ao seu redor, conduzindo rituais para estabelecer o favor dos espíritos. Tudo com um custo! Mediante um pagamento acertado com o Umezzi - como uma forma de tributo, rituais podem ser realizados com o intuito de garantir trabalho, afastar inimigos, ganhar benefícios ou ainda conquistar fama e fortuna.

"As pessoas realmente acreditam que a feitiçaria pode interceder favoravelmente por elas. Que os bruxos conseguem persuadir as entidades a fazer o que eles desejam", explica Mwanani, "Para que a barganha seja bem sucedida, os Umezzi instruem esses indivíduos a obter sacrifícios de sangue".

Conforme as tradições locais, sacrifícios constituem uma espécie de moeda de troca entre mortais e espíritos e quanto maior a oferta, mais provável será obter o que se deseja. Muitos dos rituais de sacrifício envolvem animais como pombas, galinhas, bodes e cabras, mas é o sacrifício humano - em especial de crianças, o que trás melhores auspícios sobre o resultado almejado. Não é segredo que o tráfico de seres humanos, em especial de crianças, constitui um negócio rentável na África, mas nas últimas décadas a compra e venda de pessoas para utilização em rituais se tornou algo cada vez mais comum. Crianças são sequestradas e negociadas no submundo, vendidas para alimentar essa demanda em crescimento. Uma criança pode render um bom dinheiro para esses criminosos, em especial se for uma criança albina. Tradicionalmente albinos são tratados como pessoas tocadas pelos deuses e portanto sacrifícios mais potentes.

O Departamento de Combate ao Crime da Tanzânia investiga conexões dos Umezzi com o tráfico de seres humanos desde 2012 e concluiu existir um envolvimento direto entre eles. Também há raízes ligando esses Feiticeiros com aliciamento, tráfico de drogas e outros crimes. "A luta tem sido dura, mas é uma luta que precisa ser travada" diz Mwanani com resignação, "a outra opção seria fazer nada".

Na Tanzânia, o ditado "Tudo o que o mal oprecisa para triunfar é que homens bons não façam nada" parece encontrar um exemplo real. Felizmente há pessoas que enfrentam esse mal.

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Feiticeiros Negros - O Mundo obscuro da bruxaria na África


Houve um tempo em que monstros, magia e demônios eram muito reais para as pessoas. 

Em muitas sociedades, houve uma época em que essas eram coisa do dia a dia, forças além de nosso controle ou compreensão que nos mantinham encolhidos na escuridão de nossas casas aterrorizados de medo. Com o advento da ciência e do iluminismo, grande parte da civilização foi capaz de afugentar essas sombras, de dissipar os monstros que nos atormentaram por tanto tempo. No entanto, em algumas sociedades deste planeta, tais crenças persistem teimosamente até hoje. Entre estas estão certos povos na África que acreditam em magia negra, bruxaria, espíritos malignos e demônios. Para eles, essas forças ainda são consideradas reais, muito reais.

A feitiçaria e a magia negra há muito estão enraizadas na tradição de diversos países africanos, e em muitas áreas rurais é considerado um fato da vida que bruxas e feiticeiros estão próximas. A gama de poderes e efeitos que essas bruxas e feiticeiros detêm varia de país para país, mas, em geral, perdura a crença de que eles são responsáveis ​​​​por doenças, fome e morte, e uma infinidade de outros infortúnios. Seriam capazes de amaldiçoar aqueles que cruzaram seu caminho, disseram ou criticaram seus atos malignos. Eles empregam todo tipo de poder blasfemo e degenerado para alimentar suas magias e desencadear os efeitos desejados. 

É um fato que corpos mutilados são frequentemente encontrados em certas áreas rurais da África, com órgãos removidos presumivelmente para uso em feitiços mágicos de bruxaria. Há ainda um rentável mercado de encantos realizados por um preço estabelecido. Muitas dessas supostas bruxas e feiticeiros agem motivados por impulsos desprezíveis de obter algum benefício próprio, contudo há aqueles que são simplesmente perversos. 


