sábado, 17 de novembro de 2012

Realms of Cthulhu - O Mythos invade Savage Worlds (Resenha)


Tudo bem! O anúncio do Savage Worlds é uma grande notícia, mas aqueles que conhecem o Mundo Tentacular devem estar se perguntando: "Porque estão falando tanto de Savage Worlds se a temática do Blog é Lovecraftiana?"

A resposta é simples: Savage World, como não poderia deixar de ser, já se infiltrou no Universo do Mythos de Cthulhu.

O cenário em questão chama-se Realms of Cthulhu, RPG cujo Livro Básico foi lançado em 2009 pela Reality Blurs com aval da Pinacle Entertainment e da própria Chaosium.

E já que estamos falando do Savage Worlds nada mais justo que uma resenha a respeito de sua encarnação voltada para o Horror Cósmico de Lovecraft.

Os jogadores mais antigos devem lembrar que por mais de vinte anos, a única maneira de jogar uma aventura de Horror Investigativo no estilo dos contos de H.P. Lovecraft era através de Call of Cthulhu. Nos anos 1990 surgiu o Delta Green inspirado pela paranóia de fim de século. Em 2002, a Wizards of the Coast, lançou o Cthulhu d20 oferecendo uma nova opção usando a plataforma D20. Na última década, outras tantas surgiram. A Pelgrane Press lançou o bem sucedido Trail of Cthulhu (aqui Rastro de Cthulhu); A Deviant Shadow publicou "Shadows of Cthulhuusando o sistema True d20; CthulhuTech misturou ficção científica e horror cósmico; a Cubicle Seven lançou vários módulos e a linha Cthulhu Britannica. Temos ainda o Achtung: Cthulhu! que se passa na Segunda Guerra e o universo burocrático de espionagem de "The Laundry".  

Então, em 2009 a Reality Blurs, uma pequena editora, decidiu fincar seus pés no universo do Mythos de Cthulhu com uma aposta ousada. A idéia era criar uma ambientação permitindo aos jogadores construir personagens heróicos, mais aptos a dura luta contra as forças nefastas de Cthulhu. A Reality Blurs se associou a Pinacle Entertainment Group para utilizar o sistema Savage Worlds em sua ambientação.

Assim nasceu o Realms of Cthulhu (algo como, "Reinos de Cthulhu").

Quem conhece Savage Worlds sabe que o sistema prima pelos cenários recheados de ação, aventura e adrenalina. Realms of Cthulhu aborda uma investigação lovecraftiana de um ponto de vista voltado para a ação, algo mais cinematográfico e vibrante... Realms of Cthulhu faz exatamente o que o suplemento Pulp Cthulhu - livro prometido há vários anos pela Chaosium e jamais lançado, prometia. Permite que o gênero Pulp se misture livremente com o Horror Cósmico, criando aventuras com ação do início ao fim em meio a um terror indescritível. 


Publicado em 2003, o Savage Worlds é um sistema simples porém engenhoso, privilegiando rapidez na resolução, agilidade narrativa e diversão ininterrupta. Nos últimos dez anos, Savage Worlds tem sido colocado à prova em um vasto conjunto de ambientações e cenários de campanhas que vão do gênero capa e espada e fantasia medieval, passando por space opera e oeste selvagem. Tudo isso com uma vivacidade e adaptabilidade notáveis. A idéia é simples e reminiscente ao Gurps: criar um sistema genérico de regras que possa encompassar qualquer estilo de jogo.

Cada ambientação recebe algumas poucas adaptações às regras essenciais, preservando a mecânica principal. É justamente isso o que acontece em Realms of Cthulhu. Foram acrescentadas algumas pequenas mudanças para conceder um clima mais Lovecraftiano, mas no geral as regras do Savage Worlds se mantém imaculadas. 



Durante a criação do personagem, os jogadores tem algumas opções de Arquétipos tipicamente lovecraftianos para construir seus investigadores. Lá estão o autor, o dilettante, o missionário e parapsicólogo, por exemplo. O livro introduz novas opções de Edges e Hindrances, o equivalente a Vantagens e Desvantagens em outros RPG. Entre as novas habilidades está o Conhecimento do Mythos (Mythos Lore), o equivalente a Cthulhu Mythos, habilidade central para os personagens a medida que eles descobrem o mundo secreto de Cthulhu.

