sábado, 29 de setembro de 2018

A Rocha no Precipício - A Lenda do Sepulcro do Gigante na Sibéria


Ela está lá desde o começo dos tempos.

Ou assim diz a lenda.

Uma impressionante rocha com centenas de toneladas, considerada uma das maravilhas da vastidão siberiana, pende na beirada de um precipício, parecendo perigosamente próxima de rolar ribanceira abaixo. Ela possui uma área de contato com o chão de apenas um metro quadrado, e isso é tudo que impede que esse pedregulho caia. Segundo análises de geólogos, ela foi depositada antes da Era Glacial e não se moveu um único centímetro desde esse período. Uma testemunha impassível do tempo, com 500 milhões de anos.

As tribos de nômades siberianos conhecem essa rocha há milênios.

Acreditavam que ela havia sido posta ali por uma raça de gigantes que a arrastaram pelo campo e a posicionaram como uma vigia do vale abaixo, considerado por eles, sagrado. Se qualquer pessoa tentasse colonizar o vale, erguendo construções ao longo dele, os gigantes fariam a pedra rolar, a empurrando e arrasando tudo em seu caminho, matando quem ousasse colonizar aquele território proibido.


Xamãs e Feiticeiros realizavam aos pés da enorme pedra rituais para apaziguar os gigantes e outras forças da natureza. Quando raios atingiam as montanhas e caiam próximo da pedra, era um sinal de que os deuses das estepes estavam insatisfeitos e demandavam alguma compensação dos mortais. Arqueólogos acreditam que sacrifícios animais (cabras, ovelhas e até renas) e possivelmente de seres humanos, aconteciam na base do pedregulho. Segundo alguns, ele era capaz de sorver o sangue derramado sobre ela, bebendo o precioso líquido, como se fosse uma enorme esponja.

Ossos de animais e pessoas encontrados nos arredores parecem corroborar essa teoria. O paredão rochoso onde pende a titânica pedra apresenta ainda vários pontos que foram escavados e onde povos antigos depositaram seus sacrifícios na forma de peles, chifres de renas e até presas de mamutes. Alguns chefes tribais e feiticeiros importantes também receberam a honra de serem enterrados nessas grutas.

Muitos povos supersticiosos temem que a rocha siberiana representa um alerta para o fim dos tempos. Ao longo de séculos se sedimentou a crença de que o dia em que a rocha rolar, o fim dos mundo estará próximo. Outros creem que de baixo da pedra reside um mal ancestral que foi aprisionado ali quando o mundo ainda era jovem. Se um dia a pedra for removida de sua posição, esse mal se verá livre de sua prisão disposto a condenar o homem a uma era de sofrimento e dor.

Outra lenda interessante afirma que a Pedra marca a Sepultura do Gigante Adormecido Sayan, o Mestre da Caçada da Taiga. Essa era uma figura dominante entre os povos nômades que jamais o veneraram como um Deus, vendo-o mais como um monstro aterrorizante. Ele vagava pela taiga com sua enorme lança, capaz de empalar cervos e com seu magnífico arco que lançava flechas do tamanho de um homem através de enormes distâncias. Diz o mito que os homens aprenderam a caçar e construir arcos assistindo o gigante em ação. Ao longo de milênios, Sayan teria dominado toda a vastidão da Sibéria, caçando e se alimentando dos animais locais e afligindo os povos nômades que eram obrigados a render a ele tributo na forma de sacrifícios e peles. Quando a caça se tornava escassa, o gigante demandava carne para saciar seu apetite e se não houvesse animais, mulheres e crianças eram oferecidas. 


Extremamente temido pelas tribos, Sayan acabou sendo ludibriado por xamãs que lhe ofereceram uma bebida mágica fermentada que o deixou zonzo. Apesar de confuso, o monstro ainda era um oponente terrível e foi preciso um grupo de guerreiros para derrotá-lo. Após ser morto, os ossos do gigante foram depositados sob a pedra que marcava o local de seu sepulcro. Segundo a lenda, se a pedra fosse removida, os ossos se regenerariam e ele voltaria à vida para uma vez mais caçar pelas florestas e aterrorizar os homens. 

Uma variação desse mito afirma que a rocha em si é o coração do Gigante Sayan, arrancado do peito dele ainda pulsando. Ele teria se transformado numa gigantesca rocha de granito. Segundo essa crença, no dia em que ele rolar, o imenso órgão voltará a bater, tornando-se carne uma vez mais. Se ele chegar ao lago Voromyn que fica no vale abaixo e onde supostamente os ossos do gigante repousam, ele voltará à vida.

Talvez seja por tudo isso que muitas pessoas se preocuparam quando pequenas rachaduras começaram a ser percebidas na face da rocha. Especialistas locais dizem que a fissura que apareceu na última década poderá causar a queda da titânica rocha que iria rolar de uma altura de aproximadamente 70 metros. Alguns mais dramáticos, atentam para o fato de que isso pode acontecer "a qualquer momento!"


A rachadura que preocupa os geólogos já é conhecida desde os anos 1980, mas ela demonstrou sinais de crescimento a partir de 2012. Turistas e visitantes inoportunos tem o costume de escalar a pedra, saltar sobre ela e arranhar sua superfície desafiando as profecias e maus agouros. Embora a presença humana não tenha incomodado a rocha por séculos, agora ela parece contribuir lentamente para seu desgaste.

"A fissura se espalhou de maneira dramática", disse Leonizid Fiorov, um dos guardas florestais que zela pelo Parque onde se localiza a Rocha do Precipício, "nós tememos que isso poderá causar a queda de toda estrutura, o que seria aterrorizante".

Os guardas florestais tem vigiado constantemente o local, tentando impedir que turistas perturbem o descanso da rocha, mas nem sempre é possível conter esses visitantes. Alguns parecem determinados a se arriscar, pendurando-se na borda. Fiorov conta que alguns anos atrás surpreendeu um grupo de mais de 30 pessoas que estavam ao mesmo tempo saltando em cima da pedra com o intuito de provocar a sua queda.

"É uma lástima! Alguns parecem interessados em arruinar essa bela paisagem e causar um acidente apenas pela brincadeira", concluiu o guarda.

A despeito das muitas superstições e mitos, a Rocha pendendo no Precipício é considerada um patrimônio mundial. Sua queda pode não ser um fator determinante para o fim do mundo ou despertar gigantes adormecidos, mas seria lamentável.


quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Monstros no Armário - Histórias de criaturas medonhas escondidas na escuridão


Um medo recorrente para muitas crianças envolve o clássico monstro escondido no armário e a coisa embaixo da cama. Que criança jamais imaginou que o "bicho papão" estaria espiando de dentro do armário, esperando o momento das luzes se apagarem para assustar e atormentar? Embora esse conceito pareça existir apenas no reinos da imaginação hiper ativa e nas fantasias infantis, será que há mais além disso.

E se os monstros que vivem no armário forem de alguma forma reais? A metáfora para um medo que existe e que se manifesta, enraizado em nossos temores primordiais? Há histórias que sugerem existir algo realmente aterrorizante nos relatos de crianças que temem, com razão, aquilo que divide com elas o quarto de dormir. 

Histórias a respeito de monstros que habitam o armário ou vivem embaixo da cama aparecem em todos os cantos do mundo e assumem várias formas. 

Um dos relatos mais antigos data de 1852 e foi colhido na Alemanha por um médico que estudava pesadelos infantis. Ele cita um tipo de goblin ou kobold medonho chamado Galgenmännlein que vivia nos armários e só saia dele quando a casa se encontra em silêncio e na completa escuridão. Esta criatura diminuta se enfiava por qualquer fresta e ocupava os menores espaços. Ele era conhecido por sorrir e piscar para as crianças que olhassem na direção do armário sumindo logo em seguida. Não parece muito assustador, contudo, esse duende podia ser bastante perverso. Com um fraco por brincadeiras de péssimo gosto, a criatura gostava de tampar o nariz e a boca das crianças para sufocá-las, de se pendurar na guarda da cama, colocar insetos e ratos no travesseiro, urinar no colchão e cometer outras travessuras. 

