quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Portlock, Alasca - A lenda da Cidade que foi abandonada pelo medo do Pé Grande


Perdido na imensidão do Alasca encontram-se os restos de uma cidade fantasma.

Não é uma visão agradável! Tudo o que sobrou foram uma velha mina desativada, pilhas de entulho, algumas casas de madeira apodrecendo e maquinário enferrujado. Há também memórias amargas de tempos antigos. Esses são os últimos resquícios da Cidade de Portlock, um dos lugares mais isolados do mundo e lar de várias histórias estranhas e perturbadoras.

Os residentes dessa vila abandonada que um dia foi um próspero assentamento que possuía porto e uma fábrica partiram por volta de 1950. A versão oficial é que os habitantes de Portlock foram embora em busca de melhores condições de vida em um local menos insalubre e perigoso. A abertura da Alaska Route One, uma estrada que conectou cidades (e que deixou Portlock de fora) também é apontada como uma explicação razoável. Afinal, Portlock, não era um lugar tranquilo que pudesse realmente ser chamado de lar pelos seus residentes. Por volta de 1951, os últimos habitantes já haviam partido e a cidade estava praticamente deserta.

Pelo menos, é essa a história oficial.

As lendas urbanas que circulam à respeito de Portlock, no entanto, indicam que algo bem mais sinistro teria motivado a partida dos moradores. Sempre existiu algo de positivamente estranho no lugar, isso é fato! 


Desde 1700, a área no extremo sul do Alasca localizada na Península de Kenai atraiu habitantes. Estes eram em sua maioria pescadores, madeireiros e mineiros, quase todos descendentes de russos nascidos nas aleutas e nativos oriundos das tribos locais. Além de uma pequena indústria pesqueira relativamente próspera, eles tinham uma pequena reivindicação à fama: o renomado Capitão britânico Nathaniel Portlock ancorou lá em 1786. O evento motivou a troca do nome original Port Chatham para Portlock como forma de marcar a visita do ilustre viajante. 

A baía calma e a pesca abundante de salmão motivaram o estabelecimento de uma empresa americana por volta da virada do século XX. Toda uma frota de barcos pesqueiros foi trazida, bem como equipamento e infraestrutura. O porto foi modernizado para a chegada e partida de embarcações de maior porte. A empresa batizada como Portlock Cannery obteve relativo sucesso e em 1921 era a principal empregadora da cidade. No seu auge ela teve uma população de 750 pessoas.

Mas apesar do sucesso do empreendimento mercantil, sempre houve histórias estranhas sobre o povoado. 

Os nativos Inuit falavam que era aquela era uma terra ruim que atraía coisas assustadoras que transitavam nos limites da lenda e realidade. O folclore do Alasca é rico em lendas sobre espíritos que habitam esses rincões afastados. São entidades com apetite voraz que tomam o corpo dos homens e os obrigam aos atos mais desprezíveis. Relatos de violência, selvageria e até canibalismo são corriqueiros entre as lendas locais. Contudo na região de Portlock havia algo ainda mais assustador do que espíritos desencarnados. Segundo os relatos, a Península do Kenai era o território de caça de uma criatura selvagem, uma fera meio-homem meio-fera que espreitava pelas florestas e planícies nevadas. A Besta reminiscente das lendas do Pé Grande (ou Sasquatch) era conhecida pelos locais como Nantiinaq


O termo Nantiinaq (non-tee-nuck) remete ao idioma inuit conhecido como Dena’ina, enquanto a raiz "nant’ina" pode ser traduzida como "aquele que rouba as pessoas". O Nantiinaq é uma fera enorme de forma humanóide, mas muito mais alto que um homem adulto. Ele tem o corpo coberto por uma pelagem crespa escura que acaba se cobrindo de neve permitindo-lhe se mesclar à paisagem branca. A criatura é um predador inteligente que estabelece uma área de caça em busca de carne fresca. Ele se satisfaz com peixes, renas, caribous e outros animais da floresta selvagem, mas quando experimenta carne humana passa a preferi-la sobre todas as outras. Dotado de uma força sobre-humana, a fera tem presas e garras afiadas que usa para lacerar as presas, que são então devoradas vorazmente. Seu covil, que pode ser uma caverna ou gruta é coalhada de ossos quebrados e carcaças descartadas.

O Nantiinaq não é apenas um animal selvagem, ele é uma entidade muito conhecida entre os Inuit e temida na mesma proporção. É dito que nos primórdios, quando o mundo ainda era jovem, os Deuses criaram esses seres para vagar pelas florestas e proteger as regiões pristinas onde os mortais não eram bem vindos. Entretanto, em algum momento, os Nantiinaq se ressentiram de sua função específica e escaparam dos limites das terras que deveriam vigiar. Passaram então a caçar os homens o que desagradou os deuses criadores. Eles foram então banidos para os recessos mais afastados do mundo e lá deveriam ficar isolados para sempre. Contudo, os homens acabaram esquecendo as lendas dos Nantiinaq e passaram a viver cada vez mais próximos a seus territórios, atraindo a atenção das feras.

Foi exatamente isso que teria acontecido com Portlock. Um ou mais Nantiinaq viveriam na Pensínsula do Kenai e eles foram responsáveis pelos misteriosos desaparecimentos de dezenas de pessoas. A situação se tornou dramática a  partir de 1900 quando a população da cidade aumentou, atiçando o instinto primal da criatura. Ela havia provado de carne humana, tenra e saborosa, e nada a impediria de conseguir mais.

Mas seria verdade que as pessoas de uma vilarejo proeminente teriam partido por conta dos ataques de um monstro? 


Se você perguntar a respeito, as pessoas dirão que a população partiu por conta da melhor oferta de moradia no caminho da estrada. Não oficialmente, elas partiram por conta de décadas de ataques aterrorizantes empreendidos por um monstro.

Lendas sinistras sempre fizeram parte do dia a dia dos moradores do local. Havia uma história em particular que dava conta de três marinheiros que haviam desembarcado na cidade em meados de 1875. O grupo recebeu ordens de ir à terra e caçar algum animal para suprir a despensa de carne de sua embarcação. Os três ouviram conselhos para não se afastarem demasiadamente pois corriam o risco de encontrar urso polar ou coisa pior. Eles não quiseram contratar um guia Inuit assegurando que não iriam se aventurar pela tundra interior. Passados três dias sem qualquer notícia dos homens, um grupo de resgate foi organizado para descobrir seu paradeiro. As lendas asseguram que rastros misteriosos de um humanoide de grande porte foram encontrados na neve e estes levaram até a sangrenta cena de um massacre. Os corpos mutilados de dois dos marinheiros foram recuperados, mas do terceiro jamais se soube o destino. Acredita-se que a fera tenha o levado para seu covil afim de devorá-lo mais calmamente. 

Em 1905 houve outro evento curioso. Os empregados nativos que trabalhavam na empresa de empacotamento de peixe decidiram se demitir e partir ao mesmo tempo. Há especulações de que esse foi um protesto pelas más condições de serviço e por ganharem menos que seus colegas brancos, entretanto há outras versões dessa história. Segundo alguns, a partida dos Inuit se deu por conta do desaparecimento de duas crianças que teriam sido levadas na calada da noite pelo Nantiinaq. A fera teria sido inclusive avistada por dois respeitados caçadores da tribo que alertaram os demais de que continuar ali era perigoso para as famílias.

