terça-feira, 18 de março de 2025

A Ciência da Ressurreição - Reanimação, Experimentos, Zumbis e outras histórias macabras de volta dos mortos


Uma coisa que parece ser inevitável na vida é a morte, certo? 

Bem, alguns discordam!

Haveriam maneiras de enganar a morte, aquilo que muitos acreditam ser a única certeza da vida? Ao longo dos séculos, surgiram muitas tentativas bizarras e métodos perturbadores para driblar o fim definitivo. Alguns pesquisadores envolvidos nesse estudo afirmaram ter conseguido ludibriar a morte e evitar seu abraço frio por meio de ciência estranha, magia negra ou milagres absolutos.

Não é de hoje que as pessoas têm tentado intencionalmente vencer a morte e reviver os mortos usando quaisquer meios que estejam ao seu alcance, muitas vezes sem se importar com os limites éticos e morais de seus experimentos. No fim, o que importa é chegar ao resultado final e provar que a morte não é o fim, mas apenas um obstáculo a ser superado. Vejamos alguns desses proponentes que desafiam a natureza.

Esforços científicos sérios visando confrontar clinicamente a morte datam pelo menos do século XVIII. Na década de 1700, um padre católico e professor de história natural na Universidade de Pavia chamado Lazzaro Spallanzani ficou obcecado com a ideia de reanimar tecidos mortos depois de perceber que algumas formas de vida microscópicas aparentemente pareciam voltar à vida após adicionar água a elas. Spallazani se convenceu de que era possível ressuscitar organismos mortos dessa maneira simplória. Ele recorreu ao famoso filósofo francês Voltaire para obter orientação sobre essa teoria. Voltaire acreditou nas alegações de Spallazani e, quando perguntado sobre sua opinião sobre para onde as almas iam após a morte, ele teria respondido que cabia ao cientista descobrir por conta própria. Tomando isso como um incentivo ele seguiu em frente com seus experimentos. Ele deu início as suas observações cortando as cabeças de caracóis, lulas, polvos e insetos para ver se voltariam a crescer. Embora ele nunca tenha descoberto o segredo para ressuscitar os mortos que tanto esperava encontrar, sua pesquisa o levou a ser o primeiro a descobrir substâncias químicas no corpo que auxiliavam na digestão, bem como estabelecer o propósito dos glóbulos brancos.


Em 1794, a Royal Humane Society de Londres realizou uma série de experimentos buscando restaurar a vida daqueles considerados "aparentemente mortos", argumentando que em alguns casos os cadáveres não estavam realmente mortos, mas sim em algum tipo de estado de suspensão do qual poderiam ser trazidos de volta à vida. Esses esforços foram uma resposta ao medo generalizado na época do que chamavam sepultamento prematuro. Esse temor era algo desenfreado no período, com muitas pessoas temendo ser enterradas vivas. 

A Royal Humane Society buscou não apenas estabelecer métodos para reanimar cadáveres, mas também espalhar a conscientização e compartilhar seu conhecimento de tais procedimentos em todo o mundo. Seus métodos no entanto, eram rudimentares para dizer o mínimo. Na maioria das vezes, as técnicas envolviam usar eletricidade, massagem e até mesmo bebidas alcoólicas forçadas pela garganta, bem como fumaça de tabaco sifonada pelo reto dos defuntos.

Por mais duvidosos que esses métodos pareçam para nós agora, tais experimentos chamaram muita atenção e foram amplamente discutidos. A Sociedade Médica da Carolina do Sul chegou a adquirir equipamentos da Royal Humane Society em 1793 e tentou conscientizar o público sobre a possibilidade de ressuscitar os cadáveres "aparentemente mortos". Os esforços foram tão convincentes que, eventualmente, uma lei foi aprovada em agosto de 1793, para que produtores de álcool fornecessem matéria prima para fazer tentativas de reanimação. A lei também determinou que esses estabelecimentos produzissem substâncias alcoólicas com graduação elevada com fins medicinais. 


No início do século XIX a eletricidade ganhou notoriedade como meio mais popular de "despertar os mortos". Esta foi uma época em que a eletricidade e seus efeitos ainda eram pouco compreendidos. A influência das correntes elétricas sobre organismos vivos tinham um efeito difícil de desconsiderar, era algo quase mágico. Muitos experimentos foram realizados  para medir os efeitos de correntes elétricas atravessando plantas, animais e até mesmo seres humanos. Supôs-se até que a eletricidade tinha o poder de criar vida do nada! Uma teoria de 1837, estabelecida pelo físico Andrew Crosse, afirmava que uma descarga elétrica poderia dar origem a pequenos organismos. As misteriosas forças da eletricidade começaram a ser vistas como um possível meio de reanimação dos mortos.

Na década de 1800, um físico chamado Giovanni Aldini realizou uma série de experimentos distorcidos envolvendo o uso de eletricidade sobre animais mortos. Filho do famoso cientista e pioneiro da eletricidade Luigi Galvani, Aldini era um fervoroso crente nas teorias de seu pai sobre a aplicação da eletricidade para trazer os mortos de volta à vida. Aldini começou usando correntes elétricas para fazer sapos mortos terem espasmos. Contudo ele não parou por aí! Seus experimentos rapidamente escalaram para algo bem mais mórbido. Em uma exibição macabra, ele descarregou uma corrente elétrica na cabeça decapitada de um boi, que, para o horror dos espectadores, começou a convulsionar e ter espasmos com a língua pendurada na boca como se estivesse viva. Aquilo foi visto como algo notável e pensava-se que tais movimentos eram um sinal de vida.

Aldini logo passou de animais para humanos, à medida que seus experimentos aumentavam em morbidade. Por meios nefastos ele conseguia acesso a cadáveres de criminosos recém-executados que eram matéria prima em seus experimentos. Aldini realizou um procedimento doentio no cadáver de um homem de 30 anos recém-morto. Uma incisão foi feita na nuca do falecido e um choque foi dado com um bastão alimentado por bateria. Aldidni descreveu o experimento da seguinte maneira:

"A metade posterior da vértebra Atlas foi exposta por fórceps, deixando a medula espinhal à vista. Um fluxo abundante de sangue jorrou da ferida, inundando o chão. Uma incisão considerável foi feita ao mesmo tempo no quadril esquerdo através do grande músculo gutural para trazer o nervo ciático à vista, e um pequeno corte foi feito no calcanhar. A haste metálica com extremidade conectada à bateria foi colocada em contato com a medula espinhal, enquanto outra haste foi posta em contato com o nervo ciático. Cada músculo do corpo foi imediatamente agitado com movimentos convulsivos que lembravam tremores violentos de frio... Ao mover a segunda haste do quadril para o calcanhar, a perna se moveu com tanta força que os assistentes, tiveram de segurá-la."


Assustador, com certeza, mas na época visto como um resultado muito promissor. Contudo, Aldini não estava satisfeito e continuaria a levar seus experimentos a patamares ainda mais elevados de depravação. Ele estava tão convencido de que a eletricidade era a chave para restaurar a vida após a morte que tentou provar que nem mesmo um corpo era necessário para que sua teoria funcionasse. Ele elevou o horror um nível acima ao aplicar corrente elétrica nas cabeças recém-decapitadas de criminosos, molhando suas orelhas com solução de salmoura e, em seguida, enfiando eletrodos em seus ouvidos. Isso teve o efeito previsível de fazer com que as cabeças desencarnadas fizessem caretas, convulsionassem e se contorcessem violentamente. Aldini ficou particularmente fascinado pelos movimentos das pálpebras durante os procedimentos, escrevendo: "A ação das pálpebras era extremamente impressionante, embora menos sensata na cabeça humana do que na de um boi".