O maior diferencial durante a criação dos personagens é a regra de "Definir Interesses". Em Savage Worlds um personagem escolhe quais os idiomas que seu personagem conhece baseado em seu atributo "Smarts". Em Realms of Cthulhu, o jogador tem a opção de transformar esses idiomas em "Interesses Particulares" que representam hobbies, conhecimento específico, algo ligado a sua ocupação etc, que é assimilado pelo personagem.  Por exemplo, o personagem pode ter qualquer ocupação e mesmo assim apresentar um interesse em arqueologia, por história da arte, dança de salão ou botânica... essa regra leva em consideração o fato que personagens investigativos são indivíduos com um nível cultural mais elevado e certo refinamento.

O segundo aspecto exclusivo de Realms of Cthulhu diz respeito ao Sanity Factor. Esse atributo mede a estabilidade do personagem e a capacidade de suportar o stress psicológico ao ser confrontado com os horrores do Mythos. Quando um personagem se depara com um incidente traumático ou com a visão de um monstro, ele precisa fazer um teste. Passar nesse teste significa que o personagem conseguiu suportar a revelação de um horror ou o choque de uma situação assustadora. Uma falha, pode ocasionar uma Angústia Mental, que é o primeiro passo em direção a loucura e total insanidade. Um personagem sofrendo de muitas angústias mentais começa a desenvolver um quadro cada vez mais acentuado de Desordem Mental. Com sorte, ao terminar um cenário ele conseguirá tratar dessas desordens e sanar seus problemas, mas algumas condições são mais complicadas e o personagem terá de trabalhar essas questões por um longo tempo até ser curado.  

De um modo geral, a perda de sanidade não é tão taxativa quanto em Call of Cthulhu ou Rastro de Cthulhu, talvez em parte devido ao estilo pulp das estórias. Heróis podem até se assustar, mas a maioria deles conseguirá se recuperar a tempo de "dar o troco". 


Outro diferencial em relação a sistemas lovecraftianos é como o personagem reage ao ganhar conhecimento do Mythos. Um personagem em Realms of Cthulhu que tem um contato com as forças nefastas do Mythos seja lendo um livro, encontrando um monstro ou experimentando um sonho revelador passa a ter um insight a respeito da natureza desses horrores. Isso se manifesta com o ganho da habilidade Conhecimento (Mythos) que ajuda o personagem a juntar os fragmentos do mundo secreto que se abre diante dos seus olhos. Se em outros sistemas Cthulhu Mythos é uma habilidade rara e difícil de ser conquistada, merecida apenas pelos melhores investigadores, aqui a coisa é tratada mais livremente. Alguns jogadores mais tradicionalistas/puristas podem não gostar desse tratamento, mas ele é condizente com a proposta de que os personagens dos jogadores no sistema Savage Worlds são indivíduos acima da média, heróis capazes de enfrentar as mais duras provações físicas, emocionais e mentais.
   
Mas nem tudo é fácil. Aprender os mistérios do Mythos não vem sem um risco. Cada vez que o investigador aprende algo que aumenta seu nível de Conhecimento no Mythos ele recebe um ponto de Corrupção. Esses pontos tem um efeito imediato sobre sua sanidade e pode fazer com que o investigador termine a sua carreira em um asilo gritando sem parar.


Para os keeperes que preferem uma aproximação mais tradicional, Realms of Cthulhu oferece ferramentas para tornar o jogo mais visceral. É mais ou menos a mesma proposta do Rastro de Cthulhu, onde o mestre pode definir o tom do cenário escolhendo entre Pulp e Purista, aqui chamado de Pulpy e Gritty. A opção Pulpy é essencialmente o sistema Savage Worlds sem muitas mudanças permitindo aos personagens agir como verdadeiros heróis. Gritty se refere a um tom bem mais pessimista, perigoso e difícil de sobreviver. Realms of Cthulhu expande esses conceitos e abre a possibilidade do keeper definir regras específicas para a sua campanha. Por exemplo: em uma campanha Pulpy, o detetive durão de um jogador pode se meter em uma luta corpo a corpo contra um bando de cultistas, trocar socos e pontapés e emergir com alguns ferimentos menores. Já em uma campanha com inclinação Gritty, se meter em uma briga pode ser mortal deixando o personagem (por mais apto que seja) com ferimentos e sequelas. Da mesma forma, o estilo adotado afeta de forma distinta a sanidade dos personagens. Em um cenário Pulpy, os personagens testemunhando um sacrifício ritual vão rapidamente focar em sua sobrevivência e lutar contra os cultistas que participaram do sacrifício. Na modalidade Gritty, a visão do sacrifício pode deixar os perosnagens tão perturbados e aterrorizados que eles não terão forças para reagir.