Com a partida dos nativos, a companhia focou em contratar homens solteiros para dar sequência no trabalho, trazendo uma nova leva de pessoas que vinham principalmente do Canadá. Em 1908, um outro acontecimento bizarro ganhou projeção. O aumento de homens solteiros no assentamento, motivou o surgimento de uma taverna na cidade. Esta era de fato um bordel que operava com grande interesse dos locais. O estabelecimento foi um sucesso, ao menos até que o dono e duas moças que ele havia recém contratado foram massacrados no caminho que levava do porto até a casa. Os corpos foram horrivelmente mutilados e as pessoas culparam uma fera selvagem já que o treno em que eles seguiam, e que estava repleto de suprimentos valiosos, sequer foi tocado. Seja lá quem causou a matança queria apenas carne, e a conseguiu já que os corpos tinha marcas inequívocas de terem sido mordidos.


Além desses incidentes sinistros, os locais citavam desaparecimentos esporádicos nos arredores da cidade. Pessoas frequentemente desapareciam e seus corpos jamais eram recuperados. Em um lugar perigoso como o Alasca não chega a ser exatamente uma surpresa que pessoas sofressem acidentes fatais ou que acabassem sumindo nos ermos gelados, contudo os locais tinham uma explicação corriqueira para quando alguém sumia da face da terra: o Nantiinaq!

É claro, ursos, lobos, nevascas ou outras coisas podiam ser responsáveis pelos desaparecimentos. Além disso Portlock havia se tornado um lugar bastante violento atraindo a presença de indivíduos perigosos com passado de crimes. Entretanto a maioria preferia culpar a fera sobrenatural pelos desaparecimentos. Em 1920 o Anchorage Report, jornal da capital deu enorme destaque aos rumores de pessoas desaparecidas na região. Um conhecido caçador que vivia em Portlock contou ao repórter que o Nantiinaq havia sido visto repetidas vezes nas proximidades de uma mina desativada que ele provavelmente usava como covil. O repórter ficou impressionado com a história e escreveu uma matéria que estampou a capa do diário com a seguinte manchete: "MONSTRO DE PORTLOCK RESPONSÁVEL POR DEZENAS DE MORTES".    

Outros jornais enviaram correspondentes para cobrir a história. O Chicago Tribune publicou fotografias que mostravam árvores arrancadas pela raiz supostamente pelo monstro, além de rastros de uma criatura bípede que havia deixado pegadas de 46 centímetros na neve. Para muitos essa matéria publicada em 1925 foi uma das primeiras a lançar o nome "Pé Grande" que se tornou imediatamente um perfeito adjetivo para feras humanoides nas florestas da América do Norte. Outro diário, o Seattle Times também publicou uma matéria com fotografias mostrando uma rena que havia sido horrivelmente mutilada por uma fera desconhecida. "Os sinais eram inequívocos e mostravam que uma criatura grande e feroz perseguiu e mutilou uma rena de 100 quilos na tundra. O pobre animal foi feito em pedaços por garras e mordidas medonhas".

Então, em 1931, outra morte chocou o vilarejo. Um madeireiro chamado Andrew Kamluck, homem experiente e bem quisto em Portlock sofreu uma morte misteriosa e violenta. Kamluck foi supostamente atingido na cabeça por uma peça de metal  – algo pesado demais para um ser humano usar como arma. Embora houvesse sangue em um guindaste próximo, Kamluck foi encontrado a 3 metros dele com a cabeça arrebentada como um melão. Segundo boatos partes de seu corpo foram mordidas e arrancadas. A fera foi novamente culpada pelo acontecimento macabro e um grupo de caça se organizou para encontrar e abater a fera. Apesar de rastros terem sido encontrados e alguns calçadores terem avistado uma silhueta gigantesca na neve, a criatura não foi encontrada. A fera continuaria à solta, atacando de tempos em tempos!


A Alaska Magazine relatou em uma edição de 1934 que um professor que lecionava na escola local desapareceu sem deixar vestígios. Em 1940, outro grande massacre envolveu quatro trabalhadores de uma fábrica de conservas que foram mortos enquanto caçavam ovelhas e ursos a cerca de quatro quilômetros da cidade. Apenas um cadáver foi mais tarde encontrado, horrivelmente desmembrado em uma lagoa local.

Ao longo das décadas, histórias como essas aterrorizaram os moradores de Portlock. Um a um, eles começaram a abandonar a cidade em busca de pastagens mais seguras.

"Deixamos nossas casas e a escola e começamos tudo de novo em Nanwalek", contou Malania Kehl, que nasceu em Portlock em 1934, ao Homer Tribune em uma reportagem publicada em 1952. Durante um "longo período de tempo", explicou ela, "um monstro aterrorizou os residentes da cidade a ponto de fazer com que todos fugissem de lá pois temiam serem os próximos"

De fato, Portlock era um lugar de sucesso, a Indústria Pesqueira estava em expansão e a companhia de enlatados tinha uma demanda considerável até a debandada final de mais de duzentas pessoas ao mesmo tempo. Elas resolveram partir antes do inverno de 1950 deixando a cidade quase vazia.

Histórias como essas abundam em artigos e sites que relatam a história de Portlock, Alasca. Mas os antigos moradores da região frequentemente contestam a veracidade desses relatos. 


"Malania meio que inventou tudo porque ela estava ficando cansada de pessoas perguntando se as histórias sobre Portlock eram verdadeiras", disse Sally Ash, prima de Kehl que serviu como tradutora para outra publicação do Anchorage Press em 1958. "Ela inventou a história sobre como o Pé Grande estava matando muitas pessoas. Não era verdade! Pessoas morreram em acidentes e ataques de urso, mas quando se vive no Alasca, um um lugar afastado, essas coisas aconteciam".

Ash cresceu em Nanwalek e sua mãe nasceu e viveu em Portlock até a saída. "Ela falava sobre sua cidade natal, dizendo que era lugar assustador e perigoso. A natureza era inclemente ali e qualquer deslize podia ser fatal. Fora isso, havia todo tipo de gente morando na cidade. Muitos eram ex-criminosos que buscavam um lugar afastado para trabalhar e se esconder. Não duvido que muitas mortes tenham sido causadas por desentendimentos. Quando se vive num lugar remoto como Portlock qualquer discussão pode descambar para algo físico". 

Mas ainda há quem culpe o Nantiinaq pelas mortes naquilo que hoje é uma cidade fantasma.

"Lembro dos meus pais dizendo que para podíamos sair em dias de neblina. Era quando o monstro saía de sua toca para caçar. Você podia topar com ele e acabaria morrendo”, conta Albert Vissey que nasceu e viveu na cidade até os 10 anos. "Meus pais acreditavam no Natiinaq e não tinham qualquer dúvida sobre sua existência. Um tio participou de uma caçada certa vez e viu a criatura. Ele e mais uma série de pessoas contavam que o monstro estava sempre por perto do centro da cidade. Ele era uma presença assustadora".

Ele acrescentou que a criatura deve estar lá até hoje. "O Nantinaq é imortal... ou pelo menos vive muito mais do que um ser humano. Ele deve estar lá ainda na tundra gelada... respeite-o! Mantenha distância... era o que se dizia na época e creio que continua valendo".


Os conselhos de Albert são realmente bem vindos já que nas últimas décadas as ruínas de Portlock se converteram em uma espécie de atração turística. Elas recebem pessoas interessadas em conhecer uma velha cidade pesqueira da virada do século quase que perfeitamente preservada. As lendas, é claro, são um atrativo adicional para visitantes em busca de histórias assustadoras.

Se há algo real sobre o abandono de Portlock não se sabe, mas as lendas sobre o Pé Grande do sul do Alasca, essas provavelmente serão contadas ainda por muitos e muitos anos. 