O relato vai além, diz que esse monstrinho tinha por hábito morder e produzir uma ferida através da qual sorvia o sangue, deixando uma marca que ficava para sempre. Uma vez tendo experimentado esse contato, ele sempre poderia encontrar a criança, não importa para onde ela fosse, não importa que ela crescesse.

Não por acaso, o assassino em série alemão Peter Künt (conhecido como Vampiro de Dusseldorf) acreditava ter sido marcado por um desses kobolds, e ele próprio ter se tornado uma criatura que se alimentava do medo e sofrimento das crianças. Preso e executado em 1931 após ter cometido pelo menos nove assassinatos (e supostamente mais de 30 tentativas) ele foi posteriormente considerado insano.


Não fica claro se o kobold no folclore alemão estaria apenas se escondendo no armário ou se o estaria usando como um tipo de ligação para seu mundo original, seja lá de onde ele vem. O armário de qualquer maneira parece ser de extrema importância. Segundo a crença, para eliminar a presença da criatura, o armário precisava ser iluminado e quando a luz estivesse acesa, uma peça de roupa deveria ser virada do avesso e jogada dentro dele como uma espécie de oferenda. Se o Galgenmännlein ficasse satisfeito, iria embora carregando o presente em busca de outra criança para importunar.

Essa lenda é bastante difundida, mas o que seria essa criatura? Uma entidade estranha que desafia categorização ou uma simples fábula criada para assustar os pequenos? Seja qual for a resposta, ela não é a única...

Outra narrativa sobre monstro do armário diz respeito a uma criatura que desafia uma classificação convencional. Segundo a história registrada em 1910, uma menina estava com seu irmão mais velho ajudando a arrumar as coisas para se mudar. De repente ambos ouviram o pai gritar pedindo ajuda em algum outro cômodo da casa. Os irmãos descobriram que os gritos vinham do armário do seu quarto, onde eles suspeitavam vivia uma espécie de monstro. A porta se encontrava trancada, o que era bastante estranho já que ela originalmente não possuía tranca. Os dois decidiram forçar o armário e tiveram de puxar com toda sua força já que a tranca não parecia ceder um mínimo centímetro. Finalmente, quando a porta se abriu eles se depararam com algo inexplicável.

O pai estava dentro do armário, que por sua vez, era muito maior e vazio do que elas lembravam. Estava muito escuro e ele flutuava no ar como se alguma coisa invisível estivesse segurando-o. Seus gritos pareciam cada vez mais distantes e abafados a medida que ele ia se afastando, mais e mais para o fundo. Ele parecia tão aterrorizado que era impossível deixá-lo daquele jeito. A menina tentou entrar para segurar sua mão que estava estendida em uma súplica desesperada, mas seu irmão conseguiu contê-la. Os gritos continuavam, cada vez mais desesperados e a menina tentava se desvencilhar do abraço do irmão que a impedia de entrar. "Por que está me impedindo? Não vê que ele precisa de ajuda?" perguntou furiosa.


Então o irmão disse que aquele não podia ser o pai deles, pois este acabara de chegar. O irmão havia ouvido o barulho da porta da casa batendo e passos apressados subindo a escada. Alguém no andar de baixo perguntava o que estava acontecendo e que gritaria era aquela. Nesse momento, a coisa que estava no armário tentou agarrar o braço da menina e puxá-la para dentro. Seu rosto se deformou em uma carranca medonha, seus olhos ficaram brancos, sua boca se abriu mostrando horríveis dentes afiados e seus braços se estenderam a uma distância absurda. A coisa segurou a menina, mas seu irmão foi mais forte e lutou para não deixá-la ser levada.

Nisso a porta do quarto se abriu, mas antes que o pai pudesse ver com o que seus filhos lutavam, a coisa deu-se por vencida e desistiu daquele cabo de guerra. A porta do armário bateu com força e as crianças caíram no chão. O pai jamais viu aquela coisa horrível que tentou se fazer passar por ele, mas o relato das crianças aterrorizadas o convenceram de que algo muito ruim havia acontecido. O relato termina com o pai lacrando a porta do armário com pregos e a família deixando a casa para nunca mais voltar.

O que poderia ser essa coisa? Seria ele um vampiro, um demônio, um fantasma ou algo diferente de tudo? Parece interessante o fato de que toda a família testemunhou o acontecimento, portanto a possibilidade de se tratar de uma alucinação ou imaginação é improvável. 

No site Phantons & Monsters há outra narrativa de um encontro aterrorizante com uma criatura habitando os recessos de um armário. A narrativa teria sido coletada em 1950 e se tornou uma das mais conhecidas a respeito de monstros do armário. A narrador, um menino de 10 anos conta que acordou certa noite, por volta das 3 da manhã e descobriu estar coberto de suor e com um frio inexplicável. Ao lado, seu irmão dormia tranquilamente na cama. Ele tinha uma forte sensação de estar sendo observado por alguma coisa que permanecia oculta no armário. Ele relatou em suas próprias palavras o que aconteceu a seguir:


"Eu olhei em volta do quarto esperando encontrar a minha mãe parada na porta, mas não havia ninguém ali. A luz do corredor permanecia acesa durante a noite, de modo que era possível ver perfeitamente na penumbra. Foi então que senti uma forte sensação de ameaça, e lentamente comecei a virar para olhar na direção do armário. Eu sabia que era dali que vinha meu medo. E lá estava ele: era algo estranho com uma cabeça branca e ovalada como uma lua cheia. Não tinha cabelos e seus olhos eram estranhamente grandes e arredondados com uma coloração esbranquiçada como se fossem cobertos de cataratas. Mas ele podia enxergar, disso eu sabia, pois sua cabeça virava para mim e depois para meu irmão. Ele percebeu então que eu o havia visto e arqueou os lábios, arreganhando os dentes para fora como se fosse um roedor. Em um primeiro momento, eu pensei que aquilo era um sonho, uma vez que eu sempre fui uma criança cheia de imaginação. A coisa então escorreu para fora do armário. Eu digo escorreu, pois foi essa a sensação que aquele movimento me passou, ele era fluido como se ele estivesse deslizando até o chão e se arrastando como uma serpente. Eu não conseguia vê-lo, fiquei imediatamente paralisado de terror. Tudo o que conseguia fazer era observar. Ouvi então ele farejando o ar e se aproximando da minha cama. Sua cabeça apareceu na cabeceira e ele estendeu uma mão com dedos compridos. Eu senti suas unhas ásperas tocarem a planta do meu pé como se estivesse fazendo cócegas. Foi então que ouvi um grito que não era meu. Meu irmão havia acordado e se deparou com aquela coisa horrível inclinada sobre a minha cama. Com o grito, o monstro voltou para o armário, escorrendo pelo chão daquela maneira medonha. Eu e meu irmão jamais falamos a respeito daquilo, mas nunca mais conseguimos dormir com a luz apagada".

Novamente, nós ficamos com uma descrição medonha e sem qualquer explicação. O que seria essa coisa e porque ela estava escondida no armário?  

No reino das narrativas bizarras a respeito de monstros do armário existem histórias realmente escabrosas. Uma delas data de meados dos anos 1980 e foi publicada em uma Revista de Psicologia que analisava casos de crianças amedrontadas por supostos monstros. A testemunha dos fatos, que hoje em dia alega ser uma espécie de pesquisador de casos sobrenaturais, relata que quando tinha 7 anos experimentou um contato com uma coisa habitando o armário de seu quarto. Ele contou a seguinte história:

"Eu percebi que a porta do armário do quarto estava abrindo devagar, até que ela ficou totalmente escancarada. Eu sei que isso pode soar absurdo, mas comecei a ouvir sons malucos, como se um pássaro estivesse dentro do armário. Eu fiquei assustado, mas não conseguia me mover ou pedir ajuda. A coisa então saiu de dentro do armário: era muito alta e coberta de penas e com um bico laranja. Ele andava como um homem, mas tinha braços extremamente compridos e garras afiadas. Ele granou e avançou contra mim, fazendo um barulho esquisito e tentando me bicar no rosto. Meu terror foi tão grande que desmaiei. Eu levei anos para lembrar todos os detalhes e desenvolvi depois disso um medo absurdo do escuro que me segue até hoje. O mais estranho na história é que quando meus pais vieram, avisados pelo meu irmão que acordou com meus gritos, eu não estava na minha cama, mas caído dentro do armário. Eu sei que aquela coisa me colocou lá e me levaria embora se tivesse tempo". 