Incontáveis pessoas crédulas também procuram bruxas para curar doenças, remover maldições de mau olhado ou para obter encantos de amor. Entretanto, na África aqueles que mexem com feitiçaria são tipicamente vistos como pessoas inerentemente más. Na maioria dos países africanos, mulheres idosas são as mais acusadas ​​de praticar bruxaria seguindo o preceito de sabedoria matriarcal trazida com a idade. Já no polo oposto, pessoas albinas são frequentemente alvos da bruxaria por serem considerados sacrifícios mais valiosos. Ser acusado de bruxaria é um crime muito sério nessas regiões, levando à prisão, tortura, exorcismos violentos e até mesmo linchamento e execução. 

Nessa série de artigos faremos uma viagem pelo mais sombrio submundo da África, povoado por bruxas e feiticeiros, magia negra, espíritos malignos e morte. Se você acha que bruxaria é algo antigo e restrito a histórias medievais, saiba que está muito enganado. A feitiçaria nunca esteve tão ativa e sendo praticada quanto nos dias atuais.

A Nigéria, o país mais rico e populoso da África, é frequentemente considerado o lugar mais progressista e modernizado do continente, mas a crença na magia negra e feitiçaria é muito forte nessa nação. Um costume habitual entre meninos e homens é procurar feiticeiros para realizar um ritual de dinheiro que lhes permitirá enriquecer rapidamente. Em troca eles devem cumprir alguma demanda que o feiticeiro lhes pedir. Já foram relatados casos desses jovens praticando atos profanos como desenterrar cadáveres, roubar ou mesmo cometer assassinatos. Um caso emblemático envolveu um homem decapitando sua namorada para realizar o ritual do dinheiro. 


Há uma crença profunda da enraizada na sociedade de que a fortuna material pode ser alcançada por métodos mágicos. Os feiticeiros são aqueles que intermediam a possibilidade de enriquecer usando seus poderes para "abrir os caminhos". Em 2017 um levantamento apontou mais de 200 crimes motivados por crenças Místicas apenas em uma região do país. 

Entretanto, um problema ainda maior parece ser o de crianças e bebês rotulados como malignos ou possuídos por forças do mal. Tal crença resultou em abuso, abandono, tortura e até assassinato de menores de idade. Estima-se que 15 mil crianças somente no Delta do Níger foram vitimadas por suspeita de feitiçaria. Uma das forças motrizes por trás disso são vários pastores pentecostais que fizeram uma mistura de crenças de feitiçaria africanas e Cristianismo, valendo-se disso para alegar poder, purificar crianças malignas e expulsar espíritos. É claro, para tanto, cobram quantias exorbitantes dos pais. Entre os serviços promovidos estão exorcismos, que geralmente são violentos e podem incluir encarceramento, fome, o consumo de substâncias perigosas e até mesmo ser incendiado com gasolina.

Um dos mais notórios feiticeiros no país é Helen Ukpabio, que é a fundadora e líder espiritual da Igreja evangélica africana Liberty Foundation, com sede em Calabar, Nigéria. Ela e sua igreja foram acusados pela perseguição generalizada e assédio à crianças em seu ministério. Sua organização afirma que o Demônio e outros espíritos malignos têm a capacidade de possuir crianças e controlá-las mentalmente para torná-las seus servos. 

Ukpabio já foi denunciada por  grupos humanitários que se mostraram chocados por suas ações temerárias. Ainda assim, seu ministério se expandiu exponencialmente nos últimos anos chegando a mais de uma dezena de cidades no interior da Nigéria. As celebrações em seus templos envolvem rituais tribais mesclados a liturgia cristã, danças, batuques e representações cênicas. Em vídeos é possível ver figuras vestindo mascaras assustadoras e portando facas afiadas. Muitos ritos envolvem sangue, com sacerdotes se cortando e convidando os fiéis a beber de um cálice que lhes garantirá proteção divina.


Outros rituais são igualmente abomináveis, como uma espécie de sacrifício realizado anualmente em que centenas de pombos brancos são decapitados. O detalhe mais bizarro é que os fiéis usam os próprios dentes para esse fim. Não é raro que as celebrações conduzidas nesses templos terminem com um frenesi de sacrifícios de galinhas, cabras e bodes sendo esquartejados.

A Igreja também produz filmes sobre possessão demoníaca de crianças por meio de sua produtora a Liberty Films, expandindo ainda mais sua pregação venenosa. Muitos desses filmes incitam o medo usando cenas lúgubres que retratam crianças demoníacas enlouquecidas, matando seus pais e vizinhos e comendo sua carne ou bebendo seu sangue. 

