sábado, 30 de novembro de 2024
O Culto Heaven's Gate - O aterrorizante ritual de despedida de uma Seita Apocalíptica
segunda-feira, 25 de novembro de 2024
Resenha "No Time to Scream" - Três Investigações simples e divertidas para Chamado de Cthulhu
terça-feira, 19 de novembro de 2024
Noites Sangrentas dos Umezzi - Os terríveis Feiticeiros da Tanzânia
Continuando o artigo a repeito de Feitiçaria na África.
A Nigéria não é a única nação africana assolada por uma epidemia supersticiosa de feitiçaria tribal.
Outro país que recentemente passou a enfrentar profundos problemas sócio-culturais relacionados ao tema é a Tanzânia. Localizada no sudeste do continente, esse extenso país conquistou sua independência em 1964 após uma longa história de colonização nas mãos de portugueses, alemães e britânicos. A Tanzânia é um país com múltiplas fronteiras e com pluralidade de culturas, possuindo cerca de 40 tribos fundadoras originais, cada qual com suas próprias tradições e costumes.
O misticismo sempre foi bastante difundido na Tanzânia, sobretudo na região de Tanganica, originalmente uma colônia portuguesa, posteriormente reclamada pela Alemanha no século XIX. Desde o início da ocupação colonial, os costumes locais chamavam bastante a atenção dos europeus. Muitos deles se sentiam intimidados pela ação de líderes tribais que impunham seu poder amparado no terror que conseguiam instilar nos nativos. Esses líderes tribais, não raramente desempenhavam o papel de feiticeiros com amplos poderes. Os nativos que serviam aos colonos brancos ou que simpatizavam com eles, eram perseguidos com violência. A brutal perseguição a nativos que se associavam a estrangeiros era uma questão muito séria.
Um Feiticeiro Umezzi da Tanzânia |
Os feiticeiros da Tanzânia, conhecidos como Ma´ku Umezzi eram extremamente temidos e com razão. Eles comandavam grandes grupos de seguidores fanáticos que por sua vez impunham um regime de terror na população. Quando um Umezzi declarava um indivíduo como traidor ele e sua família passavam a viver sob grande ameaça. Os seguidores acreditavam que um Umezzi refletia a vontade dos espíritos e entidades que ele servia. Um traidor deveria ser trazido diante da congregação reunida e enfrentar uma espécie de julgamento pelos seus crimes - que poderiam ser algo como trabalhar para um estrangeiro ou mesmo aceitar presentes deles. Havia vários relatos de pessoas que simplesmente desapareciam na calada da noite, capturados pelos devotos e levados diante do conselho tribal.
Até meados da década de 1950 inúmeras pessoas sofreram com essa perseguição sistemática, criando um medo palpável na sociedade tanzaniana. Os alegados traidores sofriam com torturas aterrorizantes, eram amarrados em árvores e deixados para os animais selvagens, tinham o corpo coberto de mel e lançados em seguida em formigueiros ou eram afogados em lagos de areia movediça. O mais temido, no entanto, era ser sacrificado em algum ritual de sangue.
Quando os tambores tribais se faziam ouvir, ecoando no coração da selva, a população sabia que aconteceria um ritual e que as entidades sombrias receberiam sacrifícios humanos. O Misticismo da Tanganica contempla a existência de vários espíritos primevos que lá viviam antes mesmo dos humanos. Estes eram seres caprichosos demandavam respeito e ansiavam por sangue para aplacar sua ira. Conforme a tradição, apenas os Feiticeiros Umezzi podiam se comunicar com eles e oferecer os sacrifícios que acalmavam sua cólera. Os Umezzi também conheciam rituais e magias usadas para interceder em nome dessas entidades sinistras. Era daí que emanavam seus poderes.
O ritual envolvendo sacrifício humano era um acontecimento importante e as pessoas eram forçadas a comparecer ao evento. Nessas horríveis celebrações, a vítima era trazida diante do Umezzi que realizava uma dança ritualística que visava abrir o caminho para as entidades se manifestarem. O som de tambores e batuques preenchia as clareiras iluminadas pelas tochas e tomada pela multidão transfixada de terror. As testemunhas recebiam bebidas alucinógenas que causavam visões medonhas. Em meio a gritos estridentes, o Umezzi declarava quando as Entidades Invisíveis se manifestavam e muitas pessoas sob o efeito das potentes drogas viam tais criaturas se materializando. Reações emocionais e surtos eram algo comum, a medida que a celebração prosseguia e o Umezzi fazia o seu trabalho sangrento. A vítima era degolada ou espancada cm porretes ritualísticos, seu corpo mutilado podia ser amarrado a cordas e erguido sobre a clareira, fazendo com que o sangue vertesse em profusão.