Tais experimentos bizarros ganharam notoriedade quando Aldini levou seus testes ao público para que todos pudessem ver as "maravilhas" que ele era capaz de produzir. Em 1803, em uma exibição pública na Inglaterra, ele foi capaz de criar movimentos realistas através de descargas elétricas em um criminoso recém-executado chamado George Forster. A demonstração foi feita em um palco na frente de uma plateia de espectadores chocados que assistiram o assassino convulsionar e se mover em espasmos. Aldini obteve o reconhecimento que buscava quando o Royal College of Surgeons de Londres lhe entregou a Medalha Copley por suas realizações. Além de tentar trazer os mortos de volta, Aldini também afirmou que poderia usar eletricidade para ressuscitar pessoas quase mortas, como aquelas que quase se afogavam. Seu trabalho serviu como base para o uso de eletricidade na reativação cardíaca, técnica usada até os dias atuais na defibrilização.

Tal reconhecimento pela comunidade médica pareceu consolidar o legado da eletricidade como meio de enganar a morte. Ela continuou muito em voga até os anos 1900. Um professor chamado Albert Hoche estava convencido de que a eletricidade poderia devolver aos mortos a centelha de vida e se tornou um fiel seguidor de Aldini. Hoche conseguia obter cadáveres de criminosos recém-executados para seus experimentos perturbadores. Ele realizava decapitações sem perda de tempo afim de enganar o animus mortis. Hoche descarregava uma forte descarga elétrica através da medula espinhal exposta. O resultado era algo alucinante, e os observadores ficavam perplexos com a forma como os corpos convulsionavam espasmodicamente por quase 10 minutos antes de ficarem imóveis. O efeito era visto como uma prova milagrosa da vida após a morte. Hoche entretanto desejava estender os efeitos. No final, ele teorizou erroneamente que o resfriamento do corpo e a perda de sangue eram os culpados pela perda de movimento, mas nunca foi capaz de superar esses obstáculos.

A partir da década de 1930, experimentos assustadores de reanimação começaram a surgir, principalmente usando cães como cobaias. Uma figura bastante infame no campo de tentar ressuscitar cães foi o biólogo americano Robert Cornish, da Universidade da Califórnia. Antes que seu campo de interesse tomasse um rumo macabro, Cornish já havia acumulado a reputação de ser um pouco estranho, projetando invenções estranhas, como óculos de leitura subaquáticos. Entretanto quando ele começou seus experimentos de reanimação é que ele ganhou o título de cientista louco.


Cornish ficou obcecado com a ideia de vida após a morte. Após uma série de testes empregando uma variedade notável de técnicas bizarras, ele acreditou ter encontrado  uma maneira de fazê-lo. A teoria era que um sujeito morto poderia ser trazido de volta à vida se o corpo fosse balançado para cima e para baixo em uma engenhoca apelidada de Gangorra Cornish que tentava simular a circulação sanguínea. Ao mesmo tempo o cadáver era alimentado com oxigênio por um tubo e injetado com um coquetel de adrenalina, extrato de fígado, goma arábica, sangue e anticoagulantes. Cornish estava tão convencido de que a técnica funcionaria que imediatamente começou a testar a teoria em animais, principalmente cães.

Ele adquiriu fox terriers para seus experimentos macabros, todos os quais ele chamou de Lázaro, em homenagem à figura bíblica que havia ressuscitado dos mortos. O médico asfixiava os animais com gás nitrogênio, esperava 10 minutos após a morte e então dava início ao processo de reanimação. Lázaro I, II e III provaram ser fracassos, permanecendo tão mortos quanto estavam antes do processo, mas ele teve mais sorte com Lázaro IV e V.

Alega-se que Lázaro IV acordou com um "gemido e um latido fraco" 5 minutos após seu coração ter parado. Embora o cão tenha ficado cego e sofrido danos cerebrais graves, Cornish relatou que, após vários dias, Lazarus IV conseguiu mancar, sentar-se sozinho, latir e até comer. Encorajado por resultados tão promissores, Cornish passou para Lazarus V, que ele considerou um sucesso ainda maior. Foi relatado que Lazarus V foi trazido de volta à vida 30 minutos inteiros após ter parado de respirar e, mesmo assim, exibiu amplitude de movimento e cognição. Ambos os "cães zumbis" viveram por meses, e foi dito que outros cães demonstraram um medo acentuado deles.


Cornish ficou extremamente animado e encorajado por seus resultados bem-sucedidos foi à comunidade científica com suas descobertas. Contudo seus experimentos se tornaram muito controversos e foram ridicularizados como algo grotesco e distorcido. O público achou a ideia de matar e zumbificar cachorros algo absurdo e o clamor contra os experimentos de Cornish levou a Universidade da Califórnia a expulsá-lo do campus. Posteriormente ele continuou seu trabalho sozinho em um galpão alugado, perturbando a vizinhança com os vapores e ruídos odiosos que seus experimentos produziam. O cientista louco continuou a aperfeiçoar suas técnicas, passando por sabe-se lá quantos cães até que finalmente em 1947 ele teve a oportunidade de finalmente fazer experimentos em um ser humano.

Cornish foi contatado pelo assassino de crianças condenado Thomas McMonigle, que tinha ouvido falar muito sobre os experimentos e estava disposto a oferecer seu cadáver para experimentação após sua execução na Penitenciária de San Quentin. Cornish estava em êxtase por finalmente ter a oportunidade de testar seus métodos bizarros em um cadáver humano real e começou a trabalhar na melhor maneira de fazê-lo. Ele acreditava que sua máquina caseira poderia ter sucesso. Embora tenha feito todos preparativos o grande plano de Cornish seria frustrado por vários obstáculos. Além da oposição fervorosa que ele encontrou do diretor da prisão na época, Clifton Duffy, havia também o problema de que McMonigle seria executado em câmara de gás, o que exigia cerca de uma hora após a morte para arejar todo o gás venenoso antes que o corpo pudesse ser removido com segurança, o que era muito tempo para Cornish, que precisava de acesso imediato ao corpo. Havia também o dilema moral do que fazer com o criminoso se o experimento bizarro funcionasse; afinal, se o criminoso fosse morto e depois revivido, isso significaria que ele já havia cumprido sua sentença e seria libertado como um morto-vivo? 

No final, Cornish nunca teve a chance de trazer uma pessoa de volta dos mortos. Ele acabaria desistindo de seus experimentos e seguiria para a ocupação menos interessante de produzir e vender pasta de dente até sua morte em 1963.

As décadas de 1940 e 50 também não foram uma boa época para os cachorros da então União Soviética. Os soviéticos estavam envolvidos em uma grande variedade de experimentos para reviver membros decepados e restaurar órgãos removidos, então parecia um passo natural que eles passassem para a reanimação completa dos mortos. O infame Dr. Bryukhonenko do Instituto de Fisiologia e Terapia Experimental foi o mais famoso cientista envolvido nesse projeto. Sua meta era a reanimação de animais mortos, principalmente cães, por intermédio de máquinas misteriosas e assustadoras. Em seu experimento mais famoso, a cabeça decapitada de um cão foi conectada a uma máquina de aparência sinistra que foi chamada de "autojetor". A cabeça aparentemente recuperou a consciência, moveu a boca e piscou os olhos. Em um esforço para provar que o animal estava realmente acordado e consciente, Bryukhonenko começou a atormentar o cão, batendo-lhe na cabeça e até esfregando o interior de sua narina com ácido, que a cabeça do cão então começou a tentar lamber. O cão supostamente permaneceu acordado e vivo por um bom tempo, até mesmo comendo e bebendo coisas que lhe foram oferecidas, que passaram a se mover pela boca e vazaram do esôfago cortado. 