Ukpabio foi acusada de promover um aumento maciço na violência contra crianças e casos de menores sendo abandonados, espancados e, abusados pelos próprios pais. Ela resistiu veementemente a todos os esforços para interromper suas atividades que ainda possuem muito apoio popular. De fato, uma simples ordem de condução para interrogatório em 2015 resultou em um grande distúrbio com feridos em Calabar. Na ocasião uma multidão cercou a delegacia para onde Ukpabio havia sido levada exigindo que ela fosse libertada. Carros foram incendiados e propriedades destruídas até que ela concordou em pedir aos seus fanáticos seguidores que se acalmassem.

As tentativas de ligar Helen Ukpabio a crimes violentos infelizmente não lograram êxito. Ela se protege com um dispositivo legal na Constituição que garante plena liberdade religiosa. As autoridades nigerianas tentam há anos processar Ukpabio, mas ela também possui defensores ferrenhos que incluem artistas e políticos. Estima-se que a fortuna da Igreja esteja na casa dos milhões de dólares, obtidos através de doações de seu rebanho fiel. 

Atualmente mais de 100 mil pessoas fazem parte da Igreja, ainda que o número de simpatizantes possa ser muito maior. Mas há outras histórias igualmente chocantes.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

O Massacre - Resenha do Livro de Luciano Lamberti

Um Banquete de Horror.

É isso o que a contracapa de "O Massacre" premiado romance do escritor argentino Luciano Lamberti promete. E é exatamente o que ele entrega.

Publicado em seu país natal em 2019 o livro é um mergulho profundo em uma desgraça quase inconcebível. Ele trata da tragédia do título, o tal Massacre, sob diferentes pontos de vista analisando de forma documental os detalhes sobre o incidente. Os capítulos cobrem entrevistas com as testemunhas, interrogatório dos sobreviventes, o ponto de vista de bombeiros que trabalharam no resgate, de policiais que investigaram o caso, de parentes, amigos e conhecidos dos indivíduos envolvidos. Tudo é exposto de maneira quase documental. Cada ponto de vista oferece um vislumbre diferente e tenta explicar o ocorrido chegando a conclusão de que não há uma explicação razoável. 

O inexplicável por vezes é apenas isso: algo que as pessoas estão fadadas a jamais entender.

Na trama o leitor é apresentado a idílica cidadezinha de Kruger e seus habitantes que vivem aos pés de uma montanha nevada no interior da Argentina. O clima frio e a paisagem deslumbrante, remetem aos alpes suíços. Os moradores, quase todos de origem germânica parecem levar uma existência tranquila e despreocupada tocando seus pequenos negócios, cuidando da famílias, criando seus filhos e vendo os dias passar pacificamente. Uma vez por ano Kruger celebra o Festival da Neve que marca a chegada do Inverno. É uma oportunidade para festejar, comer carneiro assado, beber cerveja artesanal, cantar e dançar. Turistas vem de longe para participar da festa e não é exagero dizer que é uma das únicas datas relevantes para o vilarejo.

Nossa pequena história de terror se inicia no inverno de 1987, quando os habitantes de Kruger estão se preparando para o tal Festival. É quando cada residente começa a manifestar um comportamento peculiar. São pequenos episódios de distração, de irritação ou de comportamento atípico. À princípio parece algo inofensivo, mas as pessoas começam a agir de maneira cada vez mais bizarra até que tudo explode numa névoa rubra de violência indescritível. É como uma bola de neve que se acumula, cresce e quando está grande o bastante, assume vida própria rolando sobre todos. Ela coloca vizinho contra vizinho, pais contra filhos, crianças contra velhos, amantes, casais... o resultado é um verdadeiro banho de sangue!

A forma de narrativa escolhida por Lamberti não é linear, ela descreve os dias que antecedem o Massacre e dá saltos cronológicos para frente e para trás meses ou mesmo anos antes do incidente. Isso não confunde o leitor, ajuda a envolvê-lo cada vez mais na trama e vai apresentando alguns sinais de estranheza. Logo no início você sabe quais as dimensões da tragédia, mas aos poucos vai entendendo como tudo chegou até aquilo.