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

O Profeta Adormecido - As notáveis Visões de Edgar Cayce


Poucos videntes desfrutaram do renome e popularidade de Edgar Cayce, o celebrado "Profeta Adormecido" dos Estados Unidos. Durante sua vida, Cayce fez mais de 14.000 leituras documentadas para uma grande variedade de pessoas, inclusive celebridades como Harry Houdini, Thomas Edison, Woodrow Wilson e Marilyn Monroe. Os ricos e famosos buscavam suas premonições, pois a precisão de Cayce havia se notabilizado. Diziam que ele era capaz de fazer maravilhas.

Suas leituras cobriam uma grande variedade de tópicos, inclusive assuntos pessoais e condições de saúde. Ele seria capaz de alertar uma pessoa de riscos durante viagens, apontar possíveis traições e de detalhar esquemas prejudiciais ocultos. Por essa razão ele ganhou projeção até mesmo entre empresários e especuladores de Wall Street. Mais do que isso, ele alegava ter salvo a vida de vários de seus clientes apontando para doenças e aflições que em estágio inicial poderiam ser corretamente tratadas e sanadas.

Contudo, foram as previsões ligadas ao mundo esotérico que conferiram a Edgar Cayce sua enorme fama. Ele previu eventos que incluíam desde a descoberta da lendária cidade perdida de Atlântida até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, oferecendo sempre uma riqueza de detalhes desconcertante.

O místico ganhou seu famoso apelido, o de "Profeta Adormecido", devido à sua suposta capacidade de adormecer sobre livros, despertando com total retenção dos fatos e ilustrações neles contidos. Mais tarde, essa habilidade se transformou na capacidade de diagnosticar e recomendar tratamentos para doenças em um estado de sono semelhante a um transe. O próprio Cayce não tinha treinamento médico formal mas fornecia aos interessados uma relação de doenças e de possíveis curas meramente escutando o coração ou prestando atenção na maneira como a pessoa respirava.


Os talentos preternaturais de Cayce, as previsões surpreendentes e os diagnósticos médicos fascinantes, garantiram a ele enorme fama, dinheiro e certo grau de notoriedade. Para alguns ele foi o maior vidente do século XX.

Edgar Cayce continua sendo uma figura controversa mesmo décadas após seu falecimento, e há boas razões para isso. As histórias que envolvem o início de sua vida são sensacionalistas e difíceis de acreditar, mas o que é normal na vida de tal personagem? No entanto, esses relatos fornecem os elementos fundamentais para a ascensão dessa fascinante figura. Entre suas primeiras façanhas estava a habilidade de ver seres invisíveis e de comunicar-se com seu avô morto.

Ele considerava essas entidades incorpóreas, espiritos que continuavam apegados ao mundo dos vivos e que ele podia enxergar, bastando para isso que meramente se concentrasse. Em 1889, Cayce, com 12 anos de idade, relatou a visita de uma mulher alada que prometeu responder às suas orações. Ele também enxergava crianças que vinham brincar com ele, crianças que teriam morrido décadas antes dele mesmo nascer.

As entidades que ele descrevia como "luzes incorpóreas" eram entretanto as mais enigmáticas. Estas falavam com o menino mentalmente, com sons rítmicos e zumbidos que ressoam em sua mente e faziam seus dentes e a cabeça latejarem. Mostrando a ele imagens de coisas que viriam a acontecer como filmes incrivelmente realistas. Foram eles que mostraram naufrágios, explosões, assassinatos e a tragédia da guerra. O menino assistia tudo aquilo com um horror petrificante. Ele não compreendia que era uma espécie de antena para captar essas imagens bizarras de um temo que não era o seu.


Com todos esses seres sobrenaturais circulando ao seu redor, não é de se admirar que Cayce tivesse dificuldade para se concentrar em seus trabalhos escolares. Certo dia ele recebeu um relatório insatisfatório de seu professor por causa de sua má ortografia. O pai de Cayce um homem severo o puniu pelo seu baixo aproveitamento nos estudos, mas o jovem foi consolado pelos seus amigos espirituais. Cayce lembrou de ter ouvido as vozes ordenando que ele adormecesse um pouco para que "eles" pudessem ajudá-lo. Depois de pedir ao pai para tirar um cochilo rápido, ele colocou a cabeça sobre um livro de ortografia e dormiu. Quando acordou, o rapaz lembrava perfeitamente do conteúdo do volume que estava embaixo de sua cabeça. Seu pai ficou surpreso ao descobrir que o filho tinha memorizado todas as páginas do livro.

Cayce repetiu o processo com outros livros escolares. Em 1892, sua professora o considerou o melhor aluno da classe. Quando ela o questionou sobre como ele havia mudado suas notas escolares, ele mencionou que dormia em cima de livros. Toda vez que fazia isso, acordava e se lembrava completamente do conteúdo de suas páginas. 

Nascia assim a lenda do "Profeta Adormecido". Com o tempo, sua capacidade de absorver o conteúdo de livros durante o sono foi eclipsada por outros talentos. Por exemplo, sua notável habilidade de fornecer às pessoas diagnósticos médicos completos durante o sono.

A atuação como médico clarividente começou com o autodiagnóstico. Depois de ser atingido na coluna vertebral por uma bola durante um jogo escolar, Cayce agiu de forma estranha. Seus pais o colocaram de cama. Para a surpresa deles, ele começou a falar enquanto dormia, diagnosticando sua condição e descrevendo como curá-la. Depois de seguir as instruções do filho adormecido, os pais foram capazes de restaurar sua saúde. 


Logo, os jornais anunciaram Cayce como o "homem comum [que] se tornava médico quando dormia". Em seguida ele aprendeu a estabelecer uma espécie de transe que lhe permitia fazer suas leituras de maneira mais conveniente. Cayce estabelecia um ritmo respiratório, fechava os olhos, murmuravam algumas palavras e então as órbitas rolavam sob as pálpebras, sua pele enrijecia e ficava pálida. O transe estava funcionando e ele falava numa voz monótona diferente da sua, com zumbidos e estalidos. 

Durante sua vida, Cayce fez mais de 14.000 leituras abrangendo uma ampla gama de tópicos. De acordo com seu biógrafo Thomas Sugrue, "Há centenas de pessoas em todos os Estados Unidos que testemunharam a exatidão de seus diagnósticos e a eficácia de suas sugestões de tratamento."

Se todas essas previsões se concretizaram, ainda é motivo de acirrado debate entre defensores e críticos. Mas as análises de saúde de Cayce das décadas de 1920 e 30 impressionam visto que muitas estão de acordo com recomendações válidas para tratamentos nos dias de hoje. Cayce certa vez disse que suas dicas médicas eram sussurradas em sua mente pelas luzes que forneciam as informações durante o transe mediúnico. Elas tinham alegadamente possuíam um conhecimento médico profundo da anatomia e fisiológicas humana. Algo que Cayce jamais poderia saber sem a devida instrução.

Já as fascinantes profecias que ele obtinha durante o transe eram ainda mais difíceis de compreender. Embora algumas tenham se provado precisas, outras permanecem sujeitas a interpretação ou segundo os crentes, ainda irão acontecer. 

Entre as previsões atribuídas a ele estão a Quebra da Bolsa de Valores de 1929 em duas ocasiões distintas, a primeira em fevereiro de 1925 e a segunda seis meses antes do evento, em março de 1929. Ele previu o naufrágio do Titanic e do Lusitânia. Falou do Hindemburg Zeppelin que via envolto por chamas. Também mencionou a Gripe Espanhola e segundo alguns o advento da AIDS. Alguns supõem que ele falou da Pandemia do Covid e previu um surto ainda não ocorrido do que muitos acreditam seja uma mutação do vírus Ebola.