Mas o que diabo seria isso? Um pesadelo com Garibaldo da Vila Sésamo? A testemunha desse acontecimento foi submetida a tratamento psicológico que incluía hipnotismo, e sob efeito de transe hipnótico reviveu o acontecimento em circunstâncias controladas. A reação dele fez com que o psicólogo concluísse que o indivíduo realmente acreditava que o incidente havia ocorrido. Era como se sua mente racionalizava aquela experiência como um fato.

Outros relatos parecem seguir um padrão mais próximo das tradicionais assombrações embora sempre focados em armários. Vem da conceituada publicação médica American Psychology Journal um artigo a respeito de pesadelos infantis. É um relato impressionante a respeito de uma experiência que teria ocorrido no estado norte-americano da Pennsylvania nos anos 1990. A testemunha, um menino de 6 anos de idade, alegava que assim que a família se mudou para a casa de sua avó, onde eles residiram por algum tempo, começou a sofrer com pesadelos extremamente vívidos. Nestes sonhos, ele via o que chamava de "espírito diabólico" que habitava o armário do quarto em que dormia. Segundo a família contou, a criança jamais havia sofrido com terrores noturnos, mas logo na primeira semana residindo na casa estes começaram, acrescidos de um medo irracional do armário do quarto, enurese e crise aguda de nervos. Em uma entrevista conduzida anos mais tarde por um profissional, a testemunha contou o seguinte:

"Nós havíamos nos mudado para  acasa em outubro. Eu sempre achei que o lugar era estranho e de alguma forma opressivo, mas não me recordo de achar que a casa fosse assombrada. Minha família estava se ajeitando em nosso novo lar e tudo parecia normal. Lembro que o assoalho rangia e eu comecei a ouvir aquele som de madrugada e parecia que cada rangido repetia o meu nome. Depois veio a sensação desagradável de estar sendo constantemente observado. Para uma criança de seis anos, aquilo era angustiante... eu sentia como se algo estivesse sempre olhando por cima do meu ombro. Vivia tendo arrepios, como se estivesse sempre em perigo. Eu corria entre um cômodo e outro, sem olhar para as salas temendo que lá pudesse haver uma sombra ou um vulto. Toda vez que eu entrava no meu quarto a porta do armário estava aberta... eu não conseguia explicar aquilo, mesmo que eu a fechasse segundos depois ela aparecia aberta.

Nós tínhamos um gato, Felix que de vez em quando dormia no meu quarto. Certa vez, de madrugada, acordei com um barulho vindo do armário. A porta, como era de costume havia aberto por conta própria. Mesmo em meio a escuridão do quarto eu conseguia perceber que havia um vulto na frente da entrada: era escuro e grande. Felix estava perto dele, olhava apreensivo, da forma que os gatos costumam fazer quando são acuados. A coisa então se moveu e agarrou Felix pelo pescoço. Ele soltou um chiado alto e a coisa começou a voltar para o armário carregando o pobre bichinho... eu ouvi então uns ruídos medonhos, como de nozes sendo abertas ou de gravetos quebrando. Eu achei que tivesse tido um pesadelo... vivia dizendo para mim mesmo que monstros não existiam, mas o fato é que nunca mais vimos Felix... ele sumiu depois daquela noite.

Outro caso, estudado pela mesma publicação ocorreu no estado da Virgínia. A testemunha no caso tinha 11 anos de idade e acreditava que um tipo de demônio habitava o armário do quarto principal. Ele alegava ouvir estranhos ruídos, murmúrios e pancadas secas que pareciam sempre vir de dentro do armário. Um incidente aterrorizante teria acontecido quando uma entidade tentou puxar a irmã caçula para dentro do armário.     

Segundo ele a criatura em questão parecia uma pessoa, mas era extremamente magra, ao ponto de ser quase esquelética, sua pele pálida parecia esticada sobre os ossos e a face era vazia, ausente de emoções. Essa criatura, segundo as crianças, habitava o armário que se localizava em um vão, entre o quarto dos pais e o banheiro. O lugar ficava sempre escuro, fosse dia ou noite e as crianças temiam ter de passar por ele sempre que precisavam ir ao banheiro.


Certa noite, a menina saia do banheiro, quando percebeu que a porta do armário estava aberta. Ela ficou temerosa de sair e ter de passar diante dele, por isso achou melhor chamar seu irmão. Quando o menino apareceu no corredor se deparou com uma cena bizarra: a porta estava aberta, e em meio às roupas penduradas em cabides era possível ver aquela coisa cadavérica agachada no canto, como se estivesse esperando que a menina deixasse o banheiro, prestes a agarrá-la. Ele contou:

"Era uma coisa horrível, com olhos fundos e uma boca enorme. Estava agachada, mas mesmo assim, era da minha altura. Quando ela percebeu que eu estava ali e podia vê-la, ela abriu a boca e se projetou para fora do armário esticando os braços para tentar me agarrar. Os braços eram longos e ossudos e por pouco não conseguiram me alcançar. Eu gritei para minha irmã voltar para o banheiro e ela apavorada ao ver aquele vulto se trancou no banheiro. A coisa então voltou para o armário e bateu a porta tão forte que a madeira chegou a rachar".

Mais tarde, quando os pais chegaram, constataram que as roupas dentro do armário haviam sido arrancadas e atiradas no chão, enquanto outras estavam rasgadas. Tiveram de arrombar a porta do banheiro uma vez que a menina que se trancou nele, estava em estado de choque deitada na banheira. Ela teve de se submeter a tratamento psicológico por anos para superar seu medo de ficar sozinha.

Seria isso um demônio, um espírito maligno ou algo completamente diferente? Seria apenas a imaginação de crianças criando monstros assustadores?

Especialistas em fobias juvenis defendem que durante os anos de formação de sua personalidade, crianças são propensas a desenvolver uma imaginação fértil e uma criatividade para elementos surreais. Elas percebem o mundo à sua volta de uma maneira muito particular, por vezes absorvendo as coisas que lhes causam insegurança e dando a elas forma através de sua imaginação. É um princípio semelhante às crianças que criam amigos imaginários. A grande diferença é que aqui elas criam coisas medonhas que são a cristalização de seus medos e anseios mais profundos. 


Existe muita controvérsia a respeito, mas alguns pesquisadores acreditam que em certos casos extremos, os medos podem ser tão reais que se equiparam de muitas maneiras a alucinações. As crianças de fato acreditam estar vendo a razão de seus temores assumindo uma forma física. E essa crença é tão forte que pode ser até mesmo compartilhada com outras crianças (em geral irmãos) que passam a ter a mesma aflição. O temor parece se combinar, criando as condições ideais para se alastrar como uma alucinação compartilhada.

Em geral, o medo de monstros do armário ou da coisa embaixo da cama tende a ser superado a medida que as crianças crescem e ganham um maior discernimento a respeito das coisas que as cercam. Compreendendo o funcionamento das coisas, e do próprio mundo, as crianças passam a descartar certos elementos como fruto de sua imaginação, o que ajuda a diminuir os seus temores.