Os estilos de jogo são discutidos na Seção do livro dedicada ao Keeper. Há algumas boas dicas sobre como estruturar jogos dentro de Realms of Cthulhu, seja fazendo aventuras one-shot ou cenários encadeados em campanhas. O capítulo também oferece opções para situar as estórias nas três épocas clássicas: 1890, 1920 e nos dias atuais. Uma sacada muito interessante são os "Campaign Frameworks", que nada mais são do que opções que definem os objetivos para os personagens dentro da campanha. O livro sugere algumas idéias para unir os investigadores sob uma mesma causa. Em "Seekers of Lost Fortune", os jogadores assumem o papel de estudiosos e aventureiros que buscam destruir artefatos perigosos em plenos anos 1920. Já em "The Frequency of Madness" os personagens são internos de um manicômio que tiveram um encontro desastroso com o Mythos e que após uma fuga, se dedicam a buscar uma forma de deter essas entidades. Ao contrário do que acontece em muitos jogos, os personagens nesses "frameworks" iniciam o jogo sabendo da existência do Mythos e estão comprometidos com a causa de enfrentá-lo.


Como esperado de um RPG de horror lovecraftiano e investigação, Realms of Cthulhu inclui uma seção sobre rituais e magias, Tomos dos Mythos (onde não pode faltar o Necronomicon), cultos, monstros e entidades. Curiosamente a seção de magias inclui alguns encantamentos como Armor (Armadura), Bolt (Raio), Greater Healing (Cura Grandiosa) e Stun (Atordoar) listados sob o título Combat Spells (Magias de Combate). Todas essas magias estão no livro básico e a não ser que o mestre esteja narrando um cenário absolutamente Pulp, elas parecem um tanto fora de lugar em uma trama de horror lovecraftiano. Eu posso imaginar cada uma delas devidamente adaptada para o contexto de Horror Cósmico, mas ficaria mais a vontade se o autor tivesse feito isso. Trocar o nome Armor por "Escamas de Dagon", ou Bolt por "Maldição de Azathoth" já seria o suficiente.  

Outro capítulo bastante útil concede diretrizes para que o Narrador crie seus próprios tomos blasfemos, criaturas abomináveis e premissa para uma estória baseada no Mythos. Eu tenho um pouco de dúvida se o sorteio aleatório dos detalhes é o suficiente para criar esses elementos, mas eles concedem boas idéias para que o keeper trabalhe os temas do seu cenário. Para quem é inexperiente com os aspectos fundamentais do Mythos de Cthulhu isso é uma mão na roda.


Em termos de material pronto para o Keeper, Realms of Cthulhu oferece quatro cenários curtos (de meras duas páginas) que servem como introdução ao jogo e um mais extenso com 12 páginas. Pessoalmente eu preferia dois cenários de igual tamanho e com uma estrutura mais desenvolvida. Embora a proposta das aventuras curtas não seja ruim, elas vão demandar do mestre um certo desenvolvimento mais detalhado para que sejam jogáveis, do contrário elas deixam a desejar. O primeiro cenário "Fragments of Mu" não passa de um encontro Pulp que precisa ser transformado em algo mais investigativo, já "Paradise Lost" é mais interessante levando os personagens a uma investigação no Círculo polar Ártigo. "False Idols" tem uma boa idéia que infelizmente não encontra espaço para se desenvolver em meras duas páginas. A última das aventuras curtas "Bayhaven Lights" é a melhor do quarteto, cheguei a mestrar essa estória como minha primeira incursão em Realms of Cthulhu e depois de fazer algumas modificações ela funcionou muito bem.