Em 1935, ele previu o desenrolar da Segunda Guerra Mundial, descrevendo uma aliança sem precedentes entre alemães, austríacos e japoneses. Vale a pena observar que essa aliança só viria à tona com a assinatura do Pacto Tripartite em 27 de setembro de 1940. Cayce também previu que "o mundo inteiro seria incendiado pelos grupos militaristas radicais", os homens de botas e uniformes que marchavam orgulhosos para campos de batalha. 

Ele previu as batalhas do Pacífico, a traição da Alemanha Nazista contra os Soviéticos, o cerco de Stalingrado e a queda do Reich. Cayce teria precisado a data da morte de Hitler e o fim da Guerra com o Japão de uma maneira notável. 

Outras previsões surpreendentes do "Profeta Adormecido" incluem o uso do sangue como ferramenta de diagnóstico, os avanços da medicina, os efeitos do fenômeno El Niño e a convergência das empresas de comunicação de forma cooperativa e estruturada. Ele especificou que o mundo seria unido por um sistema de informação acessível a todas as pessoas individualmente. Cada indivíduo teria aparelhos portáteis para comunicação e obtenção de informações. Cayce afirmava ter uma grande sensibilidade para captar abalos sísmicos e quando se mudou para a Califórnia chegou a avisar as autoridades a respeito de tremores mais fortes dias antes deles ocorrerem. 

Um assunto notável foi sua previsão sobre a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto e as pessoas que os criaram, os essênios. Segundo o vidente, este era um povo dotado das mesmas faculdades metafisicas que ele possuía. Os documentos só foram encontrados em 1947, dois anos após a morte de Cayce, mas ele os descreveu com detalhes notáveis fornecendo inclusive dados sobre a forma de escrita dos essênios que sequer era conhecida na época. Para alguns ele disse "eu conheço essa escrita, eu a usei em outra vida".


Uma das mais sensacionais previsões do Profeta Adormecido sem dúvida diz respeito a cidade perdida de Atlântida. Cayce previu sua redescoberta próximo do Atol de Bimini entre os anos de 1968 ou 1969. 

No exato ano de 1968, arqueólogos submarinos encontraram uma formação rochosa subaquática na costa da ilha bahamense de North Bimini. A formação fica a 18 pés abaixo da superfície. Alguns levantam a hipótese de que ela marca a entrada da cidade submersa. Embora o debate ainda esteja em andamento sobre se a estrada de Bimini é natural ou feita pelo homem, sua descoberta aumentou o interesse, e concedeu credibilidade ao vidente favorito dos Estados Unidos. Para alguns Cayce teria dito que as luzes seriam espíritos de Atlântida extremamente avançados que podiam viajar através do tempo e espaço. Por que eles escolheram justamente Cayce para ser o seu porta voz, ele não sabia explicar. Era uma questão que o atormentou até seus últimos dias de vida.

Os testamenteiro de Cayce supostamente mantém cadernos com previsões e envelopes lacrados com datas para eles serem abertos. Alegam que eles contém previsões que ainda irão se realizar, mas que o teor de algumas exige cuidado, pois são demasiadamente perturbadoras. Cayce teria previsto tempos confusos e desafios enormes para a humanidade após o ano 2030. O tempo, é claro, dirá...

Quantas outras previsões ainda aguardam em segredo? Quem seriam as luzes misteriosas que enviavam previsões a Cayce? Qual sua relação com povos antigos que escreveram os Documentos do Mar Morto? Seria ele, realmente um dos últimos Prrofetas tocados por forças desconhecidas?

Só há uma certeza: a de que essas questões jamais serão respondidas satisfatoriamente e que Edgar Cayce continuará sendo pela eternidade um enigma.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

O Amuleto do Mastim Alado - Um artefato aterrorizante de um Culto tenebroso

No caixão estava um amuleto de desenho curioso e exótico, que aparentemente tinha sido usado em volta do pescoço do cadáver. Era a figura estranhamente convencionalizada de um cão alado agachado, ou esfinge com um rosto canino, e foi primorosamente esculpido em estilo oriental antigo a partir de um pequeno pedaço de jade verde. A expressão de suas feições era extremamente repulsiva, saboreando ao mesmo tempo morte, bestialidade e malevolência. Ao redor da base havia uma inscrição em caracteres que nem St. John nem eu conseguimos identificar; e na parte inferior, como o selo de um fabricante, estava gravado um crânio grotesco e formidável.

H.P. Lovecraft - O Mastim

Agindo no submundo, longe dos olhos de testemunhas inocentes, os Cultos devotados aos horrores do Mythos de Cthulhu tentam a todo custo manter uma fachada de sigilo indevassável. Afinal, é uma das prerrogativas mais valiosas de qualquer sociedade secreta, manter-se como tal, privando o público de suas ações perniciosas. De que outra forma conseguiriam prosperar se os seus rituais e tradições fossem partilhadas abertamente?

Entretanto, de tempos em tempos, um fragmento de tais atividades medonhas acaba escapando e rompendo a superfície para ser resgatado por indivíduos que só então conseguem obter um lampejo desses cultos abomináveis. Muitas vezes, é por intermédio de artefatos pertencentes a cultos e resgatados por terceiros que temos uma visão das suas atividades mais reprováveis. Os artefatos usados por um Culto dizem muito a respeito dele e de seus membros, lançando uma luz sobre aquilo que eles tem de mais enigmático.

Tomemos por exemplo o blasfemo Culto dos Devoradores de Cadáveres de Leng sobre o qual se sabe muito pouco, mas cuja existência é comprovada pela existência de amuletos usados por eles em seus ritos mais sagrados. Sobre o Culto falaremos mais a miúde posteriormente, já que esse artigo se debruça sobre os curiosos artefatos usados por estes devotos como uma espécie de distintivo de honra.

Esses pequenos berloques são muito bem protegidos pelos sectários e é extremamente raro que um deles seja encontrado ou reclamado. Em geral, ao tomar conhecimento que uma dessas joias cai em mãos de estranhos, os membros do Culto devotam grande esforço para recuperá-las. Há boatos de que uma peça em poder do Museu de Chicago, que estava em exibição na ala de antropologia oriental, foi roubada em plena luz do dia por um indivíduo que quebrou o display e tomou a peça antes de poder ser detido. Outro amuleto similar encontrado pelo arqueólogo e aventureiro Monterrey Jack em uma expedição a Península de Yucatán, teria sido roubado do Museu Nacional de Antropologia da Cidade do México em 1932. Na ocasião um guarda de segurança foi morto e um escândalo foi abafado à respeito de como se deu o roubo na instituição. Seja como for, é possível que outros desses amuletos tenham chegado às mãos de colecionadores privados e museus ao redor do mundo. É provável que muitos deles desconheçam o perigo que correm, meramente em possuir tais objetos em seus acervos.

Os amuletos podem se diferenciar em pequenos detalhes, variando em decorrência do ramo do culto que o criou, mas em geral eles guardam similaridades. São talhados em uma peça única de jade verde profundo. De fato, seus criadores se esmeravam em selecionar as melhores peças minerais, quanto mais verdejante melhor, para a criação dos artefatos. Os amuletos eram confeccionados por artesãos experientes que faziam parte do culto e que concediam à peça a forma desejada. Ele poderia ter formato arredondado achatado, uma forma de drágea ou ainda ser esculpida como uma pequena estatueta. No oriente esta última modalidade é a mais comum, enquanto na América Central, a preferência seja por formas arredondadas. Sabe-se de um secto na Rússia que utilizava peças em forma de gota com detalhes em ouro. De todo modo, os amuletos possuem um cordão, geralmente de couro cru, para que possa ser vestido ao redor do pescoço como forma de identificação.