A mesma engenhoca foi usada para supostamente reanimar vários cães, bem como uma grande variedade de órgãos e membros cortados, embora não esteja claro como exatamente isso funcionou. Tudo o que temos são bizarros vídeos dos experimentos que muitos afirmam serem fraudes grosseiras e montagens.

Bryukhonenko foi superado em depravação e crueldade alguns anos depois. Outro cientista soviético chamado Vladimir Demikhov conduziu um experimento macabro para criar o que só pode ser descrito como um cão zumbi de duas cabeças. Demikhov estava convencido de que a chave para reviver os mortos era enxertar os mortos com os órgãos dos vivos. Para provar sua teoria, ele pegou um cão e o cortou ao meio, depois prendeu a metade do corpo ao pescoço de outro cão vivo. Inacreditavelmente, a parte morta do cão voltou à vida olhando ao redor e balançando a língua na boca, como um tumor horrível em seu hospedeiro. Encorajado por esse sucesso, Demikhov criaria 20 dessas abominações, que às vezes viviam por até um mês antes que a rejeição do tecido os fizesse morrer.

Nos anos seguintes, os Estados Unidos também participariam de experimentos sinistros visando trazer os mortos de volta à vida.

Uma série de experimentos foi realizada em 1967 na Divisão de Tecnologia da Base Aérea Wright-Patterson em Ohio. Os registros não corroborados dão conta de que vários cães foram trazidos de volta da morte usando um sistema de circulação artificial desenvolvido por uma equipe local. Esses cães foram revividos pelas engenhocas e sobreviveram. As cobaias supostamente se recuperaram e levaram vidas normais por anos depois, não mostrando anormalidades físicas ou diferenças no comportamento de cães normais. Oficiais militares esperavam que a técnica pudesse ser empregada em soldados que um dia se tornariam imortais.

Outro experimento militar financiado pelo governo dos EUA ocorreu em meados de 1970, quando o cientista Robert White desenvolveu uma técnico que envolvia cortar a cabeça de um macaco e a reanimar enxertando-a no corpo decapitado de outro macaco. O experimento supostamente foi realizado em conjunto com a Universidade de Chicago e tinha aprovação governamental. 

Os boatos dão conta de que a cabeça ressuscitada "viveu" por um dia inteiro. White afirmou que o macaco podia ver, ouvir, saborear e cheirar devido ao fato de que os nervos do cérebro e da cabeça estavam totalmente intactos. Ele chegou a pedir autorização do governo para prosseguir em seus experimentos até os anos 1980, mas as técnicas não foram empregadas em seres humanos. Ao menos até onde se sabe...

Outras formas de reanimação, ainda mais macabras foram tentadas e vocês saberão à respeito delas na continuação desse artigo. Fiquem conosco para mais histórias macabras de volta dos mortos.

quarta-feira, 12 de março de 2025

RPG do Mês: Resenha de Cthulhu by Gaslight - O Horror de Lovecraft na Era Vitoriana


O período conhecido como Era Vitoriana se entendeu da metade do século XIX até o início do século XX e foi uma época de grandes mudanças, avanços, descobertas e progresso global.

Tudo estava em transformação, e os alicerces para o mundo atual, na forma como conhecemos hoje em dia, estavam sendo erguidos. As nações se tornavam Impérios, a Revolução Industrial estava em marcha, modernizando e permitindo avanços tecnológicos impensáveis até então. As grandes cidades se convergiam em metrópoles de concreto, vidro e cristal, com parques, monumentos e linhas de trem as conectando. A sociedade se adaptava aos novos ditames de seu tempo com inovações, direitos e conquistas marcantes. A ciência se encontrava no seu ápice, com o homem assumindo o papel de único Senhor da Criação e não mero habitante do mundo à sua volta. As fronteiras caíam e espaços vazios nos mapas finalmente eram preenchidos. Para muitos foi a Aurora de um novo e glorioso tempo. 

Mas nem tudo era perfeito! 

A sanha de conquista dos Impérios deu ensejo ao colonialismo e a imoral exploração dos povos nativos. Muitas nações foram tomadas, roubadas e devastadas, deixando cicatrizes que se mantém até hoje. Os movimentos sociais foram forjados por pensadores que mais tarde iriam dar ensejo a revoluções, crises e genocídio sem precedente. As inovações tecnológicas permitiram o êxodo dos campos, a expansão das cidades e o surgimento de grandes centros populacionais. Mas estas inovações também forneceram métodos mais eficazes de matar. Em uma época de grande avanço, a miséria, a doença, a guerra e a fome jamais foram erradicadas. O crime e a injustiça se tornaram comuns nas grandes cidades escurecidas pela fumaça das chaminés e cobertas pelos refugos de uma população desesperada. 

A Era Vitoriana,  que recebeu esse nome graças a Rainha Britânica Victoria que governava o "Império onde o Sol nunca se punha", foi um caldeirão de contrastes profundos e uma época de grandes extremos. Nela a humanidade experimentou o seu melhor, mas também foi confrontada pelo pior que dela poderia aflorar. É um período histórico perfeito para ambientações de RPG. Uma época fascinante de conhecer e interagir, repleto de dualidade e oportunidades dramáticas, não por acaso um cenário bastante popular em diversos jogos.


Chamado de Cthulhu não é exceção! Não é de hoje que nosso amado RPG de Horror Lovecraftiano estabeleceu uma espécie de ponte que liga os investigadores da Londres Vitoriana aos horrores do Mythos de Cthulhu.

Curiosamente a época clássica de Chamado, os anos 1920, estão mais próximos da Era Vitoriana do que de nós hoje em dia. Se temos atualmente um mundo que deixaria qualquer cidadão do início do século XX assombrado, por outro, eles sentiriam certa familiaridade com o fim do século XIX. A tecnologia que os separava não era tão dispare. Carros existiam, ainda que raros. Eletricidade era conhecida, mesmo que nem de longe, fosse algo corriqueiro. O abismo social era imenso, mas não muito diferente do período entre as Guerras Mundiais. Os ricos formavam uma aristocracia coberta de luxo e regalias, enquanto os pobres lutavam para sobreviver no dia a dia. 

Talvez por isso, entender a Era Vitoriana seja um tanto difícil para nós. Mas se esse período possui nuances e complexidades, não se aflija, pois temos um novo livro que cobre o tema e promete esmiuçar cada detalhe e criar aquilo que pode ser considerado o manual definitivo sobre a Era Vitoriana.

A Editora Chaosium lançou suplementos sobre o período a partir da quarta edição de Chamado de Cthulhu e estes sempre foram livros muitíssimo elogiados. O título escolhido nunca mudou: CTHULHU BY GASLIGHT - em uma referência a forma de iluminação típica da época, que criava uma aura sombria de mistério nas cidades.  