A aventura mais longa é “Mysteries of Drake Manor,” que trata de uma tradicional investigação em uma "casa assombrada" no estado da Carolina do Norte. A aventura não é especialmente original, mas trata de elementos válidos para um grupo iniciante entender o jogo. Novamente, um pouco mais de detalhamento seria bem vindo, sobretudo a respeito da cidade em que se passa a aventura (Charleston). Ao narrar a estória eu me senti um pouco perdido em alguns momentos desejando alguns detalhes adicionais sobre o local onde se passa a estória.

Fisicamente, Realms of Cthulhu tem uma bela apresentação, embora seja um livro relativamente fino com 162 páginas. O interior é totalmente colorido, a impressão em papel de qualidade e capa dura bastante resistente. O texto em si é bem escrito, a diagramação bem feita e as páginas são recheadas de excelentes ilustrações. Parte do conteúdo poderia ser mais organizado para facilitar a consulta, mas não há muito do que reclamar já que o índice no final do livro é bem completo. 


Algo de que senti falta é de um certo aprofundamento na apresentação das criaturas e entidades ancestrais. Fica a impressão que o autor considerou que o eventual leitor seria alguém que já passou por outros sistemas lovecraftianos e que isso justificaria uma certa economia descritiva. O que até pode ser verdade para quem jogou outros RPGs com a mesma temática, mas será frustrante para aqueles que escolheram Realms of Cthulhu como a porta de entrada no Universo do Mythos. Também senti falta de mais detalhes sobre a criação dos personagens: algumas dicas sobre o que torna um personagem convencional um "investigador do Mythos" seriam bem vindas.

Ao meu ver, Realms of Cthulhu funciona muito bem para grupos interessados em jogar aventuras centradas no gênero pulp. Ele permite que os investigadores sejam heróis, encarem cultistas e monstros em pé de igualdade. Tenho alguns colegas que criticam o fato de Call of Cthulhu e Rastro serem demasiadamente "cruéis" com personagens que tentam ser heróicos (e que acabam invariavelmente se dando mal). Para esses eu indico Realms sem pensar duas vezes. Se o seu objetivo é participar de um jogo envolvendo horror, mas com espaço para lutas, tiroteios, perseguições e ocasionais investigações, Realms é uma ótima pedida. Para algo mais profundo e condizente com o estilo dos contos originais, Realms talvez não seja a melhor das opções. Tenha em mente que mesmo no estilo Gritty, os personagens serão capazes de realizar façanhas muito mais significativas do que em outros sistemas. Os investigadores não são homens e mulheres comuns, mas indivíduos preparados para lidar com situações de perigo.


Uma das vantagens desse livro, mesmo que você não pretenda mestrar aventuras na ambientação, é que ele permite ao narrador inserir o Mythos de Cthulhu em qualquer outro cenário de Savage Worlds. As descrições, estatísticas e informações são perfeitamente intercambiáveis para outras ambientações. Quando mestrei "Savage Worlds of Solomon Kane", usei as estatísticas dos Dimensional Shamblers e Nightgaunts, inserindo esses monstros nas aventuras do puritano vingador. Um colega que mestrou The Day After Ragnarok usou os Serpent People em várias de suas aventuras. Até um Shoggoth apareceu em uma estória de Tour of Darkness perseguindo pobres soldados pelas selvas vietnamitas. Nesse contexto, Realms of Cthulhu fornece um bestiário com criaturas realmente apavorantes para tirar o sono de seus jogadores onde quer que eles estejam se aventurando.

Ao custo de US$ 39,99, Realms of Cthulhu pode ser encontrado em lojas virtuais como amazon.com e book depositary. É importante lembrar que é necessário ter uma cópia do Savage Worlds para jogar esse cenário.

2 comentários:

  1. Excelente resenha!, vamos vê como fica então!; pois o jogo já está certo. Ficamos agora na espera dos Cenário, suplementos; pelo que se sabe o carro chefe será Deadlands. Quem sabe se no futura Os Reinso de Cthulhu aportem por aqui!.

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