É comum a todos os amuletos, não importa a cultura, que ele traga a imagem de uma criatura agachada semelhante a um grande cão de corpo delgado dotado de asas, do qual decorre seu nome - Amuleto do Mastim Alado. A representação lembra uma esfinge, com feições claramente caninas, embora um exame mais detalhado mostre detalhes perturbadores na anatomia da criatura. Alguns estudiosos que examinaram o item conceberam erroneamente a teoria de que a entidade retratada fosse o Deus central do Culto, quando na realidade ele é uma espécie de Guardião ou Custodes da seita. É comum que o amuleto traga inscrições com símbolos no verso, em geral caracteres do degenerado povo Tcho-Tcho que teriam sido os precursores na criação desses artefatos. Esses caracteres por vezes sofrem alterações, perdendo seu significado ao longo das gerações, ainda que no Planalto de Leng as peças encontradas mantenham os símbolos intactos. A tradução do trecho é aberta a interpretações, mas acredita-se que o significado mais correto seja algo como:

"Oh, morte fiel que vem nas asas do guardião, 

Não se atrase jamais"

Os amuletos muitas vezes trazem em algum lugar o desenho de um crânio humano estilizado, com a boca aberta deixando à mostra dentes afiados. Este emblema é o símbolo mais conhecido do Culto dos Devoradores de Cadáver de Leng, uma imagem tétrica que se traduz em terror para muitos povos que tiveram o azar de cruzar o caminho dessa seita profana de canibais.

Segundo as crenças sagradas do Culto, os amuletos são criados quando uma vítima usando o amuleto em volta do pescoço é sacrificada por um sacerdote. Geralmente esse sacrifício se dá por enforcamento através de um garrote, mas algumas seitas utilizam um pesado porrete para desferir um golpe certeiro na testa da vítima. O cadáver então é preparado ritualisticamente para consumo, com o Sacerdote responsável pelo ritual se alimentando do coração e oferecendo o restante do corpo aos demais membros numa ceia comunal. Simbolicamente a alma da vítima é marcada e conduzida para um limbo dimensional em que os Mastins Alados habitam. Lá essa alma infeliz é caçada, feita em pedaços, mutilada e devorada pelas grandes bestas através da eternidade. Esse sustento espiritual é oferecido ritualisticamente a cada ano. O amuleto então é removido e presenteado a um membro escolhido pelo sacerdote e que provou seu valor diante da congregação. Ele simboliza um reconhecimento a dedicação e lealdade de um cultista.

Uma vez que o amuleto foi usado para capturar um espírito, acredita-se que ele conserva uma parcela de sua energia vital, podendo ser drenada pela pessoa que o possui. Alguns acreditam que o detentor de um amuleto é capaz de se comunicar com a alma da vítima presa no limbo e que sofre tormentos inenarráveis. Esses amuletos permanecem geralmente escondidos, sendo usados apenas durante os rituais e reuniões do Culto. Membros fora da Seita não devem tocá-los ou mesmo saber de sua existência. Geralmente esses colares são recolhidos após a morte de seu dono e concedidos a outros membros, contudo não é impossível que eles possam ser sepultados junto com cultistas de grande status. 

Os amuletos são imbuídos de poderes ligados à feitiçaria do Povo Tcho-Tcho e são itens que conservam capacidades necromânticas latentes. Além de permitir que seu detentor fale com o espírito aprisionado em seu interior e se valha de energia mística contida nele, os colares são usados como foco em diferentes rituais ensinados aos cultistas a medida que eles avançam nas fileiras da seita. Há relatos de amuletos sendo utilizados para consagrar os doentios rituais antropófagos, para se comunicar psiquicamente com outros membros, para comungar com entidades não humanas e principalmente para invocar os Guardiões do Culto, os terríveis Mastins Alados.

Para esse propósito, o cultista deve ter aprendido o ritual com algum sacerdote que o julgou apto dessa honraria. Para trazer um Mastim Alado ao mundo dos homens é necessário realizar um ritual em que o sangue do invocador é coletado em uma cabaça combinado a raízes e ingredientes e usado para pintar símbolos arcanos em seu corpo. A magia só funciona à noite, e tem maior chance de ser bem sucedida nas noites sem lua. 

Após cumprir os preparativos e pintar no chão um círculo de magia iluminado por nove velas, o realizador entoa um cântico lamuriento no idioma dos Tcho-Tcho que irá estreitar a barreira entre as dimensões e permitir que o Mastim Alado rasgue esse tecido e adentre nossa realidade. O ritual em geral demora nove horas para ser concluído. Se a invocação for conduzida corretamente, um Mastim Alado irá surgir no centro do círculo desenhado com sangue para ouvir o pedido de quem o conjurou. Em geral, esse pedido envolve a destruição de um inimigo, a obtenção de algum objeto de poder ou alguma outra missão em nome do Culto. 

O Mastim, se julgar o pedido aceitável, partirá então para concluir sua parte do acordo, e ao regressar, cobrará um sacrifício a ser entregue pelo invocador. Entre os Tcho-Tcho esse sacrifício podia ser de qualquer mortal, oferecido como tributo e levado para a Dimensão dos Mastins Alados. Dentre as seitas Mesoamericanas convencionou-se que os feiticeiros oferecessem uma criança para saciar a fome das feras.

Possuir ou pior ainda, vestir o Amuleto do Mastim, é um perigo para qualquer um não iniciado nos mistérios do Culto dos Devoradores de Mortos de Leng. Não apenas os cultistas são capazes de rastrear e atacar quem estiver de posse dele, como entidades sobrenaturais terminam por tornar a vida do infiel desagradavelmente curta. Eventualmente o uso de um desses amuletos acaba por atrair a atenção de um Mastim Alado que aos poucos começa a fazer seu caminho para punir o transgressor que inadvertidamente utiliza o amuleto. Estas bestas ferozes de dimensões distantes são mestres na caçada e terríveis rastreadores. Aos poucos a presença deles pode ser sentida com manifestações selvagens ocorrendo ao redor da pessoa amaldiçoada que passa a ver os contornos de outra realidade e sentir a presença cada vez mais próxima da fera. Algumas vítimas descrevem sentir o cheiro nauseante, o som dos uivos cada vez mais próximos e os latidos ferais das criaturas. Por fim, percebem o contorno dessas criatura se formando cada vez mais perceptível em nosso plano.

Acredita-se que feiticeiros Tcho-Tcho saibam como aplacar a fúria dos Mastins e evitar que eles apareçam para demandar sua vingança perante o transgressor. Mas parece pouco provável que eles compartilhem esse saber.

Eventualmente o Mastim Alado irá conseguir atravessar para nossa dimensão com o intuito de perseguir o transgressor. A criatura buscará capturá-lo e este será carregado de volta para o Limbo Dimensional onde amargará um terrível destino. Não existe nenhuma maneira de ludibriar o Mastim que inicia uma caçada, mas é possível que poderosos feitiços de proteção que envolvem o Símbolo Ancestral ou relíquias extremamente poderosas como o Olho da Luz e Trevas possam ajudar.

NOTA: O Conto "The Hound" escrito por H.P. Lovecraft em 1922 e publicado na Revista Strange Tales de fevereiro de 1924 apresenta esse perigoso objeto amaldiçoado e também o Mastim Alado. 

A história narra as desventuras de uma dupla de violadores de cemitérios que roubam e colecionam peças removidas de ataúdes ao redor do mundo. Em uma visita a Holanda eles encontram uma sepultura incomum e dela extraem um amuleto que tratam como um grande prêmio. No decorrer da história descobrem o terrível preço a ser pago por reclamar inadvertidamente esse objeto. O conto é notável por conter a primeira menção ao célebre tomo de conhecimento blasfemo, o Necronomicon

Ele também é notável pela qualidade repulsiva dos dois protagonistas que não apenas são ladrões de sepultura, mas pessoas de hábitos e costumes extremamente reprováveis. Lovecraft se esmerou ao criar dois de seus personagens mais detestáveis, o narrador da trama e seu amigo, identificado como St. John.