Há ecos de pessimismo e um senso de profundo niilismo em "O Massacre", já que a história é contada de forma minuciosa, cultivando o interesse do leitor. Eu li esse livro de uma vez só, virando páginas de forma frenética, avançando na trama com uma curiosidade crescente para saber o que viria em seguida. Não espere explicações mirabolantes ou culpados, embora haja indícios do que causou o surto, o autor acerta optando por preservar o mistério e sugerindo diferentes possibilidades. É uma leitura rápida já que o livro não passa das 200 páginas, mas é muito bem construído. Lamberti consegue preservar o interesse do início ao fim e sem exagero, foi um dos melhores títulos que caiu nas minhas mãos esse ano.

Lançado aqui no Brasil pela Editora Darkside, sob o selo Crime Scene o livro tem um belo acabamento e tradução primorosa de Diogo Cardoso. Como sempre a Darkside se esmera em oferecer um requinte visual em suas edições. É notável o alto nível dos autores argentinos dedicados ao Horror e Ficção, Luciano Lamberti surge como um expoente no gênero e é bom acompanhá-lo daqui em diante.



segunda-feira, 4 de novembro de 2024

O Cavalheiro Grisalho - O Livro e a Livraria mais Assombrados do Canadá


Espremida em um canto escondido do Distrito de Wellington na cidade de Montreal, fica uma pequena livraria chamada Hatchett Books. O lugar parece um recanto tranquilo de conhecimento e entretenimento que atrai pessoas em busca de boa leitura.

A pequena livraria é especializada em volumes raros, oferecendo um vasto acervo de títulos fora do catálogo e obras de difícil aquisição. Pelas estantes abarrotadas já passaram inúmeros títulos em encadernações incomuns e tiragens limitadas. De acordo como a proprietária, Lois Fournier, o lugar tem "livros demais para catalogar" de modo que nem mesmo ela, que herdou o negócio de seu avô Roald Fournier, cerca de 15 anos atrás, sabe tudo o que está escondido no acervo. De fato, ela tem várias histórias sobre descobertas inusitadas para contar - edições raríssimas, verdadeiros tesouros, que ela encontrou por acaso, em caixas fechadas ou no fundo de pilhas de livros ordinários. "As vezes encontro lotes adquiridos 20 ou até 30 anos atrás pelo meu avô e que ele sequer teve tempo de abrir e examinar", conta. "São descobertas incríveis de edições valiosas que pensamos estarem esgotadas".

Fundada em 1948 a livraria sempre esteve no mesmo lugar e os livros foram se acumulando, ocupando qualquer espaço onde pudessem ser colocados. Rapidamente ela se converteu em uma espécie de floresta de livros e um tipo de paraíso para colecionadores e bibliófilos que passam horas vagando pelos corredores abarrotados, imersos em odores característicos de papel envelhecido e cercados do saber das eras. Poltronas confortáveis convidam os clientes a desfrutar do ambiente e relaxar enquanto viram páginas avidamente.

A Livraria Hatchett realmente parece um recanto acolhedor e familiar, de modo algum um lugar onde se espera achar algo assustador ou sobrenatural. Contudo, como diz o ditado, não se deve julgar um livro pela capa. A Livraria não apenas tem fama de ser um lugar assombrado, como possui a reputação de ser um dos endereços mais assombrados do Canadá. 

Lois Fournier sempre ouviu as historias de seu avô e de seu pai relatando os estranhos incidentes dentro da loja. Em geral eram pequenas coisas, livros que sumiam de lugar e surgiam em outro canto, pilhas inteiras que pareciam se deslocar de um dia para o outro e ruídos abafados que vinham de trás de prateleiras e armários. Você deve estar pensando, "mas esse tipo de coisa deve ser comum em um lugar com tantas pessoas entrando e saindo, além do que, os ruídos poderiam ser causados por ratos, que parecem amar mais os livros que os próprios eruditos".


Mas segundo Fournier as coisas são bem mais estranhas: "perdi a conta das vezes em que fechamos a livraria num sábado e abrimos na segunda feira, encontrando pilhas altíssimas de livros perfeitamente equilibrados nos corredores". Há também casos misteriosos de livros deixados abertos sobre mesas, volumes que haviam sido claramente manipulados e outros deixados de lado como se alguém os tivesse lido. Alguns livros parecem ser movidos com maior frequência e Lois decidiu deixá-los sobre sua escrivaninha e tirá-los do catálogo de venda. Ela diz que alguns volumes de uma enciclopédia de anatomia do século XIX e um volume de Guerra e Paz estão entre os que viajam pela biblioteca.