Era razoável supor que mais cedo ou mais tarde, uma nova edição de Cthulhu by Gaslight seria adaptada para a sétima edição, então, não é o lançamento que surpreende, mas sim o formato escolhido. A diferença mais notável está no tamanho - os livros anteriores eram consideravelmente modestos quando comparados com este livrão de quase 300 páginas. E enquanto os suplementos anteriores se limitavam a um volume único, agora, o material está dividido em duas partes: o Guia do Investigador e o Guia do Guardião. 

Nesta resenha vamos nos concentrar no Guia do Investigador, enquanto aguardamos ansiosamente pela sua contraparte dedicada ao Guardião que está programada para ser lançada no primeiro trimestre de 2025.

Se você é um fã de Chamado de Cthulhu, provavelmente já está familiarizado com a qualidade dos produtos da Chaosium Inc nos últimos anos. Visualmente o Guia do Investigador de Gaslight é um livro de capa dura, totalmente colorido, com excelente valor de produção e arte sensacional. O projeto gráfico segue a linha dos livros anteriores e a diagramação é muito eficiente. O material inclui também um mapa desdobrável de Londres em meados de 1890. Tudo é muito bem feito com o cuidado e capricho característicos dos últimos suplementos com o selo Call of Cthulhu.

Um aspecto curioso deste livro é que um de seus apêndices tem uma cópia condensada das regras básicas do sistema na 7ª edição, permitindo que este livro sirva como um manual de regras. Não tenho certeza de quantas pessoas usariam este livro de forma independente, mas é uma opção curiosa — se você estiver levando o livro para narrar em um evento ou num encontro de RPG, será um livro físico a menos que você irá precisar levar com você.


O suplemento tem um objetivo bastante ambicioso. Ele busca oferecer ao jogador todas informações necessárias para construir personagens inseridos na Era Vitoriana. A proposta é que o jogador consiga usar as informações aqui contidas não apenas em cenários de Chamado de Cthulhu, mas em qualquer ambientação que se passe no período. Isso torna Cthulhu by Gaslight uma espécie de suplemento coringa, valiosíssimo em qualquer ambientação centrada no século XIX, não necessariamente apenas as que tratam dos Mythos de Cthulhu.

Geralmente eu não gosto muito de ler e escrever resenhas que descrevem um livro capítulo por capítulo, mas acredito que nesse caso é a forma mais apropriada de expor tudo o que está contido nesse suplemento e o que o leitor encontrará ao abrir esse livro e folhear suas páginas. Então vamos a eles.

Capítulo 1: Land of Hope & Glory (Terra da Esperança e Glória) fornece uma visão geral abrangente da sociedade no final da Era Vitoriana. Inclui tópicos que cobrem temas como o sistema de classes, a dinâmica da vida urbana e rural, as principais religiões, costumes, a vida política, a importância de fatores como raça, sexo e identidade sexual. O material é de fácil compreensão e tem uma bela descrição.


O capítulo também trata de comunicações e tecnologia fornecendo informações compreensivas para que os jogadores saibam ao que os personagens podem ter acesso durante uma investigação. Isso é algo bastante útil já que uma preocupação recorrente em aventuras com temática histórica é saber se determinada coisa existia ou não no período. Também é bem vinda uma seção que cobre o funcionamento da lei e da ordem na época, com uma apreciação de como opera a polícia, o setor investigativo e as principais ramificações do crime.  

Abrangendo cerca de quarenta páginas, é um capítulo que provavelmente será útil tanto para jogadores, quanto para os e narradores e não apenas os de Chamado de Cthulhu já que essas informações podem ser aproveitadas em qualquer ambientação vitoriana.

Capítulo 2: Creating Gaslight Investigators (Criando Investigadores Gaslight) é provavelmente o capítulo que contém mais crunch de regras específicas do BRP (o sistema de Chamado de Cthulhu). Nele temos as regras de construção de personagens voltadas especificamente para a criação de investigadores vitorianos. A maior parte desse material é reproduzido no Guia do Investigador de Chamado, embora obviamente haja diferenças específicas para essa época, bem como algumas novas habilidades e ocupações. O capítulo também se esforça em explicar como cada ocupação e habilidade era compreendida no período vitoriano e as diferenças para a época clássica. É interessante como as ocupações se relacionam com as classes sociais e como algumas profissões acabam sendo exclusivas para um determinado tipo de pessoa, praticamente vedando que outras ingressem nelas.


Uma seção importante diz respeito aos Antecedentes dos personagens com uma boa lista de exemplos que devem atender aos jogadores que querem dar uma dimensão mais profunda aos seus personagens. O livro também faz um aceno ao Cthulhu Pulp fornecendo uma lista de Talentos adequados para os investigadores pulp.  

Finalmente temos uma pequena discussão sobre o papel de Organizações, Sociedades e Clubes de Cavalheiros, um elemento central na dinâmica social das pessoas na Era Vitoriana. Todos que "eram alguém" faziam parte de algum clube social e recebiam certos benefícios de acordo.

Capítulo 3: Money, Equipment & Weapons (Dinheiro, Equipamento e Armas) detalha todas as coisas que um Investigador do final do século XIX pode desejar comprar. Sendo um jogo de RPG, isso, é claro, inclui um imenso sortimento de armas (e estatísticas de armas). Impressiona a lista de armas de fogo que estavam disponíveis na época vitoriana, bem como as armas brancas. 


A listas incluem ainda veículos casuais, com todo tipo de carruagens, carroças e coches usados pelas pessoas que desejavam se mover de uma ponta para outra das cidades. Há informações sobre automóveis primitivos, balões e claro, trens, bem como o custo do transporte. Temos também uma lista criteriosa de equipamentos e objetos que podem ser adquiridos pelos seus investigadores. 

Sendo um livro muito voltado para a Grã-Bretanha, ele naturalmente oferece uma visão geral da estonteante e complexa variedade de moedas que se pode encontrar circulando no país. Realmente são muitas as moedas, nomes e taxas de conversão. Os autores fizeram uma bela pesquisa do assunto. 

Capítulo 4: Victorian Exploration (Exploração Vitoriana) oferece uma pletora de detalhes sobre como atuavam e eram organizadas as famosas expedições de descoberta. O capítulo faz todo sentido uma vez que a Era Vitoriana foi uma época em que as últimas fronteiras do mundo estavam sendo vasculhadas por aventureiros e exploradores cujos nomes se tornaram lendários.


O capítulo fornece informações sobre as principais expedições ativas, quem eram os personagens principais, assim como uma longa cronologia de expedições ano à ano cobrindo de 1870 a 1900. É impressionante a quantidade de expedições que esquadrinharam o mundo e ajudaram a definir a geografia do globo. 

Capítulo 5: Science, Pseudoscience and the Occult (Ciência, pseudociência e o oculto) abrange o funcionamento da Ciência Médica (ópio para fins medicinais ou recreativos), saúde mental e instituições de saúde no período o que sempre é útil já que muitas aventuras terminam em manicômios.

Há uma apreciação de algumas das chamadas ciências marginais com uma descrição de como era o funcionamento e as bases de coisas bizarras como Mesmerismo, Eletroterapia, Frenologia e Eugenia. Sendo uma época de muita experimentação, a Era Vitoriana encontrou sua parcela de médicos loucos.   


Uma vez que estamos no universo de Chamado de Cthulhu temos uma fartura de tradições, misticismo e superstições ligadas às crenças dos vitorianos. O livro dispensa especial atenção às tradições milenares tipicamente britânicas com druidismo e paganismo, mas também há espaço para contar como a secreta fraternidade da Maçonaria e os eméritos Rosacruzes que deixaram marcas na sociedade européia. 