Mas a coisa muda de figura quando examinada por indivíduos que colecionam histórias sobre o bicho papão e vêem essas manifestações como um tipo de atividade sobrenatural. Existem muitas teorias a respeito de tais criaturas poderem ser fantasmas, demônios e até alienígenas. Alguns estudiosos contextualizam que certos casos são simplesmente inexplicáveis. Apontam que crianças sofrendo com terrores noturnos, ao passar por mapeamento de atividade cerebral, não demonstram qualquer sinal de estímulo nas regiões ligadas a alucinação. E se nada do que ela descrevem de fato aconteceu, teríamos que acreditar que elas simplesmente estariam mentindo. Entretanto, como podemos afirmar que casos como os relatados acima, são mera invenção?

O que pensar de casos extremos de fobia crônica e PTSD (Post-traumatic Shock Disorder) que algumas crianças desenvolvem em face de experiências após alegados encontros com Monstros do armário? Tudo isso nos faz pensar: poderia a mente infantil criar uma armadilha como essa? Será que mão existe nada além, escondido nos recessos de armários esperando o momento de sair e agarrar os inocentes.

É difícil dizer... nosso senso comum nos impede de acreditar em tal coisa e nossa razão nos impele a buscar explicações razoáveis e científicas. Talvez esse seja um assunto que você deva pensar na próxima vez em que estiver sozinho em seu quarto escuro e a porta do armário estiver parcialmente aberta.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

O Cavalheiro de Providence - Resenha de "A Vida de H.P. Lovecraft" de S.T. Joshi



Por Clayton Mamedes

Nunca fui muito fã de biografias. Simplesmente pelo fato de este tipo de leitura passar a impressão de você estar lendo algo já conhecido, sem surpresas. Para a minha sorte, dei chances para duas delas. A primeira foi uma biografia especial de Houdini (The Secret Life of Harry Houdini: The Making of America's First Superhero, Atria Books) e a Vida de H.P. Lovecraft, trazida ao Brasil pela Editora Hedra. Após a leitura de ambas as obras, conclui que eu estava extremamente equivocado.

Como explicitado no título, este artigo se concentrará na biografia sobre o Cavaleiro de Providence. Em um futuro próximo, retornarei com as minhas considerações sobre o livro da Atria Books sobre o Houdini, pois o mesmo também é uma obra surpreendente.

A Vida de H.P. Lovecraft (cujo título original é A Dreamer and a Visionary: H.P. Lovecraft in his Time) foi publicado pela Hedra em nosso país em 2014, sendo esta mais uma obra do já conhecido e renomado autor de livros sobre HPL, o indiano residente nos EUA, S.T. Joshi. Já se você não o conhece, recomendo pesquisar sobre ele.

A edição brasileira é simples e honesta, possuindo 445 páginas sem ilustrações ou figuras, com o texto espalhado em 20 capítulos, sem extras ou longos prefácios. Apenas capa cartonada, com abas. Destaque para a bela arte de capa, com uma montagem sugestiva de uma famosa foto de Lovecraft. Qualidade boa de papel, sem erros evidentes.

Sobre o texto em si, comentarei sobre 5 pontos que considero cruciais para a vida de HPL, ou sobre os quais eu nutria certa curiosidade, porém sem entrar em detalhes (spoiler free). Através de muita pesquisa e dados oriundos de fontes sempre citadas no texto, Joshi consegue jogar um feixe de luz sobre tais obscuridades:

1.       A doença de Winfield Scott Lovecraft: o pai de Howard fora hospitalizado de 1893 até a sua morte em 1898, e muito se ventila sobre qual moléstia causara o seu falecimento. Já li sobre episódios de insanidade, depressão e similares. Qual o impacto deste acontecimento na mente do jovem HPL, já que ele tinha apenas 2 anos de idade quando o seu pai foi internado, e 7 anos em sua morte;

2.       O enxoval feminino do jovem Lovecraft: vários comentários ditam sobre o fato de Susie, a mãe de Howard, o vestir como uma menina em seus primeiros anos de vida. Tal fato já fora explorado na HQ chamada Lovecraft, publicada pela Devir em terras brasileiras em 2006;

3.       Preconceito e racismo: outra polêmica muito abordada, contudo é no mínimo curioso ler em reproduções de suas cartas, as opiniões de HPL sobre os imigrantes, homossexuais e a própria mudança da sociedade americana em sua época, dado o conservadorismo feroz presente em sua família e arredores. Uma discussão fundamentada sobre este assunto daria uma dissertação de mestrado;

4.       Casamento: não é de se espantar com o interesse de seus fãs em torno do casamento de Howard. Um homem com personalidade forte, inteligente, conservador e taxado como antissocial acaba se casando com uma mulher com estilo de vida moderno para a época. O que teria os aproximado?

5.       Morte: os anos finais do Cavaleiro de Providence são geralmente negligenciados, existindo até mesmo certa dúvida sobre qual doença o teria afligido.


Obviamente, o texto não apenas fornece respostas para as situações acima descritas, mas também presenteia o leitor com páginas e mais páginas de casos curiosos, engraçados e tristes, amplamente suportados por extensa pesquisa bibliográfica e fontes dos mais diversos tipos. Várias presunções do autor são reforçadas com trechos imensos retirados das correspondências de HPL, assim como entrevistas, livros, documentários e ensaios. É muito divertido acompanhar o desenvolvimento de uma criança extremamente prematura, como o jovem Howard teve os seus primeiros contatos com a arte e ciências em geral, a publicação de seus diversos periódicos, a formação de clubes de literatura, a descrição vívida de suas viagens, os poucos amigos e a paixão pela erudição. Contudo, também é triste ler sobre os anos mais difíceis de sua vida, a solidão, os problemas financeiros, os colapsos nervosos e seu falecimento.

Ao final do dia, S.T. Joshi nos presenteia com uma belíssima obra, fruto de incansável pesquisa e paixão que, apesar de retratar a vida de uma personalidade a qual já julgamos conhecer bastante, reserva gratas surpresas, detalhes e situações que nem o mais ávido fã poderia imaginar que teriam acontecido na vida de HPL.

A decisão sobre a escolha para a publicação desse volume no Brasil possui um detalhe curioso, já que existe outra biografia de Howard, publicada pelo mesmo autor em 2013 (I Am Providence: The Life and Times of H. P. Lovecraft). Trata-se de uma obra revisada e expandida, dividida em 2 volumes com mais de 1.100 páginas ao total. Sem dúvida é um trabalho definitivo, mas que foi preterido por uma versão anterior e menor. Será que o valor final ficaria proibitivo?

Outra observação negativa deste volume é a total ausência de imagens, assim como na versão original em inglês. Em diversos momentos eu me flagrei ansioso por ver uma foto que, sem dúvida, ajudaria a imortalizar o momento descrito no texto.

Já como ponto positivo, destaco a profusão de referências presentes como nota de rodapé no livro. Se o leitor se interessar e quiser se aprofundar, pode buscar por mais detalhes ou as obras originais. Um belo atrativo em se tratando de material biográfrico.

Faça como eu e deixe se surpreender com esse texto, o qual consegue ser revelador para quem já conhece alguns aspectos da vida de HPL e, ao mesmo tempo, convidativo para o leitor mais recente de sua obra e legado. Caia de cabeça na vida tortuosa da mente criativa que, mesmo que somente após a sua morte, influenciou todo o futuro do horror.

Links dos livros citados na resenha:

A Vida de H.P. Lovecraft (Kindle):

I Am Providence: The Life and Times of H. P. Lovecraft, Volume Unico (Kindle)

I Am Providence: The Life and Times of H. P. Lovecraft, Volume 1

I Am Providence: The Life and Times of H. P. Lovecraft, Volume 2

The Secret Life of Houdini: The Making of America's First Superhero
Secret Life of Houdini




sexta-feira, 21 de setembro de 2018

DIVERSÃO OFF-LINE RIO 2018 - O Evento já está aí!


A edição carioca do DIVERSÃO OFF-LINE 2018 chega com tudo, pra sacudir o Centro de Convenções Sulamérica mais uma vez. 