"Também há essa sensação", diz a proprietária referindo-se a uma inquietante impressão de estar sendo observado no lugar. Lois diz estar acostumada, mas muitos clientes sentem como se alguém os estivesse observando constantemente sobretudo quando se movem próximo às prateleiras no fundo da livraria. Muitos clientes afirmaram ter ouvido sussurros vindos de lugar nenhum, terem visto livros caindo e sentido estranhas variações de temperatura no lugar. Estas aliás são uma marca registrada na livraria, os "pontos gélidos" estão em toda parte, espaços em que há variações de até 6 graus célsius.

O avô de Wendy, Roald Kemper Fournier, falecido em 2008 foi quem abriu a livraria e ele contava uma história apavorante que sempre deixou a neta intrigada.

O fenômeno dos livros empilhados parece ser algo muito antigo no estabelecimento, algo que remete aos anos 1950, quando esse caso supostamente aconteceu. Dentre os volumes que apareciam fora do lugar ou empilhados de maneira bizarra sempre estava uma edição gasta de "The Magus", do escritor britânico Francis Barret. Considerado um livro de referência no estudo do Ocultismo e da Magia Ritual, ele foi escrito e publicado em 1801. A edição em questão era encadernada em couro e datava de 1876. Era algo desconcertante sobretudo por se tratar de um livro discorrendo sobre temas esotéricos que incluíam satanismo e magia negra. 

O velho Roald relatava ver um "homem idoso, de cabelos grisalhos, com roupas antiquadas bastante sóbrias" vagando pela seção de ocultismo, e embora parecesse muito real e sólido, ele desaparecia no ar quando se tentava falar com ele. Vários clientes também afirmavam ter presenciado essa mesma figura se mover através das prateleiras como uma forma incorpórea. 


Houve relatos na época de frequentadores que alegaram terem sido tocados e empurrados por uma força invisível, ou que tiveram um livro que estavam folheando puxado ou fechado repentinamente. Visitantes e funcionários também experimentaram incidentes de portas fechando sozinhas ou de sentir um frio intenso mesmo no auge do verão. Em um relato especialmente perturbador, uma mulher certa vez contou ter sido empurrada fisicamente por um homem grisalho que teria dirigido a ela uma série de xingamentos antes de sumir.

O mais estranho, segundo as histórias relatadas pelo meu avô é que essa figura espectral, que passaram a chamar de Cavalheiro Grisalho, aparentemente seguia alguns clientes que haviam comprado algum livro da seção sobre ocultismo. Ele então os visitava! Lois relata uma história contada pelo seu avô: 

"Certa vez, um cliente comprou a edição do Magus e dois dias depois o trouxe de volta. Ele estava branco como papel e realmente assustado. O comprador em questão era um senhor distinto e bastante sério que não tinha motivo para inventar uma história tão bizarra. Ele relatou ter acordado no meio da noite e se deparado com uma figura fantasmagórica pertencente a um homem de meia idade com roupas do século anterior. O homem estava segurando o livro que ele havia adquirido e falava algo que ele não era capaz de entender. Ele repetia a mesma coisa, mas era impossível entender. Em seguida o quarto foi varrido pelo que ele descreveu como uma violenta confusão que arremessou objetos para todos os lados. O livro caiu no chão e a figura desapareceu como se jamais tivesse estado ali. Compreensivelmente o cliente ficou apavorado com a experiência! Ele veio até a livraria para devolver o Magus. Não queria nem o dinheiro de volta, só queria se livrar do volume".

Roald suspeitava que se tratava exatamente do Cavalheiro Grisalho uma vez que a descrição batia perfeitamente com a do sujeito que parecia assombrar a livraria.

O livro posteriormente foi vendido por um atendente a outro cliente meses mais tarde. E este relatou algo muito semelhante. A testemunha afirmou que alguns dias depois de levar o livro para casa, acordou no meio da noite com a visão assustadora de um homem grisalho em pé junto de sua cama, vestido com um tweed antiquado e com uma expressão furiosa. O homem sussurrou algo em um idioma que ele não conseguiu compreender antes de desaparecer. O sujeito ficou com o livro, mas algumas noites depois despertou sufocando com um fedor de podridão vindo de lugar nenhum - um cheiro tão sufocante que ficou impregnado em seu quarto. A gota d'água foi quando ele acordou certa noite sentindo mãos em volta de seu pescoço e uma voz desencarnada que repetia "devolva" várias e várias vezes. O comprador estava claramente perturbado e disse que queria devolver o livro. 