Imagem de um artigo britânico de 1930 sobre a feitiçaria na Tanganica |
O poder dos Umezzi só começou a ser confrontado quando a Tanzânia conquistou sua independência e se uniu a nação vizinha de Zanzibar que tem uma rígida formação islâmica. Sob pressão de Zanzibar, a prática de feitiçaria foi declarada ilegal e seus utilizadores duramente reprimidos. Muitos feiticeiros foram presos e afastados, fazendo com que a influência desses supostos bruxos diminuísse exponencialmente. O islã condena qualquer prática envolvendo adivinhação, leitura do futuro e mais especificamente feitiçaria.
Contudo, recentemente a Tanzânia tem experimentado uma espécie de reavivamento das práticas tribais envolvendo os Ma´ku Umezzi e sua feitiçaria. Por décadas esses costumes caíram em desuso, relegados a enclaves rurais mais atrasados no interior do país, mas de algumas décadas para cá eles parecem ter sido redescobertos, experimentando uma espécie de restauração. Até mesmo na capital da Tanzânia, Dodona há sinais de que a feitiçaria é uma prática cada vez mais em voga.
Em 2019 uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Crimes na África apurou que crimes relacionados a misticismo religioso tem crescido na Tanzânia. Crimes graves que incluem agressão, abuso, estupro e homicídios aumentaram incrivelmente tornando-se um problema sério a ser tratado pelas autoridades. Na cidade de Mwanza, a segunda mais populosa do país, crimes motivados por misticismo ocorrem com frequência cada vez maior. Não há números oficiais, contudo é evidente que abuso e agressões tem se tornado cada vez mais comum entre a população que se voltou para práticas tribais até então adormecidas.
"Os Umezzi estão de volta", declara Pbora Mwanani, investigador do Departamento Federal de Combate ao Crime na Tanzânia, um gabinete criado com objetivo de coibir a ocorrência de casos envolvendo cultos e seitas tribais. "A violência tem crescido e estamos em uma verdadeira guerra para evitar esses incidentes".
Bonecos mágicos são parte do folclore dos Umezzi |
Tem sido uma batalha difícil, como o próprio Mwanani reconhece: "A situação é preocupante, a influência desses novos Umezzi é muito grande, sobretudo depois que eles começaram a chegar a cidades maiores. As pessoas, em especial jovens, parecem atraídas por velhos costumes que faziam parte da vida de seus avós".
A nova geração de feiticeiros que tem surgido na Tanzânia recorrem às mesmas táticas de terror dos seus antepassados, prometendo intermediar com as entidades ancestrais para garantir benefícios para seus seguidores. Os Umezzi prometem sucesso e riqueza para o rebanho que se reúne ao seu redor, conduzindo rituais para estabelecer o favor dos espíritos. Tudo com um custo! Mediante um pagamento acertado com o Umezzi - como uma forma de tributo, rituais podem ser realizados com o intuito de garantir trabalho, afastar inimigos, ganhar benefícios ou ainda conquistar fama e fortuna.
"As pessoas realmente acreditam que a feitiçaria pode interceder favoravelmente por elas. Que os bruxos conseguem persuadir as entidades a fazer o que eles desejam", explica Mwanani, "Para que a barganha seja bem sucedida, os Umezzi instruem esses indivíduos a obter sacrifícios de sangue".
Conforme as tradições locais, sacrifícios constituem uma espécie de moeda de troca entre mortais e espíritos e quanto maior a oferta, mais provável será obter o que se deseja. Muitos dos rituais de sacrifício envolvem animais como pombas, galinhas, bodes e cabras, mas é o sacrifício humano - em especial de crianças, o que trás melhores auspícios sobre o resultado almejado. Não é segredo que o tráfico de seres humanos, em especial de crianças, constitui um negócio rentável na África, mas nas últimas décadas a compra e venda de pessoas para utilização em rituais se tornou algo cada vez mais comum. Crianças são sequestradas e negociadas no submundo, vendidas para alimentar essa demanda em crescimento. Uma criança pode render um bom dinheiro para esses criminosos, em especial se for uma criança albina. Tradicionalmente albinos são tratados como pessoas tocadas pelos deuses e portanto sacrifícios mais potentes.