A dupla tem um fim medonho, sendo levados às raias da completa insanidade pela vinda cada vez mais próxima do Mastim Alado que chegaria para puni-los. 

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Pânico em Nova Orleans - O Bizarro Caso do Diabo de Algiers


Localizado nos bancos ocidentais do rio Mississippi, em Nova Orleans, Louisiana, encontramos o distrito histórico de Algiers. Registrado no Centro Nacional de Lugares Históricos, ele é o segundo bairro mais antigo da cidade, conhecido por sua arquitetura histórica, igrejas e por ter sido o lar de inúmeros músicos de jazz. Algiers infelizmente sofreu enormes danos durante o Furacão Katrina em 2005, mas que aos poucos se recuperou do desastre.

Nova Orleans sempre foi uma cidade vibrante cheia de história e arte, mas o que muitas pessoas desconhecem é que ela tem uma rica história de tradição e folclore. Uma lenda popular na cidade envolve uma entidade estranha e sinistra que aterrorizou justamente a área de Algiers no final da década de 1930.

Tudo ocorreu no outono de 1938, quando um visitante indesejado bastante estranho começou a rondar as ruas escuras do distrito, sempre à noite. Testemunhas começaram a relatar que se tratava de uma figura alta e corpulenta com "olhos grandes, orelhas pontudas e chifres negros recurvos de carneiro no topo da cabeça". Essa criatura era vista espreitando perto de igrejas e prédios históricos, observando de vielas escuras e becos mal iluminados. Dizia-se que essa figura tinha todo tipo de poder estranho, como a capacidade de levitar, mudar de forma, desaparecer no ar e causar um medo profundo naqueles que o viam. Em muitos casos, as pessoas relataram ter sido confrontadas pelo misterioso ser e sentir como se tivessem temporariamente abandonado seus corpos perdendo a consciência e despertando em outros lugares da cidade horas mais tarde, sem saber como tal coisa havia acontecido. Outras relatavam assistir suas vidas passarem diante de seus olhos como testemunhas silenciosas. Os que viram o estranho também relataram posteriormente sofrer pesadelos pavorosos por várias noites à fio. 

Dizia-se que o estranho assediava as pessoas solitárias, apresentando-se como o diabo em pessoa, oferecendo acordos, lançando obscenidades, insultos e maldições antes de desaparecer na escuridão. Ele buscava principalmente mulheres e casais negros. O tal diabo teria supostamente fechado pactos com interessados em trocar suas almas imortais por dinheiro, poder e fama. Ele também demonstrou possuir força sobre-humana vencendo um conhecido valentão com um único golpe.


Quando os relatos começaram a se espalhar pela população, muitos ficaram céticos, afinal aquilo parecia um absurdo sem sentido. Contudo o grande número de pessoas encontrando a criatura fez com que essa percepção mudasse drasticamente, com muitos afirmando categoricamente que a criatura realmente existia. Ele ganhou apelidos e passou a ser chamado de o Homem com Chifres de Algiers ou ainda de Diabo de Nova Orleans. 

Alguns relatos feitos por testemunhas parecem simplesmente absurdos e inacreditáveis. Um desses incidentes envolve um casal que estava voltando para casa de carro quando foi interpelado por um estranho acenando para eles pararem o veículo. Eles encostaram para ver se o homem estava com problemas, e ele lhes pediu carona. A mulher afirmou ter um mal pressentimento, sobretudo porque sentiu um forte cheiro de enxofre cercando a figura morena e bem vestida. Ela pediu ao marido para irem embora e ele acabou concordando. Alguns quilômetros adiante, passaram pelo mesmo homem, que mais uma vez sinalizou pedindo a eles que parassem e lhe dessem carona. O motorista simplesmente acelerou achando aquilo muito estranho. Eles o encontrariam uma terceira vez perto de Algiers ocasião em que a figura sinistra finalmente revelou sua aparência demoníaca, fazendo seus olhos brilharem com um fulgor sobrenatural e apresentando os chifres que cresciam na sua cabeça.

O casal aterrorizado com aquela visão correu para a polícia que deu início a uma busca pelo misterioso estranho. Eles aparentemente conseguiram encontrá-lo andando pela estrada e um policial deu ordem para que ele parasse. O homem riu e se desmaterializou diante dos olhos incrédulos dos agentes da lei que relataram o bizarro incidente.


Uma história semelhante aconteceu com uma jovem que estava saindo de um salão de dança certa noite e foi confrontada por um homem com chifres na cabeça. Ela gritou por socorro e algumas pessoas apareceram para ajudar. O Diabo de Algiers fez com que quatro dos homens caíssem inconscientes meramente olhando para eles. Outro que resistiu ao estupor teria sacado uma pistola e disparado nele à queima roupa. As testemunhas afirmaram que o tiro não provocou qualquer efeito, após o que o Homem do Diabo desapareceu deixando no ar sua gargalhada sinistra.

Dias mais tarde, o Diabo de Algiers foi visto cavalgando um garanhão preto e com olhos faiscantes, pelas ruas de Algiers. Nessa ocasião ele teria sido visto por dezenas de pessoas que ouviram o som dos cascos do animal ecoando na noite. 

Os relatos continuaram a se multiplicar ganhando repercussão nos principais jornais da Louisiana. Em pouco tempo os rumores, mergulharam a população de Nova Orleans em uma histeria em massa. De fato, as pessoas estavam enlouquecendo. Haviam grupos de vigilantes percorrendo as ruas procurando pelo Homem Diabo o que resultou em mais violência. Foram feitas várias prisões depois que bandos armados espancaram inocentes falsamente acusados. Por pouco um homem não foi linchado depois que uma mulher apontou para um homem que ela achou estava a seguindo. No incidente mais grave um homem foi mortalmente baleado depois de ter sido confundido com a entidade diabólica. Com a situação saindo do controle, as autoridades aconselharam a população a ficar em casa depois do anoitecer.

Veio então uma reviravolta: detetives que trabalhavam no caso receberam uma dica anônima a respeito de um místico, autoproclamado feiticeiro e segundo os rumores, satanista conhecido como "Lord Harold Sorcière". Esse sujeito exuberante, absolutamente folclórico possuía informações vitais sobre o elusivo Diabo de Algiers. Harold, mais tarde identificado pelo nome de Carleton Clark, recebeu os policiais em seu consultório onde realizava seancés, lia cartas de tarô e fazia toda sorte de trabalhos mágicos. Quando interrogado ele confirmou que sabia quem - ou melhor o que - era o Diabo.


Clark alegou que a entidade havia sido invocada por ele próprio com o intuito de firmar um pacto diabólico entre um político da cidade e as forças infernais. O político em questão (cujo nome foi mantido em sigilo) desejava ter uma carreira política de sucesso e pediu a Carleton que intermediasse as condições do tal pacto. Ocorre que logo depois de fazer o demônio se manifestar fisicamente em um círculo de proteção, o político se arrependeu e ficou apavorado. Pior ainda, ele teria inadvertidamente rompido o círculo que restringia a entidade em seus limites. Livre para transitar pelo mundo físico, o Diabo escapou ganhando as ruas para espalhar a confusão pela cidade.

