quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O Prodígio da Weird Tales - Robert Bloch e sua contribuição para criar o Mythos


baseado no texto de Lin Carter

Quando Robert Bloch era apenas um rapaz de quinze anos, em meados de 1933, ele começou a se corresponder com H.P. Lovecraft, tornando-se um dos mais jovens membros do chamado Círculo Lovecraftiano. Como os demais, Bloch era um aspirante a escritor que tinha, em comum, o gosto pela ficção macabra e o entusiasmo pelo horror. Ele escreveu para a legendária revista Weird Tales e desde o início da carreira estabeleceu uma cordial amizade com Lovecraft, que se tornou uma espécie de mentor. Alguns membros dessa primeira geração do círculo, como Clark Ashton Smith já eram profissionais, outros como o próprio jovem Robert Bloch, eram amadores. Com o tempo alguns continuaram, tornando-se nomes recorrentes nas capas da Weird Tales, enquanto outros caíram no esquecimento.

Bloch, é claro, construiu seu próprio nome. A partir de sua primeira estória publicada ("The Feast in the Abbey", Weird Tales, janeiro de 1935), ele conseguiu vender nada menos do que oitenta e cinco contos para essa revista e suas concorrentes diretas. Algumas estórias foram escritas com a ajuda de colaboradores, outras sob um nome fictício (Tarleton Fiske), mas é impressionante que ele tenha atingido a marca de 85 contos em apenas 17 anos.

Já em sua segunda aparíção na Weird Tales ("The Secret in the Tomb", em maio de 1935), Bloch assumiu seu lugar ao lado de Clark Ashton Smith e Robert E Howard escrevendo contos relacionados com a fantástica mitologia criada por Lovecraft, os Mythos de Cthulhu. Mais tarde, obviamente, ele enveredou por temas mais modernos que se encaixavam na sua própria personalidade - Bloch obteve enorme sucesso como roterista para séries de televisão, rádio e cinema. De fato, ele é lembrado como o autor da novela que inspirou Psicose (Psycho) que se tornou um dos filmes mais populares da carreira de Alfred Hitchcock - e até hoje o filme preto e branco mais bem sucedido da história. Ironicamente, Bloch não foi chamado para adaptar sua obra para o cinema, fato do qual ele sempre se ressentiu.

Mas é como contribuidor para a mitologia de Cthulhu que vamos focar nesse artigo.

O Mythos de Cthulhu é uma coleção heterogênea de estórias curtas, algumas novelas, poemas, sonetos, e uma miscelânea de outras coisas, ambientado num mesmo universo fictício. Uma mitologia, se você preferir. Muito bem, uma demonologia, melhor dizendo. Os autores que contribuiram com ele - e os autores que ainda contribuem, uma vez que o Mythos continua em expansão - jogam conforme as regras definidas por Lovecraft, Smith e Howard, que foram os primeiros a se aventurar no gênero. As regras são que cada novo autor deve inventar um ou dois demônios / deuses / entidades, um tomo ancestral de conhecimento blasfemo, e se possível uma ambientação, em geral um povoado decadente, ou uma cidade semi-abandonada, com uma onipresente aura de feitiçaria ou de cultos demoníacos em seu passado... E geralmente em seu presente também.

Lovecraft inventou Cthulhu, Yog-Sothoth, Nyarlathotep, Shub-Niggurath, e a tenebrosa bíblia do Mythos o profano Necronomicon do árabe Abdul Alhazred. Clark Ashton Smith criou o Ubbo-Sathla, Tsathoggua e Abhoth, e o legendário Livro de Eibon. Robert E. Howard inventou Golgoroth, Koth (algumas vezes confundido como sendo uma cidade, um símbolo cabalístico misterioso, ou uma coisa demoníaca), e o Unaussprechlichen Kulten de Von Junzt. Auguste Derleth tomou emprestado de Ambrose Bierce o mito de Hastur, Cthugha, os Fragmentos de Celaeno, e o Cultes des Goules do Comte d’Erlette. Lovecraft populou a Nova Inglaterra com decadentes cidades como Arkham e Kingsport, além de lugarejos obscuros como Innsmouth e Dunwich para suas estórias - a chamada Lovecraft County. Smith situava as suas na pré-histórica Hyperborea ou na Averoign medieval. E assim por diante.

Em sua segunda estória, “The Secret of the Tomb”, Bloch deu sua contribuição para a biblioteca do Mythos cheia de livros proibidos, mencionando a Cabala of Saboth e o Occultus of Hierarchus, e é claro, o ocultista Ludwig Prinn. Prinn foi o único que ele desenvolveu além de uma única estória, embora tenha criado ainda o Black Rites of Luveh-Keraph, do sacerdote egípcio da Deusa Bast, e uma quantidade de livros e lendas redigidas por Simon Maglore e Edgard Gordon, ambos personagens centrais de seus contos.
Foi entretanto o feiticeiro flamenco Ludwig Prinn, e seu livro infernal De Vermis Mysteriis (ou os Mistérios do Verme), que se tornaram e que continuam sendo a maior contribuição de Robert Bloch para o universo do Mythos. Em sua estória “The Shambler from the Stars” - que incidentalmente ele dedicou à Lovecraft - ele constrói a vida e história de Prinn e revela o terrível conteúdo de seu tomo. Citando o conto em questão: “o volume certamente pertencia à mesma prateleira empoeirada, ao lado de tomos como Unaussprechlichen Kulten e o Livre d’Ivonis”.