Depois desses dois incidentes o fantasma passou a ser visto cada vez mais frequentemente na livraria. A assombração surgia sentada em uma poltrona de canto, numa escrivaninha ou vagando pelo corredor da seção de livros sobre ocultismo. Em mais de uma ocasião montou grandes pilhas de livros ou derrubou alguns das prateleiras. O livro em particular, o Magus aparecia frequentemente no topo de uma pilha como se tivesse acabado de ser folheado. 

Um parapsicólogo consultado por Roald Fournier em meados de 1959 suspeitava que o Cavalheiro Grisalho talvez não estivesse ligado a livraria em si, mas sim ao livro. Este não seria o primeiro caso de um item assombrado, já que o sobrenatural abrange uma ampla gama de objetos aos quais espíritos se ligam por algum motivo, no que é frequentemente chamado de "apego espiritual". 

Tudo indicava que o volume do Magus era o foco de interesse da assombração. Por que outra razão o fantasma teria seguido os clientes até suas casas senão para recuperar o livro? Mas o que havia de tão especial naquele volume? Quem seria o seu antigo dono e como ele veio parar na Hatchett Books para começo de conversa? Era possível que o fantasma estivesse assombrando o livro por causa de seu conteúdo? Haviam tantas perguntas a serem respondidas.

Ao menos algumas delas Roald conseguiu responder. O livro em questão havia pertencido a biblioteca de uma Sociedade de Estudos em Ontário. Essa sociedade fechou em 1948 e a maioria dos livros foram guardados em caixotes e vendidos como lotes para diferentes negociantes de livros. Porém havia algo mais interessante no livro em questão, ele continha um ex-libris que chamava  a atenção. A imagem na folha de rosto do Magus continha duas chaves cruzadas e uma inscrição em holandês. Também continha o nome de seu dono original Van Amaranth. 

Uma pesquisa realizada pelo parapsicólogo revelou que a família de um empresário chamado Charles Van Amaranth havia realizado a doação de uma série de livros de sua coleção particular a Sociedade de Estudos por ocasião de seu falecimento em 1890. Mas quem diabos era esse sujeito? O parapsicólogo descobriu que ele foi um rico importador nascido em Roterdã, nos países baixos que se estabeleceu em Montreal no ano de 1859. Van Amaranth era um bibliófilo - de fato nas fotografias dele que foram encontradas e possível vê-lo sempre carregando um livro ou sentado em uma escrivaninha com livros ao seu redor.


Não há informações específicas sobre o interesse de Charles Van Amaranth no ocultismo, mas tudo indica que ele não era exatamente um novato no tema. Ele era um conhecido maçom e há suposições de que ele fosse igualmente interessado em Teosofia e Espiritualismo. Algumas menções confirmam que em vida ele frequentou grupos dedicados a espiritualismo e que participou de sessões espíritas e seànces.

Infelizmente, as imagens encontradas de Van Amaranth eram de um homem mais jovem, contudo era perceptível certo grau de semelhança com o fantasma pertencente a um homem claramente mais velho. A outra questão dizia respeito ao interesse póstumo dele no "The Magus". O Livro de Barret é considerado uma importante peça sobre a Filosofia Oculta, mas de difícil compreensão e que demandara de seu leitor certo grau de conhecimento prévio. Não é de modo algum uma leitura leve que atrairia um neófito no tema, pelo contrário. Teria Van Amaranth (supondo-se que era dele o fantasma do Cavalheiro Grisalho) deixado algum ritual sem conclusão? Ou teria ele simplesmente não terminado de ler a edição e buscava fazê-lo agora? 

A resposta parece ser quase impossível de ser obtida...

De uma forma ou de outra, Roald Fournier decidiu que o livro em questão não deveria ser vendido novamente para não desagradar ao Cavalheiro Grisalho e também evitar que clientes recebessem uma visita inesperada. Quando a loja passou de Roald para seu filho e depois para Lois, sempre se deixou claro uma condição: que a edição do "The Magus" jamais deixasse a Livraria e que de modo algum fosse vendida.