Como não poderia deixar de ser, atenção especial é dada à Ordem Hermética da Aurora Dourada (Golden Dawn) que sem dúvida foi a mais influente Sociedade Mística do período. Uma espécie de instituição de ensino para aprimoramento místico, a Golden Dawn era uma ordem filosófica que visava o aperfeiçoamento místico - grosso modo, uma Escola de Magia moderna. Os membros mais ilustres são apresentados através de uma biografia que é claro, inclui o infame Aleister Crowley

O capítulo também oferece uma visão sobre o Espiritualismo que estava muito em voga na época, a crença em Fantasmas e as confusas doutrinas da Teosofia da renomada Madame Blavatsky. Essa é uma seção muito interessante que se encaixa perfeitamente na proposta de Cthulhu, mas que pode ser aproveitada para outros tantos RPG que exploram o misticismo.

O livro evita fornecer novos feitiços, tomos esotéricos e parafernália mágica, mas imagino que o Guia do Guardião deva cobrir cada um desses elementos. É um tanto quanto frustrante a ausência desses itens, mas compreendo que eles devem estar presentes no outro volume.    

Capítulo 6: Victorian London (Londres Vitoriana) serve como referência à cidade em si com uma riqueza de detalhes que cobre os principais aspectos da maior e mais imponente metrópole da Era Vitoriana. Londres, a Capital do Império Britânico, é o cenário ideal para uma campanha de Cthulhu by Gaslight, não apenas pelas referências e pela riqueza de opções, mas porque quando se fala do período Vitoriano uma das primeiras coisas que vem à mente são as ruas cobertas de fog do East End Londrino.


O capítulo fornece um panorama completo do que os investigadores encontrarão ao explorar a cidade - da gloriosa Westminster aos distritos miseráveis repletos de crime e perversidade. Londres oferece uma infinidade de possibilidades e o capítulo reforça alguns aspectos situando o Guardião nessa grande paisagem urbana.

O Guia da Cidade é um trabalho incrível de pesquisa, com detalhes e imagens belíssimas que são incrivelmente evocativas. O capítulo também oferece informações sobre transporte público, bairros, atrações, monumentos, museus, instituições, clubes, etc. É um capítulo bastante extenso e repleto de informações úteis para os Investigadores. Se um deles precisar fazer pesquisas numa biblioteca, encontrar um pub em busca de testemunhas ou contratar informantes, esse capítulo fornecerá tudo isso e muito mais.

Chapter 7: Beyond London (Além de Londres) começa com uma visão geral do restante das Ilhas Britânicas, incluindo como se pode viajar até elas de trem, por estradas ou pelo mar. Escócia, Gales e Irlanda, os países que compõem a Grã-Bretanha, possuem mapas com as regiões e províncias que os integram. Essa é uma novidade interessante em relação às demais edições do Gaslight onde a maior parte do destaque ficava por conta da Inglaterra, com um foco ainda maior em Londres. O capítulo aprecia as regiões vizinhas fazendo uma bela apresentação de como era a vida no interior e nas demais cidades inglesas.


Em seguida, o capítulo cruza o Oceano Atlântico para fazer uma visita ao leste dos Estados Unidos, com a ressalva de que o Oeste nesse período é coberto pelo suplemento Down Darker Tales. Os Estados Unidos do final do século XIX figura com detalhes sobre organização, sociedade, vida urbana e política. Isso inclui uma discussão criteriosa sobre o quão racista os Estados Unidos eram nesse período. Também há uma apresentação das principais cidades da costa leste, dedicando um bom espaço para Nova York, Boston, Chicago e é claro, as cidades do Vale de Miskatonic

A América na chamada Gilded Age raramente figura em ambientações de RPG uma vez que uma maior ênfase acaba sendo dado a expansão para o oeste. Talvez por isso esse capítulo seja tão interessante ao abrir uma possibilidade para os personagens britânicos viajarem até a América e quem sabe participarem de uma investigação. 

Capítulo 8: The British Empire (O Império Britânico) é outra grande inovação bem vinda nesse suplemento. Ele nos leva em uma jornada ao redor do mundo para todos os lugares que o Império Britânico reivindica, incluindo uma visão geral das diferenças entre coisas como Colônias, Colônias da Coroa e Domínios. Houve um tempo em que o Império Britânico estava representado em todos os continentes e sua orgulhosa bandeira tremulava em todos cantos do globo. A lista dos países que fazem parte do Império inclui Canadá, Caribe, Guiana Britânica, África do Sul, Quênia, Nigéria, Afeganistão, Burma, Índia, Nova Zelândia e Austrália.


O capítulo oferece uma seção intitulada "Somos nós os vilões?" sobre o colonialismo e o legado das conquistas imperialistas que marcaram a Era Vitoriana. É claro, se você vai conquistar e dividir o mundo em fatias, é necessário ter um exército, então temos uma visão geral das forças armadas da Grã-Bretanha, com destaque para a marinha e uma discussão sobre seus aliados e adversários na Europa.

Uma excelente linha de tempo oferece uma cronologia dos principais acontecimentos entre 1870 e 1900 que permite situar suas aventuras em meio a eventos reais e acontecimentos dramáticos.

O livro fecha com dois apêndices, um fornecendo o resumo das regras básicas conforme mencionado anteriormente e o outro fornecendo recursos que podem ser úteis como inspiração para jogos situados no final da Era Vitoriana. Temos dezenas de sugestões válidas em livros, páginas da internet, filmes e séries.

Ufa! Então vamos às considerações finais.

Cthulhu by Gaslight: Investigators’ Guide é um suplemento absolutamente fantástico, possivelmente um dos melhores livros de ambientação lançados para a sétima edição de Chamado de Cthulhu. Ele fornece uma visão ampla de como era a vida nesse período e garante aos jogadores opções quase infinitas para criar seus personagens concedendo a eles características e cores únicas.

O Guia é um manual inestimável com aproximadamente 300 páginas repletas de informações e dados que ajudam a evocar a aura da Era Vitoriana. A leitura corre fluida e fácil, num ótimo trabalho gráfico que inclui arte e cartografia brilhantes. 

Suponho que o "Cthulhu by Gaslight Guia do Guardião" irá focar consideravelmente mais em mistérios e segredos, monstros e cultos, criaturas e deuses do que esse primeiro volume que é muito mais voltado para a dinâmica dos jogadores. Não espere, portanto, encontrar muito a respeito do Cthulhu Mythos.  Ainda assim, este livro talvez seja o guia definitivo do período, uma ferramenta imprescindível para qualquer narrador que pretende rodar uma campanha vitoriana fundamentada e correta.

O livro foi publicado pela Chaosium em Outubro de 2024 e até o momento não há nenhuma previsão dele ser traduzido em português, mas eu não ficaria surpreso se isso acontecer em breve quando o segundo volume também estiver disponível. A New Order que detém os direitos sobre o selo Chamado de Cthulhu no Brasil já deve estar de olho nesse excelente suplemento. 


segunda-feira, 3 de março de 2025

Isolamento Total - Ponto Nemo o lugar mais remoto do planeta

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Adaptando Cenários: A Necrópole - Comentários e sugestões para o Cenário de Chamado de Cthulhu

Em Chamado de Cthulhu (CoC) temos grandes cenários prontos e aventuras publicadas que ganharam espaço e ocuparam um lugar de destaque entre os fãs como clássicos dentro de um RPG clássico.