Depois de ouvir essa história inusitada os detetives não sabiam o que pensar! O mais provável é que Carleton fosse apenas um lunático, mas ele gozava de certa fama nos meios paranormais da cidade e muitos creditavam a ele credenciais como um poderoso ocultista. Carleton assegurou em seguida que poderia tentar atrair o demônio e convencê-lo a deixar Algiers para sempre, por um preço. Ele queria que a cidade pagasse 1500 dólares pelo serviço - em valores corrigidos de hoje, cerca de 35 mil dólares.

Num primeiro momento os detetives riram da oferta, mas o místico garantiu que estava falando sério e que aquela seria a única maneira de resolver o problema. 

Dias depois, o Diabo de Algiers apareceu uma vez mais nos arredores da Igreja de Deus em Cristo um dos prédios históricos mais conhecidos do distrito. Ele teria sido visto dirigindo impropérios para duas mulheres que se dirigiam para a missa. A criatura conforme descreveu um jornal local "rescendia a enxofre e carregava um tridente nas suas mãos. Ele soltou uma gargalhada zombeteira quando uma das mulheres apontou para ele a bíblia que levava consigo". Curiosamente o Diabo foi visto quase no mesmo horário a seis quadras dali galopando o mesmo cavalo preto sobre a linha férrea que delimitava o distrito. Essas aparições causaram grande repercussão e fizeram com se iniciasse um movimento popular para arrecadar o valor que Carleton demandava para despachar o Diabo de volta para o lugar de onde veio: as profundezas do Inferno.


Há diferentes versões do que aconteceu em seguida. 

Diz-se que o mago aceitou fazer o trabalho sem cobrar nada depois que foi convencido a corrigir o erro cometido. Outros defendem que uma arrecadação popular levantou a soma de 980 dólares, quantia que foi aceita pelo místico como comissão para o perigoso serviço que se propunha a realizar. O que aconteceu em seguida também divide opiniões. Em algumas narrativas Carleton Clark teria empreendido uma batalha épica contra o Diabo de Algiers atraído até uma encruzilhada à meia-noite pelo sacrifício de sete pombas brancas. Em seguida o místico usou de toda sua perícia arcana para esconjurar a entidade que desapareceu em uma nuvem de enxofre. Outra versão bem mais divertida atesta que o místico convidou o Diabo para vir com ele até um bar onde os dois beberam amistosamente uma garrafa de Bourbon e se tornaram amigos. No fim da noite, o ocultista convenceu a criatura a desistir de sua estadia na cidade e partir de uma vez por todas. 

Não se sabe exatamente o que aconteceu, mas o fato é que o o Homem com Chifres não foi mais visto em Algiers ou mesmo em Nova Orleans, sedimentando a lenda duradoura de que o flamboyant Lord Harold Sorcière teria logrado êxito. Ele se tornou uma figura enigmática, tratado por alguns como um herói, por outros como uma fraude ou mesmo um aproveitador.

É claro, a polícia de Nova Orleans não gostou nem um pouco da história e passou a investigar Carleton Clark suspeitando que ele estivesse por trás das aparições do Diabo desde o início e que tudo aquilo havia sido um plano para explorar a superstição das pessoas e lucrar.

Posteriormente, o místico decidiu deixar Nova Orleans desaparecendo na obscuridade quando a história começou a esfriar. Depois disso a narrativa ganhou tantas interpretações que é quase impossível hoje em dia separar o que é lenda e o que realmente teria acontecido. Mas será que se pode confiar em alguma parte desse relato exótico? Quem teria sido o misterioso Lord Harold Sorcière? Será que ele tinha verdadeiros poderes sobrenaturais ou não passava de um espertalhão e farsante?

É quase impossível saber, mas o interessante sobre as lendas urbanas é justamente isso. Cada um pode acreditar no que quiser, mas que essa história é boa, ah, isso é...

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

A Guerra da Astrologia - Quando o Horóscopo fez parte dos bastidores da Segunda Guerra Mundial.


No curso da Segunda Guerra Mundial, o sobrenatural não estava sendo usado apenas pelos Nazistas, mas também pelos Aliados. Há histórias estranhas e narrativas curiosas sobre a disputa mística nos bastidores do conflito.

Uma história muito estranha ocorreu quando nazistas e britânicos se envolveram em uma batalha que incluiu sensitivos, médiuns e astrólogos. Em 2 de novembro de 1938, uma carta chegou às mãos de um funcionário do Serviço de Segurança Nazista chamado Heinrich Fesel que trabalhava subordinado a Heinrich Himmler.  A carta foi mandada pelo astrólogo suíço Karl Ernst Krafft e sua mensagem tinha cunho urgente. Krafft explicou que havia previsto que a vida do Führer estaria em perigo iminente entre 7 e 10 de novembro daquele mês. Segundo ele, haveria uma terrível tentativa de assassinato e que ele deveria cancelar todas as aparições públicas durante esse período. Pode parecer absurdo, mas a cúpula do Regime mantinha em sua folha de pagamento uma série de astrólogos e sensitivos cuja função era traçar mapas astrais e analisar cartas envolvendo os figurões do partido. Um departamento inteiro tinha essa função específica. 

Foi explicado em termos inequívocos que a informação precisava chegar a Himmler e ser repassada ao próprio Hitler. Deixar de fazê-lo seria desastroso para o futuro do Reich de mil anos. Contudo, Fesel não era particularmente apaixonado pelo conceito de astrologia, embora soubesse que muitos devotavam tempo ao assunto. Fesel não estava disposto a levar em consideração aquele tipo de alarmismo que na sua visão era absurdo. Ele silenciosamente ignorou a carta e colocou o alerta de lado. 

No entanto, a previsão de Kraft acabou realmente se concretizando!

Em 8 de novembro de 1938, Hitler estava programado para fazer um grande discurso numa Cervejaria de Munique. Naquele dia, o tempo estava bem ruim, então ele deixou o evento 30 minutos mais cedo sem avisar ninguém. Exatamente 10 minutos depois que o Führer saiu, uma explosão provocada por uma bomba-relógio destruiu o salão. A bomba havia sido colocada numa coluna atrás do pódio onde Hitler faria seu discurso. A explosão matou oito e feriu mais de sessenta pessoas. Ela certamente teria matado Hitler se ele estivesse lá como originalmente programado. O atentado foi orquestrado por um homem chamado Johann Georg Elser. Seu objetivo era matar Hitler e dar início a uma revolução comunista na sequência. Ele foi posteriormente preso, torturado e executado por apoiadores do regime. 

Embora tenha escapado por um triz, a vida do Fuhrer continuava sob ameaça. Inacreditavelmente, no dia seguinte à explosão, um estudante de teologia da Suíça chamado Maurice Bavaud pegou uma pistola e se misturou a uma multidão durante um desfile barulhento também nas ruas de Munique. Seu plano era aguardar e atirar no Führer, mas quando Hitler passou perto dele, a multidão levantou as mãos e Bavaud não conseguiu prosseguir. Simpatizantes perceberam que ele estava armado e o denunciaram. Ele foi detido, entregue às autoridades e posteriormente executado.

Duas tentativas de assassinato em 24 horas se encaixava perfeitamente na previsão que Krafft havia especificado. Quando a notícia chegou até Fesel, ele pressentiu que havia feito besteira em ignorar a carta do astrólogo. Ele contatou Himmler e o vice-Führer Rudolf Hess, contando a eles sobre a previsão sombria que havia recebido. Fesel foi detido preventivamente por ter ignorado o alerta. Em seguida Himmler ordenou que o astrólogo fosse levado até Berlim para explicar como fez a previsão. Ele foi sequestrado pela Gestapo e embarcado para a Alemanha para interrogatório. A suspeita era de que Kraft poderia fazer parte da conspiração. Surpreendentemente ele foi capaz de convencer os nazistas de suas boas intenções e que poderia ser útil em situações similares.