Dias 22 e 23 de Setembro o Rio de Janeiro se torna a Capital do RPG e Boardgames no Brasil.

E desta vez, o evento acontece num espaço único e plano, te dando uma visão privilegiado do evento inteirinho, logo na entrada!

Essa é a terceira edição do Mega Encontro de RPG que já se consolidou como um dos mais importantes do Calendário de Eventos de RPG e Jogos de Tabuleiro do Rio de Janeiro. Para ver o que rolou ano passado, dêem uma olhada no link para ler o resumo de com foi em 2017: 




Contando com várias atrações, o Diversão desembarca esse ano em dois dias de muita diversão no coração da cidade, em um excelente espaço que proporciona conforto e tranquilidade para o público.

Confira aqui algumas das atrações:

O Evento conta com o apoio e presença das principais editoras e lojas geek, com direito a super-promoções e preços mais camaradas. Vale a pena barganhar, conversar e trocar ideias com o pessoal em cada stand, saber das novidades e sair com alguns novos tesouros.



Um espaço de palestras para debates, painéis e troca de ideia com alguns dos principais nomes do RPG e Gameboards. No link abaixo você encontra a programação do evento e quem vai estar lá para falar.

O sucesso da Área de Protótipos onde desenvolvedores de jogos tem a chance de apresentar seu trabalho em primeira mão para o público.




O Espaço Free-Play com mesas de demonstração para RPG e Boardgames onde é só chegar, sentar e jogar.




FREEPLAY

Vai rolar também Torneios Oficiais de Cardgames 



Quer garantir o seu ingresso? Então corre no link abaixo: 


O passaporte especial tem um preço super camarada para quem quiser aproveitar os dois dias. Dêem uma olhada!

RESUMINDO:



Pessoal, esse é "o Grande Evento" do ano para todos que curtem o universo fascinante dos jogos de mesa, seja tabuleiro ou de interpretação.

Vale muito a pena para quem quer conhecer outros jogadores, trocar ideias, rever amigos e colegas, saber das últimas novidades e entre uma coisa e outra, rolar uns dados na companhia de gente super legal e amigável.

Venha então para o Diversão Off-Line Rio 2018.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

A Família de Lobisomens - A Dinastia partida dos Gandillon


Um lobisomem já é difícil de acreditar, mas o que dizer de uma família inteira de lobisomens? 

Tal história aconteceu na região de Jura no oeste da França em 1598. No verão dquele ano, um garoto chamado Benoit Bidel e sua irmã estavam colhendo morangos próximo da vila de St. Claude. Enquanto o menino estava escalando uma árvore, um lobo com mãos humanas surgiu do meio da floresta e agarrou sua irmãzinha. Benoit pulou da árvore e tentou esfaquear o lobo, mas o monstro arrancou a arma de sua mão e desferiu uma mordida em seu pescoço antes de correr para o interior da floresta.

Alguns camponeses que estavam passando ouviram os sons de gritos e correram para ver o que era. Eles encontraram Benoit sangrando em profusão, sua irmã estava caída ao lado em choque. Antes de morrer pelo ferimento, Benoit fez uma descrição da criatura que o atacou. Os camponeses furiosos com oq ue havia acontecido entraram na floresta para procurar a besta responsável pela tragédia. Ao invés disso descobriram uma menina chamada Pernette Gandillon vagando sem rumo por uma trilha. Os aldeões perceberam que o vestido de Pernette estava coberto de sangue, então concluíramq ue ela deveria estar ligada ao ataque. Quando se aproximaram, ela rosnou com um animal selvagem e atacou o bando. Eles reagiram e em maioria a mataram.


A despeito de Pernette ter confessado ou não que era um lobisomem, ainda que algumas testemunhas tivessem certeza disso, havia uma razão a mais para toda aquela violência contra uma moça de pouco mais de 17 anos. A família dela, os Gandillon eram bastante impopulares. Pernette e os demais membros da família viviam na floresta, em uma cabana isolada do restante de St. Clause. 

Havia muitos rumores a respeito do estranho clã. As más línguas sugeriam que eles guardavam algum segredo terrível e que por essa razão preferiam se manter afastados para que ninguém descobrisse. Outros afirmavam categoricamente que o patriarca mantinha relações pouco naturais com as filhas e que pelo pecado cometido, as meninas haviam desenvolvido estranhas características: seis dedos em cada mão, orelhas pontudas e rabos de lobo. Outros diziam que todos os Gandillon eram satanistas que veneravam Lúcifer e sacrificavam crianças na floresta. Havia ainda a suspeita de que eles seriam lobisomens e que como tal matavam quando tomados pela licantropia.

O corpo de Pernette foi arrastado até St. Claude e colocado na frente da prefeitura com umaplaca onde se lia "Filha de Lobisomens" em volta do pescoço. Após esse assassinato, seus irmãos Pierre e Antoinette foram também acusados de serem lobisomens. Uma família de vizinhos dos Gandillon relataram uma história medonha de que os irmãos haviam sido vistos participando de uma missa negra e de uma orgia. Em uma das versões, Antoinette que tinha apenas 13 anos teria sido visto fazendo sexo com um bode preto, um dos mais conhecidos disfarces do demônio. 

A loucura se apossou do povo de St. Claude e uma turba seguiu para a casa dos Gandillon exigindo que os irmãos se entregassem. Quando se negaram, simplesmente entraram na casa e os levaram amarrados para a praça da cidade. Após serem torturados, Pierre acabou confessando que as acusações eram verdadeiras. 

 Ele admitiu que o Demônio havia oferecido à família peles de lobos que tinham o poder de transformar os Gandillon em lobisomens. Jogando as peles sobre a cabeça, os Gandillon eram capazes de se transformar em lobos e correr pelos campos com as quatro patas, devorando animais e humanos. O Patriarca da Família, Georges e sua esposa também foram acusados de participar das barganhas demoníacas, ainda que a confissão de Pierre eximisse seu pai e mãe de qualquer envolvimento. As coisas não pararam por aí, primos próximos e distantes, dois tios e mais um avô que vivia no vilarejo vizinho também foram acusados. Segundo rumores, até mesmo uma família de uma aldeia longe de St. Claude, que tinham por sobrenome Gaudilion acabaram arrastados para a teia de acusações e boatos. Por pouco não acabaram sofrendo represálias.

Para azar dos Gandillons, o infame Juiz Henri Boguet, um homem severo e temido foi colocado à frente dos trabalhos legais. Embora muitas pessoas acreditassem em lobisomens, a maioria se mostrava cética que tal coisa poderia existir. Existia a crença de que o demônio podia corromper as pessoas e fazer com que elas acreditassem que haviam se transformado em lobos.

Boguet, levava muito à sério as histórias sobre lobisomens. Ele era autor de "Examen de Sorcieres" (Exame das Feiticeiras), um livro popular, publicado em 1590 que detalhava as confissões de mais de 40 bruxas versando a respeito de adoração, missas negras, conjunção carnal com demônios e claro, licantropia. De fato, um dos capítulos, era justamente a respeito de homens que se transformavam em lobos e como tal coisa se espalhava pela França como uma epidemia profana. O Juiz afirmava que em sua carreira havia sentenciado mais de 600 lobisomens e que seu trabalho era essencial para manter a paz.

Enquanto visitava os Gandillon na cadeia, o Juiz percebeu que Georges, Antoinette e Pierre manifestavam claros indícios de terem licantropia. Por exemplo, quando Bouguet espetou Pierre com um alfinete de prata ele imediatamente gritou e se atirou no chão como se estivesse sofrendo convulsões. Além disso, a face e as mãos da família apresentavam o que o Juiz chamava de sinais inequívocos da Licantropia, na forma de arranhões, unhas em determinado formato e o sinal de um sexto dedo amputado. A respeito de Pierre, que estava muito ferido pela tortura sofrida, o Juiz disse: "Esse monstro sequer parece com um ser humano e não há como olhar para seu semblante bestial sem sentir horror".