"Já me ofereceram mais de 2 mil dólares pelo livro, especialmente depois que a história sobre o fantasma ser publicada nos jornais locais", conta Lois Fournier que salienta com seriedade, "As pessoas se interessam por esse tipo de coisa, querem ter um objeto ligado a um fantasma, há gosto para tudo. Entretanto, de modo algum o livro sai daqui... sinto que se um dia isso acontecer algo desagradável pode ocorrer, não apenas com quem comprar o livro, mas com a livraria". O volume do Magus repousa sobre uma prateleira especial na seção de Ocultismo da Livraria com uma placa onde se lê que ele é um item inegociável.

"Muitas pessoas vem até a Hatchet e sabendo da história perguntam sobre o livro. Eu mostro a eles, mas nem todos querem folhear as páginas", conta a dona da livraria.


Mas e quanto ao Cavalheiro Grisalho? Ele continua a aparecer na Hatchett Books e segue lendo o seu tomo de estimação?

"Sim! Eu diria que hoje em dia ele aparece menos do que alguns anos atrás. Talvez ele tenha perdido parte do interesse no livro, mas as coisas estranhas continuam a acontecer como sempre ocorreram. Eu não invento isso... no início era algo que me assustava, mas hoje eu vejo como algo natural que faz parte de meu trabalho. Depois que você se acostuma essas coisas se tornam aceitáveis". 

Ao longo dos anos a assombração da Hatchett Books atraiu o interesse de vários investigadores paranormais. Um deles foi o Grupo de Pesquisa Parapsicológica conhecido como "The Haunted Barrie" ligado a Universidade Real de Montreal. Eles utilizam equipamento especial como câmera infravermelha, gravadores hipersensíveis, câmeras fotográficas de disparo rápido e detectores EMF (que lê o campo eletromagnético). A equipe fez três visitas em 2009 e embora eles tenham obtido algumas leituras curiosas na livraria, eles explicaram que elas provavelmente eram provenientes de fenômenos mais mundanos e não de evidências da presença de um fantasma. Tara Meulen, organizadora assistente do grupo Barrie, conta que sua equipe normalmente tenta eliminar as explicações mais racionais antes de tirar a conclusão de que sejam fantasmas:

"Queremos saber qual é a explicação mais razoável. As pessoas sempre ficam curiosas quando vivenciam algo inexplicável, a maioria quer acreditar que se trata de um fantasma. Mas nós conduzimos nossa pesquisa de forma muito responsável. Se captamos algo em uma gravação de vídeo ou áudio, estudamos todas as possibilidades. O que procuramos é uma potencial evidência paranormal e só a categorizamos como tal quando excluímos todas outras possibilidades".

Outro grupo de investigação paranormal, o Ghost Study of Simcoe County também investigou a loja obtendo resultados mais dramáticos em 2018. No caso deles alegaram que havia não apenas uma fonte de atividade paranormal latente na Hatchett Books, mas diversas. Eles parecem ter tido "mais sorte" pois encontraram as infames pilhas de livros e volumes estranhamente jogados pelo lugar. Em uma ocasião deixaram uma sala em ordem e poucos minutos depois encontraram o lugar bagunçado, como se alguém tivesse tirado os livros do lugar e os jogado.

Uma das especialistas que possuía dons mediúnicos chegou a comentar que a livraria era o "lugar mais assustador" em que ela já havia estado. Disse que captou um espírito à espreita, uma presença espectral, que ela afirmou estar justamente no corredor da seção de ocultismo. A sensitiva disse ainda sentir que essa presença estava incomodada com a equipe e que quando o "The Magus" foi apanhado na prateleira a temperatura baixou drasticamente. Além disso, o equipamento de captação de imagem e som apresentou problemas e simplesmente parou de registrar o que acontecia. No entanto eles conseguiram capturar algumas imagens fugazes do que parecia ser uma figura sombria flutuando pelos corredores. 

Afinal de contas, a alegada assombração do Cavalheiro Grisalho continua a habitar a livraria? E se sim, por quanto tempo ela irá continuar no lugar? Quem sabe? No final, ficamos nos perguntando por que esta pequena e pitoresca livraria é cercada por fenômenos tão incomuns e por incidentes inexplicáveis envolvendo esse livro em particular.

Por hora, o mistério continua.