CoC possui uma longa tradição de aventuras clássicas que são jogadas e repetidas para diferentes públicos e por conta disso ganham certo grau de notoriedade. É o caso de aventuras como "The Edge of Darkness", "Dead Man Stomp", "Behold the Mother", e claro, "A Assombração" aquela que detém o título de cenário mais jogado, discutido e celebrado pelos fãs.

Na sétima edição, há uma nova leva de aventuras prontas publicadas que lentamente estão fazendo seu percurso para se tornarem clássicas.  Delas, talvez "A Necrópole" (The Necropolis) seja aquela que tem reclamado para si o posto de cenário recorrente que merece ser jogado varias vezes.

A Necrópole foi publicada no suplemento "Doors to Darkness" que oferece histórias curtas e rápidas ideais para serem jogadas em eventos, encontros ou em algum final de semana em que todo mundo está querendo rolar uns dados e ninguém tem nada preparado. A proposta é boa, tão boa que a Chaosium já engatilhou mais um suplemento nesse estilo para Guardiões de primeira viagem ou ocupados que se beneficiam com tudo mastigado e preparado para seu jogo rolar macio. Estamos falando de No Time to Scream que já recebeu uma resenha aqui no Mundo Tentacular. 

Mas os cenários serem simples,  significa que eles são ruins? Não mesmo!

Uma coisa que se precisa entender é que um cenário simples não é sinônimo de um cenário simplório. E que mesmo as ideias mais simples por vezes podem resultar em histórias empolgantes, intrigantes e memoráveis.

Ao meu ver, esse é exatamente o caso de "A Necrópole", uma ótima opção para cenário one-shot envolvendo um dos ambientes favoritos dos jogadores de Cthulhu: o Egito na época de ouro da Arqueologia (1920-1930).

Como acontece frequentemente, eu costumo fazer alterações na estrutura das histórias para torná-las mais interessantes e uma experiência mais envolvente para os jogadores e mais interessante para mim, enquanto narrador. 

Se existe algum "problema" em Necrópole é o fato dela ser muito direto ao ponto. Eu entendo totalmente, já que a proposta do suplemento é oferecer aventuras rápidas para eventos. Proposta louvável quando se tem pouco tempo e a ideia é apresentar o jogo. Contudo eu achei que esse cenário merecia mais detalhes para fazer com que ele se tornasse algo mais que uma aventura rápida. Sendo assim desenvolvi a aventura que é projetada para ser jogada em duas horas em algo mais complexo.

Abaixo estão minhas mudanças para a trama, para o desenvolvimento e para os acontecimentos. É claro, aqui temos muitos SPOILERS, de modo que, se você tenciona jogar essa aventura melhor parar por aqui para não estragar a diversão.

Agora para o Guardião, essa é uma sugestão: use o que quiser, descarte o que não gostar ou ignore tudo. Cada narrador tem seu estilo, seu método e suas próprias ideias.

Então, dados os avisos e sugestões protocolares, vamos lá.

INTRODUÇÃO 

A principal mudança operada no cenário foi trocar o início que originalmente lança os personagens no meio da ação, para algo mais elaborado e misterioso.

Eu não tenho nada contra cenários que exploram esse início, conhecido como in media res, contudo para essa história considerei que valia a pena pontuar os acontecimentos e estabelecer algo mais embasado.

Assim decidi criar a ideia de que os personagens fazem parte de uma pequena expedição no Vale dos Reis em 1922. Uma expedição que até o momento não trouxe grandes resultados e que está prestes a ser finalizada se nada significativo fosse encontrado. Isso cria a necessidade dos jogadores assumirem riscos e embarcarem na trama de maneira mais desprendida. 

A história se inicia com um guia local propondo aos investigadores que o sigam até seu patrão que tenciona fazer uma proposta irrecusável. Ele tem a localização de uma ruína perdida que pode representar uma descoberta notável. Mas o grupo irá confiar no sujeito? Ficarão desconfiados com a proposta? Serão tentados a embarcar na aventura?

Isso cria um certo ar de mistério e faz com que os personagens tenham que pesar os riscos e recompensas inerentes. Me parece uma excelente introdução para o que está por vir em seguida.

O CHAMADO PARA A AVENTURA

O guia conduz os investigadores através de uma região isolada no deserto. É claro, haverá um clima de desconfiança no ar e a sensação de uma armadilha em potencial. 

Eventualmente os investigadores chegam a um acampamento luxuoso num Oásis onde um conhecido contrabandista local oferece a eles um acordo que parece bastante vantajoso. Seus contatos descobriram a entrada para o que parece ser uma tumba intocada cujo interior pode guardar tesouros inestimável. É o tipo de descoberta que os investigadores anseiam fazer conforme determinado no background deles. 

O contrabandista, um homem chamado Ahmed Suleiman, necessita de indivíduos que o auxiliem a explorar o interior da tumba, precisar sua idade e avaliar os artefatos que ela contém. Ele quer parte do que for achado, mas abre mão de descobertas valiosas para museus e instituições. 

Para tornar a coisa ainda mais interessante o sujeito joga uma isca. Uma placa extraída da entrada da tumba que a identifica como um dos possíveis lugares de descanso do Faraó profano Nephren-Ka. O misterioso governante, uma espécie de Rei Feiticeiro, foi apagado da história por ter se envolvido com Deuses ancestrais profanos. A descoberta de tal tumba, que pode ter ligação com este Faraó praticamente esquecido pode significar uma descoberta considerável. Algo no nível da descoberta da tumba de Tutancâmon.

Essa ligação com os Mythos faz com que os investigadores se mantenham em estado de alerta.

Ahmed Suleiman se oferece para levar os investigadores até a Tumba nessa noite para que eles possam explorar seu interior juntos. Ele próprio afirma não saber o que a tumba contém, mas que animado com a perspectiva de uma grande descoberta. 

PREPARANDO A ARMADILHA

É claro, no espírito de aventuras de matinê, os investigadores estão seguindo para uma armadilha. 

Não há como confiar nesse estranho e em sua proposta que parece simplesmente boa demais para ser verdade. De fato, o truque nesse ponto é manter o trato como uma possibilidade de descambar para uma grande descoberta - instintivamente, os personagens e os jogadores sabem que estão indo para uma exploração que vai se conectar com um perigo em potencial, mas eles não sabem de que lado virá a ameaça.

Todas as vezes que faço essa aventura (e já foram algumas), os jogadores demonstram desconfiança para com o NPC, Suleiman, mas até esse ponto ele não se revelou como o vilão de fato. Um dos truques é manter a perspectiva de que ele é apenas um NPC que os conduzirá ao local onde eles encontrarão os perigos. De certa forma, eles não estão errados!

Na minha adaptação, Ahmed Suleiman é um cultista de Nyarlathotep que descobriu essa tumba e que costuma atrair arqueólogos e viajantes com a promessa de riquezas e descobertas, apenas para capturá-los e oferecer um sacrifício aos horrores que habitam o lugar. Parti do princípio que o contrabandista já realizou esse mesmo plano em outras ocasiões e que ele tem tudo preparado para prender os investigadores sem se colocar em riscos.