O juiz afirmou que a família deveria ser mantida presa na masmorra até que se transformassem em lobisomens provando assim que as acusações eram verdadeiras. É claro, os Gandillon jamais se transformaram em lobos e isso começou a chamar a atenção da população que passou a levantar dúvidas sobre as histórias cada vez mais exageradas. Para muitos, o Juiz estava meramente se promovendo às custas da desgraça alheia ou sendo um completo idiota. Percebendo que as coisas poderiam virar contra ele, o Juiz atribuiu a falta de transformação a falta das capas encantadas e de unguentos sabidamente usados pelos licantropos para iniciar a transformação.


Os irmãos Gandillon foram sentenciados a morrer na fogueira, mas no último momento a pena de Antoinette foi comutada para que ela pudesse viver em um convento até o fim de seus dias. Pierre foi executado, seguido de seu pai e de dois tios. 

Após os trabalhos, Henry Boguet conquistou enorme fama em toda França sendo conhecido como um dos mais importantes Demonologistas e Caçadores de Bruxas de sua época. Em 1602 ele publicou Discours exécrable des Sorciers (Discursos Execráveis sobre a Feitiçaria) um Manual que tratava de bruxaria que teve doze reedições em doze anos. O Magistrado teria morrido na pobreza extrema e louco em 1619, ele acreditava ter sido vítima dos malefícios de bruxas que o amaldiçoaram.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

A Besta de Gevaudan - A França aterrorizada por uma fera sanguinária


Entre os anos de 1764 e 1767 os habitantes da pequena província francesa de Gevaudan - atualmente parte de Lozere, próximo das Montanhas Margueride, foram aterrorizados por uma horrível criatura lupina que passou a  ser conhecida como La Bête du Gevaudan ou "A Besta de Gevaudan".

A criatura foi descrita como um monstro semelhante a um lobo, mas muito maior dos que qualquer lobo que já havia vagado pela região, sendo quase do tamanho de uma vaca ou de um burro. Suas patas eram dotadas de garras afiadas, a pelagem era escura como a noite, a cabeça maciça semelhante a um mastim com orelhas pequenas e retas, além de uma boca excepcionalmente grande, repleta de enormes presas. Mais do que uma aparência medonha, a criatura parecia dotada de uma maldade inerente que a impelia a matar pelo simples prazer de fazê-lo, não apenas para se alimentar ou defender.

Acredita-se que até seu reinado de terror se encerrar, a Besta de Gevaudan tenha matado algo entre 60 e 100 homens, mulheres e crianças, deixando ainda um saldo de mais de trinta feridos. Atestar a veracidade desses números, é claro, constitui uma tarefa impossível, mas ao certo se sabe que o caso realmente aconteceu e que o número de vítimas foi elevado uma vez que causou comoção em todo país, vindo a ser conhecido em outras partes da Europa.

O primeiro encontro relatado com a fera aconteceu em maio de 1764 na floresta de Mercoire próximo de Langogne na porção oriental de Gevaudan. Uma jovem que cuidava de seu rebanho de gado percebeu uma forma escura espreitando em meio aos arbustos. Ela contou que a fera saltou da mata investindo contra os animais, mas os touros conseguiram mantê-lo à distância com seus chifres. A criatura atacou por uma segunda vez lutando contra os touros, um comportamento incomum para um lobo, mas foi repelida novamente. Os animais conseguiram ganhar tempo suficiente para a mulher apavorada escapar e chegar até seu vilarejo, onde ela contou o que havia acontecido. Os homens da vila se armaram e foram até o local, encontrando alguns animais feridos, mas nenhum sinal do lobo.

Apenas um mês depois, o lobo apareceu novamente. Dessa vez o ataque terminou em tragédia, com a morte de uma menina que não conseguiu escapar da fera. O corpo da criança foi encontrado próximo a um córrego onde ela havia ido encher um cântaro de água. Ela havia sido horrivelmente mutilada e seu coração, segundo as estórias, fora devorado pela fera.  


Nos meses que se seguiram a região mergulhou em um clima de apreensão à medida que o enorme lobo negro prosseguia em sua matança, parecendo ter desenvolvido um gosto especial por mulheres, crianças e homens solitários que se embrenhavam na floresta para cuidar de seus animais pastoris. A forma como a fera atacava também era incomum para um predador, pois ele visava a cabeça se suas vítimas, ignorando os braços e pernas, áreas em que lobos tendem a se concentrar. As vítimas que não eram inteiramente devoradas ou desapareciam sem deixar vestígios, eram encontradas com suas cabeças despedaçadas ou completamente removidas de seus corpos, algo que nunca se tinha ouvido falar até então.

Em virtude do grande número de ataques e vítimas fatais, alguns começaram a suspeitar que haveria mais de uma fera, um par ou quem sabe até uma alcateia dos temíveis animais. De fato, algumas testemunhas relatavam ter avistado a fera no momentos em que ela era vista em outro lugar. Alguns também diziam ter visto o enorme lobo andando com outros animais menores que ele parecia liderar. Os relatos se multiplicavam e um estranho boato começou a se espalhar: o de que a fera seguia as ordens de um homem misterioso todo vestido de couro preto que apontava as pessoas que a fera deveria matar. Para alguns era um nobre decadente que tornava o assassinato seu esporte, para outros era o próprio diabo. 

A medida que a Besta de Gevaudan continuava a matar sistematicamente, as pessoas começaram a acreditar que por trás das suas ações havia algum componente sobrenatural. Caçadores perdiam o rastro da fera no meio da floresta, armadilhas eram ignoradas, armas pareciam negar fogo e os mateiros não entendiam como um lobo tão grande era capaz de se esquivar de todas as buscas. A habilidade da criatura em sobreviver a todas as tentativas de eliminá-la e o fato dela preferir matar mulheres parecia algo claramente sobrenatural. Os camponeses passaram a acreditar que não estavam enfrentando um simples lobo, mas um loup-garou, um lobisomenApesar de todas as providencias para aumentar a segurança erguendo cercas e acendendo tochas durante a noite, não havia sinal da fera diminuir a sua sede de sangue. 


Em outubro de 1764 dois caçadores encontraram a besta na floresta e atiraram contra ela a uma distância de apenas dez passos. Eles atingiram a criatura quase à queima roupa e conseguiram derrubá-la, mas antes que eles pudessem recarregar os mosquetes para uma segunda salva, ele se ergueu e correu para o bosque. Os caçadores juraram ter acertado a fera, mas contaram que as balas não foram capazes de matar a besta imbuída de uma resistência, obviamente diabólica. Uma vez tendo contado o que havia acontecido, organizou-se um grupo de caça que encontrou facilmente os rastros de sangue adentrando o bosque, exatamente no local em que os homens haviam alvejado a criatura. Diante da quantidade de rastros, todos acharam que seria questão de tempo até encontrarem a carcaça da fera em algum ponto da floresta. Os homens entraram na parte mais profunda da mata, onde descobriram vários corpos de vítimas até então desaparecidas, mas nenhum sinal da fera responsável por aquele massacre. Quando se preparavam para retornar, o lobo surgiu sorrateiramente, investindo contra os homens e fazendo mais quatro vítimas fatais. Os sobreviventes contaram que dispararam inúmeras vezes, acertando o alvo, mas cada vez que a besta era baleada, se levantava para atacar novamente. Aterrorizados, os homens fugiram sem olhar para traz.         

Depois disso, o pânico se instalou de vez na região. As estórias sobre as façanhas da fera se espalharam, carregadas por caçadores, mercadores e viajantes. Logo não havia um caçador na França que não tivesse ouvido falar da maligna Besta de Gevaudan. Várias beats se formaram, grupos de caçadores compostos de vários homens, a pé ou montados, armados com mosquetes potentes, longas lanças de caça e mastins farejadores. 