Além de tudo, Robert Bloch tinha um enorme senso de humor. Humor e horror jamais estiveram tão profundamente misturados quanto na obra de Bloch. Os companheiros de Círculo Lovecraftiano não tratavam seu trabalho com grande solenidade. De fato, eles se deleitavam em fazer piadas uns com os outros em suas estórias. Por exemplo, o Comte d’Erlette, que é o autor do Cultes des Goules, foi sugerido por Lovecraft como uma piada para o sobrenome de Derleth. Da mesma forma, Bloch criou o escriba egípcio Luveh-Keraph como uma corruptela de Lovecraft. Além disso, fez deste personagem uma adorador de gatos, coisa que Lovecraft também era. Também Lovecraft acrescentou em uma de suas estórias uma referência ao “Ciclo Mitológico de Commoriom”, escrito pelo alto sacerdote Atlante Klarkash-Ton, uma óbvia brincadeira com Clark Ashton Smith.

Por volta de 1935, Bloch escreveu a Lovecraft perguntando se ele se importaria de ser transformado em personagem de um de seus contos. Lovecraft respondeu enviando um documento de permissão formal ratificado por Abdul Alhazred, autor de Necronomicon, Gaspard Du Nord, tradutor do Livro de Eibon, e o Grande Lama Tcho-Tcho de Leng, no qual autorizava a criação e utilização deste personagem. Bloch escreveu então sobre um jovem autor, que aspirava deixar sua marca no mundo da ficção (obviamente uma referência a si mesmo). Vivendo em uma região isolada do Meio-Oeste Americano, ele se corresponde com “um eremita das montanhas do oeste” (Smith), “um sábio das montanhas do norte” (Derleth) e “um místico sonhador da Nova Inglaterra” (vocês sabem quem). O narrador e este místico sonhador juntos investigam rituais secretos no “Mistérios do Verme”, e é este pobre coitado (o místico) que acaba sendo devorado vivo por um monstro invisível.

Não muito tempo depois, foi a vez de Lovecraft retribuir a “homenagem” com “The Haunter of the Dark”, no qual um jovem e promissor escritor do Meio-Oeste, um certo Robert Blake (não Bloch: Blake) acaba sofrendo um fim ainda pior ao investigar um mistério em Providence, Rhode Island (onde Lovecraft vivia). Incapaz de resistir, Bloch escreveu uma espécie de continuação para o conto no qual um amigo de Blake, chamado Edmund Fiske retoma o caso e prossegue na investigação. Nem é preciso lembrar que Fiske era um dos nomes que Bloch usava em algumas estórias.

Quando essa continuação foi publicada, Lovecraft havia acabado de falecer prematuramente e de forma repentina. Muitos de seus correspondentes sequer sabiam que sua saúde estava tão precária. Em uma carta a Lin Carter, Bloch sintetizou o sentimento de todos os correspondentes e amigos sobre a morte de seu mentor: “A brincadeira perdeu toda a graça depois disso”. Aos poucos Bloch foi se afastando dos Cthulhu Mythos e passou a buscar trabalhos que lhe concederam maior viabilidade e retorno financeiro. Ele escreveu alguns romances, entre os quais Psicose, assinou o roteiro de séries de televisão bem sucedidas como Star Trek, Alfred Hitchcock Presents e Twilight Zone (nosso Além da Imaginação).

Apesar de cada membro do Círculo criar seus próprios deuses demoníacos, Bloch preferia outra abordagem de seus horrores ancestrais. Ele descreveu o Velho Han e a Serpente barbada Byathis (depois desenvolvida por Ramsey Campbel), mas jamais se aprofundou muito na origem destas entidades. A razão disso parece envolver o interesse de Bloch no folclore e mitologia do Egito Antigo. Ele fez dessa terra e dessa época o pano de fundo para contos como “The Faceless God” e “The Fane of the Black Pharaoh”, usou a religião egípcia como base para “The Secret of Sebek” e as superstições envolvendo maldições em “The Eyes of the Mummy”. Bloch era um entusiasta da egiptologia e seu interesse transparece na sua ficção. Aos poucos, ele foi inserindo elementos que ligavam uma das mais sinistras criações de Lovecraft ao místico passado do Egito. Nyarlathotep se tornou figura recorrente em vários de seus contos ambientados nas terras do Nilo, envolvendo dinastias negras de faraós e sacerdotes corruptos devotados ao Caos Rastejante. Foi Bloch o responsável por expandir o papel de Nyarlathotep no panteão dos Deuses Exteriores sacramentando títulos como “Demônio Mensageiro”, “Deus do Deserto”, “Mensageiro de Karnetter” (o inferno egípcio) entre outros que ajudaram a definir a biografia de um dos monstros preferidos do Mythos.

No fim de sua carreira, Bloch retornou às suas origens e escreveu alguns contos envolvendo o Mythos de Cthulhu deixando claro que não havia qualquer ressentimento ou negação ao início de sua carreira. Ele sempre deixou claro que muito do que ele aprendeu sobre o ofício de escrever havia sido ensinado por Lovecraft quando ele ainda era um rapaz de quinze anos almejando uma carreira nas letras.

 Robert Bloch faleceu em 1994, após uma longa luta contra um câncer. Ele inspirou vários escritores com suas estórias e sempre será lembrado como um senhor bem humorado que por acaso sabia escrever sobre coisas apavorantes.   

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