O objetivo dele é simples: ludibriar os personagens e atraí-los para uma determinada câmara. Esta possui um dispositivo mecânico, similar a um alçapão que uma vez acionado faz com que as pessoas no interior caiam através de um cadafalso na tumba propriamente dita. Para atrair os investigadores basta espalhar alguns objetos valiosos semienterrados na câmara em questão e deixar que a cobiça fale mais alto. Eles caminham inadvertidamente na direção da armadilha a medida que descobrem artefatos enterrados no local. Quando todos estão na posição certa é o momento de acionar a armadilha e fazer com que eles mergulhem quatro metros na escuridão, para o interior do misterioso complexo subterrâneo.

Nesse momento eu ouço alguns dizendo que "não iriam cair nessa armadilha tão óbvia".

Eu respondo que tudo depende da maneira como você apresenta a situação e do seu grau de convencimento. Cabe ao Guardião fazer crer que os investigadores estão revistando a câmara em busca de uma passagem e que essa os levará a um aposento secreto. A descoberta de alguns artefatos enterrados no lugar também é um atrativo que vai colocá-los na posição ideal para a armadilha.

Pode parecer óbvio, mas após ter narrado essa aventura várias vezes posso dizer que em nenhuma ocasião os jogadores perceberam que estavam prestes a cair em uma armadilha - ao menos, até ser tarde demais.

O COMPLEXO SUBTERÂNEO

Uma vez presos no complexo, essa é a chance do vilão revelar suas intenções nefastas, permitindo ao Guardião caprichar na interpretação do personagem. Ahmed é um fanático pelos Mythos, ele acredita que deve satisfazer os desejos das criaturas que habitam o mausoléu. Ele vê a si mesmo como um sacerdote do Caos Rastejante e do Faraó Negro. Além disso, ele sabe que esse é um templo dedicado aos antigos, não necessariamente a morada final de Nephren-Ka, mas uma tumba importante que guarda surpresas. Mais que isso, nenhuma de suas vítimas retornou depois de ficar presa ali.

Com os investigadores capturados, Ahmed simplesmente os abandona à própria sorte no interior do complexo. Sem nenhuma outra perspectiva, o grupo terá que explorar o lugar em busca de uma saída - o que nos conduz ao que originalmente seria o início do cenário.

O roteiro original contempla apenas uma exploração do complexo, a tal Necrópole do título. As câmaras subterrâneas são conectadas por corredores escuros de pedra, recobertos de hieróglifos e da poeira das eras. Esse é um bom momento para o Guardião se esmerar na descrição do ambiente e do mistério exótico que é explorar uma cripta com milhares de anos. Vale a pena ressaltar a sensação de ameaça que permeia todo lugar, o receio do que está no final do corredor e daquilo que se esconde nas sombras. Poucos lugares em um cenário de Chamado de Cthulhu podem ser tão empolgantes quanto uma antiga tumba egípcia, então meu conselho ao Guardião é aproveitar a oportunidade e tornar essa exploração algo memorável.

Eu fiz algumas alterações no mapa original e inclui alguns detalhes que não estavam presentes originalmente. Uma das alterações motivadas pela mudança da história foi colocar o cadáver de uma infeliz vítima capturada antes dos investigadores. Com ele havia um diário que antecipava o terror que os investigadores estavam prestes a encontrar. O explorador, um arqueólogo britânico dado como desaparecido alguns anos atrás, também foi enganado por Suleiman. Em seu diário ele registrava alguns detalhes de sua expedição, a traição do egípcio, sua captura e o temor crescente à respeito de algo que parece estar rondando a necrópole.

A CONEXÃO COM O FARAÓ NEGRO

A outra alteração significativa que coloquei no roteiro diz respeito ao propósito da Necrópole. 

Na minha versão, o local é a tumba de importantes sacerdotes e cultistas do Faraó Negro, Nephren Ka, e como convém a um lugar tão importante, existe nele um templo dedicado não apenas ao antigo monarca do Vale do Nilo, mas também a seu Mestre e Senhor - Nyarlathotep.

Em minha versão, Nyarlathotep abençoou esse lugar com a sua presença sombria, ele foi invocado em seu templo e oficializou rituais no passado remoto. Uma das minhas ideias foi colocar "gatilhos" nos quais os personagens teriam visões do complexo como ele era no tempo dos faraós. Tocar em certos objetos servia para ativar essas visões e ter um vislumbre do local quando ele servia aos cultistas.

Mais terrível, isso permitiu que eu inserisse um elemento adicional de perigo na trama. Uma vez que a presença de Nyarlathotep contaminou esse lugar com energia negativa, os sacerdotes sepultados aqui jamais conseguiram descansar - de fato, eles são despertados toda vez que alguém é capturado por Ahmed e lançado nos túneis. Foi a deixa para inserir um grupo de múmias decrépitas dispostas a capturar os investigadores e sacrificá-los para seu Deus. Um dos objetivos deles é justamente "mumificar" os investigadores, transformando-os em servos mortos-vivos da Necrópole.

No Templo de Nyarlathotep, que corresponde a última câmara do complexo, os investigadores encontram uma estátua de Nephren Ka rendendo homenagem a um colossal mosaico do Caos Rastejante em sua forma monstruosa. Esse é o momento de carregar a mão na perda de sanidade através de uma bisão de um ritual sendo realizado e de fazer com que as múmias ataquem tentando surpreender os investigadores.

O GUARDIÃO

Entretanto, as múmias são apenas uma das ameaças na tumba. O verdadeiro perigo é uma abominável criatura que faz as vezes de Guardião desse sepulcro, um ser criado para proteger o local contra saqueadores e preservá-lo contra infiéis.

Eu mantive o monstro, tratado como "A Abominação", uma figura gigantesca cuja aparência remete ao mítico Deus Anúbis, com a cabeça de chacal e tudo. Fiz apenas algumas alterações nas estatísticas para tornar esse desafio mais difícil. Na versão original a criatura não possui armadura, de modo que um grupo bem armado pode despachar essa ameaça facilmente acertando alguns disparos. Na minha versão o monstro não apenas possui 5 pontos de armadura, como regenera 2 pontos de vida perdidos por rodada. Ele também não é destruído,! Uma vez reduzido a zero pontos de vida, ele se transforma numa sombra que retorna ao seu sarcófago. Lá regenera seu corpo em 1d10 rodadas e volta pronto para um segundo round.

Após lidar com a abominação que guarda a Necrópole, os investigadores podem encontrar um acesso oculto através do qual conseguem rastejar para a liberdade. Trata-se de um respirador que conduz para o exterior da Necrópole, um duto apertado e estreito, mas a única saída desse terrível pesadelo.

LIDANDO COM ACHMED SULEIMAN  

Dependendo de como o grupo consegue escapar da Necrópole eles podem ou não querer enfrentar Ahmed Suleiman.

Nem todos os jogadores querem fazê-lo e ao escapar dos horrores do Templo, a maioria deles quer simplesmente retornar ao Cairo e lá pegar o primeiro navio que os leve de volta para a Europa ou América. 

Entretanto, o encerramento ideal pressupõe que os investigadores tenham um ajuste de contas com o Sacerdote de Nyarlathotep. Nesse caso eu costumo facilitar um pouco as coisas. Ahmed não espera realmente que os investigadores consigam sobreviver às agruras da Necrópole, por isso ele baixa a guarda. Ele também desconhece a existência do duto de respiração e não imagina ser possível escapar da tumba. Dessa forma, quando o grupo consegue voltar, é perfeitamente possível atacar o acampamento, capturar ou matar o traidor.