Kraft acabou caindo nas graças da cúpula do Regime Nazista. Ele foi apresentado ao Dr. Joseph Goebbels, chefe do Ministério da Propaganda do Reich que ficou impressionado com suas credenciais e alegadas habilidades premonitórias. Se ele realmente tinha poderes ou não, não importava! Krafft era visto como uma ferramenta de propaganda em potencial nas mãos de Goebbels e este o usou da forma que lhe convinha. 


Goebbels incumbiu Kraft de interpretar as profecias feitas pelo Psíquico Nostradamus com o propósito de encaixar as previsões que fizessem Hitler parecer alguém destinado a grandes conquistas. Os nazistas tencionavam usar as profecias como propaganda, salientando que a Alemanha conquistaria a Europa. 

Krafft se envolveu fortemente neste trabalho e ajudou a interpretar as quadras de Nostradamus. Ele apontou várias profecias e dezenas de milhares de panfletos em seis idiomas foram distribuídos pela Europa expondo como as previsões de Nostradamus favoreciam o Terceiro Reich. 

O astrólogo ganhou importância cada vez maior nos círculos do poder. Ele era recebido por figurões nazistas que ouviam atentamente suas previsões e que se interessavam pelos seus conselhos. Eventualmente Krafft foi apresentado ao próprio Adolf Hitler que pediu várias leituras particulares. Não se sabe quanto das previsões realmente se concretizaram, mas com toda a importância que lhe foi dedicada, tudo indica que ele gozava de grande influência, sobretudo depois que ele escreveu um livro de sucesso que relacionava os Nazistas a previsões de Nostradamus.

Tudo isso começou a deixar os britânicos preocupados. O alto comando militar do Reino Unido começou a se perguntar se essa moda de astrologia, poderia ajudar a eles em uma eventual guerra. Eles não permitiriam que os alemães tivessem o monopólio das informações, então deram início a uma espécie de corrida armamentista astrológica.


Os britânicos contrataram seu próprio astrólogo, um excêntrico místico chamado Louis de Wohl. Recrutado pela Agência de Inteligência, o MI5, o trabalho de Wohl era construir sua própria campanha de propaganda astrológica para combater o que os nazistas estavam fazendo com Krafft. Para isso, Wohl não apenas começou a fazer previsões de horóscopo que contradiziam publicamente as de Krafft, mas também foi enviado aos Estados Unidos para garantir que suas previsões contra a Alemanha nazista fossem publicadas nas principais revistas de lá. 

Wohl alegou ter feito o Mapa Astral dos líderes alemães e que estes atestavam que os nazistas seriam derrotados. Ele também foi contratado para refutar o livro de Krafft que relacionava as previsões d  Nostradamus com as vitórias nazistas. Para Wohl os nazistas estavam fadados a serem derrotados por uma aliança que incluía os Estados Unidos que seriam levados à guerra no momento certo. Segundo ele, Nostradamus havia claramente previsto esses acontecimentos o que contradizia seu rival. 

Coube a Louis de Wohl escalar a guerra astrológica e levá-la a outro nível.

Ele procurou o Comando Militar afirmando ser capaz de usar habilidades paranormais afim de influenciar psiquicamente as ações do Führer. Seu objetivo seria causar confusão, desnortear e até manipular a mente de Hitler fazendo com que ele perdesse o comando de suas tropas. Em dado momento, Wohl alegou que ele poderia conjurar poder psíquico suficiente para matar Hitler usando energias negativas. Contudo é preciso notar que os britânicos não necessariamente acreditavam que o astrólogo tinha os poderes que ele alegava ter, isso parecia importante para as massas, e especialmente Hitler. Anos mais tarde, o major britânico Gilbert Lennox revelou sobre o assunto: "Era totalmente irrelevante nós consideramos aqueles conselhos astrológicos como valiosos. Tudo o que importava para nós era que Hitler seguisse essas regras e acreditasse nesse absurdo."

O plano era semear dúvidas entre as pessoas e deixar Hitler paranoico sobre o futuro. O serviço secreto chegou a cogitar um plano que contemplava assassinar Krafft e substituí-lo por um médium que daria conselhos que acabariam prejudicando os nazistas. Mas o plano era problemático e esbarrava em certas questões. 


Além disso pouco depois Louis de Wohl começou a se tornar um inconveniente. Muitos consideravam que ele era bem mais do que um sujeito excêntrico. Para alguns ele era doido de pedra, considerado uma fraude mesmo entre outros astrólogos. Para alguns ele afirmava ser a reencarnação de Nostradamus e que suas previsões só poderiam ser corretamente interpretadas após a sua morte. Ele chegou a escrever cartas para um jornal usando um pseudônimo. Nelas afirmava ser um agente secreto contratado para matar Hitler psiquicamente. Segundo ele, Hitler morreria até 1942, vítima de um aneurisma que ele causaria, direcionando energias psíquicas contra o Führer.

Depois de descobrir que Wohl era o responsável pelas cartas, ele foi preso e impedido de falar com a imprensa. Posteriormente ele foi silenciado até ser totalmente afastado do esforço de guerra. Wohl morreu de tifo nos anos 1950, afirmando que Hitler passou a sofrer de Parkinson graças às energias que ele canalizou para matar o líder alemão. 

Mas o pior aguardava o adversário de Wohl que ainda estava à serviço dos nazistas. 

Tudo começou quando Rudolph Hess decidiu viajar até a Inglaterra para discutir termos de um cessar fogo no final de 1941. Era uma missão equivocada e não autorizada, influenciada por um sonho que Hess afirmava ter tido na véspera. O segundo em comando acabou preso após saltar de paraquedas sobre a Escócia. Eventualmente ele passaria o resto de sua vida na prisão. As ações de Hess deixaram Hitler furioso, mas também foram uma má notícia para qualquer um que fosse um astrólogo na época. 

Hess era um dos oficiais nazistas que mais acreditavam e apoiavam médiuns e astrólogos. Em dado momento ele tinha pelo menos meia dúzia de assessores paranormais ao seu redor. Muitos acreditavam que ele havia embarcado em sua missão insana a conselho de um desses psíquicos. Hitler ficou possesso! Mandou prender os assistentes sobrenaturais de Hess e torturá-los para saber a verdade. Em seguida deu início a uma repressão em larga escala de pessoas que praticavam qualquer coisa remotamente relacionada a astrologia. Isso resultou na prisão e morte de inúmeros astrólogos que até então eram bem vistos pelo regime. Karl Ernest Krafft acabou sendo denunciado depois de ter feito a previsão de que os nazistas jamais conseguiriam tomar as Ilhas Britânicas. Ele foi preso e deportado, morrendo em 1945 a caminho de ser transferido para o campo de concentração de Buchenwald


Na época, o esforço para expurgar a Alemanha de astrólogos acabou falhando porque alguns dos próprios homens de Hitler ainda acreditavam nessas coisas. O Professor Eric Kurlander, da Universidade Stetson estudou o tema e escreveu à respeito:

A repressão falhou porque o público alemão permaneceu esmagadoramente supersticioso. Membros do próprio alto comando nazista permaneceram teimosamente apegados a vários aspectos do sobrenatural e a crença científica nele. Goebbels e Himmler mantiveram seus astrólogos preferidos à salvo, mesmo após o decreto de Hitler de que eles deveriam ser expulsos.  

De fato, havia muitos nazistas que ainda estavam interessados ​​no paranormal e no ocultismo, e eles iriam abrir caminho para explorações bizarras do mundo sobrenatural. Os nazistas se tornariam conhecidos por essa busca insana em todo curso da guerra gerando muitas histórias que beiram o inacreditável.