O chefe da milícia local, o Capitão Duhamel foi incumbido pelo próprio Rei Luis XV de encontrar e eliminar a ameaça responsável por deixar os camponeses em um estado de terror tamanho, que colocava em risco as colheitas. Duhamel organizou uma enorme grupo de voluntários formado por dezessete caçadores experientes montados à cavalo, um estoque de mais de 40 mosquetes previamente carregados e uma parelha de mais de trinta cães de caça. O grupo chacinou todos lobos que viviam na região. Segundo contas, mais de 200 animais foram mortos, mas nenhum deles se parecia com a elusiva Besta de Gevaudan.

Os caçadores espalharam armadilhas pela floresta, deixaram ovelhas em lugares acessíveis vigiados noite e dia, aguardaram e chegaram até a vestir alguns com roupas de mulher para tentar atrair a fera. Mas nenhuma dessas estratégias logrou êxito. 

Finalmente em novembro, o grupo de Duhamel avistou a  fera e a perseguiu pela floresta, mas a perdeu em uma área onde os cavalos não conseguiram adentrar. Seguindo à pé, os implacáveis caçadores não se renderam e depois de encontrar com o enorme lobo em uma clareira dispararam contra ele supostamente o alvejando repetidas vezes. Ainda assim, a fera conseguiu escapar para dentro do bosque. O grupo acreditando que o animal não poderia sobreviver a todos os ferimentos infligidos retornou a Gevaudan onde foram recebidos como heróis.    

Dias se passaram sem nenhuma notícia da fera, até que no final de dezembro, perto do Natal, mais uma mulher desapareceu. O grupo de busca localizou os seus restos terrivelmente mutilados em uma ravina: o pesadelo continuaria. A credibilidade do Capitão Duhamel caiu por terra e ele foi destituído depois que um dos seus homens de confiança quase foi linchado por uma multidão furiosa. 


Em Paris, as notícias foram recebidas com reprovação. Críticos da monarquia diziam que a fera estava fazendo o Rei de tolo e que o monarca não era capaz de cuidar da segurança de seus súditos e se livrar de um simples animal selvagem. Insuflando os rumores, alguns afirmavam que um nobre renegado estava por detrás das mortes, controlando um lobo selvagem. Para outros, o tal nobre seria o próprio lobo demoníaco, no qual se transformava nas noites de lua cheia.

Uma recompensa foi prometida para quem matasse a fera e apresentasse o seu corpo. Um emissário real viajou até a região de Gevaudan levando a notícia de que o caçador que eliminasse a fera receberia uma verdadeira fortuna. O Rei ordenou que a Fera de Gevaudan fosse morta e seus restos expostos em Paris como forma de acalmar a população.

O montante oferecido atraiu não apenas caçadores da França, como homens de todas as partes da Europa que convergiram para Gevaudan ávidos pela glória e pela riqueza. A caçada durou meses, e mais de cem lobos foram abatidos, mas nenhum deles foi reconhecido como sendo a fera responsável por aquela situação. Os habitantes locais estavam cansados da presença de tantos estrangeiros comendo a sua comida, remexendo os campos e invadindo suas propriedades. Alguns caçadores agiam de má fé tentando ludibriar as autoridades reais. Um homem chegou a apresentar a carcaça de um animal estranho e incomum, alegando que havia abatido a criatura após uma épica caçada. O mestre de caça, reconheceu os restos pelo que eles de fato eram, uma hiena, que aparentemente havia sido trazida do norte da África.     

Após a morte de duas crianças em tenra idade, o Rei comovido pela situação, contatou um normando chamado Denneval, que fora Guarda Caça de um marquês e que tinha a reputação de ser o maior caçador da França. O monarca depositou no sujeito suas últimas esperanças e prometeu a ele um título de nobreza caso fosse bem sucedido na perigosa empreitada.

Em fevereiro de 1765. Denneval chegou a região de Gevaudan acompanhado de cinco ajudantes de sua inteira confiança, sendo um deles um nativo americano que ele havia encontrado em uma expedição a colônia de Manitoba e que era famoso pelas suas qualidades como rastreador. A entourage contava ainda com um verdadeiro arsenal de 50 mosquetes militares pesados, lanças com mais de dois metros de comprimento, bestas que disparavam setas de ferro, bombas explosivas de pólvora negra, armadilhas e correntes para capturar ursos e outros equipamentos modernos. Os homens do Guarda Caça, usavam armaduras negras de couro batido e eram uma visão aterrorizante, em especial o selvagem do Novo Mundo com o cabelo moicano e pintura de guerra. Denneval vestia uma armadura de couro e metal cheia de espinhos e dizem havia matado uma loba no cio e espalhado seu sangue em todo traje. O fedor que exalava era nauseante, mas ele estava confiante de que isso atrairia a presa.

O grupo de Denneval logo ganhou a companhia do jovem Jacques Denis, um rapaz de dezesseis anos que conhecia como ninguém a floresta e que provou não estar intimidado pela tarefa e nem pela aparência do bando. Jacques explicou que desejava se vingar da fera uma vez que ela havia matado sua irmã mais velha meses antes. O rapaz havia testemunhado o horrível ataque e visto o corpo sem vida da irmã ser arrastado como um boneco para a floresta de onde jamais foi recuperado. O rapaz foi aceito na companhia dos caçadores que vasculharam cada canto da floresta. O plano de Denneval era forçar a fera para cada vez mais perto de Gevaudan a fim de fazer o abate.

Em meados de maio, o plano do Guarda Caças teve êxito, mas não da maneira que ele esperava. A fera foi atraída para a cidade, durante as comemorações da Feira da Primavera. Durante seu ousado ataque, a besta matou várias pessoas incluindo uma jovem de nome Marguerite, que estava enamorada de Jacques Denis. Furiosos, aldeões se armaram com ferramentas, paus, pedras e qualquer coisa que pudessem usar como arma para matar o monstro. Jacques e um grupo penetrou na floresta seguindo o rastro do lobo, mas acabou caindo em uma armadilha. Os homens acabaram morrendo e se não fosse a chegada providencial de Denneval e seus homens, Jacques também teria sido morto pela fera. Apesar de sobreviver, diz a lenda que os cabelos do rapaz ficaram totalmente rancos e que ele pareceu envelhecer décadas com a experiência. Pouco depois desse ataque, que teria deixado mais de doze mortos, Denneval desistiu da perseguição.

"Não há o que fazer" teria escrito ao Rei se desculpando. Ele continuou: "A fera nos iludiu a entrar na floresta a fim de atacar impunemente o vilarejo. Claramente estamos diante de algo que desafia a razão e que age impelida pelo desejo de matar. Temo que nossa presença aqui apenas a torna mais selvagem e vingativa".


Perturbados pela desistência do Guarda Caça, a maioria dos caçadores também partiram. Livre para agir impunemente, a fera prosseguiu impiedosa. Ele matou um rapaz de quatorze anos e uma mulher que carregava um recém nascido. Furioso com a carta do Guarda Caça, o Rei ordenou que Denneval fosse trazido à sua presença, mas ele escapou para outro país desaparecendo da história. Um dos conselheiros de Luis XV indicou um homem para assumir o lugar do Guarda Caça, seu nome era Antoine de Beauterne, um renomado taxidermista parisiense que havia caçado todo tipo de presa na Europa e na África.

Beauterne chegou sem estardalhaço e fez aparentemente pouco no início. Explorou a floresta, desenhou mapas e assinalou neles onde a besta havia sido vista. Em uma de suas expedições encontrou com o nativo de Manitoba que ficou para traz após a desistência de Denneval. O homem, que passou a ser chamado de Mani, ofereceu suas habilidades como rastreador.

Em 21 de setembro, Beauterne organizou um grupo de caça formado por quarenta caçadores locais especialmente escolhidos para a tarefa, e uma dúzia dos melhores cães farejadores. Unindo o seu conhecimento do terreno aos valiosos conselhos de Mani, os homens se concentraram em uma área rochosa isolada, repleta de ravinas próxima ao vilarejo de Pommier. Parecia lógico para o taxidermista que o lobo usasse esse lugar, cheio de cavernas como covil por ele proporcionar um bom esconderijo e dispor de água potável. O plano era levar a caçada até um lugar em que a fera se sentisse segura, e onde ela não esperava ser confrontada.