O Departamento de Combate ao Crime da Tanzânia investiga conexões dos Umezzi com o tráfico de seres humanos desde 2012 e concluiu existir um envolvimento direto entre eles. Também há raízes ligando esses Feiticeiros com aliciamento, tráfico de drogas e outros crimes. "A luta tem sido dura, mas é uma luta que precisa ser travada" diz Mwanani com resignação, "a outra opção seria fazer nada".
Na Tanzânia, o ditado "Tudo o que o mal oprecisa para triunfar é que homens bons não façam nada" parece encontrar um exemplo real. Felizmente há pessoas que enfrentam esse mal.
quarta-feira, 13 de novembro de 2024
Feiticeiros Negros - O Mundo obscuro da bruxaria na África
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
O Massacre - Resenha do Livro de Luciano Lamberti
Um Banquete de Horror.
É isso o que a contracapa de "O Massacre" premiado romance do escritor argentino Luciano Lamberti promete. E é exatamente o que ele entrega.
Publicado em seu país natal em 2019 o livro é um mergulho profundo em uma desgraça quase inconcebível. Ele trata da tragédia do título, o tal Massacre, sob diferentes pontos de vista analisando de forma documental os detalhes sobre o incidente. Os capítulos cobrem entrevistas com as testemunhas, interrogatório dos sobreviventes, o ponto de vista de bombeiros que trabalharam no resgate, de policiais que investigaram o caso, de parentes, amigos e conhecidos dos indivíduos envolvidos. Tudo é exposto de maneira quase documental. Cada ponto de vista oferece um vislumbre diferente e tenta explicar o ocorrido chegando a conclusão de que não há uma explicação razoável.
O inexplicável por vezes é apenas isso: algo que as pessoas estão fadadas a jamais entender.
Na trama o leitor é apresentado a idílica cidadezinha de Kruger e seus habitantes que vivem aos pés de uma montanha nevada no interior da Argentina. O clima frio e a paisagem deslumbrante, remetem aos alpes suíços. Os moradores, quase todos de origem germânica parecem levar uma existência tranquila e despreocupada tocando seus pequenos negócios, cuidando da famílias, criando seus filhos e vendo os dias passar pacificamente. Uma vez por ano Kruger celebra o Festival da Neve que marca a chegada do Inverno. É uma oportunidade para festejar, comer carneiro assado, beber cerveja artesanal, cantar e dançar. Turistas vem de longe para participar da festa e não é exagero dizer que é uma das únicas datas relevantes para o vilarejo.
Nossa pequena história de terror se inicia no inverno de 1987, quando os habitantes de Kruger estão se preparando para o tal Festival. É quando cada residente começa a manifestar um comportamento peculiar. São pequenos episódios de distração, de irritação ou de comportamento atípico. À princípio parece algo inofensivo, mas as pessoas começam a agir de maneira cada vez mais bizarra até que tudo explode numa névoa rubra de violência indescritível. É como uma bola de neve que se acumula, cresce e quando está grande o bastante, assume vida própria rolando sobre todos. Ela coloca vizinho contra vizinho, pais contra filhos, crianças contra velhos, amantes, casais... o resultado é um verdadeiro banho de sangue!
A forma de narrativa escolhida por Lamberti não é linear, ela descreve os dias que antecedem o Massacre e dá saltos cronológicos para frente e para trás meses ou mesmo anos antes do incidente. Isso não confunde o leitor, ajuda a envolvê-lo cada vez mais na trama e vai apresentando alguns sinais de estranheza. Logo no início você sabe quais as dimensões da tragédia, mas aos poucos vai entendendo como tudo chegou até aquilo.
Há ecos de pessimismo e um senso de profundo niilismo em "O Massacre", já que a história é contada de forma minuciosa, cultivando o interesse do leitor. Eu li esse livro de uma vez só, virando páginas de forma frenética, avançando na trama com uma curiosidade crescente para saber o que viria em seguida. Não espere explicações mirabolantes ou culpados, embora haja indícios do que causou o surto, o autor acerta optando por preservar o mistério e sugerindo diferentes possibilidades. É uma leitura rápida já que o livro não passa das 200 páginas, mas é muito bem construído. Lamberti consegue preservar o interesse do início ao fim e sem exagero, foi um dos melhores títulos que caiu nas minhas mãos esse ano.
Lançado aqui no Brasil pela Editora Darkside, sob o selo Crime Scene o livro tem um belo acabamento e tradução primorosa de Diogo Cardoso. Como sempre a Darkside se esmera em oferecer um requinte visual em suas edições. É notável o alto nível dos autores argentinos dedicados ao Horror e Ficção, Luciano Lamberti surge como um expoente no gênero e é bom acompanhá-lo daqui em diante.