Em um dos melhores finais, os investigadores capturaram o cultista e o jogaram na tumba, lacrando a única rota de escape com um desabamento provocado com dinamite. Esse final foi excelente! Mas a maioria dos jogadores simplesmente opta por não cruzar o caminho de Ahmed uma vez mais e se contentam de retornar para a civilização.

TO PULP OR NOT TO PULP

Com todo esse acréscimo de ação, combate e luta pela sobrevivência vocês podem se perguntar se não faria mais sentido inserir "A Necrópole" em um contexto PULP.

Sim e não, dependendo apenas do que você deseja fazer.

A primeira vista, a história parece funcionar perfeitamente para um cenário Pulp, tanto o ambiente quanto a atmosfera se mostram muito favoráveis a esse estilo de aventura, privilegiando a ação e a adrenalina colocando esses elementos até acima do próprio horror. Nada se compara a disparar uma metralhadora Thompson contra uma horda de mortos vivos, encarar um monstro com uma espada khopesh ou mandar tudo pelos ares com uma carga de dinamite. Tudo isso parece muito bacana, e acredite, quando narrei "A Necrópole" usando as regras do Pulp Cthulhu, foi muitíssimo divertido. De fato, tudo isso que eu usei como exemplo aconteceu na mesa.

Entretanto, se o Guardião quiser manter a proposta original de fazer a história ser mais contemplativa e perigosa recomendo manter o jogo no estilo clássico. Nesse caso há uma grande possibilidade de alguns personagens serem mortos ou de até mesmo ocorrer uma TPK (Total Party Kill). Por outro lado, se você estiver narrando a história como one-shot, isso é algo que acontece... todos sabemos que Chamado de Cthulhu é um RPG com alto potencial de mortalidade.

Eu recomendo ao Guardião pesar os prós e contras de cada estilo e tentar encaixar o que for mais empolgante para os seus jogadores e aquele no qual ele se sentir mais à vontade. Eu narrei essa história usando os dois estilos e em ambos tanto eu quanto os jogadores nos divertimos horrores.

DICAS PARA O CENÁRIO:

Esse é um cenário relativamente tranquilo de narrar facilitando o trabalho do Guardião. As alterações descritas aqui no artigo aprofundam um pouco a história e fornecem alguns elementos adicionais à trama. Ela acrescenta também um vilão humano detestável e um prólogo que encadeia os acontecimentos de uma forma mais coerente.

A história é ideal para introduzir novos jogadores ao universo dos Mythos de Cthulhu. Ela tem uma premissa fácil de ser entendida e assimilada e mesmo novatos vão conseguir comprar a ideia e se adaptar a ela. Dá mesma maneira, os veteranos também encontrarão elementos de interesse na trama central, afinal, quem não gosta de uma história de Arqueologia no Egito? 

Minhas dicas para esse cenário envolvem investir no ambiente e apostar na atmosfera. A ideia de que os personagens estão em uma ruína antiga, escura e abandonada há milênios fornece um elemento de mistério muito propício a uma história de horror. Cada câmara, cada aposento adentrado deve ser descrito com detalhes que permitem imaginar o que está a volta. Não apenas o aspecto visual, mas uma atenção dispensada a sons, cheiros, texturas... tudo isso aumenta a amplitude a história.

Da mesma forma essa história possui monstros interessantes  cuja descrição apavorante contribui para gerar um clima de ameaça. Eu aconselho investir na descrição dos ataques, nos sons bizarros, na forma que os monstros se movem e como eles morrem. Tudo isso torna a coisa mais interessante, sobretudo porque essa é uma aventura com bastante combate.

Filmes que podem ajudar a inspirar A Necrópole: 

A Múmia (1999) e O Retorno da Múmia  - Sem dúvida a maior inspiração para esse cenário vem dos filmes da franquia "A Múmia" com Brendan Fraser e Rachel Weiss. Esses filmes são a quintessência das aventuras PULP. com ação vertiginosa, lutas, mistério e uma pitada de horror.

Eles também servem como base para as imagens e descrições que o Guardião pode inserir na sua narrativa. Quase tudo ali pode ser aproveitado já que o filme se passa praticamente no mesmo período e o estilo dele se encaixa perfeitamente na ambientação. Talvez seja até uma boa ideia passar aos jogadores o "dever de casa" de antes da sessão, assistirem a esses dois filmes para entrar no clima e se familiarizar com as imagens e atmosfera exótica do Egito dos anos 1920.

Mais que isso, os filmes fornecem ideias sobre como era o Egito e como funcionava uma expedição arqueológica, sem falar das escavações e sítios. Finalmente o filme apresenta criaturas sobrenaturais - Múmias e monstros com Cabeça de Chacal que são perfeitos para usar como comparação com as criaturas dessas história. Eu usei esses monstros como referência para descrever seus movimentos e ataques.

Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981) - Outro clássico monumental do gênero pulp. Boa parte da ação do primeiro filme de Indiana Jones se passa no Egito, e embora a trama se concentre na década de 1940, ele ainda contém muitos elementos que servem como inspiração direta. 

As cenas de Indiana Jones adentrando os sítios arqueológicos e descendo para as misteriosas ruínas que não são exploradas à milênios são especialmente interessantes. Elas fornecem uma atmosfera perfeita para o Guardião transmitir aos jogadores.  

Stargate - Ok, eu sei... esse filme envelheceu muito mal e se teve alguma serventia foi introduzir o conceito básico para uma série bastante superior a fonte original. Mas ainda assim, visualmente, Stargate é uma boa referência  para sítios arqueológicos, expedições estrangeiras, escavações e tudo que se relaciona a Egito no período em que se passa a aventura.

As imagens de hieróglifos sendo examinados e interpretados também é válida, embora dificilmente acadêmicos, ainda que especialistas no tema conseguissem traduzir s símbolos com tanta facilidade. As imagens do interior de ruínas e da grandiosidade dos monumentos ancestrais são especialmente interessantes para o Guardião.

Literatura e Contos

Aprisionado sob a Pirâmide de H.P. Lovecraft - A melhor referência literária para esse aventura sem dúvida é esse conto curto escrito por Lovecraft, supostamente com participação do famoso ilusionista e mestre de fuga Harry Houdini. Acredito que em parte a aventura se inspirou no conto que narra as desventuras de um aventureiro (possivelmente Houdini) que é aprisionado sob um complexo de túneis e caminhos sob as Pirâmides no Vale dos Reis. 

A forma que ele precisa lidar com a situação e as visões no interior das câmaras ancestrais, nem como as alucinações que ele experimenta com os resquícios de um passado distante, são perfeitas para utilizar em "A Necrópole". Eu aconselho fortemente o Guardião que se propõe a narrar esse cenário que dê uma lida nessa pequena historieta e tente levar os elementos nela contidos para sua mesa.  

Deuses, Túmulos e Sábios - Esse livro é um clássico que atravessa décadas como uma das mais interessantes e eloquentes obras sobre a Arqueologia. Sabe o que mais é legal sobre ele? Que é fácil de encontrar em qualquer sebo que se preze. Sério mesmo, esse livro tem várias edições e é bem fácil de achar.

Mais do que ser um tratado certeiro e cheio de descrições empolgantes, ele é escrito de uma forma acessível que concede subsídios para o Guardião que deseja dar um verniz de autenticidade à sua narrativa. Afinal, é muito mais interessante descrever os monumentos, as peças antigas e artefatos usando termos corretos extraídos da arqueologia.

Além de ser um excelente livro de referência sobre o tema, ele concede um aumento de 5% em arqueologia para o leitor.