Logo que chegaram ao local os cães captaram um cheiro e começaram a latir como loucos. Não demorou para a besta emergir de uma caverna para investigar. Um dos homens deu alerta e Beauterne disparou seu mosquete acertando em cheio o dorso da fera. Ela ainda saltou derrubando um dos homens, mas imediatamente os outros abriram fogo crivando o lobo com tiros certeiros. Um deles teria arrancado seu olho esquerdo e se alojado no crânio. A criatura ganiu e caiu morta, mas enquanto os homens comemoravam, ela de repente se ergueu e investiu novamente com uma ferocidade sobrenatural. Uma segunda saraivada de balas foi disparada e finalmente a fera acabou tomando. O golpe final foi desferido por Mani. Armado com uma afiada machadinha o nativo saltou sobre a fera, sua arma descreveu um giro no ar e caiu pesadamente despedaçando o crânio da besta. Aproximando-se cautelosamente os homens se colocaram a golpear a carcaça com baionetas e lanças compridas até reduzi-lo a uma coisa grotesca e sanguinolenta.

Os caçadores amarraram o que havia restado da fera em um estrado e o arrastaram até Pommier. Beauterne examinou cuidadosamente os restos da fera e concluiu que se tratava de um magnífico lobo medindo um pouco mais do que 1,80 m e pesando algo em torno de 90 quilos, com uma boca cheia de presas com mais de uma polegada de comprimento. Beauterne tentou preservar a criatura a fim de levá-la até o Rei, mas apesar de seus esforços, a carcaça havia recebido muitos danos durante a caçada. Tudo o que ele conseguiu salvar foram as orelhas, os dentes e o rabo, todo o resto foi queimado e enterrado nos arredores do vilarejo.


Por mais de um ano, as coisas ficaram tranquilas em Gevaudan e a vida foi voltando ao normal. Então, na primavera de 1767 as mortes reiniciaram. Duas crianças haviam desaparecido e o corpo de uma mulher sem a cabeça foi achado em um descampado. Beauterne foi chamado para retornar a Gevaudan, mas ele afirmou que aquelas mortes não eram o trabalho de um lobo, e sim de um maníaco.

Em 19 de junho do mesmo ano, um nobre local, o Marques d'Apcher organizou a maior beate já vista para encontrar o rastro do animal. Mais de trezentos homens a pé e montados vasculharam cada centímetro do bosque. Nada foi encontrado.
   
Na época, um homem misterioso chamado Jean Chastel passava pela região. Ele era um conhecido de Jacques Denis e se ofereceu para exterminar a fera. Ao contrário dos outros ele não era um caçador experiente, mas um especialista em folclore e superstições. Chastel afirmava que o responsável pela nova onda de mortes não era um simples lobo, mas uma besta sanguinária aprisionada no corpo de um homem. A luz fazia com que a fera no interior do culpado viesse à tona com um incontrolável desejo de matar. O espírito do lobo de Gevaudan havia contaminado esse homem o transformando em um assassino. Ele era um loup-garou.

O especialista conseguiu convencer as pessoas de Gevaudan a doar objetos de prata e quando tinha o suficiente mandou derreter tudo a fim de produzir projéteis que foram abençoadas pelo pároco local. O plano de Chastel era atrair o lobisomen para os limites do bosque. Ele preparou o lugar cuidadosamente e acompanhado de Denis recitou uma série de orações. Na alta madrugada, os dois perceberam movimento na mata e ficaram alerta. De repente uma besta em forma de lobo irrompeu da floresta e avançou na direção dos dois. Chastel disparou com suas pistolas e os projéteis de prata pura vararam o corpo da besta que caiu fulminada.

Assim como a fera morta por Antoine de Beauterne essa criatura era um enorme lobo, consideravelmente maior do que os outros que habitavam a floresta. O monstro foi estripado e dentro dele encontrou-se os restos de uma criança que havia desaparecido na véspera. A besta foi embalsamada e levada de cidade em cidade para que as pessoas pudessem vê-la, em troca de uma pequena contribuição, é claro. Infelizmente para a ciência moderna, os métodos de preservação da época não eram bons o bastante e o que restou da fera acabou chegando até Paris em um estado deplorável. O fedor incomodou o Rei de tal forma que ele ordenou que os restos fossem levados de sua presença imediatamente. Há informações contraditórias a respeito do que aconteceu com a Besta então. Para alguns ela foi queimada e suas cinzas espalhadas ao vento, apesar dos protestos de Chastel. Outros dizem que a carcaça chegou a ser levada até o genial taxidermista Beauterne que restaurou a fera e a vendeu para um nobre colecionador.

Seja como for, os restos da lendária Besta de Gevaudan jamais foram recuperados, causando mais de dois séculos de controvérsia a respeito de sua real identidade. Em 1960, após estudar a transcrição de Antoine de Beauterne a respeito do processo de dissecção da fera por ele abatida, uma comissão de zoólogos concluiu que o animal descrito era realmente um lobo. Franz Jullien, taxidermista do Museu Nacional de História Natural de Paris, encontrou amostras dos dentes da Besta de Gevaudan guardadas no arquivo do Museu e as submeteu a testes, concluindo que se tratavam realmente de presas de um lobo de grande porte. Em 1979, restos de um animal empalhado foram encontrados guardados no depósito do museu em uma caixa. Segundo boatos, seriam os restos do espécime que Jean Chastel abateu com suas balas de prata. O animal foi aparentemente identificado como uma hiena nativa do Norte da África, Oriente Médio, Paquistão e Oeste da India.  

Seria a Besta de Gevaudan uma enorme hiena e não um lobo? A ideia foi contemplada entre outros pelo novelista Henri Pourrat e pelo naturalista Gerard Menatorv que propuseram a hipótese de uma hiena ter sido trazida por negociantes de naimais e uma vez recusada em um zoológico, libertada na floresta. Há ainda outra hipótese que coloca em xeque a credibilidade de Jean Chastel. Segundo rumores, o pai de Chastel possuía uma hiena em sua menageria (um termo do século XVII usadopara coleções de animais mantidos em cativeiro). Alguns pesquisadores acreditam na possibiliadde de Jean Chastel ter inventado a estória a respeito do loup-garou e usado a hiena que pertencia a menagerie de seu pai para se auto-promover.

Isso levanta a questão a respeito de quem seria então o responsável pelas mortes após Beauterne ter eliminado o grande lobo. Para alguns, Chastel ou alguém muito próximo a ele teria deliberadamente assassinato inocentes para criar a impressão de que a Besta ainda vagava por Gevaudan fazendo vítimas. Para muitos, o misterioso Chastel era um homem de moral dúbia, ganancioso e ávido por riquezas. Uma das razões pelas quais o Rei Luis XV se negou a recebê-lo foi justamente por ele ter tentado vender ao monarca, por um preço exorbitante, os restos da fera abatida. Chastel morreu em relativa obscuridade, mas não é totalmente surpreendente que alguns afirmem que ele teria se tornado um algoz da nobreza e que desempenhou o papel de perseguir nobres após a Revolução.

É claro, tudo isso é mera especulação uma vez que não há como determinar historicamente se houve mais de uma Besta de Gevaudan. O que se sabe é que o sentimento de terror que tomou conta da região entre 1764 e 1767 foi muito bem documentado na época. A população de lobos também foi drasticamente reduzida chegando praticamente a extinção por conta das caçadas empreendidas naqueles três anos.

O que levou um lobo a emergir das floresta para matar indiscriminadamente os habitantes de uma pequena província na França continua sendo um mistério. Mas um marco de pedra foi construído no local, lembrando a todos daqueles dias de medo.