Houve um tempo em que monstros, magia e demônios eram muito reais para as pessoas.
Em muitas sociedades, houve uma época em que essas eram coisa do dia a dia, forças além de nosso controle ou compreensão que nos mantinham encolhidos na escuridão de nossas casas aterrorizados de medo. Com o advento da ciência e do iluminismo, grande parte da civilização foi capaz de afugentar essas sombras, de dissipar os monstros que nos atormentaram por tanto tempo. No entanto, em algumas sociedades deste planeta, tais crenças persistem teimosamente até hoje. Entre estas estão certos povos na África que acreditam em magia negra, bruxaria, espíritos malignos e demônios. Para eles, essas forças ainda são consideradas reais, muito reais.
A feitiçaria e a magia negra há muito estão enraizadas na tradição de diversos países africanos, e em muitas áreas rurais é considerado um fato da vida que bruxas e feiticeiros estão próximas. A gama de poderes e efeitos que essas bruxas e feiticeiros detêm varia de país para país, mas, em geral, perdura a crença de que eles são responsáveis por doenças, fome e morte, e uma infinidade de outros infortúnios. Seriam capazes de amaldiçoar aqueles que cruzaram seu caminho, disseram ou criticaram seus atos malignos. Eles empregam todo tipo de poder blasfemo e degenerado para alimentar suas magias e desencadear os efeitos desejados.
É um fato que corpos mutilados são frequentemente encontrados em certas áreas rurais da África, com órgãos removidos presumivelmente para uso em feitiços mágicos de bruxaria. Há ainda um rentável mercado de encantos realizados por um preço estabelecido. Muitas dessas supostas bruxas e feiticeiros agem motivados por impulsos desprezíveis de obter algum benefício próprio, contudo há aqueles que são simplesmente perversos.
Incontáveis pessoas crédulas também procuram bruxas para curar doenças, remover maldições de mau olhado ou para obter encantos de amor. Entretanto, na África aqueles que mexem com feitiçaria são tipicamente vistos como pessoas inerentemente más. Na maioria dos países africanos, mulheres idosas são as mais acusadas de praticar bruxaria seguindo o preceito de sabedoria matriarcal trazida com a idade. Já no polo oposto, pessoas albinas são frequentemente alvos da bruxaria por serem considerados sacrifícios mais valiosos. Ser acusado de bruxaria é um crime muito sério nessas regiões, levando à prisão, tortura, exorcismos violentos e até mesmo linchamento e execução.
Nessa série de artigos faremos uma viagem pelo mais sombrio submundo da África, povoado por bruxas e feiticeiros, magia negra, espíritos malignos e morte. Se você acha que bruxaria é algo antigo e restrito a histórias medievais, saiba que está muito enganado. A feitiçaria nunca esteve tão ativa e sendo praticada quanto nos dias atuais.
A Nigéria, o país mais rico e populoso da África, é frequentemente considerado o lugar mais progressista e modernizado do continente, mas a crença na magia negra e feitiçaria é muito forte nessa nação. Um costume habitual entre meninos e homens é procurar feiticeiros para realizar um ritual de dinheiro que lhes permitirá enriquecer rapidamente. Em troca eles devem cumprir alguma demanda que o feiticeiro lhes pedir. Já foram relatados casos desses jovens praticando atos profanos como desenterrar cadáveres, roubar ou mesmo cometer assassinatos. Um caso emblemático envolveu um homem decapitando sua namorada para realizar o ritual do dinheiro.
Há uma crença profunda da enraizada na sociedade de que a fortuna material pode ser alcançada por métodos mágicos. Os feiticeiros são aqueles que intermediam a possibilidade de enriquecer usando seus poderes para "abrir os caminhos". Em 2017 um levantamento apontou mais de 200 crimes motivados por crenças Místicas apenas em uma região do país.
Entretanto, um problema ainda maior parece ser o de crianças e bebês rotulados como malignos ou possuídos por forças do mal. Tal crença resultou em abuso, abandono, tortura e até assassinato de menores de idade. Estima-se que 15 mil crianças somente no Delta do Níger foram vitimadas por suspeita de feitiçaria. Uma das forças motrizes por trás disso são vários pastores pentecostais que fizeram uma mistura de crenças de feitiçaria africanas e Cristianismo, valendo-se disso para alegar poder, purificar crianças malignas e expulsar espíritos. É claro, para tanto, cobram quantias exorbitantes dos pais. Entre os serviços promovidos estão exorcismos, que geralmente são violentos e podem incluir encarceramento, fome, o consumo de substâncias perigosas e até mesmo ser incendiado com gasolina.
Um dos mais notórios feiticeiros no país é Helen Ukpabio, que é a fundadora e líder espiritual da Igreja evangélica africana Liberty Foundation, com sede em Calabar, Nigéria. Ela e sua igreja foram acusados pela perseguição generalizada e assédio à crianças em seu ministério. Sua organização afirma que o Demônio e outros espíritos malignos têm a capacidade de possuir crianças e controlá-las mentalmente para torná-las seus servos.
Ukpabio já foi denunciada por grupos humanitários que se mostraram chocados por suas ações temerárias. Ainda assim, seu ministério se expandiu exponencialmente nos últimos anos chegando a mais de uma dezena de cidades no interior da Nigéria. As celebrações em seus templos envolvem rituais tribais mesclados a liturgia cristã, danças, batuques e representações cênicas. Em vídeos é possível ver figuras vestindo mascaras assustadoras e portando facas afiadas. Muitos ritos envolvem sangue, com sacerdotes se cortando e convidando os fiéis a beber de um cálice que lhes garantirá proteção divina.
Outros rituais são igualmente abomináveis, como uma espécie de sacrifício realizado anualmente em que centenas de pombos brancos são decapitados. O detalhe mais bizarro é que os fiéis usam os próprios dentes para esse fim. Não é raro que as celebrações conduzidas nesses templos terminem com um frenesi de sacrifícios de galinhas, cabras e bodes sendo esquartejados.
A Igreja também produz filmes sobre possessão demoníaca de crianças por meio de sua produtora a Liberty Films, expandindo ainda mais sua pregação venenosa. Muitos desses filmes incitam o medo usando cenas lúgubres que retratam crianças demoníacas enlouquecidas, matando seus pais e vizinhos e comendo sua carne ou bebendo seu sangue.
Ukpabio foi acusada de promover um aumento maciço na violência contra crianças e casos de menores sendo abandonados, espancados e, abusados pelos próprios pais. Ela resistiu veementemente a todos os esforços para interromper suas atividades que ainda possuem muito apoio popular. De fato, uma simples ordem de condução para interrogatório em 2015 resultou em um grande distúrbio com feridos em Calabar. Na ocasião uma multidão cercou a delegacia para onde Ukpabio havia sido levada exigindo que ela fosse libertada. Carros foram incendiados e propriedades destruídas até que ela concordou em pedir aos seus fanáticos seguidores que se acalmassem.
As tentativas de ligar Helen Ukpabio a crimes violentos infelizmente não lograram êxito. Ela se protege com um dispositivo legal na Constituição que garante plena liberdade religiosa. As autoridades nigerianas tentam há anos processar Ukpabio, mas ela também possui defensores ferrenhos que incluem artistas e políticos. Estima-se que a fortuna da Igreja esteja na casa dos milhões de dólares, obtidos através de doações de seu rebanho fiel.
Atualmente mais de 100 mil pessoas fazem parte da Igreja, ainda que o número de simpatizantes possa ser muito maior. Mas há outras histórias igualmente chocantes.
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